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CAPA Volume – 1 Número – 3 Julho de 2007 Arquivos de FisioterapiaArquivos de Fisioterapia Editorial Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página I Percorrendo algumas velhas relíquias da minha biblioteca deparei-me com o seguinte trecho: “A lei é uma relação matemática. Ela incide , não sobre a natureza das coisas, mas sobre um emaranhado de sinais, de índices e de símbolos que indicam as transformações e a evolução das coisas”. Tal era o entendimento do filosofo Abel Ray, citado por A.D. Sertillanges em “Para Além da Ciência...” (Livraria Tavares Martins -1942), obra coordenada por Luois Broglie (Prémio Nobel da Física em 1929), nos meados do século passado. Vem isto a propósito não de qualquer rebate nostálgico, de uma época que só conheço dos registos históricos, mas sim da corrente de transformações em nos encontramos mergulhados como cidadãos e como profissionais. Reflectir sobre o nosso passado, “voar” sobre o presente para nos determos a conjecturar sobre o futuro é a dinâmica que imprimimos todos os dias á nossa existência. A evolução da nossa profissão é sem dúvida um emaranhado de vivências experiências que têm, continuamente, de ser devidamente organizadas e padronizadas com o objectivo de a tronarmos verdadeiramente cientifica. Vamos, neste número, dar um contributo nesse sentido. O artigo da ”“N” Reflexões” da autoria da colega Isabel Coutinho, que se publica agora, é sem dúvida um importante documento de apelo ao registo histórico e , obviamente, um convite à reflexão sobre a nossa actividade profissional e à nossa actuação diária, num enquadramento onde a legalidade assume um caracter de complemento organizador. Não gostaria de acabar estas linhas sem chamar à atenção sobre um outro aspecto deste nosso 3º número. A transversalidade desta nossa publicação. Assim iniciamos agora a colaboração com o colega Pedro Patrício, Técnico Coordenador de Imagiologia do Hospital da Luz, com a perspectiva de que ele, neste e em futuros artigos, nos mostre “aquilo” que tratamos e também aquilo que normalmente, estando ao alcance das nossas mãos, está inatingível com a nossa visão. A todos uma boa leitura O Editor O Editor Luís Eva Ferreira Arquivos de FisioterapiaArquivos de Fisioterapia Nota aos Autores e Leitores Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página II Como é sabido, pois está na nossa Carta de Intenções, a propriedade dos artigos publicados pela Arquivos de Fisioterapia (AF) permanece dos seus autores. Nesta filosofia de Imprensa de Acesso Livre (permita-se esta “tradução livre” do conceito), os autores concedem à AF ape-nas a autorização para publicar, guardar, distribuir na íntegra ou em parte, os seus artigos. Assim fazemos notar que, ainda que sendo nós uma fonte para a recolha dessas peças, os seus autores, e não só a AF, devem ser sempre contactados quando estiver em causa a utilização das suas matérias, textos, imagens ou outros elementos, Por outro lado, é sabido que a qualidade e utilidade dos ar- tigos se encontra no local, forma e número de vezes que são cita- dos. Nesse intuito está já ao dispor de todos, Autores e Leitores, na nossa página de Internet um formulário de preenchimento on-line, para que possam ser averbadas as informações referentes às citações dos nossos artigos. Assim podemos simultaneamente, enriquecer o curriculum da comunidade, “completar” os temas por nós publicados e fornecer aos leitores artigos relacionados com os assuntos tratados. Por isso pedimos a todos para que nos informem, através da www.afisioterapia.com sempre que no decurso dos vossos trabalhos citem os artigos da AF. Só assim podemos construir bases sólidas e credíveis de conhecimento. Arquivos de FisioterapiaArquivos de Fisioterapia Ficha Técnica Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página III Director: Luís Eva Ferreira Editor: Luís Eva Ferreira Editores Adjuntos: João Brites de Sousa Paulo Gaspar Acessoria de Edição: SFC - Consultores Colaboradores: Fátima Belo; Lúcia Pedrosa; José Mata; Marta Freitas; Ana Ferreira; Paulo Geraldo; Manuela Nogueira; Susana Simão; Luís C. Pereira; Leonor Madureira; Ana Santos Francisco; Elsa Silva, Isabel Coutinho. Endereços: Rua Prof. Fernando Gonçalves da Silva, nº 3, 2300-398 Tomar www.afisioterapia.com editor@afisioterapia.com geral@afisioterapia.com Tiragem 1000 exemplares Capa: Fotografia - Lúcia Pedrosa Arquivos de FisioterapiaArquivos de Fisioterapia Páginas Editorial I Nota aos Autores e Leitores II Ficha Técnica III Índice 1 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso Dias, S. ; Luzio, C. ; Garcia, V. 2 - 16 Importância da Aferência Visual no Controlo da Postura Pires, C.; Fernandes, J.; Alves. M. C.; Sousa, V.; Coutinho, I.; Fernandes,B.; Carolino, E. 17 - 24 Publirreportagem Terapia com Ondas de Choque Palma, E. - Sorisa 25 - 28 Incidência de Lesões no Voleibol: Acompanhamento de uma Época Desportiva Ribeiro, F. 29 - 34 Arthritics Impact Measurement Scales 2 - short version (2005): Contributo para a Adaptação e Validação para Portugal Sousa, A.; Silva, C.; Clemente, C.;Coutinho, I.; Carolino, E.; Fonseca, J.. 35 - 43 Imagiologia na Fisioterapia Patrício, P. 44 - 47 “N”- Reflexões O Exercício em Fisioterapia - Padrões de Prática Coutinho, M. I. 48 - 53 Índice de Anunciantes 54 Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 1 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso RESUMO Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 2 Introdução: A Doença de Meniére caracteriza-se pela associação de uma tríade de sintomas: crises de vertigem, acufenos e surdez. A abordagem a este caso englobou um processo de avaliação minucioso e um plano de tratamento orientado para a resolução dos problemas revelados pelo utente. Objectivo: Com a elaboração deste estudo de caso, propuséssemo-nos contribuir para um maior conhecimento desta área da Fisioterapia, documentar a Doença de Meniére e apresentar um modelo de intervenção possível. Descrição do Caso: O quadro patológico iniciou-se há cerca de 2 anos, com o aparecimento de acufenos unilaterais à direita. Até ao momento da avaliação, a utente tinha sofrido 2 crises de vertigem, apresentando como principais problemas: diminuição da independência funcional, nistagmo espontâneo de grau II direito, oscilopsia (3/10 EVA), acufenos unilaterais à direita, hipoacúsia ligeira à direita e laterodesvio direito na marcha. Resultados: Após o período em estudo, com excepção do nistagmo patológico, registamos uma regressão de todos os sintomas. Conclusão: Pode- se considerar que os resultados obtidos neste caso foram bastante satisfatórios, suportando o modelo de intervenção proposto. Novos estudos são no entanto necessários de forma a documentar o trabalho desenvolvido e a relevância da Fisioterapia na reabilitação vestibular. Palavras Chave: Reabilitação vestibular, Doença de Meniére, défice vestibular unilateralperiférico - Dias, Sílvia Fisioterapeuta - Luzio, Cristina Fisioterapeuta EQUI - Clinica da Vertigem e Desequilibrio – Hospital Particular - Garcia, Vaz Médico ORL EQUI - Clinica da Vertigem e Desequilibrio – Hospital Particular Autores Dias, S. ; Luzio, C. ; Garcia, V. A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso Introdução A Doença de Meniére (DM) é uma disfunção do ouvido interno que pode causar sintomas auditivos e vestibulares devastadores. Distribui-se de forma igual por ambos os sexos e inicia-se, geralmente entre a quarta e a sexta década de vida. Em 15% dos casos existe história familiar coincidente, o que leva a sugerir a importância dos factores genéticos (Herdman, 2000). A pesar de existirem casos de DM onde se apuram relações causais com otites crónicas, otosclerose, traumatismos cranianos ou sífilis, nomeando-se assim Síndrome de Meniére (Grupo de estudos da vertigem, 1997), esta patologia, é essencialmente de causa idiopática, e caracteriza-se pela associação de uma tríade de sintomas: crises de vertigens, acufenos e surdez. Não é vulgar a simultaneidade do início de todos os sintomas, sendo as vertigens e os acufenos que normalmente inauguram o quadro (Garcia, 2000). As vertigens aparecem por crises e são, tipicamente, rotatórias, intensas e com uma duração que oscila entre 20 minutos e um dia, ou mesmo dois. Acompanham-se de manifestações vagais como náuseas, vómitos, palidez e sudorese, sendo habitualmente agravados com os movimentos da cabeça. Em crises muito