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Meio Ambiente-Sociedade-Natureza - Artigo

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MEIO AMBIENTE: DETERMINISMOS, METAMORFOSES E RELAÇÃO 
SOCIEDADE-NATUREZA 
 
 Otávio do Canto1 
Jalcione Almeida2 
 
Resumo 
Este artigo trata dos significados do meio ambiente. Discute-se a construção desses significados a 
partir das influências do determinismo natural, chegando-se às influências “modernas” recentes que a 
relação Sociedade – Natureza tem provocado nessa ideia. Destaca-se que nas diferentes concepções o 
meio ambiente é desigual, não harmônico e excludente, cada vez mais instrumentalizado por 
demandas mercadológicas. Conclui-se reivindicando uma relação mais simétrica entre sociedade 
(culturas) e natureza (meios ambientes). 
 
Palavras-chave: meio ambiente, determinismo, relação sociedade - natureza. 
 
 
 
A ideia de meio ambiente: uma construção social 
 
Todas as experiências humanas, de uma maneira ou de outra, ajudam a construir o 
meio ambiente cada vez mais novo e dinâmico. Porém, é preciso estar atento às diversas 
categorias analíticas usadas com objetivo de expressar as ideias a seu respeito. A expressão 
meio ambiente está bastante difundida nos mais diferentes segmentos da sociedade. Não 
obstante, o seu escopo manifesta uma grande margem de sentidos, por isso não se deve 
estranhar o quanto se reclama da imprecisão e redundância imposta pelas palavras “meio” e 
“ambiente”, principalmente quando utilizadas de forma associada. 
Se consultarmos várias pessoas sobre o significado de meio ambiente, provavelmente 
obteremos como resposta algo semelhante ao comentário de Santo Agostinho sobre o tempo: 
ele sabia o que é o tempo, mas o problema era defini-lo3. Por outro lado, é possível imaginar 
que alguns arriscariam a dizer que “é tudo que nos rodeia!”, “é a natureza!”, “é tudo que deus 
criou!”, “é tudo que os humanos constroem!” e assim por diante. 
 
1
 Geógrafo, professor da Universidade Federal do Pará. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em 
Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PGDR/UFRGS. E-mail: 
docanto@ufpa.br 
2
 Sociólogo, Coordenador do Grupo de Pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade (TEMAS/UFRGS) e 
professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do 
Sul – PGDR/UFRGS. Pesquisador CNPq. E-mail: jal@ufrgs.br. Ambos os pesquisadores pertencem ao grupo de 
pesquisa Tecnologia, Meio Ambiente e Sociedade – TEMAS (www.ufrgs.br/pgdr/temas). 
3
 “[...]E que assunto mais familiar e mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, 
compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele nos falam. O que é, por 
conseguinte, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu o sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não 
sei”. (SANTO AGOSTINHO, 1987 p. 218). 
 2
Ao consultar o dicionário verifica-se que o problema se mantém. Somente para a 
palavra meio são encontrados mais de uma dúzia de significados, inclusive, meio ambiente, 
que compreende “o conjunto de condições e influências naturais que cercam um ser vivo ou 
uma comunidade (lugar onde se vive; ambiente), e que agem sobre ele(s)” (FERREIRA, 2001 
p. 454.). Nesse contexto, meio ambiente aparece como algo externo aos humanos, não 
fazendo parte dos humanos, ou seja, os humanos não são vistos como construtores do meio 
ambiente, mas como receptores de influências do meio natural. 
No cotidiano observa-se que em muitos casos utiliza-se a palavra meio como ambiente 
para designar aquilo que convencionou chamar de meio ambiente. Sem muita exigência 
reflexiva e sem o enorme conjunto teórico-metodológico, político, ideológico e cultural à 
nossa disposição, para uma reflexão mais acurada podemos perceber que existe uma grande 
sobreposição de entendimentos que marcam a expressão meio ambiente. 
A palavra meio expressa uma superfície em que se insere um ponto qualquer, tendo, 
portanto, uma conotação espacial. Quando se está inserido, se está no meio, ainda que as 
distâncias dos extremos não sejam regulares. Estar no meio, portanto, significa estar cercado 
de outros seres por todos os lados, como que imerso em uma espécie de banho total. Estar em 
um meio significa, na prática, estar dentro dele, por ele envolvido, sem preocupação de 
limites. Já a palavra ambiente é composta de dois vocábulos latinos: a preposição amb (o) (ao 
redor, à volta) e o verbo ire (ir) que se juntam para formar ambire ou ir à volta. Assim sendo, 
ambiente, pois, é tudo que está à volta, o que rodeia determinado ponto ou ser. (COIMBRA, 
1985; RAYNAUT, 2006). 
Ainda sobre a etimologia dessas palavras, Coimbra (1985) esclarece que a totalidade 
no conceito de meio ambiente aparece bem clara em uma única palavra apropriada pela língua 
francesa. Trata-se de environnement, que foi também transposta para a língua inglesa como 
environment. É exatamente a mesma etimologia latina do estar à volta, com as ligeiras 
mutações gráficas e fonéticas incorporadas ao longo do tempo. O alemão tem outra raiz 
etimológica, mas conserva a semântica da expressão: um + welt (à volta + mundo) = umwelt. 
Como se pode ver existe uma redundância na utilização das duas palavras que foram 
consagradas, para designar tudo àquilo que nos envolve. Dessa maneira, entende-se que os 
humanos têm posição central no meio ambiente, ou seja, não existe meio ambiente que não 
seja objetividade humana. Assim, ele é totalidade humana e, por conseguinte, metamorfose. 
 
