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a renda da terra

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A RENDA DA TERRA NOS AUTORES CLÁSSICOS
Sérgio Aparecido Nabarro
sergionabarro@usp.br
Júlio César Suzuki
jcsuzuki@usp.br
Introdução
O conceito renda da terra, importante para a compreensão da realidade agrária e até
mesmo urbana, pois, em ambas, a terra entra como componente importante (OLIVEIRA,
2007, p. 43), apresentando-se como fundamental para o entendimento da modernização e da
reprodução social capitalista. Desta maneira, o objetivo deste trabalho é discutir a evolução
do conceito renda da terra, presente em importantes obras de autores clássicos, como uma
contribuição didática que forneça elementos para sua melhor compreensão.
Foram vários os estudiosos da renda da terra, selecionamos, portanto, para nossa
análise, os três principais autores responsáveis pela construção do conceito: Adam Smith,
Thomas Robert Malthus e David Ricardo. Selecionamos, ainda, Karl Marx, tendo em vista
que sua contribuição para a consolidação do conceito foi das mais expressivas.
A Renda da Terra em Adam Smith
 Considerado o primeiro autor a discutir, em sua teoria da renda, o conceito de renda
da terra, por meio do livro A Riqueza das Nações, publicado originalmente em 1776, Adam
Smith considerou a renda da terra como “o preço pago pelo uso da terra ao seu proprietário”
(SMITH, 1996, p. 187).
Criador do liberalismo econômico, em que o Estado estaria separado em três poderes
(legislativo, executivo e judiciário), Smith considerou a terra como único mecanismo capaz de
garantir riqueza. Segundo ele, o Estado deveria submeter-se ao direito inalienável de
propriedade privada da terra.
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Para Smith, o desenvolvimento das sociedades passa, obrigatoriamente, pela renda da
terra.
(...) toda melhoria da situação da sociedade tende, direta ou indiretamente, a
elevar a renda real da terra, a aumentar a riqueza real do proprietário da terra,
seu poder de comprar trabalho, ou a produção do trabalho de outras pessoas.
A expansão das melhorias e do cultivo da terra tende a elevar a renda da terra
de maneira direta. A parcela do proprietário da terra na produção
necessariamente aumenta com o crescimento da produção. (SMITH, 1996,
p.70).
Smith esclarece ainda que o aperfeiçoamento das forças produtivas tende a reduzir o
preço da mercadoria e, dessa maneira, indiretamente aumenta a renda da terra. Explica ainda
que o contrário também pode ocorrer, ou seja, a estagnação das forças produtivas acarretaria
a redução da renda da terra.
Em sua teoria, Smith aponta que a sociedade evoluída é dividida em três categorias de
pessoas (aquelas que sobrevivem da renda da terra, aquelas que sobrevivem do salário e
aquelas que sobrevivem do lucro do capital).
A produção anual total da terra e do trabalho de cada país (...) naturalmente se
divide (...) em três partes: a renda da terra, os salários da mão-de-obra e o
lucro do capital, constituindo assim uma renda para as três categorias de
pessoas. (SMITH, 1996, p.271).
 Para ele, os interesses dos proprietários de terra estão diretamente ligados aos
interesses das duas outras categorias da sociedade evoluída, ou seja, “eles são a única das
três categorias cuja renda não lhes custa nem trabalho nem cuidado, pois esta renda lhes vem,
por assim dizer, espontaneamente, independentemente de qualquer plano ou projeto”
(SMITH, 1996, p.272).
 Uma importante contribuição de Smith para o estudo da renda da terra foi a sua
comparação com a taxa de lucro. Para ele, enquanto os interesses da categoria dos
assalariados estão intimamente ligados aos interesses dos proprietários de terras, os interesses
da categoria de pessoas que sobrevivem do lucro são distintos.
