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A armadilha do ethos

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A ARMADILHA DO ETHOS1 
 
Thiago Fernandes Peixoto (Universidade do Estado da 
Bahia) 
 
RESUMO: Este estudo, a partir da confluência entre Retórica e Análise do Discurso, analisa a 
construção do ethos em um panfleto político, distribuído durante as eleições de 2006, no qual Lula escreve 
uma carta manifestando apoio a Jaques Wagner, candidato de seu partido ao governo da Bahia. A Análise 
do Discurso, por abarcar contribuições de diversas áreas, tornou-se, por si só, heterogênea Assim ocorre 
com os estudos do ethos, que buscam apoio, não só nessa disciplina, mas também na Sociologia, na 
Retórica, na Pragmática, na Filosofia da Linguagem, enfim, nos estudos que fazem emergir uma imagem 
de si, veiculada pelo enunciado, e, em uma esfera maior, no seu ato produtor, a enunciação. Como suporte 
teórico, este trabalho recorre aos estudos retóricos sobre o auditório e o orador em Chaïm Perelman e 
sobre as estratégias discursivas em Patrick Charaudeau. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso; Retórica; Ethos; Estratégia de Discurso; 
Argumentação. 
 
ABSTRACT: This study, based on the confluence between Rhetorical and Discourse Analysis, 
analyses the construction of ethos in a politic handbill passed out during the elections of 2006 in which 
Lula writes a letter demonstrating his support to Jaques Vagner, a candidate of his party to the 
government of Bahia. The Discourse Analysis covers several areas, and because of that, it became itself 
heterogeneous. The same occurs with the studies of ethos that seeks support not only in Discourse 
Analysis but also in Rhetorical, in Pragmatic, in Philosophy of Language and in studies that contributes to 
emerge an image of it, transmitted by the statement, and, in a larger sphere, in its producing act, the 
enunciation. As a theoretical support, this paperwork falls back on rhetorical studies about the auditorium 
and the orator in Chaïm Perelman and about the discursive strategies in Patrick Charaudeau. 
 
KEY-WORDS: Discourse Analysis; Rhetorical; Ethos; Discourse Strategy; Argument. 
 
 
 “A fala é irredutível, é essa a sua fatalidade. O que foi dito 
não se pode emendar, salvo se for aumentado: corrigir é, aqui, 
estranhamente, acrescentar. Ao falar, nunca posso apagar, 
safar, anular; tudo o que posso fazer é dizer„anulo, apago, 
rectifico‟, em suma, falar uma vez mais” (BARTHES, s.d , p. 
75). 
 
 
1.1 A permanência do ethos 
 
Perguntar quais são os limites da Análise do Discurso hoje não é fácil, tamanho é o seu 
domínio de estudo. Uma resposta para essa questão poderia parecer mais viável há alguns anos 
quando, supunha-se, havia apenas a Escola Francesa de Análise do Discurso. Recentemente, uma 
estudiosa dessa disciplina, em uma palestra, afirmou que se ela não quiser perder seu estatuto de 
ciência, deve evitar o constante contato que mantém com outras ciências. Ela exemplificava o 
caso falando sobre os fundamentos da Análise do Discurso e suas diferenças com a Lingüística 
Textual. Os fundamentos aos quais ela se referia tratavam-se, na verdade, da teoria de Michel 
Pêcheux. O que vem ocorrendo em outros lugares que não somente naquela palestra. Certos 
livros que se dizem de introdução a AD expõe essa teoria sem mencionar que existem outras, 
algo que deve ser reprovado. 
 