intensas o simples movimento ocular pode desencadear a sensação de vertigem. Quanto à duração, é frequente o doente ter vertigens durante um dia inteiro, que desaparecem ou se atenuam após o sono, podendo no entanto permanecer instabilidade e/ou desequilíbrio (Garcia, 2000). A hipoacúsia na DM é do tipo flutuante, atingindo preferencialmente as frequências graves e afecta inicialmente apenas um ouvido, embora possa evoluir para uma situação bilateral (Garcia, 2000). Os acufenos, outro dos sintomas típicos da DM, estão presentes do mesmo lado que a hipoacúsia, podendo ter timbres variados. Muitas vezes o doente apercebe-se da proximidade de uma crise de vertigens pela modificação da tonalidade dos acufenos (Garcia, 2000). Com a progressão da doença a hipoacúsia vai-se agravando, enquanto as crises de vertigem vão sendo cada vez mais raras. Ao fim de um período variável de tempo, com o evoluir da patologia, pode mesmo acontecer a abolição total da audição, ao mesmo tempo que as vertigens podem deixar de se manifestar por completo. Na origem dos sintomas descritos está uma desregulação da endolinfa – hidropsia endolinfática – que resulta de uma má absorção da mesma no ducto e no saco endolinfático. Desconhece, no entanto, se esta condição é a causa ou apenas uma alteração fisiopatológica observada na doença (Herdman, 2000). Objectivos Os objectivos principais deste estudo de caso são contribuir para o desenvolvimento de uma área recente da Fisioterapia, documentar uma patologia vestibular muito incapacitante e apresentar um modelo de intervenção possível, apoiado no raciocínio clínico e na evidência Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 3 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso científica disponível actualmente. Materiais e Método Antes de se iniciar a intervenção, é essencial que o Fisioterapeuta obtenha informações referentes ao diagnóstico médico e exames ontológicos e vestibulares (videonistagmografia e audiograma) e à Posturografia Dinâmica Computorizada (PDC), realizados em laboratório, e que só depois proceda a uma anamnese detalhada. Ao contrário do diagnóstico médico que tenta identificar uma doença em particular, o diagnóstico em Fisioterapia parte da constelação de sinais e sintomas na direcção dos quais a intervenção será orientada (Herdman, 2000). Uma descrição completa dos sintomas do utente, incluindo a sua natureza e qualidade temporal, bem como as limitações funcionais que daí advêm, deverão ser documentadas. Para tal, é de suma importância a realização de um exame subjectivo minucioso, que engloba questões que habitualmente não constam na anamnese da avaliação fisioterapêutica tradicional. Na abordagem a este caso foi utilizado o DHI (Dizziness Handicap Inventory), a consistência interna, a fidedignidade e a validade deste instrumento de medida já foi definida por vários estudos e o DIH tem sido utilizado para medir a eficácia da reabilitação vestibular (Benzinho & Luzio, 2004). Durante o exame subjectivo foi também utilizada a Escala Visual Análoga (EVA) para aferir o grau de intensidade das vertigens durante as crises e da oscilopsia, servindo também para perceber a evolução da utente na reavaliação. No exame objectivo utilizaram-se como instrumentos de medida: o registo em vídeo para a pesquisa de nistagmo; a (PDC), que permite avaliar a estabilidade postural, visualizando o contributo das aferências somatosensoriais, visuais e vestibulares (Beninato & Krebs, 2000); a prova de Fukuda, realizada na plataforma STATITESTTM que possibilita o registo gráfico, de forma a avaliar o movimento auto-iniciado da marcha (Herdman, 2000); a avaliação de vários componentes da marcha através da observação e registo; e a avaliação da influência das informações vestibulares sobre o controlo postural, testada através do teste clínico modificado da interacção sensorial no equilíbrio (TCISE). Tendo em conta a avaliação realizada e os problemas revelados pela utente, o modelo de intervenção centrou-se na reeducação vestibular, visando a reabilitação do equilíbrio e o alívio das vertigens e nistagmo causados por patologia vestibular (Garcia, 2004). Tendo sempre como objectivo promover a compensação vestibular, podem ser vários os mecanismos envolvidos na recuperação da função após a perda vestibular unilateral, nomeadamente: a recuperação celular, a recuperação espontânea, a adaptação vestibular, a substituição e a habituação (Herdman, 2004) . A abordagem de tratamento deste caso específico centrou-se essencialmente na adaptação e na substituição. Entende-se por adaptação vestibular as mudanças a longo prazo que ocorrem na resposta do sistema Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 4 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso vestibular a uma informação, durante o desenvolvimento e amadurecimento ou após uma doença ou lesão. Existem evidências de que o sistema vestibular pode ser alterado após perda unilateral vestibular, principalmente no que respeita ao ganho do reflexo vestíbulo- ocular (RVO) (Herdman, 2004). Neste caso específico, utilizou-se a cadeira rotatória visando a estabilização do olhare a consequente anulação do nistagmo patológico. Quando o sistema vestibular periférico se lesiona unilateralmente, a actividade neuronal do núcleo vestibular ipsilateral encontra-se reduzida em comparação com o núcleo vestibular contralateral. Consequentemente, o cérebro vai interpretar esta assimetria de informações como se se trata-se de um movimento de rotação cefálico para o lado oposto à lesão(Schubert & Minor, 2004). Que se traduz, para o paciente, numa sensação de vertigem. É deste modo que surge o nistagmo patológico, com o componente rápido a bater para o lado contralesional. O nistagmo patológico aparece porque o cérebro recebe informações de que um movimento cefálico está a ocorrer, estimulando o RVO para conseguir a estabilização da visão, o que resulta em movimentos oculares rítmicos e involuntários A substituição consegue-se com abordagens que solicitem as aferências proprioceptivas, visuais e exteroceptivas com o objectivo de se recuperar os padrões motores normais (R. GIL et al, 1991). Este mecanismo de compensação foi bastante solicitado nesta intervenção, principalmente na forma de incentivos e encorajamento para que a utente saí-se sozinha à rua, de forma a estar exposta a diferentes estímulos. De uma forma geral a abordagem do Fisioterapeuta deverá ser orientada para a resolução dos problemas encontrados na avaliação do utente. Deste modo, apesar de não ser possível, através da intervenção da Fisioterapia, evitar as crises de vertigem típicas da Doença de Meniére, devido à natureza flutuante do processo mórbido em si, a intervenção do Fisioterapeuta deverá ser dirigida aos sinais e sintomas que o utente manifesta no período intercrises e que são passíveis de ser alterados tais como a oscilopsia, o nistagmo espontâneo e os desvios laterais na marcha. É também de extrema importância incluir no plano de tratamento a educação sobre a modificação ambiental que o utente vai sofrer durante o resto da sua vida e sobre as medidas de segurança. Através da intervenção da Fisioterapia o utente irá aprender exercícios úteis e perceber que comportamentos poderão auxiliar ou atrasar a recuperação pós- crise. As crises podem surgir várias vezes por ano, durante um largo período da vida do utente, sendo por isso de suma importância que aprenda a reconhecer os sinais que indicam a sua proximidade, que se familiarize com os sintomas desencadeados durante a crise e que adopte medidas de segurança, tais como transportar consigo um cartão elucidativo da patologia e das suas Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 5 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso características, sentar-se de imediato no chão, na presença de uma crise e pedir que chamem uma ambulância, se necessário. O tratamento, após uma crise de vertigens, deve ser iniciado o mais cedo possível, uma vez que quando a experiência visuo-motora é impedida no período inicial de uma perda vestibular unilateral, ocorre um atraso na recuperação (Herdman, 2000). Os exercícios de reabilitação podem ser praticados por períodos curtos de tempo, conseguindo-se ainda assim produzir alterações no ganho do RVO (Herdman, 2000). É importante explicar ao utente que os exercícios irão desencadear os sintomas, porque envolvem os movimentos cefálicos que muitas vezes o utente