Verifica-se, pois, de forma bastante sintética, que meio ambiente é tudo que está à 
nossa volta. Porém, este entorno é constituído de quê? Certamente os seus constitutivos são 
 3
categoricamente distintos e em constante relação: a água, ar, rocha, solo, flora, fauna, energia 
solar, sons, circuitos das cadeias tróficas, as formas dos objetos, hidrelétricas, redes elétricas, 
rodovias, ferrovias, pontes, viadutos, túneis, portos, ruas, escolas, hotéis, condomínios 
residenciais, lojas, praças, bares, shopping center, outdoor, poluição, plantações, estábulos, 
silos, indivíduos, comunidades rurais etc. 
Várias categorias têm sido frequentemente utilizadas de modo pouco apropriado para 
expressar o meio ambiente, inclusive, algumas delas, apesar da sua complexidade conceitual, 
são razoavelmente bem definidas e não podem ser usadas como sinônimo de meio ambiente, 
por exemplo, ecossistema e ecologia. 
Ecossistema é constituído pelas relações entre seres vivos (ordem biótica) e destes 
com a ordem abiótica de um determinado lugar da terra. Segundo Odum, ecossistema é 
constituído por: 
 
[...] organismos vivos e seu ambiente não-vivo (abiótico) estão inseparavelmente 
interrelacionados e interagem entre si. Chamamos de sistema ecológico ou 
ecossistema qualquer unidade (biossistema) que abranja todos os organismos que 
funcionam em conjunto (a comunidade biótica) numa dada área, interagindo com o 
ambiente físico de tal forma que um fluxo de energia produza estruturas bióticas 
claramente definidas e uma clivagem de materiais entre as partes vivas e não-vivas 
(...). Sendo os ecossistemas sistemas abertos, o ambiente de entrada e o ambiente de 
saída devem ser considerados partes importantes do conceito. (ODUM, 1988 p.9). 
 
Já a Ecologia, definida originalmente na segunda metade do século XIX pelo zoólogo 
Ernest Haeckel, é o estudo da influência do meio sobre os seres vivos. Atualmente o termo 
ecologia também aparece em alguns contextos como um objeto, em outros como um método, 
uma ciência ou ainda como questão social e de intervenção política. (MORAES, 1994). 
Por outro lado, a ideia de natureza4 também tem sido usada de modo recorrente para 
substituir a expressão meio ambiente (ou ser substituída por ela). Para muitos, a natureza se 
traduz em tudo aquiloque existe independente do desejo humano, ou seja, ela precede a 
existência humana e este historicamente a transforma objetivando o atendimento dos seus 
diversos interesses. Porém, não se pode esquecer que a espécie humana é parte integrante 
dessa mesma natureza. 
 
 
4
 O debate em torno da ideia de natureza tem sido historicamente intenso. Robert Lenoble desenvolveu um denso 
trabalho, na década de 1960, intitulado “História da Ideia de Natureza”, onde faz uma longa trajetória desde a 
chamada “natureza mágica” dos nossos ancestrais até a chamada natureza mecânica, resultante da revolução 
científica do século XVII. Para esse autor não existe uma natureza em si, mas uma natureza pensada: “o 
animismo prova que a primeira ideia que os homens formaram da natureza foi uma ideia moral”. (LENOBLE, 
1969. p.50). 
 4
O sociólogo Antony Giddens também chamou a atenção para o instigante debate 
acerca da relação sociedade/natureza. Para ele, é comum na era moderna colocar a natureza 
em contraste com a cidade e equivalente ao campo. Natureza seria aquilo que é criado 
independentemente da atividade humana. “Mas ‘natureza’, neste sentido, realmente preserva 
traços há muito associados à sua separação da intervenção humana. Em muitas tradições, é 
claro, a natureza foi personalizada; era o domínio dos deuses, espíritos ou demônios”. 
(GIDDENS, 1997 p.97). 
Os humanos, ao transformarem a natureza, transformam a si mesmos e, nesse sentido, 
criam o meio ambiente de modo ininterrupto. “No processo de desenvolvimento humano não 
há uma separação do homem e da natureza. A natureza se socializa e o homem se naturaliza”. 
(SANTOS, 1988 p. 89). Mas tudo isso se realiza através do trabalho e é ele que confere ao 
meio ambiente a sua condição histórica. Por esta razão, sem o trabalho dos humanos não há 
meio ambiente. 
 
Meio ambiente à luz do determinismo natural 
 
O determinismo natural é um princípio explicativo que apresenta como fundamento 
central o domínio da natureza sobre os humanos, ou seja, a dinâmica natural dá forma e 
conteúdo ao comportamento das sociedades. Esse princípio está presente nas formulações de 
grandes pensadores, tentando mostrar que as diferenças do meio natural (aquele que 
independe do desejo humano para existir) explicam a diversidade social. 
O filósofo Aristóteles, que viveu na Grécia entre 384 - 322 a.C., em seu “Livro Quarto 
da Política” aponta para o fato de que os habitantes das regiões frias eram cheios de coragem 
e feitos para a liberdade. Nesse caso, todos aqueles que habitassem regiões quentes estariam 
condicionados à escravidão e a governos autoritários? O mesmo filósofo complementa 
afirmando que aos asiáticos faltava energia, sendo feitos para o despotismo e para a 
escravidão5. 
 