1 PEIXOTO, Thiago Fernandes. A armadilha do ethos In: III simpósio internacional sobre Análise do Discurso: 
emoções, ethos e argumentação, 2008, Belo Horizonte. anais do III simpósio internacional sobre análise do discurso: 
emoções, ethos e argumentação, 2008. v. 1. 
Posição contrária é a adotada por Dominique Maingueneau em sua apresentação do 
numero 117 da revista Langage, edição de março de 1995. O título da edição já é bastante 
revelador: “Les Analyses du Discours em France”. Análises do Discurso, no plural, porque são muitas. 
Maingueneau escreve sobre algo que se fazia necessário, o fato de que a AD não se trata de uma 
disciplina fechada e isolada em si mesma, mas de diversas correntes de estudo reunidas em uma 
nomenclatura estabelecida por convenção. O que elas tem em comum é o interesse por um 
objeto de estudo, o discurso, que somente pode ser definido em função da teoria que o estuda e 
que se diversifica ao infinito em função dos lugares e momentos de enunciação. Uma coisa bem 
complexa para ser fechada em uma só teoria. Nem por isso estamos falando de um bloco 
disperso e desordenado de estudos, mas de uma área de confluência entre diversas ciências, que 
não somente a lingüística, com preocupações muito variadas. 
Veja-se o caso da Retórica, a Análise do Discurso engloba hoje muito do que no passado 
era preocupação apenas dela. A Retórica costuma ser definida como arte criadora da persuasão. 
Sendo a persuasão o ato de fazer alguém aderir a um certo posicionamento. Isso pode parecer 
tanto vago quanto duvidoso. Vago porque o que seria exatamente fazer com que alguém adira a 
um posicionamento? E o que seria um posicionamento? Duvidoso porque, desde Aristóteles, a 
Retórica está mais voltada para a defesa do que para o ataque. O filósofo grego coloca o estudo 
retórico como sendo uma técnica para sabermos quando alguém está tentando nos persuadir. O 
que não anula o fato de que exista o contrário, isto é, aqueles que querem aprender a persuadir. 
No século XX, porém, a Retórica ampliou seu horizonte. Observemos o que um retórico 
escreve: 
 
“O campo da moderna retórica alargou-se muito. Longe de limitar-se aos três gêneros 
oratórios dos antigos ela vai anexando, como lhe cabe, todas as formas modernas de 
discurso persuasivo, a começar pela publicidade, e mesmo dos gêneros não persuasivos, 
como a poesia. Não contente com reivindicar todo o campo do discurso, vai bem além, 
pois se apodera de todas as espécies de produções não verbais. Elabora-se assim uma 
retórica do cartaz, do cinema, da música, sem falar da retórica do inconsciente.” 
(REBOUL, 2004, p.82) 
 
Não é também isso o que a Análise do Discurso se propõe analisar, todas as formas de 
discurso que se propagam na sociedade? Vejamos um caso de ethos na confluência dessas duas 
disciplinas. 
Durante a campanha eleitoral do ano de 2006 foi divulgado na Bahia um panfleto no qual 
havia uma foto dos então candidatos Jaques Wagner, ao governo do estado, e Luiz Inácio Lula da 
Silva, a reeleição da presidência da república. Era a figura de dois senhores de barba e cabelo 
grisalhos. Estavam bem vestidos e ao lado um do outro. Lula usava uma jaqueta, Wagner um 
blazer, e os dois estavam com camisas azuis. Os candidatos ali apresentados lembravam dois 
irmãos. Mostravam-se alegres, estavam sorrindo, olhando para algo fora da foto, possivelmente 
para o eleitor. Wagner acenava com sinal de positivo. Ao fundo podia-se ver as cores da bandeira 
nacional. Abaixo, o nome de ambos (com muitas estrelas), entre o número do Partido dos 
Trabalhadores, 13, e o cargo almejado por cada um. Logo acima da foto havia a seguinte frase: 
“Essa parceria é melhor pra Bahia”, escrito em letras brancas sobre um fundo azul. 
A pergunta que desde já poderia ser formulada é: por que “essa parceria é melhor pra 
Bahia?” Quais são as propostas aqui apresentadas? A resposta é: nenhuma. Assim como em 
quase toda propaganda política. O que há, de fato, é uma imagem de sedução, um parecer que se 
passa por um modo de ser. A propaganda política é um desses lugares nos quais se propagam 
imagens de sedução. 
De fato, custamos aceitar que não são os candidatos que apresentam as melhores 
propostas os mais votados, mas aqueles que constroem uma melhor imagem de si. Os mais 
simpáticos, engraçados, alegres. Dessa forma, o panfleto não poderia ser diferente, como bem 
salienta Roland Barthes: 
 