(...) a taxa de lucro não aumenta com a prosperidade da sociedade e não
diminui com o seu declínio – como acontece com a renda da terra e com os
salários. Ao contrário, essa taxa de lucro é naturalmente baixa em países ricos
e alta em países pobres, sendo a mais alta, invariavelmente, nos países que
caminham mais rapidamente para a ruína. Por isso, o interesse dessa terceira
categoria não tem a mesma vinculação com o interesse da sociedade como o
das outras duas. (SMITH, 1996, p.273).
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 Para Smith, a renda da terra é o excedente, mas não o trabalho não pago, ou seja, é o
excedente apropriado pelo proprietário de terra por meio do monopólio da propriedade
fundiária.
O posicionamento inicial de Smith, em relação ao tratamento a ser dedicado à
natureza da renda da terra é de que esta consiste em um excedente imerecido,
não ganho com trabalho, que é apropriado pelo proprietário da terra através
do exercício do seu poder de monopólio. Fica claro desde logo que, para
Adam Smith, a renda da terra representa um preço pago pela existência da
propriedade privada da terra (LENZ, 2007, p.9).
 Em suas obras, Adam Smith reconhece a existência da forma de renda diferencial,
pois há que se levar em consideração as benfeitorias feitas na terra e sua localização
geográfica no cálculo da renda da terra. No entanto, foi Marx, décadas após, quem formulou
e conseguiu comprovar a existência destas variações da renda da terra. 
Malthus e o embate com Adam Smith e David Ricardo
 Em sua principal obra, intitulada Princípios de Economia e Política, publicada
originalmente em 1820, Thomas Robert Malthus define a renda da terra como “a parcela do
produto total que fica para o proprietário da terra depois de pagas todas as despesas, de
qualquer tipo, referentes ao seu cultivo, inclusive os lucros do capital empregado, estimados
segundo a taxa usual e ordinária de lucro do capital agrícola no período considerado”
(MALTHUS, 1996, p.81).
Inicialmente, Smith foi criticado por Malthus por sua afirmação que a renda da terra é
característica de um monopólio comum. Malthus esclarece que as contribuições de Smith
foram importantes, entretanto seria necessário que este autor esclarecesse a relação entre a
renda da terra e o aumento do preço das mercadorias de primeira necessidade.
Embora Adam Smith se aproxime muito da verdade em algumas partes do
capítulo XI e seu Livro Primeiro, e apesar de ter feito em seu trabalho um
número maior de observações corretas sobre o assunto que qualquer outro
autor, não explicou com suficiente clareza a causa mais essencial do elevado
preço dos produtos agrícolas; como o autor aplica ocasionalmente o termo
monopólio à renda da terra, sem se deter em suas peculiares mais
fundamentais, ele deixa o leitor sem uma noção clara da verdadeira diferença
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entre a causa do preço elevado dos bens de primeira necessidade e das
mercadorias monopolizadas. (MALTHUS, 1996, p.82).
Malthus desenvolve sua teoria da renda da terra buscando esclarecer as causas do
excedente do preço dos produtos agrícolas sobre os custos de produção. Em suas
formulações afirma que são três as suas causas:
 A primeira e mais importante é a capacidade da terra de produzir bens
necessários à vida (para ele a terra deve ser capaz de produzir uma
quantidade de bens que seja maior que a necessidade dos que nela trabalham.
Para Malthus essa qualidade da terra se apresenta como uma “dádiva da
Natureza ao homem” (MALTHUS, 1996, p.84).
 A segunda é a característica que os bens produzidos têm de criar sua própria
demanda ou de fazer surgir uma quantidade de consumidores proporcional à
quantidade produzida.
 A terceira refere-se à escassez de terras férteis, tantos as naturais quanto as já
melhoradas artificialmente pelo homem. 
Malthus chega a reconhecer que a fertilidade da terra é o principal fator para a
obtenção de uma maior renda da terra, entretanto, foi apenas em Marx que a fertilidade
natural da terra foi analisada com maior consistência, quandoformula o conceito de Renda
Diferencial I, do qual trataremos no próximo item deste trabalho.