5
 “[...] Os povos que moram nos países frios e nas diversas partes da Europa são, em geral, audaciosos, porém 
inferiores em inteligência e iniciativa. Por esse motivo é que eles sabem manter sua liberdade, porém não são 
capazes de organizar um governo, e não podem conquistar os países vizinhos. Os povos da Ásia têm inteligência 
e são industriosos, porém lhes falta coragem, e por esse motivo é que não deixam sua sujeição e cativeiro 
perpétuos. A raça dos gregos, que ocupam as regiões intermediárias, engloba essas duas espécies de tipos: é forte 
e inteligente. Permanece, pois, livre, mantém o melhor dos governos e poderia até submeter à sua obediência 
todas as nações, se fossem fundidas em um só Estado”. (ARISTÓTELES, 2001 p. 129). 
 5
 
Em “Do Espírito das Leis”, de Montesquieu (1689 - 1755) pode-se encontrar que o 
calor excessivo diminui a força e a coragem dos homens e que nos climas frios haveria uma 
força de corpo e de espírito que tornava os homens capazes de ações penosas, grandes e 
ousadas. Ainda como consequência das condições naturais derivaria a coragem dos povos de 
clima frio e a covardia dos de clima quente6. 
Os dois pensadores acima, fundamentalmente o primeiro, não tiveram a oportunidade 
de conhecer a bravura e grandeza das diferentes civilizações do mundo tropical, como a 
Asteca, a Inca, além de outras. Porém, muitos outros estudiosos que viveram em épocas mais 
recentes, e tiveram condições de vivenciar grandes diferenças geográficas e culturais, ainda 
assim sustentaram o princípio determinista natural gerado entre os pensadores mais antigos. 
O determinismo é um princípio que pode gerar um sistema explicativo que subjuga os 
humanos ao meio em que vivem. Nessa lógica, os humanos das montanhas se organizam de 
forma A, os humanos das planícies de forma B, como se fossem as montanhas e as planícies 
que determinassem a organização social, política e a cultura dos mesmos. Na atualidade ainda 
é possível escutar o seguinte comentário: “o homem é produto do meio”. Mas, se essa verdade 
hegemonizada no passado se mantivesse como verdade no presente, seria impossível explicar 
a diversidade cultural na atualidade, desde as suas formas mais simples de se relacionar, 
vestir, comer, morar, estudar, trabalhar etc. A verdade de que “o homem é produto do meio”, 
faz parte de um sistema explicativo do passado, mas ainda encontra respaldo nas sociedades 
contemporâneas. 
Faz-se necessário frisar que o sistema explicativo determinista natural apresenta duas 
dimensões básicas, não excludentes: o determinismo biológico e o determinismo geográfico. 
A primeira, por exemplo, explica que o alongamento do pescoço da girafa está relacionado à 
escassez de alimentos em um determinado momento, levando esse animal a esticar cada vez 
mais o pescoço para se alimentar das folhas mais altas das árvores. Desse modo, seu pescoço 
teria crescido progressivamente e transmitido a seus descendentes. Por essa razão seus filhos 
nasceriam com o pescoço mais alongado do que seus pais. A repetição do processo ao longo 
das gerações teria formado a girafa de pescoço longo. Essa tese evolucionista, entretanto, é 
 
6
 “[...] Os povos dos países quentes são tímidos tais quais os anciãos; os dos países frios são corajosos tais quais 
os jovens. [...] Nas regiões frias, ter-se-á pouca sensibilidade para prazeres; ela será maior nos países 
temperados; nos países quentes será extrema. Assim como se distinguem os climas pelos graus de latitude, 
poderíamos distingui-los, por assim dizer, pelos graus de sensibilidade [...] Encontrareis nos climas do Norte 
povos que têm poucos vícios, muitas virtudes, sinceridade e franqueza. Aproximai-vos dos países do Sul e 
julgareis afastar-vos da própria moral; ali, as paixões mais ardentes multiplicarão os crimes. [...]” 
(MONTESQUIEU, 2002 p. 236-238). 
 6
permeada por controvérsias, como pode ser verificado no texto de Roque (2003). A segunda, 
por exemplo, busca explicar que a organização dos habitantes das montanhas se define pelas 
altitudes, clima etc. 
Por um lado é possível entender essas “verdades” como parte do processo de 
construção do conhecimento e que tem seu papel bem definido na história. As teorias 
deterministas, embora tenham suas origens muito antigas, somente ganharam força nos 
séculos XIX e primeira metade do século XX, desempenhando papel muito importante no 
pensamento da época. 
Outro aspecto relevante diz respeito à tentativa de convencimento de que os processos 
de dominação e exclusão tinham respaldo científico e muitos autores buscaram suas 
explicações para justificar a existência inata de humanos mais fortes e humanos mais fracos, 
povos mais e menos inteligentes, civilizados e não civilizados, raças superiores e raças 
inferiores, desenvolvidos e subdesenvolvidos etc. Todas essas questões têm suas raízes em 
épocas muito anteriores à nossa. Todavia, foramnos séculos XIX e XX que comportaram as 
grandes reflexões acerca da força que a natureza exerce sobre os humanos. Nesse contexto, 
tanto o determinismo biológico como o determinismo geográfico, enquanto matrizes de 
pensamentos, debateram e orientaram aquilo que posteriormente seria chamada de a questão 
ambiental como hoje a conhecemos. 
 