“A fotografia eleitoral é, pois, antes de mais nada, reconhecimento de uma 
profundidade, de um irracional extensivo à política. O queé exposto, através da 
fotografia do candidato, não são seus projetos, são suas motivações, todas as 
circunstâncias familiares, mentais, e até eróticas, todo um estilo de vida de que ele é, 
simultaneamente, o produto, o exemplo, e a isca”. (BARTHES, 2001 p. 103) 
 
O que está ali representado é aquilo que, desde a retórica antiga, se entende por ethos: a 
imagem que o orador projeta de si mesmo com o objetivo de influenciar seu auditório. 
 A necessidade de saber convencer mediante caracteres apropriados a cada gênero de 
discurso é anterior ao estudo dos meios de persuasão: “Antes ninguém seguia uma rota traçada, 
nem se submetia a uma teoria e, entretanto, a maioria se exprimia com cuidado e ordem” 
(CÍCERO apud PLEBE, 1978, p. 1). É a própria necessidade de o homem viver entre outros 
homens, de fazer-se impor por meios que excluem a violência física o que faz com que a arte de 
persuadir ganhe valor. 
Ocorre o mesmo com os estudos sobre o ethos. Costuma-se remontar a Aristóteles sua 
sistematização enquanto componente oratório. Contudo, é difícil pensar em uma época na qual 
ninguém tenha construído uma imagem de si com a finalidade de influenciar aqueles a quem se 
dirigem as palavras. Tentar demonstrar a certeza do que se fala, que se está sendo sincero, 
selecionar as palavras consoante são direcionadas a um rei ou a um camponês, o próprio tom 
com que se fala, tudo isso pressupõe a construção de uma imagem de si. 
Para os retóricos antigos, a exemplo de Aristóteles, o ethos se caracteriza pelas qualidades 
que o orador deve demonstrar em seu discurso para parecer digno de crédito - tal como a 
prudência, a virtude e a benevolência, uma vez que “as pessoas de bem inspiram confiança mais 
eficazmente e mais rapidamente em todos os assuntos de um modo geral” (Retórica I, 2) - e por 
ele se exprimir de forma apropriada ao seu tipo social. Esse estudo continuará sendo realizado 
por outros retóricos como Cícero, Quintiliano e Pascal. 
As ciências da linguagem retomaram recentemente essa noção estendendo-a a toda forma 
de interação verbal, tanto falada quanto escrita, e não apenas ao estudo dos discursos 
pronunciados diante de um grande público, como faziam os retóricos antigos. Mesmo a Nova 
Retórica, de Perelman, não descarta a relevância dos textos escritos, uma vez que estes 
adquiriram grande importância na sociedade moderna. 
 Entretanto, nem sempre esses novos estudos utilizam o termo ethos, ele só aparece nas 
ciências da linguagem a partir de Ducrot2. Contudo, não é de outra coisa que se trata, por 
exemplo, a condição de sinceridade, de Searle, ou a necessidade de o orador adaptar-se ao seu 
auditório, em Perelman e Olbrechts-Tyteca, ou ainda a fotogenia eleitoral, de que fala Barthes em 
Mitologias. Mesmo uma foto, como a que descrevemos acima, é portadora de um ethos3: a barba 
e o cabelo grisalhos confere, aos candidatos, experiência de anos vividos; a jaqueta e o blazer, 
jovialidade; o sorriso no rosto tira deles qualquer sinal de rancor, na verdade, dá-lhes um ar de 
simpatia. Isso é relevante, pois se o homem é sedutor o que ele diz é convincente. 
 
