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Introdução Professora Doutora Luscelma Oliveira Cinachi Craice Ementa • EMENTA: Direitos Civis, sociais e políticos. O iluminismo e a origem da cidadania. O Marxismo e a sua contribuição para a construção da cidadania. Análise da cidadania na sociedade capitalista. Neoliberalismo e cidadania. Cidadania e melhora social. O papel do estado e cidadania. Pluralismo, tolerância e cidadania. BIBLIOGRAFIA BÁSICA • DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 2009. • STRECK, Lenio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. • WEFFORT, Francisco. Os clássicos da política. Vols. I e II. São Paulo: Ática, 2006. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR • AZAMBUJA. Darcy. Teoria geral do estado. São Paulo: Globo, 2008. • BONAVIDES, Paulo. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2009. • FILOMENO, José Geraldo brito. Manual de Teoria geral do Estado e Ciência Política. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. • BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010. • BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009. • BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2008. • DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. São Paulo: Saraiva, 2009. Afinal, o que é ser cidadão? Ser cidadão • É ter direito à vida • É ter direito à liberdade • É ter direito à propriedade • É ter direito à igualdade • É participar no destino da sociedade – votar e ser votado • É participar da riqueza coletiva: direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranquila • É, em resumo, ter direitos civis, políticos e sociais. Estas aulas vão tratar • Do processo histórico que levou a sociedade ocidental a conquistar esses direitos • Assim como dos passos que faltam para integrar os que ainda não são cidadãos plenos Cidadania • Não é uma definição estanque, mas um conceito histórico • O que significa que seu sentido varia no tempo e no espaço • É muito diferente ser cidadão na Alemanha, nos Estados Unidos ou no Brasil • não apenas pelas regras que definem quem é ou não titular da cidadania (por direito territorial ou de sangue), mas também pelos direitos e deveres distintos que caracterizam o cidadão em cada um dos Estados-nacionais contemporâneos • Mesmo dentro de cada Estado-nacional o conceito e a prática da cidadania vêm se alterando ao longo do tempo ao longo dos últimos duzentos ou trezentos anos • Isso ocorre tanto em relação a uma abertura maior ou menor do estatuto de cidadão para sua população (por exemplo, pela maior ou menor incorporação dos imigrantes à cidadania), ao grau de participação política de diferentes grupos (o voto da mulher, do analfabeto), quanto aos direitos sociais, à proteção social oferecida pelos Estados aos que dela necessitam. • A aceleração do tempo histórico nos últimos séculos e a consequente rapidez das mudanças faz com que aquilo que num momento podia ser considerado subversão perigosa da ordem, no seguinte seja algo corriqueiro,“natural”. • De fato, não é nada natural, é perfeitamente social • Não há democracia ocidental em que a mulher não tenha, hoje, direito ao voto, mas isso já foi considerado absurdo, até pouco tempo atrás, mesmo em países já desenvolvidos da Europa como a Suíça. • Esse mesmo direito ao voto já esteve vinculado à propriedade de bens, à titularidade de cargos ou funções, ao fato de se pertencer ou não a determinada etnia etc. • Ainda há países em que os candidatos a presidente devem pertencer a determinada religião (Carlos Menem se converteu ao catolicismo para poder governar a Argentina – segundo o historiador Jaime Pinsky, In: Historia da Cidadania, 2016, p. 10) • Outros em que nem filho de imigrante tem direito a voto e por aí afora. Recordando • Os princípios sobre os quais se baseiam os estados de conceder a cidadania a estrangeiros residentes no seu território são basicamente três: jus soli, jus sanguinis e jus domicilii. Mas as leis que aplicam esses princípios podem variar de país para país. • Jus sanguinis (direito de sangue): De acordo com este princípio, a nacionalidade de um Estado é até os filhos de seus cidadãos (e, em alguns casos, como no Brasil, até mesmo para os descendentes remotos), independentemente de onde eles nascem. Cidadania italiana é baseada principalmente