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Trabalho sobre a Teoria do Ordenamento Juridico - Facthus 2014

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Teoria do Ordenamento Jurídico
4
Teoria do Ordenamento Jurídico
19
Ariel Borges
Marco Túlio Marques Coelho
Maria Fernanda Maciel
Mariane Farchi
Patrick Ribeiro
Samuel Borges
Sarah Sthephanye
TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
UBERABA/MG
	
2014
Ariel Borges
Marco Túlio Marques Coelho
Maria Fernanda Maciel
Mariane Farchi
Patrick Ribeiro
Samuel Borges
Sarah Sthephanye
TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
Trabalho acadêmico apresentado à disciplina Introdução ao Estudo do Direito, ministrada pelo professor: Daniel Higa, como requisito parcial para aprovação no 1º período noturno – turma A, do Curso de Direito – Bacharelado, da Faculdade de Talentos Humanos – FACTHUS.
UBERABA/MG
2014
SUMÁRIO
	INTRODUÇÃO
	04
	DA NORMA JURÍDICA AO ORDENAMENTO JURÍDICO
	05
	1.1 - Novidade do Problema do Ordenamento
	05
	1.2 - Ordenamento jurídico e definição de direito 
	06
	1.3 - A nossa definição de direito
	08
	1.4 - Pluralidade de normas 
	08
	1.5 - Os problemas do ordenamento jurídico
	10
	A UNIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO
	10
	2.1 - Fontes reconhecidas e fontes delegadas
	10
	2.2 - Tipos de fontes e formação histórica do ordenamento	
	12
	2.3 - As fontes do direito
	13
	2.4 - Construção escalonada do ordenamento
	14
	- Limites materiais e limites formais
- A norma fundamental
- Direito e força
	15
16
17
	A COÊRENCIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
	18
	3.1 - O ordenamento jurídico como sistema
	18
	3.2 - Três significados de sistema 
	19
	3.3 - As antinomias
	20
	3.4 - Vários tipos de antinomias
	22
	3.5 - Critérios para a solução das antinomias
	24
	3.6 - Insuficiência dos critérios
	25
	3.7 - Conflito dos critérios
	27
	3.8 - O dever da coerência 
	28
	A COMPLETUDO DO ORDENAMENTO JURIDICO 
	29
	4.1 - O problema das lacunas
	29
	4.2 - Os dogmas da completude
4.3 - A crítica da completude
4.4 - O espaço jurídico vazio
4.5 - A norma geral exclusiva
4.6 - As lacunas ideológicas
4.7 - Vários tipos de lacunas
4.8 - Heterointegração e auto-integração
4.9 - A analogia
4.10 - Os princípios gerais do direito
	30
32
33
34
36
37
39
40
42
	AS RELAÇÕES ENTRE OS ORDENAMENTOS JURÍDICOS
5.1 - A pluralidade dos ordenamentos
5.2 - Vários tipos de relação entre ordenamentos
5.3 - Estados e ordenamentos menores
5.4 - Relações temporais
5.5 - Relações espaciais
5.6 - Relações materiais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
	43
43
45
46
47
47
48
49
	
	
INTRODUÇÃO
Este trabalho é referente à Teoria do Ordenamento Jurídico, dispondo das colocações de um dos maiores doutrinadores e de tamanha experiência sobre o assunto: Norberto Bobbio. 
Por se tratar de um campo do direito que não possui muitas referências, sendo a mais completa essa obra do Bobbio, será abordado sobre os diversos critérios de classificação das normas jurídicas, utilizando o seu livro como referência e assim, estabelecer a distinção entre os elementos constituintes do ordenamento jurídico: normas, regras e princípios. 
Os pensamentos de Bobbio são baseados no “Positivismo Analítico” (ou Escola Analítica), sendo um dos primeiros a voltar-se para a metodologia da Ciência do Direito em termos de uma análise linguística. Seguidor dos pensamentos de Kelsen e baseado nas ideias Kelsenianas, Bobbio ao referir sobre ordenamento como um todo e não sobre determinadas normas, descreve que o Direito é um mero regulador da força e que essa força aparece ora como sansão de um direito já estabelecido e que deve ser aplicado, ora como produção de um direito a ser criado, dependendo da posição em que se tomar na pirâmide jurídica. 
Bobbio reelaborou os conceitos de Ciência Jurídica e se direcionou para uma concepção de ciência como “linguagem de rigor” e concebeu o ordenamento jurídico como um sistema que doutrinariamente pode ser fechado ou aberto, sendo abordado sobre hierarquia e constitucionalidade das leis, além da visão sistemática do Direito. A melhor lição que podemos retirar do pensamento de Bobbio, em relação ao seu trabalho, é a sua sensibilidade para a mudança, sem perder de vista as exigências da racionalidade.