1.2 A nova retórica e as estratégias de legitimidade e credibilidade 
 
Apesar de nem sempre receber esse nome o ethos está presente nos estudos da 
linguagem, seja ela verbal ou não. O Tratado da argumentação e a teoria das estratégias 
discursivas de Charaudeau demonstram bem isso. 
O Tratado da argumentação: a Nova Retórica, escrito por Chaïm Perelman e sua 
colaboradora Lucie Olbrechts-Tyteca, renovou os estudos retóricos no século XX, mas quase 
não teve repercussão no ano em que foi publicado (1958). Foi somente a partir do final da década 
de 70 que esse trabalho se firmou como um dos pilares dos estudos retóricos. 
 
2 O dizer e o dito. A primeira publicação data de 1984. 
3 Ver Ekkehard Eggs. Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna. In: Amossy, 2005. 
A maior preocupação desses autores está relacionada ao auditório e a constante 
necessidade que tem o orador de adaptar-se a ele. 
Conforme se nota no Tratado, seriam três os pré-requisitos para qualquer argumentação: 
 linguagem em comum, para que os interlocutores possam se compreender; 
 reconhecimento da hierarquia do orador e de seu auditório, já que não é qualquer pessoa que 
pode falar o que quiser para qualquer um; 
 conhecimento daqueles a quem se quer persuadir. 
De fato, qualquer orador quer persuadir um auditório, mas quem vem a ser o auditório? 
Seria a pessoa que o orador tem a sua frente ou a quem ele chama pelo nome? Nem sempre, 
assinala Perelman, porque o político que concede uma entrevista ao jornalista está mais 
preocupado com os leitores do jornal do que com a pessoa com quem ele está falando naquele 
momento. 
Torna-se, então, necessário definir o auditório como sendo “o conjunto daqueles que o 
orador quer influenciar com sua argumentação” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, 
p. 22). 
O auditório não é, dessa forma, uma pessoa física, mas uma abstração criada pelo orador, 
que teria, mais ou menos esquematizado, a visão de quem ele seria, para assim poder persuadi-lo. 
Podendo, para isso, relacioná-lo a alguma categoria: idade, sexo, classe social. As argumentações 
mal sucedidas poderiam ser o fruto de uma visão distorcida do auditório. 
Posição incomoda essa, pois não há dependência entre a argumentação e as convicções 
pessoais do orador, sendo que tudo dependeria das crenças do auditório. O ethos criado por 
aquele que fala ou escreve seria então a imagem que, de antemão, se esperaria ver expressa por 
ele: o auditório faz uma imagem do orador, mas este já criou antes uma imagem daquele. 
Note-se a mudança de tom motivada pela diferença de auditório: 
 
Enunciado1: “Na hora de partilhar o pão, tem cara que quer mais pão do que outro, 
não quer dividir, repartir”. 
 
Enunciado2: “Precisamos engajar-nos – política e materialmente – na única guerra da 
qual sairemos todos vencedores: a guerra contra a fome e a miséria. Erradicar a fome 
no mundo e a miséria é um imperativo moral e político”. 
 