Para Malthus,
(...) a fertilidade da terra resulta na capacidade de produzir renda, ao produzir
uma quantidade dos bens indispensáveis que excede as necessidades de
subsistência dos próprios agricultores. A característica específica dos bens
de primeira necessidade, quando distribuídos de maneira adequada, tende
nítida e constantemente a valorizar esse excedente fazendo surgir uma
população que o consuma (MALTHUS, 1996, p.86).
Malthus (1996) também analisou as causas que tendem a elevar, ou diminuir, a renda
da terra no curso do desenvolvimento da sociedade. Segundo ele, antes de analisarmos as
causas é necessário estudar os principais fatores responsáveis pelo aumento das despesas de
cultivo. Malthus (1996) explica que são quatro: 1) uma acumulação de capital de tal maneira
que reduza os lucros; 2) um aumento da população que reduza os salários; 3) a concorrência
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de aperfeiçoamentos na agricultura ou de um aumento da intensidade do trabalho que diminua
o número de trabalhadores necessários para produzir determinada quantidade de bens; 4) um
aumento no preço do produto agrícola, a partir de um aumento da demanda que, sem diminuir
nominalmente as despesas da produção, aumente a diferença entre essas despesas e o preço
do produto.
 Para Malthus:
É preciso (...) reconhecer que a facilidade de produção dos bens de primeira
necessidade, ao contrário da facilidade de produção de todas as outras
mercadorias, nunca é acompanhada por uma queda permanente de preço.
Pode-se dizer que os bens de primeira necessidade são as únicas mercadorias
cujo valor permanente em termos de aquisição do trabalho é quase
proporcional à sua quantidade. Por conseguinte, (...) toda redução no custo
de sua produção aumentará de forma permanente o excedente que vai para a
renda da terra. (MALTHUS, 1996, p.98).
 Em relação às causas que tendem a diminuir a renda da terra, Malthus esclarece que
são exatamente opostas às que aumentam a renda, ou seja, “a diminuição do capital, a
diminuição da população, um sistema ruim de cultivo e um baixo preço de mercado de
produtos agrícolas” (MALTHUS, 1996, p. 105).
 Foi partindo da definição de renda da terra de Malthus que David Ricardo elaborou
sua própria teoria sobre a renda. Para ele a renda da terra é, 
(...) a parte do valor do produto total que resta ao proprietário após o
pagamento de todas as despesas de qualquer espécie correspondente ao
cultivo, incluindo-se nestas despesas os lucros do capital empregado,
calculados segundo a taxa usual e comum dos lucros do capital agrícola no
período de tempo considerado (RICARDO, 1988, p.194).
 Partindo do pressuposto de que a renda da terra se constitui “como parte do produto
da terra paga ao seu proprietário pelo uso das forças originais e indistibutíveis do solo”
(RICARDO, 1988, p.34), Ricardo estabelece a Lei da Renda Fundiária, pela qual defende
que os produtos das terras férteis são produzidos a custo menor, mas vendidos ao mesmo
preço dos demais, proporcionando a seus proprietários uma renda fundiária igual à diferença
de produção. Ricardo argumenta ainda que:
Se todas as terras tivessem as mesmas características, se fossem ilimitadas na
quantidade e uniformes na qualidade, seu uso nada custaria, a não ser que
possuíssem particulares vantagens de localização. Portanto, somente porque
a terra não é ilimitada em quantidade nem uniforme na qualidade, e porque,
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com o crescimento da população, terras de qualidade inferior ou
desvantajosamente situadas são postas em cultivo, a renda é paga por seu
uso. Quando, com o desenvolvimento da sociedade, as terras de fertilidade
secundária são utilizadas para cultivo, surge imediatamente renda sobre as de
primeira qualidade, sendo que, a magnitude de tal renda dependerá da
diferença de qualidade daquelas duas faixas de terra. (RICARDO, 1988, p.35).
 Percebe-se, por meio das definições de Ricardo, que a renda da terra para ele está na
diferença entre as terras mais e menos férteis. Verifica-se ainda que ele já falava em renda
diferencial, entretanto foi Marx quem a definiu, alguns anos mais tarde, e a separou em I e II.