DA NORMA JURÍDICA AO ORDENAMENTO JURÍDICO
1.1 - Novidade do Problema do Ordenamento:
Em princípio, podemos dizer que a Teoria do Direito é formada pelo conjunto das obras da Teoria da Norma Jurídica, juntamente com a Teoria do Ordenamento Jurídico, na qual se se estuda o conjunto ou complexo de normas que formam o ordenamento jurídico. 
As normas jurídicas não existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si. Não podemos esquecer que, para a palavra ''direito'' existem vários sentidos, inclusive também o sentido de ''ordenamento jurídico''. 
Para constatar, as regras jurídicas constituem sempre como uma totalidade e a palavra ''direito'' é utilizada tanto para uma norma jurídica em particular ou para um complexo de normas jurídicas, sendo que o estudo do ordenamento jurídico é recente, mais recente do que as normas particulares. 
Pode-se dizer que as normas jurídicas tiveram muito mais estudos sobre a sua natureza do que o ordenamento jurídico, sendo considerada como parte de um todo que se basta a si próprio, que do ponto de vista da norma jurídica considerada como parte de um todo mais vasto que a engloba, chamando a atenção para sistematizar uma matéria que não tem passado seguro sobre a sua tradição. 
A norma jurídica era a única perspectiva da qual o Direito era estudado, o ordenamento jurídico era no máximo um conjunto de normas, com seus problemas particulares e diversos. Santi Romano, que escreveu o livro O Ordenamento Jurídico (1917) descreveu que “... o fato de que se pode falar em Direito somente onde haja um complexo de normas formando um ordenamento, e que, portanto, o Direito não é norma, mas um conjunto coordenado de normas, sendo evidente que uma norma jurídica não se encontra jamais só, mas está ligada a outras normas com as quais forma um sistema normativo”.
O isolamento dos problemas do ordenamento jurídico dos da norma jurídica e o tratamento autônomo como parte de uma teoria geral do Direito foram obras de Hans Kelsen, um dos mais autorizados juristas de nossa época, onde em sua obra mais completa, a Teoria geral do Direito e do Estado, a teoria do Direito está dividida em duas partes, chamadas de Nomostática e Nomodinâmica, sendo que a primeira considera os problemas relativos à norma jurídica e a segunda, os relativos ao ordenamento jurídico. 
1.2 A Unidade do Ordenamento Jurídico:
A teoria do ordenamento jurídico constitui uma integração da teoria da norma jurídica e, na busca por uma definição do Direito do ponto de vista da norma jurídica, foi necessário desenvolver um horizonte para considerar o modo em que uma determinada norma se torne eficaz a partir de uma organização que determine a natureza e a entidade das sanções, as pessoas que devam exercê-las e a sua execução e todas essas tentativas feitas para definir o Direito, resultaram em sérias dificuldades. A única definição satisfatória do Direito só é possível através do ponto de vista do ordenamento jurídico. 
Os critérios, para encontrar uma definição de Direito tomando como base a norma jurídica, não foi possível obter um elemento característico da norma com respeito a outras categorias de norma (morais e sociais), levando a um círculo vicioso. Essa definição apenas foi possível reconduzindo o sistema de organização de regras de conduta no qual consiste o ordenamento jurídico, mostrando o reconhecimento da sua relevância. 
São considerados quatro critérios as tentativas de caracterizar o Direito através de elementos da norma jurídica: 
Critério formal: é aquele que se acredita definir o que é o Direito através de qualquer elemento estrutural das normas jurídicas.As normas podem distinguir-se em:
a) positivas ou negativas; 
b) categóricas ou hipotéticas; 
c) gerais (abstratas) ou individuais (concretas).
Critério material: aquele que se poderia extrair do conteúdo das normas jurídicas, das ações reguladas. Objeto de regulamentação por parte das normas jurídicas são todas as ''ações possíveis'' do homem, aquelas que não são nem necessárias nem impossíveis, uma vez que uma norma comandasse uma ação necessária ou proibisse uma ação impossível seria inútil e de outro lado, uma norma que proibisse uma ação necessária ou ordenasse uma ação impossível seria inexequível. Tentou-se separar um campo de ações reservadas ao Direito, sendo as duas distinções seguintes:
a) ações internas e ações externas; 
b) ações subjetivas e ações intersubjetivas; 
Critério do sujeito que põe a norma: se refere à teoria que considera jurídicas as normas postas pelo poder soberano, aquele que detém o monopólio da força e acima deste não existe ninguém num determinado grupo social. A teoria do Direito como regra coativa e a teoria do Direito como emanação do poder soberano são convergentes. 