Os dois enunciados foram proferidos por Lula, mas em momentos diferentes. O primeiro 
foi no lançamento da Agenda Social Quilombola, no Palácio do Planalto, o segundo na abertura 
da 58ª Assembléia-Geral da ONU. No primeiro exemplo, o auditório presumido seria composto 
por brasileiros ávidos por melhorias sociais (requer-se assim uma fala popular), no segundo, por 
chefes de estado, mas não somente por eles, pois o que ali é dito pode repercutir em outros 
lugares. “O importante, na argumentação, não é saber o que o próprio orador considera 
verdadeiro ou probatório, mas qual é o parecer daqueles a quem ele se dirige” (IDEM p. 26-27). 
Os argumentos selecionados pelo orador mostram como ele concebe seu auditório, uma vez que 
é em função deste que se elabora a argumentação, de suas crenças, explícitas ou não, do que ele 
considera relevante, digno de crédito. 
Mostra-se, ainda, muito delicada a questão de que aqueles a quem se dirige a 
argumentação por sua vez contra argumentam, mesmo que isso não seja verbalizado. Esse fato, 
aliado a enorme variedade de alguns auditórios, revela-se um dos maiores problemas para eficácia 
da argumentação. Seria, então, necessário que o orador, para persuadir a todos, expusesse uma 
quantidade incabível de argumentos, algo que não é possível em alguns gêneros de discurso. Ao 
contrário, apresentar-se sob uma luz favorável já é um argumento dos mais fortes. 
Isso acontece freqüentemente na propaganda política. Quase não são expostos programas 
de governo, mas motivações pessoais dos candidatos (mesmo porque a maior parte dos eleitores 
não os entenderia, além do mais não se pode expô-los detalhadamente nas propagandas, já que 
elas têm tempo e espaço curtos). 
É importante o conhecimento que oorador possui do seu auditório, mas de igual forma é 
decisivo o papel desempenhado por aquilo que o auditório reconhece no orador, ou seja, seu 
estatuto social, aquilo que se pode saber do seu histórico de vida, suas convicções expressas. 
Pensando dessa forma entramos na problemática da legitimidade e da credibilidade. 
A legitimidade está para o poder, assim como a credibilidade está para a competência, e 
ambos fazem parte daquilo que Patrick Charaudeau entende por estratégia de discurso. Essa 
noção procura compreender o que fundamenta um ato de linguagem. Ela recobre perguntas 
como: “O que me autoriza a falar?” e “Como posso ser levado a sério?”, o que já não é pouca 
coisa. 
É necessário saber que existe um dentro e um fora da linguagem: não é por eu ser um rei 
que tudo o que falar será acatado. A situação e o papel do interlocutor determinarão isso. 
Charaudeau vai de desencontro às idéias de Bourdieu, para quem o poder das palavras 
corresponde ao poder de seu porta-voz, tudo já estando de antemão demarcado. Não sobraria, 
assim, papel algum para ser desempenhado pela linguagem. Bourdieu é sociólogo e o alvo de suas 
criticas é Austin4, mas dessa forma ele acaba por atacar vários estudos da linguagem, inclusive a 
noção de ethos. 
Ora, o padre que diz “Eu te batizo” não pode dizer “Eu te condecoro”. Nem dizer “Eu 
te batizo”, em uma situação de comunicação fora da cerimônia do batizado, com todas as 
convenções exigidas, nem mesmo dizer isso se ele não for o padre escolhido para batizar 
determinada pessoa. Entretanto, não basta apenas poder falar, é necessário ainda ser ouvido, ser 
dotado de credibilidade. 
Ao contrario da legitimidade, a credibilidade não é dada, é construída. Ela se pauta em 
uma capacidade, em um saber fazer. Ninguém pode obrigar o orador a ser sincero, mas ele deve, 
ao menos, aparentar sinceridade para ser levado a sério. Vê-se que a credibilidade não se 
confunde com o ethos, ela está para o ethos, o qual pode tornar uma pessoal crível ou não. . 
“Logo, a legitimidade vem ao sujeito, não somente do espaço externo, mas do „grau de 
adequação‟ que se estabelece entre a identidade psicossocial do sujeito (espaço externo) e seu 
comportamento enquanto ser linguageiro, comunicante (espaço interno)” (CHARAUDEAU, 
1996, p.29). 
 