 Segundo a análise de Ricardo sobre a formação da renda, “na medida em que se
desdobra o processo, a taxa de lucro diminui, ao passo que aumenta a renda, seja porque
novas terras dão origem a rendas diferenciais, seja porque aumentam as rendas onde elas já
se registravam” (LENZ, 2007, p.4).
 Mesmo se baseando em Malthus para formular sua teoria sobre a renda, Ricardo não
o convenceu de que sua teoria seria, de certa maneira, uma superação da malthusiana.
O Sr. Ricardo interpretou-me mal atribuindo-me a afirmação de que a renda
sobe ou cai imediata e necessariamente em função da fertilidade aumentada
ou reduzida da terra. Que o leitor julgue em que medida minhas palavras
admitem essa interpretação. Não pensei que pudessem admiti-la. Tendo
estabelecido três causas necessárias à produção da renda, eu não poderia
dizer que a renda sempre é exatamente em proporção a uma delas. Na verdade
afirmei que, nos períodos primitivos da sociedade, a produção agrícola
excedente, ou a fertilidade, manifesta-se muito pouco sob a forma de renda. O
Sr. Ricardo certamente expressou-se mal ao me corrigir, referindo-se à
escassez comparativa das terras mais férteis como uma única causa da renda,
embora ele mesmo admita que, sem fertilidade real, não pode haver renda. Se
as terras mais férteis de um país ainda fossem muito pobres, esse país
produziria muito pouca renda (MALTHUS, 1996, p.91).
No tocante à relação entre os interesses do proprietário de terras e o Estado, Malthus
concorda com Smith quando este disse que os interesses dos proprietários de terras estão
intimamente vinculados aos interesses do Estado e critica, mais uma vez, o posicionamento de
Ricardo, tendo em vista que ele afirma que os interesses dos proprietários de terras são
sempre opostos aos interesses do consumidor e do manufator, ou seja, de outras classes.
Se essa concepção da teoria da renda da terra fosse concreta, e fosse
realmente verdade que os rendimentos do proprietário de terras aumentam
devido à dificuldade e diminuem devido à maior facilidade de produção, o
conceito estaria indubitavelmente bem fundamentado. Mas se, ao contrário,
verificamos que os rendimentos do proprietário de terras dependem na prática
da fertilidade natural do solo, de melhorias na agricultura e de invenções que
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poupem trabalho, ainda podemos pensar, como Adam Smith, que o interesse
do proprietário de terras não se opõe ao do país. (MALTHUS, 1996, p.115).
Percebe-se então que “para Ricardo a formação da renda se constitui em uma
questão técnica, na medida em que diferentes graus de produtividade da terra exigem uma
maior quantidade de trabalho para a sua produção, que coerentemente com sua teoria do
valor elevam o preço do trigo, gerando-se assim a renda” (LENZ, 2007, p.6). Desta maneira,
diferentemente de Smith, Ricardo entende a apropriação da terra como fator secundário, ou
seja, “a oposição de Ricardo à classe dos proprietários da terra deve ser vista em função da
sua defesa dos interesses da classe capitalista, e não como contestação da figura do grande
proprietário fundiário, em razão de não existir em sua teoria a discussão sobre a validade
histórica dessa classe social” (LENZ, 2007, p.6).
Sobre a propriedade privada da terra, enquanto Smith afirmava que a renda da terra
representa um preço referente à existência da propriedade privada da terra, Malthus afirmava
que mesmo que não existisse a propriedade privada da terra a renda da terranão seria
abolida. Segundo ele, 
(...) uma transferência de todas as rendas aos agricultores resultaria
meramente na transformação deles em nobres, estimulando-o a cultivarem as
suas terras sob a supervisão de empregados desinteressados e descuidados,
no lugar do olho vigilante de um senhor, o qual é afastado do descuido pelo
medo da ruína e estimulado ao interesse pela busca da competência
(MALTHUS, 1984, p.222).