na regra. • Jus soli (direito do solo), caso em que a nacionalidade pertence a todas as pessoas que nascem no território do Estado, independentemente da nacionalidade de seus pais. • Jus domicilii (direito de residência): a cidadania é concedida a quem reside permanentemente no território de um Estado. O período mínimo de permanência varia de país para país: na Bélgica durante três anos, na Áustria ou a Espanha de dez (na Itália também são 10 anos). • Você pode se tornar um cidadão de um país por jure communicatio , isto é, através da transmissão de cidadania a partir de um componente para outro dentro de uma família (por exemplo, casamento ou adoção). • Jus soli - em latim clássico (pronúncia que pode ser transcrita como ius sóli) é um termo latino que significa "direito de solo" e indica um princípio pelo qual uma nacionalidade pode ser reconhecida a um indivíduo de acordo com seu lugar de nascimento. • Art. 12, CF - As hipóteses de outorga da nacionalidade brasileira, quer se trate de nacionalidade primária ou originária (da qual emana a condição de brasileiro nato), quer se cuide de nacionalidade secundária ou derivada (da qual resulta o status de brasileiro naturalizado), decorrem, exclusivamente, em função de sua natureza mesma, do texto constitucional, pois a questão da nacionalidade traduz matéria que se sujeita, unicamente, quanto à sua definição, ao poder soberano do Estado brasileiro. • • A NACIONALIDADE ORIGINÁRIA - No Brasil em relação às hipóteses de aquisição da nacionalidade originária previstas pelo Texto Constitucional o legislador constituinte adotou como regra o critério do "jus soli" e, no entretanto, previu hipóteses em que adotou o critério do "jus sanguinis" mitigado. Cidadania no resto da Europa • Na maioria dos países da União Europeia, as leis para o concedimento da cidadania reúnem jus sanguinis, jus soli e outras condições, como a presença prolongada no país, o conhecimento da língua, um registo criminal limpo, a participação em escolas nacionais. Existem diferenças nos requisitos, restrições e procedimentos. • A lei francesa prevê que os filhos de imigrantes podem obter a cidadania automaticamente quando eles se tornam mais velhos, se eles nasceram na França e viveram lá durante pelo menos cinco anos. O procedimento também pode ser antecipado: aos dezesseis anos serve uma declaração da pessoa em causa, 13 anos depois de um pedido dos pais. • Na Alemanha, se um dos pais vive legalmente no país há pelo menos oito anos podem obter a cidadania para seus filhos desde o nascimento. • Na Espanha se torna um cidadão que nasce de uma mãe espanhola ou pai, ou filhos nascidos no país de pais estrangeiros com pelo menos um nascido na Espanha. • O Reino Unido, sob certas condições (você deve ter a autorização de residência permanente ou o direito de residência), concede cidadania aos nascidos emseu território por uma pessoa que resida legalmente no país. • Jus soli não é previsto em Chipre, Dinamarca, Estônia, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, Eslováquia e Suécia. Voltando, então, • Não se pode, portanto, imaginar uma sequência única, determinista e necessária para a evolução da cidadania em todos os países (a nação alemã não instituiu o trabalho escravo, a partir de segregação racial do Estado, em pleno século XX, na Europa?) • Isso não nos permite, contudo dizer que inexiste um processo de evolução que marcha da ausência de direitos para sua ampliação, ao longo da história. A cidadania Instaura-se a partir dos processos de lutas para que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania e o mundo ocidental o estendesse para mulheres, crianças, minorias nacionais, étnicas, sexuais, etárias. Nesse sentido Na sua acepção mais ampla, cidadania é a expressão concreta do exercício da Democracia. Pré-história da cidadania Os Profetas Sociais e o Deus da Cidadania • Um dos maiores mitos da história é aquele que atribui aos hebreus, antecessores dos judeus modernos, a criação do monoteísmo - sm - Sistema religioso que admite um só Deus – In. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. • Embora essa ideia tenha empolgado muitos estudiosos e ainda esteja presente em manuais didáticos desatualizados, é difícil defendê-la hoje em dia. Vários outros povos da Antiguidade acreditavam e cultuavam um só deus, antes mesmo dos hebreus. • O conhecido caso de Aton, concebido lá pelo ano de 1375 a.C. pelo faraó Amenophis IV, no Egito (e considerado por muitos como uma poderosa influência na religião de Moisés), é o exemplo mais famoso, mas não o único. • Encontramos muitas referências a batalhas tribais rivais que recorriam, cada um, a seu deus, o verdadeiro e mais poderoso, segundo os membros do respectivo grupo. • E assim foi o deus dos hebreus durante muito tempo: uma divindade tribal, o senhor dos exércitos, que tinha por função proteger seus seguidores e ajudar a derrotar, de forma implacável, seus inimigos. Jericó estava cercada e encerrada por causa dos filhos de Israel: ninguém saía e ninguém entrava. Disse o Senhor a Josué: “Vê, eu te entregarei Jericó e seu rei, seus valentes guerreiros”. (Josué, 6, 1-2) O Senhor disse a Josué: “Não os temas, pois amanhã, a esta mesma hora, eu, eu os entregarei todos, mortos, a Israel”. O Senhor os entregou às mãos de Israel, que os derrotou e perseguiu até Sidon-a- Grande e até Mesrefot-Máim e até o vale de Mispá a leste. Ele os destroçou a ponto de não lhes deixar nenhum sobrevivente. (Josué, 11, 6 e 8). Portas, elevai vossos frontões! Elevai-vos, pórticos antigos! Que entre o rei de glória! - Quem é o rei de glória? - O Senhor, forte e valente, O Senhor, valente na glória. (Salmos, 24, 7-8) • Até aí, portanto, nada de verdadeiramente novo. Antes e depois, muitos povos desfraldaram seus deuses guerreiros e acreditaram parte dos méritos de seus soldados à atuação de seu deus do exército. • des·fral·dar - vt - 1. Despregar ou soltar ao vento. = DESFERIR - 2. Abrir ou desdobrar o estava recolhido. • Tanto a expansão muçulmana no final do primeiro milênio como as Cruzadas, perpetradas pelos cristãos europeus, basearam-se na concepção de um deus guerreiro que não diferia muito dos deuses tribais como o hebreu. • Não, não foi essa, com certeza, a contribuição dos hebreus à civilização. Seu grande legado foi a concepção de um deus que não se satisfazia em ajudar os exércitos, mas que exigia um comportamento ético por parte de seus seguidores. Um deus pouco preocupado em ser objeto da idolatria das pessoas e com o sacrifício de animais imolados em seu holocausto, mas muito comprometido com problemas vinculados à exclusão social, à pobreza, à fome, à solidariedade. ho·lo·caus·to (latim holocaustum,- do grego holókautos, - 1. [Religião] Sacrifício em que a vítima era consumida pelo fogo. 2. [Religião] Vítima oferecida em holocausto. 3. [Figurado] Sacrifício; imolação; expiação. Monoteísmo e monoteísmo ético • Uma concepção tão revolucionária de deus não acontece por acaso, do nada: ela se desenvolve dentro de condições históricas específicas, de uma realidade social única • Se, durante muito tempo, os hebreus cultuaram um deus que não se distanciava tanto de seus vizinhos, o que os levou a conceber esse deus tão desprendido a ponto de exigir que as pessoas pensassem umas nas outras antes de pensar nele, o próprio deus? Um deus que, se não fosse anacronismo, diríamos preocupado com a cidadania. • a·na·cro·nis·mo (grego anakhronismós)1. Erro cronológico. 2. Coisa a que se atribui uma época em que ela não tinha razão de ser. • Uma concepção religiosa do judaísmo afirmaria que esse deus se revelou para os hebreus pela simples razão de estes constituírem o povo eleito. • Aqui, porém, evitaremos as verdades reveladas para ficar com os fatos analisados e explicações racionais. • Cronologicamente sabemos que o monoteísmo ético encontraria sua expressão não no período tribal (que vai até o final do século XI a.C.), nem durante o reinado de Saul, o primeiro rei; de Davi, o verdadeiro criador da monarquia unificada; de Salomão, o grande conquistador, aquele que definiu as fronteiras com armas e sabedoria; mas já no período da decadência da monarquia, após a separação que dividiu a monarquia nos reinos de Judá, ao sul, e de Israel, ao norte. • A doutrinação dos chamados profetas sociais estabelece os fundamentos do monoteísmo ético, que é por sua vez, a base das grande religiões ocidentais (cristianismo e islamismo, além do judaísmo) e se constitui, provavelmente, na primeira expressão documentada e politicamente relevante (até por suas consequências históricas) do que poderíamos chamar de pré-história da cidadania.