 
1.3 O ethos Lula 
 
 
Já foi possível notar que ao aceitar que existe um dentro e um fora da linguagem nos 
afastamos de teóricos como Dominique Maingueneau e Oswald Ducrot, para quem o ethos é 
uma construção interna ao ato de tomar a palavra. 
Ora, é necessário reconhecer que, principalmente em matéria de política, existe uma 
imagem que circula na sociedade independente de qualquer fala. Lula é um político popular: gosta 
de futebol, tido como “paixão nacional” (aliás, é torcedor fervoroso do Corinthians), de estar 
entre amigos, de abraçar o povo mais carente... É de conhecimento geral que ele é nordestino, 
teve que sair de sua terra natal devido a dificuldades, foi metalúrgico, sindicalista. É considerado 
um homem persistente, pois somente conseguiu se eleger após mais de uma década concorrendo 
ao cargo presidencial. 
É esse ethos prévio de Lula que lhe confere legitimidade para falar em fome, miséria, 
persistência, sofrimento, povo excluído. Afinal, seu histórico de vida lhe confere esse poder. 
 
4 “Na verdade, a força ilocucionária das expressões (illocutionary force) não poderia estar localizada nas próprias 
palavras, como, por exemplo, os vocábulos „performativos‟, nas quais tal força estaria indicada, ou melhor, representada, 
no duplo sentido (...) O poder das palavras é apenas o poder delegado do porta-voz”.(BOURDIEU, 1998 p. 85,87). 
Apesar da argumentação mudar em função do auditório e, assim, o ethos também mudar, 
existem traços que fazem com que possamos falar em um “ethos Lula” e não somente no ethos 
construído por Lula em tal ou tal discurso. 
Existem imagens que são mais fortes que outras. Getulio Vargas, por exemplo, apesar de 
ter sido taxado de demagogo, tirano, facista por alguns, ficou mais conhecido como “pai dos 
pobres” e não há nada que possa mudar isso. 
Qualquer imagem de si construída no domínio político é frágil5, sua eficácia depende do 
contexto. A imagem de populista construída por Lula, de homem do povo, o fez ser taxado de 
“comunista” em outras eleições. O que lhe valeu a perda de muitos votos. Essa será, porém, uma 
estratégia eficaz a partir das eleições de 2002, ano em que ganhou pela primeira vez as eleições 
presidenciais. Tanto que em 2006 o slogan da campanha será: “Lula de novo com a força do 
povo”. O mito do comunista já estava muito longe. 
No verso da foto podia-se ler a transcrição de uma carta escrita por Lula, manifestando 
seu apoio a Wagner. Quem seria o auditório presumido nessa propaganda? No inicio da carta ele 
interpela como sendo seus interlocutores: “Meu querido Jaques Wagner”, “Meus queridos 
companheiros do PT da Bahia”, “Meus amigos da Coligação „A Bahia de todos nós‟”. Seria, 
porém, ingenuidade pensar que são apenas esses. Quem seria esse auditório então? Pode-se dizer 
que ele é constituído por todo o povo baiano. 
Qual é o objetivo de um panfleto político em época de eleições? Ganhar votos. Então 
porque escrever uma carta, para apenas manifestar apoio a um candidato, e publicá-la? Não seria 
mais fácil apenas pedir os votos e apresentar as boas razões para ser votado? As coisas não são 
tão simples assim. Falar de suas qualidades poderia causar o efeito inverso. Pelo contrário, deixar 
tudo subentendido, que se é o mais honesto etc. é o que vai causar boa imagem de si. O ethos 
positivo criado pelo político não pode ser dito, deve ser mostrado. O que não exclui que uma 
pessoa cause uma imagem de si ao explicitar de forma direta suas qualidades, ao se auto-elogiar, 
mas essa imagem dificilmente pode ser boa. O ethos é silencioso. 
O que fica implícito nesse panfleto é que seria bastante vantajoso que o governador de 
um estado fosse amigo do presidente, assim como Wagner é seu. Contudo, ambos são candidatos 
e não se pode, para eficácia dessa vantagem, votar apenas em um deles. Tem-se que votar nos 
dois. 
Como Lula fala para seus eleitores? Ele fala enquanto amigo de Wagner, militante do PT, 
candidato a presidência para um segundo mandato, mas também fala enquanto presidente, afinal 
ele ainda está no cargo. Não é à toa que a data e o local da carta são explicitados: “Brasília, 29 de 
junho de 2006”. Brasília é o local em que se concentra o poder executivo no Brasil, e 29 de junho 
de 2006 é uma referência atual, para a data na qual o panfleto foi distribuído, em que o presidente 
em exercício ainda era Lula. Toda data e local são mostrados em uma carta, mas aqui eles 
adquirem sentido diferente, porque não é a palavra que é significativa em si, mas o fato dela haver 
sido utilizada. 
Não existe apenas um ethos nesse panfleto, mas diversos. Há os que, de certa forma, 
pudemos explicitar ao descrever a foto dos candidatos e também os que estão mostrados na 
carta. 
Vejamos alguns. 
Lula se apresenta como homem sério: “O que está em jogo não é apenas vencer mais uma 
eleição”.Ele é virtuoso, pois não abandona seus amigos, nem seu partido - apesar dos escândalos 
sobre corrupção que pairavam naquele momento - pelo contrário, mantém-se fiel a eles. Ele 
 