limita inconscientemente, mas que é imprescindível a sua realização no processo de reabilitação vestibular. Apesar de ser um tipo de tratamento desconfortável e muitas vezes difícil para o utente, a reabilitação vestibular é hoje aceite como uma abordagem de tratamento apropriada e valiosa para os pacientes com hipofunção vestibular (Herdman, 2000). Descrição do Sujeito A intervenção que deu origem ao presente estudo de caso foi efectuada na clínica da Vertigem e Desequilíbrio – Equi, sedeada no Hospital Particular de Lisboa, no período de 14 de Maio a 3 de Junho de 2004. A utente em estudo foi seleccionada principalmente pela sua patologia: Doença de Meniére unilateral à direita. Foi também critério de escolha, o facto do início do quadro patológico e a clarificação do diagnóstico serem relativamente recentes e pelas características comunicativas e participativas da utente, sugestivas de poderem facilitar a recolha dos dados necessários. A utente, M.F.P., de 63 anos, género feminino, doméstica e residente em Lisboa, num 5º andar com elevador, deslocava-se para os tratamentos de Fisioterapia de metro ou de carro sempre acompanhada pelo marido. Tinha como passatempos fazer croché, ver televisão e passear, actividades que no momento eram afectadas pela patologia. O quadro patológico teve inicio há cerca de 2 anos, altura em que a utente relata o aparecimento de acufenos no ouvido direito, tendo sido por isso medicada com Vastarel e procedido à realização de exames de diagnóstico que resultaram inconclusivos. Em Dezembro de 2003 a utente sofreu a primeira crise com vertigens rotatórias, intensas, acompanhadas de manifestações vagais (naúseas e vómitos), enquanto estava no aeroporto, tendo-se deslocado de imediato para casa onde permaneceu deitada. No dia seguinte, quando acordou, a utente sentia-se bastante melhor, apesar de ainda persistirem vertigens de intensidade francamente menor (réplicas). Em Fevereiro de 2004 a crise repetiu- se, com características semelhantes à primeira, pelo que a paciente se dirigiu às urgências do Hospital Particular de Lisboa, onde foi consultada por um médico neurologista que a medicou com Betaserc (vestibulo-depressor). Passados alguns dias voltou a ser consultada, desta vez por um Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 6 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso médico otorrinolaringologista que pediu a realização de um audiograma, de um VNG e de uma PDC. Foi-lhe suspendido o Vastarel e encaminhada para reabilitação vestibular. Não são conhecidos casos semelhantes na sua família. Apesar desta patologia comportar uma vertente psico-social muito grande, a utente revela-se uma pessoa optimista. No entanto, com o decorrer da anamnese e posteriores intervenções, chegou-se à conclusão que o optimismo da utente se devia principalmente ao não reconhecimento das repercussões que a DM poderia ter na sua vida a longo prazo. As expectativas da utente em relação ao tratamento da Fisioterapia e à evolução da sua condição são, segundo palavras da própria: “Melhorar, voltar a fazer a minha vida. Conseguir sair sozinha sem ter medo de cair.” Exame Durante a avaliação subjectiva a utente referiu acufenos unilaterais à direita, persistentes e mais intensos durante a noite, facto que se deve à diminuição dos ruídos externos duranteesta parte do dia, dando a sensação errónea do aumento de intensidade dos acufenos. Referiu também pressão auricular no ouvido esquerdo e hipoacúsia ligeira no ouvido direito, pelo que utilizava uma prótese auditiva. Os sintomas cocleares apresentados pela utente são bastante vulgares na DM e pensa-se que resultam de um mecanismo físico da patologia que leva à obliteração do ducto coclear (Herdman, 2000), provocando à manifestação dos sintomas descritos. Por seu lado os sintomas vestibulares, parecem resultar de uma distensão dos órgãos otolíticos que pode afectar fisicamente a crista ampular (Herdman, 2000). Em relação aos sintomas vestibulares a utente revelou oscilopsia, descrevendo-a como “Parece que vejo mal as pessoas” e classificando-a com um 3/10 na EVA. Este sintoma deve-se ao défice do RVO, que resulta no nistagmo espontâneo, levando à sensação subjectiva descrita. A paciente referiu não sentir desequilíbrios, mas na PDC a performance de olhos fechados, numa superfície instável (quando o sistema vestibular é mais requisitado na função do equilíbrio), revelou alguma instabilidade. Descreve também um laterodesvio direito na marcha, que provavelmente se deve ao comprometimento do reflexo vestíbulo-espinhal (RVE), mais acentuado quando se desloca na rua sem acompanhante. O facto deste sintoma ser mais intenso fora de casa deve-se à exposição a estímulos sensoriais diferentes e mais agressivos do que em sua casa. Simultaneamente, a apreensão em relação ao que as outras pessoas poderão pensar ao observarem a sua deambulação, é só por si um factor limitante. Estes factores levam a utente a evitar sair de casa sozinha, atrasando a sua recuperação – uma vez que diminui os estímulos a que o aparelho vestibular e todas as aferências responsáveis pelo controlo do equilíbrio, estão expostos – e aumentado o risco de descondicionamento físico e de isolamento. Este tipo de alterações, quando Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 7 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso não são contornadas, podem levar a consequências físicas e psico-sociais bastante graves. As vertigens apareceram apenas durante as duas crises que a utente sofreu até ao momento, sendo do tipo rotatório e muito intensas (10/10 EVA). Pensa-se que as vertigens resultam de um desequilíbrio funcional entre os dois labirintos (Thai-van et al, 2000). Como componente da anamnese foram colocadas várias questões à utente de forma a completar o DHI, que foi preenchido pelo Fisioterapeuta. Após a análise do inventário chegaram-se aos seguintes valores: 9/28 no factor físico, 20/36 no factor funcional e 13/36 no factor emocional. Concluindo-se que para a utente, a componente que se encontra mais limitada pela patologia é a que diz respeito aos factores funcionais. Com a realização do exame objectivo pretende-se confirmar hipóteses que se colocaram aquando da análise dos testes laboratoriais e da realização da anamnese. A PDC realizada na plataforma STATITESTTM permite avaliar a estabilidade postural, visualizando o contributo das aferências somatosensoriais, visuais e vestibulares, para a manutenção do equilíbrio, através de seis condições de teste, que são repetidos três vezes cada, nomeadamente: o plano fixo com os olhos abertos (OA) e com os olhos fechados (OF); a plataforma de Bessou (plano instável) com os OA e com os OF; a prova impulsional com os OA e os OF. No caso especifico desta utente a PDC já tinha sido realizada quando iniciou a Fisioterapia propriamente dita. O software deste modelo também possibilita a realização da prova de Fukuda e o seu registo gráfico. Para a realização da pesquisa de nistagmo, tanto do espontâneo e do olhar descentrado como para o Head Shaking Test (HST), utilizaram-se óculos fechados ligados a um circuito de vídeo, de forma a permitir a observação e registo em vídeo dos movimento oculares, ao mesmo tempo que se anula a possibilidade do utente estabilizar a visão através da fixação ocular. A pesquisa do nistagmo é um procedimento muito importante na avaliação de um utente com estas características uma vez que a sua presença na ausência de fixação visual, combinada com a ausência de nistagmo na presença de fixação visual configura uma evidência definitiva de que existe uma lesão vestibular periférica, no lado oposto ao da batida da fase rápida do nistagmo (Herdman, 2000). Na sequência da pesquisa do nistagmo espontâneo e do olhar descentrado a utente manifestou um nistagmo de grau II, com batidas direitas no olhar em frente e para a direita, correspondendo este sinal ao recovery nistagmo, que indica que existe já uma recuperação da função vestibular periférica que não está a ser acompanhada pelo mecanismo de adaptação central (Herdman, 2000). O HST é um teste bastante vantajoso no diagnóstico de indivíduos com assimetria dos inputs periféricos vestibulares para as regiões Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 8 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso vestibulares a nível central. No caso desta utente o HST foi positivo com batidas para a direita, ou seja, para o lado do ouvido com