 Mesmo com interpretações diferentes, e até mesmo em alguns momentos,
antagônicas, Smith, Malthus e Ricardo forneceram importantes contribuições para a
construção da teoria da renda da terra. Entretanto a contribuição mais importante foi a
elaborada por Marx no livro terceiro d’O Capital, da qual trataremos a seguir.
A renda da terra em Marx
Enquanto Smith admitia apenas a existência de uma forma de renda da terra e Ricardo
apenas a da renda diferencial, Marx amplia o conceito e elabora sua teoria dividindo a renda
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diferencial em duas (I e II), comprovando a existência das rendas de monopólio e absoluta, o
que se constitui uma de suas maiores contribuições de ordem teórica.
Partindo da teoria elaborada por David Ricardo, Marx cria seu próprio entendimento
do que ele denomina “renda fundiária”. “O mérito de Ricardo, segundo Marx, foi ter
convertido a teoria de renda da terra em um dos fundamentos mais importante de todo o
sistema da Economia Política e, ao mesmo tempo, ter dado a essa categoria uma importância
teórica nova” (LENZ, 2007, p.12). Entretanto, para Marx, a teoria ricardiana apresentava um
problema fundamental, ou uma importante limitação, que deveria ser superada, ou seja, “ao
mesmo tem em que a teoria de Ricardo negava a renda absoluta, as estatísticas da economia
inglesa, por ele manipuladas, mostravam a existência dessa renda nos últimos trinta e cinco
anos” (LENZ, 2007, p.11).
No desenvolvimento de sua teoria sobre a renda fundiária, uma das mais importantes
contribuições de Marx foi o seu entendimento de que na reprodução social capitalista não
existe apenas a renda capitalista da terra, ou seja, as formas de renda pré-capitalista da terra,
ou feudais, ainda persistiam no campo de toda a Europa. Outra contribuição foi demonstrar
que a relação entre a terra e o capital se tratava de uma relação social.
[...] O ponto de partida de Marx, que distingue sua teoria de quase todas as
outras, é que a renda é a forma econômica das relações de classe com a terra.
Em conseqüência disso, a renda não é entendida como uma propriedade da
terra, embora possa ser afetada pelas variações da qualidade e da
disponibilidade das terras, mas como uma propriedade das relações sociais.
(BOTTOMORE, 2001, p.305).
Criticando (...) outros autores, Marx procura demonstrar que a renda da terra
só pode ser adequadamente compreendida pela análise da relação social entre
capital e terra: trata-se de uma relação distorcida, se comparada com o que
acontece na indústria em geral, pela condição de acesso à terra.
Conseqüentemente a mais-valia é apropriada sob várias formas de renda (que
só podem ser distinguidas analiticamente) e, quaisquer que sejam os níveis
atingidos pela renda da terra, a propriedade fundiária tem um efeito sobre o
desenvolvimento daquelas indústrias que dependem particularmente da terra
como meio de produção. (BOTTOMORE, 2001, p.306).
 Marx, partindo do pressuposto de que todas as formas de renda consistem no
monopólio de classe social sobre frações do globo terrestre, separa a renda capitalista da
terra em quatro partes (diferencial I e II, absoluta e de monopólio) e a renda pré-capitalista
da terra em três partes (em trabalho, em produto e em dinheiro), como apresentamos no
quadro 1 a seguir.
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Quadro 1 – Variações nos Tipos de Renda da Terra segundo Marx
Rendas Pré-capitalistas da Terra Rendas Capitalistas da Terra
 Renda em Trabalho
 Renda em Produto
 Renda em Dinheiro
 Renda Diferencial I
 Renda Diferencial II
 Renda Absoluta
 Renda de Monopólio
Fonte: MARX, 2008. Org. por Sérgio Aparecido Nabarro, 2009.