5 “Existem, então, três espécies de disposições; duas delas são vícios que envolvem excesso e carência 
respectivamente, e a terceira é uma virtude, ou melhor, o meio-termo (...) Por conseguinte, a pessoa que se encontra 
em um dos extremos empurra a pessoa intermediaria contra a outra, e, assim, o homem corajoso é chamado 
temerário pelo covarde, e covarde pelo temerário, e da mesma maneira nos outros casos.” (ARISTÓTELES, 2006, 
1108b.) 
possui caráter, jáque quer advertir o povo do jugo a que pode ser submetido, e também é o chefe 
que quer guiá-los nesse árduo caminho, o que começou a fazer no primeiro mandato: 
 
“O que está em jogo é, na verdade, a possibilidade de consolidarmos nos próximos 
quatro anos o projeto que iniciamos em 2003, o projeto de assegurar ao País um 
desenvolvimento sustentável, com a justiça da distribuição, com tal consolidação dos 
direitos ao povo excluído que governo nenhum possa mais destruir ou privar”. 
 
Ele é humano, possui sentimentos fraternos tanto pelo povo quanto por seus amigos. 
Não é à toa que o léxico selecionado se compõe de palavras como querido, fidelidade, 
companheiro, alegria, tristeza. Ele é solidário, se preocupa com o povo que sofre, o povo 
excluído. Também trabalha em conjunto, sabe que não pode fazer tudo sozinho, por isso requer 
a colaboração de outros (principalmente do povo, que deverá elegê-lo - aqui é a imagem da 
soberania popular), Lula não é egocêntrico: “Confio no povo da Bahia e no trabalho de nossos 
militantes”.É ao mesmo tempo doce e forte, mesmo porque o político não pode se isolar em um 
desses extremos: “Por isso é que tenho certeza que podemos contar, uma vez mais, com a garra, 
com a força e a generosidade de nossa Militância”. 
São essas diversas mesclagens de imagens o que lhe confere credibilidade. Credibilidade 
sem a qual o ato de convencer tende ao fracasso. O ethos é o que confere o sucesso desse 
empreendimento, que modifica o modo de ver do publico tornando o que o orador deseja uma 
opinião aceitável. Não ocorreria o mesmo se apenas se expusessem os argumentos. 
Os trabalhos sobre o ethos constituem-se mais em duvidas que em certezas. Tentar 
trabalhar o ethos político enquanto imagens que circulam na sociedade não é algo fácil. Constitui, 
na verdade, tarefa das mais complicadas. Esperamos, porém, que essa pequena síntese possa 
contribuir com os interessados em investigar os diversos discursos que, a todo momento, 
encontramos ao nosso redor. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Referências 
 
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ARISTOTELES. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d. 
 
_____________. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2006. 
 
AUSTIN, J.L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artmed. 1990. 
 
BARTHES, R. O rumor da língua. Lisboa: Edições 70, s.d. 
 
___________. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 
 
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Anexo 1 
 
 
 
 
Anexo 2

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