O determinismo biológico 
 
No século XIX e primeira metade do século XX, o conceito de raça fazia parte da 
centralidade do debate em torno do determinismo biológico. Nessa época, fervilhavam teorias 
que defendiam a existência de capacidades específicas, inatas de determinadas raças. Assim, 
era comum a defesa de teorias que se baseavam na existência da superioridade-inferioridade 
dos povos, ignorando por completo as suas diferenças como elemento fundamental da 
diversidade humana. Essa condição se reproduziu dentro de lógicas racistas e de intolerância 
face às diferenças culturais, políticas, sociais, econômicas e ambientais. 
Apesar da perplexidade de parte da sociedade, foi possível, em pleno século XX, o 
reafloramento de atitudes refletindo o velho pensamento sobre inferioridade-superioridade das 
raças. Mas existem aqueles que ainda acreditam na diferença inata entre “povos do norte” e 
“povos do sul”. É possível também encontrar que os alemães são “insensíveis e autoritários”, 
que os judeus são “avarentos”, que os norte-americanos são “empreendedores e interesseiros”, 
 7
que os portugueses são “pouco inteligentes”, que os japoneses são “inteligentes e traiçoeiros”, 
que os brasileiros “trazem no sangue a luxúria dos brancos, a preguiça dos índios e a tolice 
dos negros”. (LARAIA, 1986). Nesses mesmos termos, encontram-se referências sobre as 
comunidades amazônicas, onde seus modos de vida são vistos, fundamentalmente, como 
atraso e não como diferença. 
Baseados em concepções em que os fatores de ordem biológica determinam o 
comportamento humano, muitos chegaram a defender verdadeiros absurdos que, 
drasticamente, ganharam corpo e ressonância em nível mundial. Na Alemanha, a concepção 
da superioridade da raça adquiriu status de uma ideologia de Estado (o nazismo), atingindo 
proporções avassaladoras a partir de 1939. Uma concepção de cultura local ou regional que se 
elevou a um sistema de explicação justificando uma doutrina de Estado. 
Para melhor entender a importância do debate sobre raça no século XIX, tema de 
época que ocupa e influencia os mais variados estudiosos tanto da Europa como dos Estados 
Unidos, é importante atentar para o trabalho de dois grandes estudiosos: o zoólogo francês 
Jean-Baptiste de Lamarck (1744 - 1829) e do naturalista inglês Charles Darwin (1809 - 1882). 
Lamarck foi o primeiro a argumentar cientificamente a teoria evolucionista. Sua concepção do 
processo biológico se baseia na hereditariedade dos caracteres adquiridos. Porém, Lamarck 
não é o autor dessa noção, pois ela já existia desde a antiguidade. (BLANC, 1994). 
Supor o desaparecimento de uma espécie criada por Deus, no século XIX, era algo 
socialmente inaceitável, pois isso afetava os conceitos de ubiquidade e de onipotência do 
“Criador”. Talvez por essa razão, Lamarck levantou a hipótese de que as espécies não se 
extinguiam, mas transformavam-se. Desse modo, os estímulos e satisfações das necessidades 
individuais e coletivas, que estariam no meio ambiente, promoveriam o desenvolvimento de 
certos órgãos em uma determinada direção, tais como: a arcada dentária, cuja evolução 
atendeu às novas exigências de mastigação e deglutição dos alimentos crus ou cozidos; o 
desenvolvimento do sistema de pressão das mãos, permitindo, cada vez mais, a ampliação da 
capacidade de se trabalhar os objetos; o desenvolvimento das plantas podálicas, permitindo 
uma postura ereta no andar. 
Por outro lado, o desenvolvimento para a posição ereta, produziu uma transferência 
dos órgãos sexuais do homem e da mulher para posição frontal do corpo, do mesmo modo 
que, com o deslocamento das mamas para a posição vertical, a criança passa a poder mamar 
no colo. As razões dessas transformações encontravam-se na adaptação das espécies ao Meio 
Ambiente. 
 8
Se computado a Lamarck a tese da hereditariedade dos caracteres adquiridos e se ele, 
para fugir do dilema provocado pela religião, levantou a hipótese de que as espécies não se 
extinguiam, Darwin dá um salto bastante diferenciado. Este em “A Origem das Espécies” 
(1859) apresentou sua concepção em relação ao modo de desenvolvimento humano, 
mostrando que hoje, igualmente no passado, os humanos estão, como qualquer outro animal, 
sujeitos a diferenças individuais e a ligeiras variações em relação aos seus progenitores. 
A luta pela sobrevivência faz Darwin desenvolver a noção de seleção natural, ou seja, 
certos grupos, famílias e gêneros se enfraquecem ou se mostram enfraquecidos na capacidade 
de se adaptar a essas modificações internas produzidas, como de lutar pela sobrevivência, 
provocando a seleção natural. A própria espécie se encarrega progressivamente de extinguir 
ou relegar ao segundo plano determinados tipos e a forçar a modificação acelerada por 
evolução de outros. Assim, Darwin chegou à noção de evolução das espécies principalmente 
através das observações de fósseis e da distribuição geográfica de algumas espécies animais 
durante sua viagem ao redor do mundo (1831 a 1836). 
As orientações elaboradas por Lamarck e Darwin, de um modo geral, exerceram 
grande influência na ciência do século XIX. Desse modo, seu reflexo se fez presente nos mais 
variados campos do conhecimento, mesmo que muitos estudiosos, como Franz Boas (1858 - 
1942), tenham alertado para o fato de que não se pode explicar a cultura, a história humana 
usando os mesmos métodos de explicação da natureza. 
Franz Boas fez pela primeira vez uma crítica densa ao evolucionismo aplicado aos 
fenômenos culturais em um texto intitulado “As Limitações do método comparativo da 
antropologia”, durante encontro da “American Association for the Advancement of Science”, 
em Buffalo, em 1896. Esse autor, que migrou da Alemanha para os Estados Unidos, tem 
como um dos maiores méritos o trabalho pela construção de uma ciência não racista, 
combatendo o discurso da existência de superioridade-inferioridade dos povos. 
É lamentável que todo o esforço deste antropólogo, bem como de muitos outros 
cientistas, políticos, religiosos, cidadãos comuns, não tenham sido suficientes para evitar que 
o estereótipo da raça superior levasse o mundo aos etnocídios promovido pelas guerras. 
Assim sendo, tão perto de nós, na década de 1950, o mundo começava a se refazer de uma das 
maiores catástrofes da história - o nazismo. Antropólogos, geneticistas, biólogos e outros 
especialistas, reunidos em Paris sob os auspícios da Organização das Nações Unidas para a 
Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, redigiram a “Declaration d’Experts sur les 
 9
Questions de Race”7, em julho de 1950, onde afirmam que as pesquisas científicas 
demonstram que as diferenças se explicam antes de tudo pela história cultural de cada grupo 
étnico. 
 