patologia. Este resultado deve-se igualmente à presença do recovery nistagmo. Foi também realizada a prova de Fukuda registando-se uma rotação exagerada para o lado direito, o lado lesionado, tal como seria de esperar. Esta prova foi realizada em todos os dias de tratamento, antes e após a intervenção, para perceber se os exercícios efectuados estimulavam o sistema vestibular de forma adequada. A avaliação da marcha foi realizada com o objectivo de clarificar de que forma o laterodesvio direito, relatado durante a anamnese, poderia interferir na deambulação da utente. Procedeu-se à sua avaliação em várias situações, não se tendo observado desequilíbrios relevantes nem laterodesvios. Este resultado, apesar de satisfatório não se pode considerar absolutamente fiável, uma vez que o caminhar na rua é uma experiência completamente diferente do que na clínica, onde os estímulos são diferentes e o Fisioterapeuta está ao lado da utente dando-lhe mais segurança. O TCISE deve ser incluído na avaliação da Fisioterapia, se o paciente apresentar instabilidade sob estas condições o plano de tratamento deverá projectado para melhorar a função do sistema vestibular remanescente (Herdman, 2000). Deste modo, pediu-se à utente que permanecesse de pé, sob um trampolim, de olhos fechados. Registou-se a manifestação de alguma dificuldade, com algumas oscilações em todos os sentidos, mas a sua resposta pode ser considerada dentro da normalidade. Com a recolha dos dados objectivos sobre a condição da utente e após a sua confrontaçãocom os dados subjectivos, torna-se possível, através do raciocínio clínico, a descrição dos problemas da utente e a sua provável evolução. Avaliação, Diagnóstico e Prognóstico Após a avaliação e análise da informação recolhida foi possível confirmar que a utente apresentava um défice vestibular periférico unilateral do lado direito, que se deve à DM diagnosticada previamente. Foi possível verificar que o défice periférico sugeria no momento alguma recuperação que não estava a ser acompanhada pela adaptação a nível central, apresentado a utente um recovery nistagmo. Na sequência da análise de todos os parâmetros da disfunção identificaram-se as seguintes limitações funcionais: • Incapacidade para sair de casa sozinha. • Incapacidade para deambular no exterior sem sensação subjectiva de laterodesvio. • Incapacidade para realizar tarefas que impliquem fixação ocular. Tendo em conta as limitações funcionais citadas foi possível identificar os problemas primários, que se encontram hierarquizados de acordo com o seu grau de incapacidade para a utente: • Diminuição da independência funcional devido ao receio de sair de casa sozinha, pela possibilidade de ocorrência de uma nova crise e pelo laterodesvio direito que apresenta na Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 9 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso marcha levando a um grande receio de sofrer quedas. • Nistagmo espôntaneo de grau II com fase rápida para a direita (recovery nistagmo) devido à adaptação vestibular central que se seguiu à hiporreflexia vestibular unilateral decorrente da crise de vertigens. • Oscilopsia (3/10 EVA) devido a um RVO inapropriado. • Acufenos persistentes à direita, do “tipo zumbido”, que provavelmente se manifestam pela obliteração do ducto coclear típico desta patologia. • Laterodesvio ligeiro na marcha para a direita devido a uma disfunção do RVE. • Hipoacúsia ligeira à direita, pela mesma razão apresentada para a manifestação dos acufenos. Existem também alguns problemas potenciais que no momento não se manifestavam, mas que necessitam de ser prevenidos para evitar que se tornem problemas primários: • Risco de desenvolver patologia depressiva ou ansiosa pela componente emocional e social que a DM comporta. • Risco de isolamento social pela evicção de sair à rua. • Risco de desenvolver descondicionamento físico devido à diminuição das actividades. • Risco de sofrer algum tipo de lesão por desconhecimento de como reagir na eminência de um nova crise. Existem também alguns factores que podem ser facilitadores do processo de recuperação, nomeadamente: • Quadro patológico recente. • Idade não muito avançada. • Personalidade optimista e muito motivada. • Suporte familiar e económico favorável. Por outro lado, existem outros factores que podem condicionar o sucesso da intervenção: • Possibilidade de ocorrência de uma nova crise a qualquer momento. • Diminuição dos estímulos sensoriais a que a utente está exposta, por diminuição das actividades. Os objectivos do tratamento são delineados de forma a dar resposta aos problemas primários encontrados, a evitar que os problemas potenciais se tornem problemas primários, a contornar as possíveis barreiras e a optimizar os factores facilitadores. Desta forma, os objectivos a longo prazo serão o ensino da utente de forma a permitir-lhe: prever a proximidade de uma crise; minimizar as consequências de uma recidiva e potencializar os mecanismos centrais de recuperação vestibular. Conseguindo-se desta forma uma maior qualidade de vida, mesmo com a convivência com a patologia. No que respeita aos objectivos a curto prazo, o que se irá tentar com o plano de tratamento é: aumentar a independência funcional da utente, encorajando-a a sair de casa e contornando os seus receios através do ensino; diminuir a oscilopsia de 3 para 0 na EVA; anular o nistagmo espontâneo e de olhar descentrado. Em relação aos acufenos e à hipoacúsia apresentada pela utente, a Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 10 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso Fisioterapia não possui competências que nos permitam actuar a esse nível. É de suma importância que se esclareça o utente com DM que apesar de ter indicação para reabilitação vestibular, por manifestar sintomatologia no período intercrises, nos casos em que as crises ocorrem mais do que mensalmente o prognóstico é bastante reservado. Neste caso, a utente, até ao momento só experimentou 2 crises espaçadas de 2 meses, pelo que se pode esperar uma regressão dos sintomas significativa. Intervenção A primeira sessão de Fisioterapia realizou-se dia 14 de Maio de 2004, a utente parecia bem disposta, um pouco apreensiva, mas muito comunicativa. O tratamento da DM usualmente inclui orientações dietéticas, fisioterapia, apoio psicológico e farmacoterapia (Thai-Van et al, 2000). Em relação à intervenção da Fisioterapia, nestes casos reportamo-nos a uma das suas áreas, a reabilitação vestibular. Os exercícios vestibulares destinam-se a desencadear a compensação central e a treinar os doentes com vertigens para o reajustamento dos reflexos vestibulo- oculomotor e vestibulo-espinhal (Grupo de estudos da vertigem, 1997). A nível geral, a recuperação das lesões vestibulares unilaterais é satisfatória e os pacientes devem esperar um retorno às actividades normais. No entanto, no caso da DM, a incidência de uma nova crise pode levar a uma regressão total dos sintomas. Deste modo, o objectivo principal será aumentar a qualidade de vida do utente no período intercrises e prepará-lo para uma nova crise. A utente em estudo neste trabalho realizava 2 tratamentos de reabilitação vestibular por semana, de duração média de 30 minutos cada um, durante 3 semanas. Ao fim dos 6 tratamentos procedeu-se a uma reavaliação e a utente foi de novo consultada pelo otorrinolaringologista. No caso de um défice vestibular de instalação súbita é prioritário estabilizar a visão, de preferência através de cadeira rotatória (Beninato & Krebs, 2000). Este instrumento vai possibilitar o uso de movimentos giratórios, com o objectivo de estimular os diferentes canais semicirculares sensíveis à aceleração angular, no sentido de favorecer a instalação da compensação de forma a obter uma resposta equilibrada dos dois labirintos (R. Gil et al, 1991). Neste caso específico, a utente em estudo apresentava um recovery nistagmo, com batidas direitas. No entanto o que se deve valorizar é o défice em si, em conjunto com as suas manifestações harmoniosas e não a localização indirecta que nos é dada por um indicador isolado, como é o caso. Deste modo, como estamos na presença de um déficedireito, o que se pretende estimular é um nistagmo pós- rotatório contrário ao nistagmo patológico que este tipo de défice origina, ou seja um nistagmo com batidas para a direita. Como o nistagmo pós-rotatório se dá no sentido oposto à rotação, a rotação