Formas de renda pré-capitalista da terra segundo Marx
Para Marx, a primeira e mais simples forma de renda pré-capitalista da terra é a
renda em trabalho. Segundo ele, este tipo de renda consiste em:
Durante parte da semana, o produtor direto, com instrumentos (arado,
animais, etc.) que lhe pertencem de fato ou de direito, lavra o terreno de que
dispõe de fato e, nos outros dias da semana, trabalha nas terras do solar
senhorial, para o proprietário de terras, gratuitamente. (MARX, 2008, p.1045).
 É nesta relação que precisamos estar atentos para entender o trabalho não-pago
como renda e não como lucro.
 A segunda forma de renda pré-capitalista é a renda em produto. Este tipo de renda
consiste na seguinte relação: o produtor cultiva um determinado produto nas terras do
proprietário e no período de colheita o pagamento pelo uso da terra é efetuado com parte da
produção. 
 Segundo Marx, a renda em produto expressa um estágio cultural superior do produtor
imediato, um nível mais alto de desenvolvimento de seu trabalho e da sociedade em geral,
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distinguindo-se da forma anterior porque o trabalho excedente não deve mais prestar-se de
maneira natural, sob a vigilância e a coação direta do senhor de terra. Ainda de acordo com
Marx,
Quando a renda em produto existe em estado puro, desaparecem as
interrupções cansativas em que se trabalha para o proprietário da terra, as
quais, dependendo da convenção em vigor sobre a corvéia, acarretam maiores
ou menores transtornos. (MARX, 2008, p.1051).
 Nesta forma de renda, ou de relação, “o trabalho do produtor para si mesmo e o que
fornece ao proprietário da terra não se separam mais, de maneira palpável, no tempo e no
espaço” (MARX, 2008, p. 1051).
 A terceira, e última forma de renda pré-capitalista da terra, é a renda em dinheiro,
ou arrendamento. Este tipo de renda significa a renda fundiária resultante de simples
metamorfose da renda em produto, por sua vez oriunda da transformação da renda em
trabalho.
 Para Marx, a renda em dinheiro consiste no 
“produtor imediato em vez de entregar o trabalho ao proprietário da terra,
paga-lhe o correspondente em preço. Assim, não basta mais produto
excedente na forma natural; é mister que ele deixe essa forma, assumindo a
forma de dinheiro” (MARX, 2008, p.1053).
 Esta mutação da renda em produto para a renda em dinheiro, segundo Marx (2008,
p.1053), revela um nível de desenvolvimento considerável da sociedade e de suas relações.
Expressa uma atividade comercial urbana já consolidada, existência de atividades industriais,
mesmo que no estágio inicial, e por conseqüência uma expressiva circulação monetária no
espaço urbano. 
 O não entendimento destas três formas de renda, ou de suas relações sociais, que
constituem, de certa maneira, a gênese da renda capitalista da terra, representa uma das
grandes dificuldades de se entender as modernas formas de renda da terra, as quais
apresentaremos a seguir.
Formas de renda capitalista da terra segundo Marx
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As formas de renda capitalista da terra, as quais detalharemos a seguir, formam a
base do estudo da agricultura sob o modo capitalista de produção. Se, de maneira geral, a
renda da terra pode ser definida como um lucro extra, constante, acima do lucro médio, um
tributo social pago por toda a sociedade. As formas de renda capitalista da terra se unem
para compor, e justificar esta definição.
A primeira forma é a renda diferencial, resultado docaráter capitalista da produção,
ou seja, de uma concorrência. Este tipo de renda continuaria a existir mesmo que a posse do
solo fosse única e exclusivamente do Estado. 
Em relação à primeira forma de renda capitalista da terra, a diferencial, Marx relata
que David Ricardo teve plena razão ao dizer “renda (isto é, a renda diferencial, a única que
ele admite existir) é sempre a diferença entre os produtos obtidos com o emprego de duas
quantidades iguais de capital e trabalho” (RICARDO apud MARX, 2008, p.867). Marx
ainda explica que é perfeitamente coerente, desde que se aplique exclusivamente à renda
diferencial, a observação de David Ricardo ao indicar que:
Todo fator que diminui a desigualdade no produto que se obtém no mesmo
ou em novo solo tende a rebaixar a renda fundiária, e todo fator que aumenta
essa desigualdade produz necessariamente o efeito contrário, e tende a
elevá-la. (RICARDO apud MARX, 2008, p.868)
Esta forma de renda foi subdividida por Marx em duas: a renda diferencial I e a
Renda diferencial II.