O determinismo geográfico 
 
Conhecer o planeta Terra historicamente constitui o desejo dos mais variados campos 
do conhecimento. No entanto, a localização precisa dos diferentes lugares e a sua 
representação cartográfica sempre recebeu atenção especial dos geógrafos. 
A partir do século XVIII, quando já era possível precisar a localização dos mais 
longínquos lugares da Terra, mudanças profundas ocorreram na perspectiva de observação 
desse planeta, pois se a velha pergunta (onde?) havia sido respondida, uma nova pergunta 
passou a ser feita: o que existe no lugar? Dessa maneira, passou-se a estudar dois aspectos 
fundamentais: a diferenciação dos lugares e a relação sociedade-natureza. Não se nega as 
preocupações anteriores, aliás, entre os filósofosgregos eram comuns reflexões sobre as 
relações sociedades-natureza, pelo menos desde Tales de Mileto. (BORNHEIM, 1985; 
GONÇALVES, 1990). 
Hipócrates (cerca de 450 a.C.) afirma categoricamente no texto de sua obra clássica, 
“Dos ares, das águas e dos lugares”, que os asiáticos são “covardes e de caráter menos 
belicoso e mais doce do que os europeus” e que é preciso procurar as causas essenciais na 
natureza das estações. Por outro lado, Estrabão (64 a.C.- 21 d.C.) criticava os geógrafos 
matemáticos dizendo que era muito mais importante o conhecimento da superfície da terra do 
que a localização precisa dos lugares. (SODRÉ, 1984). 
Apesar de muitos estudiosos defenderem a ideia de que o meio natural determina a 
dinâmica sociocultural, o determinismo geográfico é uma corrente de pensamento 
desenvolvida por geógrafos no século XIX e início do século XX, que a partir de então 
 
7
 “Os dados científicos de que dispomos atualmente não confirmam a teoria segundo a qual as diferenças 
genéticas hereditárias constituiriam um fator de importância primordial entre as causas das diferenças que se 
manifestam entre as culturas e as obras das civilizações dos diversos povos ou grupos étnicos. Eles nos 
informam, pelo contrário, que essas diferenças se explicam antes de tudo pela história cultural de cada grupo. Os 
fatores que tiveram um papel preponderante na evolução do homem são a sua faculdade de aprender e a sua 
plasticidade. Esta dupla aptidão é o apanágio de todos os seres humanos. Ela constitui, de fato, uma das 
características específica do Homo sapiens. [...] No estado atual de nossos conhecimentos, não foi ainda provada 
a validade da tese segundo a qual os grupos humanos diferem uns dos outros pelos traços psicologicamente 
inatos, quer se trate de inteligência ou temperamento. As pesquisas científicas revelam que o nível das aptidões 
mentais é quase o mesmo em todos os grupos étnicos”. (LARAIA, 1986. p.18-19). 
 