imprimida Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 11 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso teria que ser para a esquerda de modo a se conseguir atingir os objectivos propostos. Assim, com o utente de olhos fechados, imprimia-se uma rotação para a esquerda na cadeira rotatória que completava aproximadamente 6 voltas, após o que era parada repentinamente, repetindo-se este procedimento por várias vezes, dependendo da tolerância da utente. Na primeira sessão apenas se realizaram 3 repetições porque a manifestação das vertigens e os sintomas de origem vagal foram muito severos, mas nas sessões seguintes foi possível repetir o procedimento por 10 vezes, inicialmente mais espaçadas e no final de uma forma mais contínua. Um outro factor que se deve mensurar é o tempo que o nistagmo pós-rotatório leva a cessar desde que se pára a rotação da cadeira. Inicialmente, nas primeiras duas sessões, a utente levava cerca de 20 segundos até esta manifestação cessar, no entanto, nos últimos tratamentos o tempo diminui para cerca de 10 segundos, o que revela uma evolução positiva, uma vez que se trata de um valor que, em média, é registado em indivíduos sem patologia. Uma outra abordagem utilizada nesta intervenção foi o ensino centrado na patologia e nas suas consequências. Desta forma explicou-se à utente o carácter periódico da DM e o porquê dos seus sintomas. Tentou-se clarificar o facto de que a patologia a iria acompanhar durante toda a vida, mas que existiam comportamentos que permitiam “contornar” alguns aspectos da doença. Explicou-se que a Fisioterapia servia para “reequilibrar os dois ouvidos” mas que as crises se iriam manter. Explicou-se também que na proximidade de uma crise os acufenos mudam de tonalidade ou aumentam de intensidade e que seria importante estar atenta e não ignorar estes sinais. Elucidou-se a utente sobre o que fazer durante uma crise, tal como já foi explicado acima neste texto. Reforçou-se todos os dias que pode e deve sair à rua, continuar a desempenhar as funções anteriores às crises e que, exceptuando situações de risco, não há nada que tenha que deixar de fazer. O programa para realizar em casa, neste caso específico, consistia apenas em sair de casa sozinha e dia após dias superar as suas limitações. No início a utente mostrou-se um pouco reticente, mas após algum encorajamento começou a ganhar confiança, até já não ter qualquer receio de se deslocar sozinha na rua. Reavaliação Devido à curta duração do tratamento desta paciente, apenas se realizou uma reavaliação completa, no último dia de tratamento. No entanto, procedeu-se à prova de Fukuda em todas as sessões, antes e após a intervenção, para se aferir se a estimulação vestibular estava a ser efectiva. Na reavaliação que foi levada a cabo no dia 31 de Maio de 2004, a utente apresentou, na prova de Fukuda, uma ligeira rotação para a direita. Realizou-se também a pesquisa do nistagmo, que revelou a manutenção do nistagmo patológico de grau II. A execução do HST revelou-se negativa e com uma oscilopsia Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 12 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso que a utente classificou como 0/10 na EVA. Repetiu-se uma vez mais o procedimento, de forma a preencher o DHI do qual se obteve os seguintes valores: 2/28 no factor físico, 0/36 no factor funcional e 0/36 no factor emocional. Em relação à avaliação subjectiva a utente, referiu que as suas expectativas foram plenamente atingidas, uma vez que nos últimos dois tratamentos se sentiu completamente recuperada. Registou-se também um maior cuidado da paciente com o seu aspecto físico, o que denota uma melhoria referente aos aspectos emocionais e psíquicos. Após a análise dos dados referentes à reavaliação, a opinião, por parte da Fisioterapia, foi de que a utente deveria continuar os tratamentos, uma vez que, a presença do nistagmo de grau II e da rotação direita na prova de Fukuda, eram sugestivas de uma compensação central do défice periférico ainda não completa, representado este o único factor de incumprimento dos objectivos terapêuticos que nos tínhamos proposto atingir. Discussão A reabilitação vestibular na Doença de Meniére, é uma questão que levanta, actualmente, alguma controvérsia. Existem autores (Herdman, 2000) que não são a favor deste tipo de intervenção, uma vez que a DM é episódica e os exercícios vestibulares são projectados para induzir mudanças a longo prazo no sistema vestibular. Por outro lado, o diagnóstico da Fisioterapia não equivale necessariamente ao diagnóstico médico e neste caso específico, apesar do diagnóstico médico se traduzir na DM, para a intervenção da Fisioterapia, o diagnóstico relevante foi o défice vestibular periférico unilateral à direita, pobremente compensado a nível central. Deste modo, a principal preocupação foi perceber, quais os problemas primários da utente e se a intervenção da Fisioterapia poderia contribuir para a sua melhoria. Após uma avaliação minuciosa chegou- se à conclusão que, de acordo com o conhecimento actual, se poderia interferir ao nível dos seguintes problemas: nistagmo patológico, oscilopsia, laterodesvio na marcha e, de uma forma geral, no aumento da independência funcional da utente e do seu nível de conhecimento sobre a patologia. O plano de intervenção foi construído com o objectivo prioritário de estabilizar a visão, por isso se recorreu à cadeira rotatória. Quando este objectivo é atingido, e nos casos em que existe um comprometimento do RVE, a intervenção progride para o objectivo de se conseguir a estabilização do corpo, procedendo-se então à realização de exercícios sobre o trampolim, a bola de ginástica, a esponja ou a plataforma de Friedman (Garcia, 2004). Os resultados conseguidos podem-se considerar bastante satisfatórios. Com excepção do nistagmo patológico, todos os sintomas e sinais regrediram ao fim de 6 sessões de tratamento e as expectativas da utente atingiram-se plenamente. Apesar de não se terem encontrados estudos que abordassem, especificamente, os Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 13 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso efeitos da reabilitação vestibular na DM, sabe- se que a recuperação das lesões vestibulares unilaterais é geralmente satisfatória e os pacientes devem esperar um retorno às actividadesnormais (Herdman, 2000). Existem vários factores que podem comprometer o sucesso da recuperação, tais como: a limitação dos movimentos cefálicos ou das informações visuais, o uso prolongado de medicação vestibulo-depressora, a presença simultânea de outra disfunção que envolva o sistema nervoso central ou periférico, ou a idade avançada do paciente (Herdman, 2000). É importante que o Fisioterapeuta tenha conhecimento destes factores, de forma a contornar aqueles que são manipuláveis, aumentado assim a probabilidade de sucesso da sua intervenção. O ensino da utente foi um dos factores que mais contribuiu para os resultados finais, uma vez que tendo passado a conhecer as características da DM e os comportamentos que deveria adoptar para acelerar a sua recuperação, aumentou a sua auto confiança permitindo-lhe a execução de tarefas diárias de forma autónoma, que contribuiu de forma definitiva para a diminuição/regressão dos sintomas. Conclusões Do ponto de vista terapêutico, pode-se concluir que foram alcançados os objectivos propostos. A intervenção em Fisioterapia contribuiu de forma definitiva para uma maior qualidade de vida da utente A elaboração do presente estudo de caso constituiu um trabalho interessante, que se pensa ser pertinente, uma vez que aborda a intervenção da Fisioterapia numa patologia complexa, à luz de uma área recente, a reabilitação vestibular. É pois nosso propósito contribuir para a evolução de uma disciplina onde a Fisioterapia, já com indicadores de crescimento, tem, a nosso ver, um papel importante. Com o avanço das novas tecnologias, os meios de diagnóstico disponíveis são cada vez mais e melhores, permitindo diagnósticos mais precisos e pormenorizados, que requerem, por outro lado, novas abordagens terapêuticas que possibilitem encontrar respostas para os diversos problemas. Por outro lado, como é do conhecimento geral, nos últimos anos, a população tem envelhecido significativamente, mantendo-se esta tendência nos próximos anos. À medida que o Ser Humano envelhece, ocorrem mudanças nos sistemas vestibular, visual e somatossensorial, verificando-se uma