A renda diferencial I está relacionada à diferença de fertilidade natural do solo e
pela localização das terras em relação ao mercado. Assim, para Marx, além dos fatores
gerais a figurarem na definição da renda diferencial (fertilidade e localização), temos os
seguintes:
(1) a distribuição dos impostos, segundo se efetue de maneira uniforme ou
não; a segunda hipótese é a que se verifica, quando, como na Inglaterra, a
tributação não é centralizada, e quando a incidência recai sobre a terra e não
sobre a renda; (2) as desigualdades oriundas do desenvolvimento diverso da
agricultura em diferentes regiões do país, pois esse setor industrial, em
virtude do apego à tradição, se nivela mais dificilmente que a produção fabril,
e (3) a desigualdade na repartição do capital entre os arrendatários. (MARX,
2008, p.868).
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 Em relação à renda diferencia II, resultante dos investimentos de capital para
melhorar a produtividade do solo ou dos investimentos para melhorar sua localização em
relação ao mercado (construção ou pavimentação de estradas, por exemplo, para facilitar o
escoamento da produção), Marx não consegue enxergá-la desprendida da renda diferencial I,
tendo em vista que os investimentos de capital ocorrem nos solos de maior fertilidade, ou
seja, “o solo melhor é escolhido por oferecer maior perspectiva de capital aí investido ser
rentável, pois contém a maioria dos elementos naturais de fertilidade, e trata-se tão somente
de torná-los rentáveis”. (MARX, 1988, p.156).
 No tocante à renda absoluta, Marx (1988) a entende como uma relação de
monopólio imposta pela propriedade privada, ou seja, uma parte da mais-valia agrícola
proporcionada pelo trabalho que se transforma em renda, como, por exemplo, um acordo
entre proprietários que dispõem de quantidades consideráveis de terras em não colocá-las à
disposição da produção agrícola quando os preços oferecidos pelo mercado não forem
satisfatórios.
 As formas de renda diferencial e absoluta são as mais comuns.
Em todo caso, essa renda absoluta, originária do excedente do valor sobre o
preço de produção, é apenas parte da mais-valia agrícola, metamorfose dessa
mais-valia em renda, captação dela pelo arrendatário da terra; exatamente
como a renda diferencial se origina da metamorfose de sobrelucro em renda,
captação da mesma pela propriedade fundiária, havendo um preço geral de
produção regulador. Estas duas formas de renda são as únicas normais. Fora
delas, a renda só pode basear-se num autêntico preço de monopólio, que não
é determinado nem pelo preço de produção nem pelo valor das mercadorias,
mas pela necessidade e pela capacidade de pagar dos compradores. Essa
investigação pertence à teoria da concorrência, onde o movimento real dos
preços de mercado é examinado. (MARX, 1988, p.216).
 Segundo Oliveira (2007, p.55), a diferença entre as formas de renda, diferencial e
absoluta, basicamente é identificada em sua origem, ou seja, “quando [a renda] resulta da
concorrência entre produtores agrícolas capitalistas é renda diferencial I e II, porém, quando
resulta do monopólio é renda da terra absoluta”.
Para finalizar os tipos de renda capitalista da terra, segundo Marx, abordaremos
agora a renda de monopólio.
A renda de monopólio, para Marx (1988, p.216), só pode existir quando uma
parcela da sociedade se dispõe a pagar preços fora da realidade comum de mercado para
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adquirir um produto ou consumir algum serviço específico que, por condições naturais, só
venham a ser oferecidas de forma reduzida. Oliveira cita os vinhos da região do Porto, em
Portugal, como exemplo de renda de monopólio.