 10
ganhou ressonância e popularidade. Pode-se ainda dizer que, aqui estão as raízes utilizadas 
para sustentar o discurso que apregoa que “o homem é produto do meio”. 
É frequente atribuir-se a Ratzel (1844-1904) a gênese do determinismo geográfico, 
mas são seus discípulos que simplificaram e absolutizaram a sua obra. Elsworth Huntington e 
Ellem Semple foram os principais responsáveis pela radicalização dos ensinamentos do 
mestre. Estes orientaram seus estudos por máximas como “as condições naturais determinam 
a História”, ou “o homem é o produto do meio”, empobrecendo bruscamente as formulações 
de Ratzel, que falava de influências e não de determinação. (MORAES,1983; 1988). 
Huntington, geógrafo inglês, com seu livro “Clima e Sociedade”, publicado em 1915, 
onde defende a ideia de que os rigores do inverno explicariam o desenvolvimento, pelas 
necessidades de comida, abrigo etc., ou seja, o rigor do clima explicaria a dinâmica do 
progresso. Por outro lado, a norte-americana E. Semple em “As influências do meio 
geográfico” (1911), desenvolveu a teoria que relaciona a religião ao relevo. Para ela, nas 
regiões planas predominariam religiões monoteístas; nas regiões acidentadas, religiões 
politeístas. (MORAES, 1988). Não obstante, a partir dos trabalhos de Franz Boas, a 
“orientação determinista” passou a ser sistematicamente refutada, passando a se demonstrar 
cientificamente as limitações da influência do meio natural sobre a dinâmica dos povos. 
Em 1883 Franz Boas passou a desenvolver trabalho de campo junto aos esquimós na 
Terra de Baffin, nordeste do Canadá. Esse trabalho empírico tinha por objetivo aplicar a teoria 
desenvolvida no curso dado por Ratzel (chamado de Antropogeografia). Assim, Boas utilizou 
uma população concreta em trabalho de campo, observando e descrevendo a vida, para ver até 
que ponto o meio natural influenciava a cultura, algo novo e inteiramente diferente daquilo 
que seu mestre desenvolveu teoricamente. 
A partir do trabalho na Terra de Baffin Boas chegou à conclusão de que o meio natural 
não determina a cultura e que uma sociedade que parecia simplória, pobre, escravizada pelo 
gelo e o rigor do frio, na verdade apresenta uma vida bastante complexa e com uma riqueza 
muito maior do que se poderia supor. 
Atualmente, via o estudo do meio ambiente, retoma-se o debate da influência do meio 
sobre os humanos, apresentando características e exigências do novo contexto histórico das 
ciências e da sociedade de modo geral. Assim, o debate assume novas centralidades, tais 
como a biodiversidade, a apropriação racional da natureza, a sustentabilidade etc. Muitas 
questões que no passado contribuíram para o rompimento entre determinados segmentos 
científicos, promovendo de certa forma a sua especialização, hoje são retomadas dentro da 
perspectiva de totalidade resultante da condição inseparável entre sociedade-natureza. 
 11
 
É evidente que o estudo do meio ambiente, à luz dos nossos dias, conduz a enormes 
desafios, os quais tangenciam diversos campos, tais como o epistemológico (avaliação crítica 
dos novos paradigmas, das novas teorias e novas técnicas8); o metodológico (sobre o que 
trabalhamos, como trabalhamos e por que trabalhamos); o da linguagem (decorrente da 
formação disciplinar dos sujeitos envolvidos no trabalho); o ético (onde se assentam posturas, 
valores e princípios, como o naturalismo, tecnicismo e o romantismo), como pode ser visto 
em Moraes (1994). 
É preciso, contudo, alertar para que esse debate sobre meio ambiente não se 
transforme em revivência da postura naturalista nas humanidades ou nas ciências sociais 
contemporâneas, condição que foi superada ao longo do século XX, auxiliada pela crise do 
positivismo clássico, nos mais diferentes campos do conhecimento. Na Geografia, por 
exemplo, a crítica ao determinismo natural levou a uma progressiva desnaturalização e 
humanização de seu objeto de estudo, possibilitando entender as constantes metamorfoses do 
meio ambiente e, por conseguinte, da relação sociedade-natureza. 
 
Meio ambiente como produto das metamorfoses Sociedade - Natureza 
 
Sabe-se que a natureza precedeu a existência humana por alguns bilhões de anos e que 
os humanos surgiram e aumentaram, cada vez mais, sua dinâmica e inteligência no interior e 
no movimento da própria natureza. Isso, porém, não nos parece contrariar a ideia de que os 
humanos e a natureza constituam um único corpo, pelo contrário, vem reafirmar que a 
natureza é base inexorável de nossas vidas e que nós a utilizamos (metamorfoseando-a 
continuamente), dadas as necessidades constantes da nossa (re)produção social ao mesmo 
tempo em que produzimos um novo ambiente. Assim sendo, construímos o meio ambiente 
enquanto metamorfose sociedade-natureza. 
A nossa história é a história das relações dos humanos com a natureza, as quais se 
diferenciam ao longo do tempo e do espaço. A história da relação sociedade-natureza é, em 
todos os lugares habitados, a história da substituição de um meio natural por um meio cada 
vez mais tecnificado, artificializado, por essa mesma sociedade. Dessa maneira, pode-se 
 
8Por técnica, designa-se não o conjunto dos nossos métodos e saberes, mas o conjunto dos objetos que 
confeccionamos tendo em vista a transformação da natureza. (BOURG, 1997 p.13). 
 