redução da capacidade adaptativa do sistema vestibular (Herdman, 2000). Deste modo, a intervenção com o objectivo de estimular os mecanismos de compensação inatos, numa perspectiva do aumento da qualidade de vida, será cada vez mais solicitada. Deste modo, pensa-se ser de suma importância, a elaboração de novos estudos que documentem a intervenção da Fisioterapia nas várias patologias vestibulares. A reabilitação vestibular requer protocolos adaptados a cada tipo de patologia, individualizando-se os exercícios para cada paciente (Garcia, 2004). Numa perspectiva de evolução desta área específica, torna-se determinante neste Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 14 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso momento, a construção de trabalhos que apresentem aos nossos pares e a outros profissionais de saúde, os resultados que a intervenção em Fisioterapia pode conseguir em patologias com sintomas muito incapacitantes, conseguindo-se, em muitos casos, um aumento considerável da qualidade de vida do utente. Glossário Acufenos – Zumbidos apenas percepcionados pelo próprio. DHI – Questionário de 25 itens, que avalia múltiplos aspectos da vida diária, possibilitando conhecer a importância relativa das dimensões física, funcional e emocional do desequilíbrio na qualidade de vida do utente (Beninato, 2000). Hipoacúsia – Diminuição da audição; surdez. HST – Para a realização deste teste a cabeça do utente é oscilada horizontalmente, de forma passiva, durante, aproximadamente, 20 ciclos com uma frequência de duas repetições por segundo (2 Hz). Tipicamente, quando se pára a oscilação, um indivíduo com um défice vestibular periférico unilateral irá manifestar um nistagmo horizontal com batidas para o lado do ouvido são (Shubert & Minor, 2004). Nistagmo patológico – Movimentos oculares rítmicos e involuntários, com um componente lento e um rápido, este último caracteriza por convenção a direcção do nistagmo. Oscilopsia – Percepção ilusória de movimento do ambiente. Plataforma STATITESTTM – Plataforma Móvel Passiva Multisegmentos. Equipamento para o estudo do equilíbrio e da postura, isto é, dos fenómenos que permitem e regulam a actividade tónico-postural ortostática (Benzinho e Luzio, 2004) Prova de Fukuda – Prova em que o utente marca passo, no mesmo local, com os olhos fechados durante 1 minuto. Nas lesões periféricas o utente tende a rodar sobre si próprio na direcção da lesão. RVE – Reflexo que gera um movimento corporal de compensação com o objectivo de manter a estabilidade cefálica e postural (Herdman, 2000) RVO – Principal mecanismo da estabilidade do olhar durante o movimento cefálico. Encontra- se comprovadamente reduzido para 25% imediatamente após lesões vestibulares, em movimentos cefálicos ipsilaterais (Herdman, 2000). TCISE – Avalia o efeito da remoção das aferências visuais e da alteração das aferências somatossensoriais na estabilidade postural, deste modo as aferências vestibulares passam a ser as mais relevantes no controlo postural. Na prática durante este teste o utente tenta manter o equilíbrio numa superfície instável, com a anulação das aferências visuais. Vertigem – Ilusão de movimento de rotação do próprio ou do ambiente que o rodeia, acompanha-se sempre de desequilíbrio. Bibliografia - Beninato, M. & Krebs, D. (2000). Relationship among balance impairments, functional performance, and disability in people with peripheral vestibular hipofunction. Physical therapy, 80(8), 748-758.. - Benzinho T. & Luzio C. S. (2004) O papel das plataformas móveis em reabilitação vestibular – A nossa experiência com a STATITESTTM. Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 15 A Fisioterapia na Reabilitação Vestibular de um Doente com Doença de Meniére. Estudo de Caso http://www.otoneuro.pt/forum18.pdf - Ferreire, V. (1999). Zumbido e as suas implicações na qualidade de vida de seu portador. CEFAC. Garcia, V. (2004) Reeducação vestibular. http://www.otoneuro.pt/forum12.htm. - Garcia, V. (2000). Vertigem – Casos exemplares. Associação Portuguesa de Otoneurologia e Solvay Farma. - Grupo de estudos da vertigem/Portugal. (1997). Vertigem e desequilíbrio. Noções básicas. Antunes e Amílcar, Lda. - Herdman, S. J. (2000). Vestibular Rehabilitation (Second Edition). F. A. Davis Company - Herdman, S. (1997). Advances in the treatment of vestibular disorders. Physical Therapy, 77(6), 602-615. - Matériel utilisé pour l’exploration et la réhabilitation vestibulaire. Le fauteuil rotatoire compatible haute fréquence.(2004). http://www.vestib.org/chap7rehabvestib/sommc h7.html. - Pélissier, J., Brun, V. & Enjulbert M. (1993). Posture, equilibratión et médecine de rééducation. Editora Masson.- Popper, V. (2001). A reabilitação vestibular na vertigem. CEFAC. - R. Gil et al. (1991). Rééducation des troubles de l’équilibre. Édition Frison-Roche. - Schubert, M. & Minor, L. (2004). Vestibular-ocular physiology underlying vestibular hypofunction. Physical Therapy, 84(4), 373-385. - Thai-Van et al. (2000). Meniére’s disease. Pathophysiology and treatment. Drugs, 61(8), 1089-1109. Topuz, O. (2004). Efficacy of vestibular rehabilitation on chronic unilateral vestibular dysfunction. Clinical Rehabilitation, 18, 76-83. Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 16 Importância da Aferência Visual no Controlo da Postura Importância da Aferência Visual no Controlo da Postura RESUMO Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 17 Objectivos: Verificar se existem diferenças na postura estática e dinâmica, em indivíduos normovisuais, quando lhes é induzida uma alteração da aferência visual. Materiais e Método: O estudo foi do tipo quantitativo, transversal, analítico e descritivo, realizado numa plataforma de forças. Os testes foram efectuados na posição ortostática (olhos abertos, olho direito ocluído, olho esquerdo ocluído, olhos ocluídos) e dinâmica (agachamento com os olhos abertos e ocluídos) por uma amostra constituida por 29 estudantes normovisuais da ESTeSL, com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos, dos Cursos Superiores de Fisioterapia, Ortoprotesia e Ortóptica. Resultados: Na posição ortostática, o membro inferior (MI) que, em média, efectuava mais carga nos 4 testes realizados era o esquerdo. Observou-se uma maior assimetria (diferença da carga entre o MI direito e o MI esquerdo em cada teste), em média, com o olho esquerdo ocluído. Dividiu-se a amostra em dois grupos, 1º grupo (15 indivíduos que apresentavam maior carga, em média, no MI esquerdo, com os olhos abertos) e 2º grupo (14 indivíduos que apresentavam maior carga, em média, no MI direito, com os olhos abertos). No 1º grupo observou-se uma maior simetria, em média, com o olho direito ocluído. No 2º grupo observou-se, em média, uma maior simetria com o olho esquerdo ocluído. No ponto máximo de agachamento, com os olhos abertos, o MI que, em média, efectuava mais carga era o esquerdo. No ponto máximo de agachamento, com os olhos ocluídos, o MI que, em média, efectuava mais carga era o direito. Verificou-se, em média, uma maior assimetria, no ponto máximo de agachamento, com os olhos ocluídos. Conclusões: O olho mais eficaz para o controlo da postura corresponde ao mesmo hemicorpo do MI que realiza mais carga (membro de apoio). A informação visual é mais importante para a manutenção da postura dinâmica do que para a manutenção da postura estática. Palavras Chave: aferência visual; visão; postura Autores - Pires, Cátia Fisioterapeuta - Fernandes, Joana Fisioterapeuta - Alves, Maria Cristina Fisioterapeuta Cº. Fisiatria Dr. Joaquim Neto - Rito, Sara Fisioterapeuta - Sousa, Vera Fisioterapeuta - Coutinho, Isabel Fisioterapeuta, Profª. Coordenadora ESTeSL - Fernandes, Beatriz Fisioterapeuta Profª. Assistente ESTeSL - Carolino, Elizabete Matemática Profª. Assistente ESTeSL Pires, C.; Fernandes, J.; Alves. M. C.; Sousa, V.; Coutinho, I.; Fernandes,B.; Carolino, E. Importância da Aferência Visual no Controlo da Postura Introdução A manutenção de uma postura corporal adequada, revela-se importante para a realiza- ção das actividades da vida diária com o menor dispêndio de energia possível. Segundo Wade & Jones (1997), a estabilidade postural (exibida sob a forma de ajustamentos posturais) é modulada pela tríade da postura e locomoção: os sistemas somatosensorial, vesti- bular e visual. Por conseguinte, estes autores, subscrevem que, sem a interacção adequada destes sistemas, o organismo não pode adquirir