(...) o exemplo clássico que se utiliza para exemplificar esta renda da terra de
monopólio é o vinho do Porto em Portugal. Este vinho produzido em uma
região que permite obter este tipo específico de qualidade inigualável tem
produção reduzida, e assim, acaba por proporcionar um preço de monopólio.
Este preço de monopólio só pode ser conseguido unicamente “pela riqueza e
paixão dos bebedores requintados”, como escreveu Karl MARX, e porque os
produtos são vendidos a preço de monopólio. Este gera, portanto, a renda da
terra de monopólio, que, por sua vez, é auferida pelos proprietários dessas
terras dotadas destas qualidades especiais. (OLIVEIRA, 2007, p.58).
 Em suma, podemos entender a renda de monopólio como lucro extraordinário de um
preço de monopólio, determinado pelo desejo de consumir, de uma certa mercadoria
produzida em áreas restritas, por conta das condições naturais, como é o caso da região do
Porto. Assim, não basta cultivar as uvas, usadas para fazer o vinho do Porto, em qualquer
solo, pois o vinho do Porto é aquele produzido com as uvas cultivadas em uma região restrita.
Neste sentido, entendemos que a compra deste tipo de mercadoria é sempre para suprir uma
satisfação pessoal, ou seja, enxergamos este produto como um fetiche.
Considerações Finais
 Muitos foram os debates e até os antagonismos entre as formulações de cada um dos
estudiosos analisados neste trabalho, entretanto é preciso destacar a contribuição e o
contexto do pensamento de cada autor. As “diferenças localizam-se principalmente, na
interpretação da renda da terra como ou uma subtração de uma riqueza já existente sob a
forma de lucros (Ricardo) ou uma parcela do acréscimo de riqueza da sociedade (Malthus),
ou por não se caracterizar como diferencial (Smith e Marx)”. (LENZ, 2007, p.16).
 O moderno e a modernização não são compreendidos única e exclusivamente pela
análise da renda da terra, no entanto a renda da terra se põe como fundamental se formos
analisar os pilares da modernização. Concordamos com Alfredo (2008, p. 96), quando
analisa que não por acaso, na elaboração do d’O Capital, ainda que feita por Engels, a
Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3
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discussão da renda da terra apareça apenas no livro terceiro, pois, neste volume, Marx
também fez suas reflexões sobre o conceito de capital.
 Por fim, cabe salientar que as formas pré-capitalistas de renda foram atualizadas e
transformadas com a expansão do capitalismo, em que pese a inserção das renda em
produto, em trabalho e em dinheiro, atualmente existentes, inclusive no Brasil, como rendas
capitalizadas, muito distantes da forma pré-capitalista de que tratou Marx (1988), já que são
mediadas pelo lucro médio, importante critério amplamente discutido por José de Souza
Martins (1990) em O Cativeiro da Terra.
Referências
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Contradições dos Processo de Acumulação. In: Geousp, DG-FFLCH-USP, nº24, p.
63-108, 2008.
BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Riode Janeiro: Jorge Zahar,
2001.
LENZ, Maria Heloisa. A evolução do conceito de renda da terra no pensamento econômico:
Ricardo, Malthus, Adam Smith e Marx. In: VII Congresso Brasileiro de História
Econômica. Anais do VII Congresso Brasileiro de História Econômica.
Aracajú-SE, 2007.
MALTHUS, Thomas Robert. Princípios de Economia Política e Considerações Sobre
sua Aplicação Prática. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
MARTINS, José de Souza. O Cativeiro da Terra. 4.ed. São Paulo: Hucitec, 1990.
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Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. Volume VI, livro terceiro: o processo
global de produção capitalista.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Apresentação de Jacob Gorender;
coordenação e revisão de Paul Singer; tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe.
3.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. Volume V, livro terceiro, tomo 2.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. Modo de Produção Capitalista, Agricultura e Reforma
Agrária. São Paulo: Labur Edições, 2007.
RICARDO, David. Princípios de Economia Política e Tributação. 3ª ed., São Paulo:
Nova Cultural, 1988.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
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