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admitir que a história do meio geográfico possa ser grosseiramente dividida em três etapas: o 
meio natural, o meio técnico e o meio técnico-científico informacional. (SANTOS, 1996). 
A primeira etapa implicava na utilização do meio natural pelos humanos sem grandes 
transformações, tendo em vista que a técnica era prematura, refletindo o quadro das 
necessidades da sociedade que as produzia. A segunda etapa emerge com o processo de 
aprimoramento datécnica que permite chegar à mecanização do espaço, ou seja, a técnica 
cada vez mais aprimorada conduz a um sistema autônomo, artificial. A natureza “natural”, 
que é pouco ou nada capaz de imprimir determinações sobre os humanos, foi ganhando 
qualitativos de dimensões sociais cada vez mais aprimorados. 
A terceira etapa, resultante da união entre técnica e ciência a serviço de interesses 
organizacionais (a tecnociência), se traduz em um mundo muito mais diversificado, o mundo 
da velocidade emergido após a Segunda Grande Guerra. Portanto, é algo recente do ponto de 
vista da história e tem provocado rápidos envelhecimentos e crises, dentre outras, no campo 
das categorias de análise e dos conceitos, exigindo esforço fenomenal, principalmente das 
ciências sociais para dar respostas às novas necessidades da vida cotidiana. 
O trabalho, principal mediador das diferentes “etapas” do meio geográfico, cada vez 
mais cria inteligência, inovação técnica9 e velocidade na forma de extensão dos braços 
humanos e dá novo corpo ao espaço e ao tempo. Assim sendo, as diferentes sociedades, 
através do trabalho, humanizam a natureza no mesmo momento que por ela são naturalizadas. 
Todas as pessoas, nos mais diferentes níveis sociais, necessitam de objetos que em última 
instância provém da natureza. A natureza é a base material da vida humana, dessa maneira, 
todos os objetos que se encontram ao nosso redor, na sala de aula, no trabalho, em casa, nas 
ruas é natureza humanizada, ou seja, é natureza metamorfoseada para satisfazer os interesses 
sociais. 
A humanização da natureza que aqui se refere é no sentido de serem ações realizadas 
por seres humanos, não necessariamente no sentido da cidadania, visto que o processo de 
apropriação da natureza reflete também o processo das desigualdades e das injustiças no qual 
os humanos estão mergulhados. 
 
 
9
 A inovação se concretiza como prática social. O conjunto de ideias e artefatos constituintes de uma inovação 
precisa circular e é somente assim que ela é incorporada em um contexto social. Neste processo de assimilação, 
integração e reinterpretação uma inovação emerge como uma força modificadora das práticas sociais. A 
inovação acaba, através de seus usuários, transitando por contextos macro e microssociais, agrupando e 
misturando conhecimentos tradicionais e científicos. (PREMEBIDA, 2008 p. 69). 
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Cada vez mais as sociedades se tornam velozes e incorporam, em maior grau, 
elementos da natureza transformando-os em objetos, para que assim possam suprir suas 
necessidades básicas, além dos exageros e do desperdício cometidos por partes dessas 
sociedades. Assim sendo, na atualidade, chega-se a uma consciência de que não é possível 
continuar o processo de apropriação da natureza como algo ilimitado, pois este planeta tem 
limites, não só no sentido geométrico, mas como também das possibilidades de continuar 
oferecendo elementos para uma pilhagem e apropriação sempre crescente, comandada pelos 
centros econômicos, geralmente emanado das grandes cidades. 
Foi tão-somente na segunda metade do século XX, com o desenvolvimento de satélites 
e fotografias aéreas, que a Terra foi revelada como algo limitado. O planeta tornou-se 
“pequeno”, com os limites bem visíveis. Por outro lado, pela primeira vez, com o aparato 
militar passou a existir possibilidades reais de destruição total da vida no planeta Terra. 
Essas questões surgem como feridas abertas, refletidas por inúmeras vertentes do 
cotidiano e exigindo maior atenção a esse processo, pois cada vez mais dispomos de 
elementos para nos convencer da necessidade de reorientar a relação sociedade-natureza, na 
chamada construção da modernidade. (GIDDENS, 1997). 
A propalada sedutora modernidade neste início de milênio se confunde, por um lado, 
com o mundo mágico da velocidade da informação e com as “maquininhas” fantásticas, para 
aqueles que podem consumir. Por outro lado, os crescentes problemas ambientais, cujos 
desdobramentos sociais são por vezes os mais perversos possíveis, particularmente nas 
grandes cidades, cujo rápido crescimento desordenado tem motivado insuperáveis demandas 
sociais ao longo do tempo, as condições sociais das favelas podem ser apontadas como um 
dos exemplos clássicos desse processo. 
Não são poucas as iniciativas que afirmam dar conta dos mais variados problemas 
ambientais. Destarte, não podemos esquecer que as sociedades têm sua organização 
estruturada pelos confrontos dos interesses sociais, por isso, geralmente as “soluções” que são 
praticadas pelos governos trazem na sua essência os interesses dos grupos sociais dominantes. 
À título de exemplo, a política da valorização do transporte individual em detrimento ao 
transporte coletivo, na maioria das grandes cidades brasileiras, evidencia não o que é melhor 
ambientalmente (no sentido coletivo) para o cidadão, mais o que é mais viável ao setor 
econômico. Por isso, os graves problemas das grandes cidades não serão, sequer, amenizados, 
com o plantio de mudas nos tímidos canteiros dos espaços públicos, pelo menos para os 
milhões de excluídos do direito fundamental de morar e viver em condições decentes nessas 
cidades. 
 14
 