a capacidade para explorar e interagir adequadamente com o meio envolvente. Contudo, se algum destes sistemas não exercer a sua função correctamente, os outros sistemas podem colmatar essa falha, de modo que o indivíduo mantenha a postura adequada às actividades exigidas. Constata-se assim, que a tríade acima referida é fundamental para promover o eficaz desempenho das actividades do dia-a-dia, bem como para a saúde e bem- estar dos indivíduos. Tendo em consideração o que foi referido, a pertinência deste trabalho de investi- gação para a Fisioterapia justifica-se: pela relevância que a relação visão e postura assumem na qualidade de vida dos indivíduos; pelo interesse em conhecer a interacção entre o corpo do indivíduo e o ambiente; pelo interesse em despistar alterações posturais decorrentes das aferências visuais; pela avalia- ção da importância da visão nas transferências de carga, pela necessidade de progressão científica na área da visão e postura como sistemas interdependentes e ainda pelo facto de existirem poucos estudos nesta área. O objectivo desta investigação foi verifi- car se existem diferenças na postura estática e dinâmica, em indivíduos normovisuais, quando lhes é alterada a aferência visual. Materiais e Método O estudo realizado é do tipo quantitativo, transversal, analítico e descritivo e pretende responder à questão orientadora: “Será que existem diferenças na postura estática e dinâmica em indivíduos normovisuais quando lhes é alterada a aferência visual?”. Constituiu-se uma amostra com 29 indivíduos normovisuais, seleccionados por conveniência, da ESTeSL, com idades compreendidas entre os 18 e os 23 anos, dos Cursos Superiores de Fisioterapia, Ortoprotesia e Ortóptica, sendo 20 indivíduos do sexo feminino (69%) e 9 do sexo masculino (31%) com alturas compreendidas entre 1,50 m e 1,85 m (média = 1,69 ±0,09 m), com peso compreendido entre 44 kg e 82 kg (média = 62,8 ±10,8) e um IMC entre os 17,72 kg/m2 e os 27,73 kg/m2 (média = 21,96 ± 2,6 kg/m2). Da amostra, 10 indivíduos (34,5%) praticavam actividade física com regularidade (mínimo de 3 horas semanais) e 19 não praticavam qualquer tipo de actividade física (65,5%). A selecção da amostra foi realizada de acordo com os critérios de inclusão: idades compreendidas entre 18 e 25 anos; indivíduos dos Cursos Superiores de Fisioterapia, Ortóptica e Ortoprotesia; autorização para Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 18 Importância da Aferência Visual no Controlo da Postura Teste Descrição Tempo (s) Teste A Habitual Stance (olhos abertos) Manter o corpo imóvel na posição ortostática, braços pendentes ao longo do corpo, com apoio palmar na face lateral da coxa, os pés alinhados e ambos os olhos abertos, olhando em frente para o ponto de fixação. 20 Intervalo Teste B Fall to a squat (olhos abertos) A partir da posição ortostática, e com os pés alinhados, realizar um agachamento máximo, após ordem da examinadora (aos 4 segundos), com flexão dos ombros a 90º e os cotovelos em extensão. Ambos os olhos se mantêm abertos olhando em frente para o ponto de fixação. 20 Intervalo Teste C Habitual Stance (olho direito ocluído) Manter o corpo imóvel na posição ortostática, braços pendentes ao longodo corpo, com apoio palmar na face lateral da coxa, com os pés alinhados e o olho direito ocluído. O olho esquerdo encontra- -se aberto olhando em frente para o ponto de fixação. 20 Intervalo Teste D Habitual Stance (olho esquerdo ocluído) Manter o corpo imóvel na posição ortostática, braços pendentes ao longo do corpo, com apoio palmar na face lateral da coxa, com os pés alinhados e o olho esquerdo ocluído. O olho direito encontra- -se aberto olhando em frente para o ponto de fixação. 20 Intervalo Teste E Habitual Stance (olhos ocluídos) Manter o corpo imóvel na posição ortostática, braços pendentes ao longo do corpo, com apoio palmar na face lateral da coxa, com os pés alinhados e ambos os olhos ocluídos. 20 Intervalo Teste F Fall to a squat (olhos ocluídos) A partir da posição ortostática, e com os pés alinhados, realizar um agachamento máximo, após ordem da examinadora (aos 4 segundos) com flexão dos ombros a 90º e os cotovelos em extensão. Ambos os olhos se mantêm ocluídos. 20 Tabela 1 – Descrição dos testes efectuados participar no estudo; ausência de período gestacional; ausência de história de patologia ou traumatismo crâneo-encefálico, vértebro- -medular, dos membros inferiores; ausência de patologia degenerativa, tonturas, zumbidos, dores de cabeça ou desmaios, distúrbios sensoriais e de equilíbrio, alterações visuais não corrigidas ou corrigidas há mais de dois anos, alterações posturais diagnosticadas; a não ingestão de medicamentos ou outras drogas que afectem o sistema nervoso central. A realização dos testes posturográficos na plataforma mtd-Balance® decorreu nas instalações da ESTeSL. Com a realização dos testes, pretendeu-se avaliar a postura estática e dinâmica. Os testes (Tabela 1) foram realizados em apoio bipodal, com os indivíduos descalços, sem meias, sobre a plataforma , com t-shirt e calções, pés segundo eixos paralelos e com os calcanhares tangenciais à linha previamente demarcada na plataforma, à distância de 4m de um círculo negro de 20mm de diâmetro (ponto de fixação), fixo à altura dos olhos quando em posição ortostática. Cada teste teve a duração de 20 segundos, porque se considerou que este período de tempo era suficiente para a recolha de dados e porque este período de tempo foi também utilizado nos estudos de Fernandes (1994) e Cacho (1989). As condições ambientais foram controladas e padronizadas para todos os indivíduos. Os testes foram realizados com pensos oclusores em ambos os olhos, quando se pretendia os olhos ocluídos e um penso Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 19 Importância da Aferência Visual no Controlo da Postura oclusor, quando se pretendia apenas um olho ocluído. Resultados Posição ortostática Verificou-se que, na posição ortostática o MI que, em média, efectuava mais carga nos 4 testes realizados, é o esquerdo. Analisando os dados no que respeita ao número de indivíduos que realizava mais ou menos carga, em cada membro inferior, obtiveram-se os seguintes resultados: no teste A (olhos abertos) 15 indivíduos (51,7%) realizavam maior carga (314,56 N) com o MI esquerdo; teste C (olho direito ocluído) 16 indivíduos (55,2%) realizavam maior carga (313, 75 N) com o MI esquerdo; teste D (olho esquerdo ocluído) 19 indivíduos (65,5%) realizavam maior carga (318,79 N) com o MI esquerdo; teste E (olhos ocluídos) 16 indivíduos (55,2%) realizavam maior carga (314,83 N) com o MI esquerdo. Observou-se uma maior assimetria (diferença da carga entre o MI direito e o MI esquerdo em cada teste), em média, no teste D (17,6 N), seguida pelo teste E (9,59 N), pelo teste A (8,8 N) e menor assimetria no teste C (7,36 N). De todos os testes realizados foi no teste D que se verificou o maior número de indivíduos a realizar mais carga com o MI esquerdo (n=19) e, em média, onde se realizou a maior carga (318,79N). No que respeita ao MI direito, nos testes A, C, D e E, este realizava menor carga, em média, do que o MI esquerdo. O teste no qual o MI direito realizava mais carga era o C (306, 39 N), seguido do teste A (305,76 N), teste E (305,24 N) e no que realizava menos carga, em média, era no teste D (301,19 N). Dividindo-se a amostra em dois grupos, 1º grupo (15 indivíduos que apresentavam maior carga, em média, no MI esquerdo, no teste A) e 2º grupo (14 indivíduos que apresentavam maior carga, em média, no MI direito, no teste A), analisou-se separadamente cada grupo no que respeita às assimetrias nos vários testes. No 1º grupo observou-se uma maior simetria, em média, no teste C (olho direito ocluído), 35,1 N, seguido pelos testes A (olhos abertos), 38,9 N, e E (olhos ocluídos), 38,9 N, e o teste D (olho esquerdo ocluído), 40,9 N, onde se verificou uma maior assimetria. No 2º grupo observou-se, em média, uma maior simetria no teste D (olho esquerdo ocluído), 7,4 N, seguido pelos testes C (olho direito ocluído), 22,4 N, e E (olhos ocluídos), 21,8 N, e o teste A (olhos abertos), 23,4, onde se verificou uma maior assimetria. Agachamento Verificou-se que, no ponto máximo de agachamento: teste B (olhos abertos), 18 indivíduos (62,1%) realizavam, em média, maior carga (400,38 N) com o MI esquerdo; teste F (olhos ocluídos), 16 indivíduos (55,2%) realizavam, em média, maior carga (418,38 N) com o MI direito. Verificou-se, em média, uma maior assimetria no teste F (31,38 N), enquanto que no teste B a diferença entre os dois MI foi de 18,55 N. Discussão Posição ortostática Neste estudo procurou-se estudar a Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 20 Importância da Aferência Visual no Controlo da Postura relação entre a visão e a postura, neste caso a simetria das transferências de carga. De acordo com Palmer & Epler (2000), aquando da avaliação da postura através do exame clínico, a simetria é um factor muito importante para a avaliação, sendo que a presença de assimetrias está associada à presença de alterações posturais, desequilíbrios e patologias. Porém, estes autores consideram normal ocorrer uma assimetria relacionada com o membro superior dominante. No presente estudo também foi encontrada assimetria entre a carga efectuada nos MI. No que respeita à posição ortostática, nos testes A, C, D, e E, a percentagem de indivíduos que realizava maior carga com o MI esquerdo era superior (51,7 % no teste A, 55, 2% no teste C, 65,5% no teste D e 55,2% no teste E). Este achado poderá estar relacionado com as curvaturas fisiológicas laterais da coluna vertebral: a curvatura cervical convexa à esquerda, a curvatura dorsal convexa à direita e a lombar convexa à esquerda (Pina, 2004). Se a curvatura dorsal não compensar as outras duas curvaturas, a carga efectuada pelo MI esquerdo será superior. Por outro lado, de acordo com Stern & Shif (s.d.), citados por Kosog (1999), a maior parte das pessoas que são destras ao nível do membro superior, também o são no MI (membro inferior dominante). O membrodominante é, segundo Carpes (2005), o primeiro a responder a qualquer solicitação, como dar um passo. Deste modo, o membro não dominante será o membro de apoio, deixando o membro dominante livre para efectuar mais prontamente as actividades. Esta afirmação é apoiada por Raîche et al. (1998), cujo estudo revelou uma assimetria na carga efectuada pelos MI que aumenta quando os indivíduos estão com os olhos ocluídos. Os autores defendem, porém que essa assimetria é funcional e aumenta a capacidade do indivíduo para restabelecer o equilíbrio, uma vez que, quando se transfere mais carga para um MI, o outro fica mais disponível para efectuar uma reacção de extensão protectiva. Observou-se que, nos indivíduos que efectuavam maior carga com o MI esquerdo, com a oclusão do olho direito (teste C) se verificou uma menor assimetria, em média, em relação ao teste realizado com o olho esquerdo ocluído (teste D), pelo que se pode supor que o seu olho mais eficaz no controlo da postura será o esquerdo. Por seu lado, nos indivíduos em que a maior carga era realizada com o MI direito no teste A (olhos abertos), verificou-se uma menor assimetria em relação ao teste D (olho esquerdo ocluído), em comparação com o teste C (olho direito ocluído). Constatou-se a partir destes achados, que a perna que realizava mais carga coincidia com o olho mais eficaz no controle da postura e que, na maioria dos indivíduos da amostra, este se encontrava à esquerda. Este facto está de acordo com Sérgio (1995), segundo o qual o olho director da verticalidade será o esquerdo. Perennou et al. (1997) obtiveram resultados semelhantes aos do presente estudo, no que respeita à maior assimetria, em média, quando se realizou o teste com o olho esquerdo ocluído. Estes investigadores realizaram um estudo que pretendia testar a hipótese de que o hemisfério cerebral direito é Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 21 Importância da Aferência Visual no Controlo da Postura dominante no controlo visual. Para testar esta hipótese realizaram um procedimento experimental em que colocaram oito indivíduos adultos saudáveis num estabilómetro com olhos abertos, olhos fechados (no escuro), olho direito fechado e olho esquerdo fechado. Os resultados deste estudo mostraram que a estabilização da cabeça no espaço é muito mais eficiente com as aferências provenientes do campo visual esquerdo do que nas outras três condições visuais. Verificando-se uma dominância clara do hemisfério direito no controlo da postura da cabeça. Esta hipótese poderá explicar porque se obteve maior simetria, em média, com o olho esquerdo aberto nos indivíduos da amostra. Quando se comparam os resultados do teste A (olhos abertos) e E (olhos ocluídos), no que diz respeito ao número de indivíduos, verifica-se que a maioria dos indivíduos (n=18) aumenta a assimetria quando são sujeitos à oclusão dos dois olhos (teste E). Porém, quando se comparam estes mesmos testes em relação à média da assimetria, verifica-se que não ocorreram grandes diferenças nos dois testes [teste A (8,8 N) e teste E (9,59 N)]. Esta semelhança, que não era esperada inicialmente, pode ser explicada por diversos factores. O primeiro, prende-se com as contingências da plataforma utilizada no estudo, uma vez que este aparelho não mede as oscilações do centro massa, mas só a carga que é realizada em cada um dos membros inferiores. Deste modo, o tratamento dos dados, fornece apenas a média da carga em cada MI e a média das diferenças da carga entre os membros, pelo que o que é realmente avaliado é a simetria da distribuição da carga entre os dois MI, e não a oscilação do centro de gravidade, como é referido na bibliografia. Para além disso, apesar de diversos estudos (Edwards, 1946; Lee & Lishman, 1975; Paulus et al., 1984, citados por Cook & Woollacott, 2001) provarem que os inputs visuais têm influência no controlo postural, estes não são absolutamente indispensáveis para o controlo da postura em posição ortostática. Este pressuposto deve-se à habilidade do sistema nervoso central em modificar a importância de qualquer aferência e pelo facto das aferências visuais serem facilmente substituídas pelos inputs vestibulares e somatosensoriais, em caso de défice visual. Verificou-se também que a simetria em relação ao eixo sagital sofria maiores alterações quando a amostra era sujeita à oclusão do respectivo olho mais eficaz no controle da postura (teste D no 1º grupo e C no 2ª grupo), em relação aos dois olhos ocluídos (teste E). Este achado pode ser explicado pelo seguinte: a manutenção da postura e equilíbrio depende da tríade óculo- vestíbulo-cerebelosa; quando falta uma das informações, esta é colmatada pelos restantes sistemas, que proporcionam um controlo simétrico, pelo que a distribuição da carga entre o MI esquerdo e direito se mantém. Porém se a informação é “enviesada”, devido à oclusão do olho com maior capacidade de regulação tónico-postural , esta vai alterar a postura e a simetria em relação ao eixo sagital. Agachamento No que respeita ao agachamento verificou-se que, em média, no ponto máximo Arquivos de Fisioterapia Volume 1, nº3, Ano 2007, Página 22 Importância da Aferência Visual no Controlo da Postura de agachamento, no teste B (olhos abertos), a maioria dos indivíduos realizava maior carga com o MI esquerdo, enquanto que no teste F (olhos ocluídos), a maioria dos indivíduos realizava maior carga com o MI direito. No que diz respeito à assimetria na distribuição da carga nos MI, verificou-se que era muito superior no teste F (olhos ocluídos), em relação ao teste B (olhos abertos). Este resultado pode ser explicado pelo facto da informação visual ser mais relevante para a postura dinâmica do que para a postura ortostática, pois permite antecipar as contingências do meio envolvente e proporcionar uma maior segurança ao nível do movimento, que se acredita manifestar por uma maior simetria. Conclusões Os resultados obtidos corroboram a existência de diferenças na postura estática e dinâmica em indivíduos normovisuais quando lhes é alterada a aferência visual, permitindo retirar as seguintes conclusões, relativamente à posição ortostática: • em média, os indivíduos realizam mais carga no MI esquerdo; • quando se analisa separadamente os indivíduos que fazem mais carga no MI esquerdo e no MI direito, verifica-se que os indivíduos que realizam mais carga no MI esquerdo apresentam maior assimetria quando têm o olho esquerdo ocluído, em comparação com o olho direito ocluído, e os indivíduos que realizam mais carga no MI direito apresentam maior assimetria quanto têm o olho direito ocluído, em comparação com o olho esquerdo ocluído; • o olho mais eficaz para o controlo da postura corresponde ao mesmo hemicorpo do MI que realiza mais carga. Nos
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