Existem aqueles que, no afã de uma postura ética, respeitando diferentes valores e 
princípios, defendem múltiplas orientações em seus projetos ambientais. Dessa maneira, 
alguns se orientam pela perspectiva naturalista, que despoja a dimensão social dos problemas 
ambientais. Outros, através do tecnicismo, tentam resolver os problemas pela via técnica. 
Outros ainda acham ser possível equacionar os problemas pela via política. 
Tornou-se muito comum, na defesa de muitas proposições, encontrarmos aqueles que 
buscam suas inspirações nos grupos indígenas, visando apresentar soluções para as sociedades 
atuais. Na maioria dos casos os índios aparecem no formato “bom selvagem”, para lembrar 
Rousseau (séc. XVIII). Nessa perspectiva, os índios viveriam em plena harmonia com a 
natureza e os humanos “brancos” não só deixaram de compreendê-los, como os corromperam 
ou os destruíram (e/ou continuam destruindo-os). A história nos mostra que a relação humana 
branco-índio é triste, massacrante e desumana, mas nunca os índios foram ingênuos e 
atrasados, são notadamente diferentes e seus modos de vidas específicos. Essa dimensão pode 
ser observado na crítica irônica de Bruno Latour: 
 
Não há um livro de ecologia teórica que não venha informar, contrastando a 
miserável objetividade dos Ocidentais com a sabedoria milenar dos “selvagens”, que 
eles respeitariam a natureza, viveriam em harmonia com ela, se afundariam nos seus 
segredos mais íntimos – fundindo sua alma com aquela das coisas, falando aos 
animais, casando-se com as plantas, discutindo de igual para igual com os planetas. 
Ah, estes selvagens emplumados, filhos da Mãe Terra, como gostaríamos de nos 
assemelhar a eles! Ao assistir suas bodas com a natureza, como nos sentimos 
infantis por sermos apenas um engenheiro, um pesquisador, um Branco, um 
moderno, incapaz de reencontrar este paraíso perdido, este Éden em direção ao qual 
a ecologia profunda gostaria de dirigir nossos passos... (LATOUR, 2004. p. 80-81). 
 
A construção de um meio ambiente saudável, tanto no campo como nas grandes, 
médias e pequenas cidades depende de uma melhor divisão da riqueza, de decisões políticas 
que reorientem o uso social dos recursos, capacidade técnica em constante recriação. Para 
isso, o alcance da pesquisa e da educação são instrumentos inexoráveis para todos 
independente da condição social e econômica de cada indivíduo. 
A relação sociedade-natureza se expressa pela metamorfose constante do meio 
ambiente, exatamente porque este é o resultado das contradições próprias das sociedades que 
as produzem indefinidamente. Portanto,o meio ambiente é não-harmônico, desigual e 
excludente. Assim sendo, os elementos da natureza, tal qual o rio, a montanha, a floresta são 
apropriados de forma mais veloz por aqueles que detêm os instrumentos técnicos, necessários 
para imprimir uma maior velocidade e eficiência do ponto de vista das demandas 
mercadológicas. Por isso é preciso estimular a reflexão sobre o meio ambiente enquanto 
 15
resultado de uma metamorfose da relação sociedade-natureza, que tem gerado um meio 
ambiente pouco ou nada sustentável e injusto para a maioria da sociedade. 
 
Considerações finais: simetria entre Sociedade e Natureza? 
 
Meio ambiente é uma palavra paradoxal. Latour et al. (1998) dizem que ela é usada no 
singular quando ninguém, exceto alguns ecologistas, sabe dizer se existe uma verdadeira 
entidade singular que permite unificar os comportamentos humanos. O meio ambiente no 
singular reflete um aspecto do paradoxo: “só se começa a falar de meio ambiente no momento 
em que, justamente, ele não mais nos envolve” (LATOUR et al. 1998 p. 92). Toda a ação 
humana teve, até certo tempo, “seu meio ambiente”, essa zona indeterminada que ela não 
tinha de levar em conta, seu complementar. Neste período, pôde-se então admitir várias 
culturas, várias sociedades, vários ambientes (no plural). 
Se o século XVII unificou a natureza, esta foi unificada de forma mecânica, resultado 
da universalidade das leis que a regiam e provocada pelo trabalho humano de conquista via 
impérios da época. Nos três séculos seguintes essa “unidade” se desfez e vários meios 
ambientes surgiram. Mas esses meios ambientes até pouco tempo atrás não constituíam uma 
federação, uma determinação global que tanto nos impressiona hoje. Foi preciso o esforço das 
ciências e da política ao longo dos últimos 150 anos para que a natureza se tornasse, pelo 
menos para alguns, a única biosfera. Foi necessário construir um meio ambiente global e 
particular para poder entender aspectos políticos associados aos problemas ambientais, como 
por exemplo, o aquecimento global. Como diz Latour (2004), nada unifica mais do que a 
natureza e a política. 
Hoje, por onde se olha, tudo parece nos levar a crer que não conseguimos escapar à 
natureza. Esta não é o meio ambiente, o “complementar” de nossas ações. A exploração da 
natureza ou dos meios ambientes não nos coloca mais à parte, ao contrário, ela tende a nos 
definir como uma cultura particular. E essa cultura inclui – e não exclui – todas as entidades 
do mundo, plantas, animais e coisas (LATOUR et al., 1998). 
Este parece ter sido o grande efeito da crise ecológica, devolver-nos a “fraternidade 
perdida” não só com a natureza mas com os diversos meios ambientes e as culturas. Mesmo 
quando agredimos a natureza e os meios ambientes não deixamos de ser naturais e culturais. 
As agressões e males à natureza, assim como os benefícios, não nos colocam à parte; somos 
uma coisa só, sociedade e natureza. 
 
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