O poder soberano refere-se àquele conjunto de órgãos através dos quais um ordenamento normativo é posto, conservado e que se faz aplicar, sendo esses órgãos definidos pelo próprio ordenamento. Poder soberano e ordenamento jurídico são dois conceitos que se referem um ao outro e quando o Direito é definido através do conceito de soberania, o que vem em primeiro plano não é a norma isolada, mas o ordenamento. Dizer que a norma jurídica é emanada do poder soberano equivale dizer que norma jurídica faz parte de um determinado ordenamento. 
O critério do sujeito ao qual a norma se destina: apresenta duas variantes, considerando como súdito ou o juiz. 
Normalmente as normas são especificadas através da determinação da atitude pela qual os súditos recebem a norma jurídica: diz-se que jurídica é a norma seguida da convicção ou crença na sua obrigatoriedade (opinio iuris ac necessitatis) que nada mais é o medo de violar as normas e ir de encontro da intervenção do poder judiciário e da aplicação de uma sanção. 
A segunda variante das normas jurídicas são destinadas ao juiz, mas qual a definição de juiz? Não se pode obter uma definição de juiz senão ampliando a consideração a todo o ordenamento. Em tese, o juiz é aquele ao qual uma norma do ordenamento atribui o poder e o dever de estabelecer quem tem razão e quem não tem, tornando-se assim possível a execução de uma sanção.
1.3 A nossa definição de Direito:
A norma jurídica é determinada através da sanção, e a sanção jurídica através dos aspectos de exterioridade e de institucionalização, e a definição de norma jurídica é aquela “cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada’’, isto é, a necessidade de deixar a norma em particular pelo ordenamento. 
Para que tenha Direito, é necessário que haja (grande ou pequena) uma organização, um completo sistema de normas. Definir o Direito através da noção de sanção organizada, significa procurar o caráter distintivo do Direito não em um elemento da norma, mas em um complexo orgânico de normas. 
Para melhor entendimento, podemos dizer que o que comumente chamamos de Direito é mais uma característica de certos ordenamentos normativos que de certas normas. Para definir a norma jurídica, basta dizer que a norma jurídica é aquela que pertence a um ordenamento jurídico, transferindo o problema da determinação do significado de “jurídico” da norma para o ordenamento. Somente na teoria do ordenamento (e não na teoria da norma) o fenômeno jurídico encontra sua adequada explicação.
Um outro problema encontrado no plano da norma jurídica, é o Direito consuetudinário, o qual existe uma dificuldade em determinar em que ponto uma norma consuetudinária jurídica distingue-se de uma norma consuetudinária não-jurídica. Simplificando, através de que processo uma simples norma de costume torna-se uma norma jurídica.
O que comumente chamamos de Direito é um fenômeno muito complexo cujo ponto de referência é um sistema normativo inteiro, sendo inútil procurar o elemento distintivo de um costume jurídico a respeito da regra do costume na norma consuetudinária em particular. Uma norma consuetudinária torna-se jurídica quando vem a fazer parte de um ordenamento jurídico. 
Em outros termos, não existem ordenamentos jurídicos porque há normas jurídicas, mas existem normas jurídicas porque há ordenamentos jurídicos distintos dos ordenamentos não-jurídicos.
1.4 Pluralidade das Normas:
A expressão “Direito” se refere a um certo tipo de ordenamento, cabendo um aprofundamento maior desse conceito, o qual se define como: ordenamento jurídico (sistema normativo) é um conjunto de normas que pressupõe uma única condição: a qual na sua constituição, concorram mais normas (não menos que duas) e não haja ordenamento composto de uma norma só. 
Para se conceber um ordenamento composto de uma só norma seria preciso imaginar uma norma que se referisse a todas as sanções possíveis e as qualificasse com uma única modalidade. Nessas condições, não existem se não três possibilidades de conceber um ordenamento composto de uma norma única: 
Tudo é permitido: mas essa norma é a negação de qualquer ordenamento jurídico e a definição do estado de natureza que é a negação de todo ordenamento civil. 
Tudo é proibido: tornaria impossível qualquer vida social humana, a qual começa no momento em que o homem, além das ações necessárias, está em condições de realizar algumas das ações possíveis e, uma norma assim não deixaria subsistir senão as ações meramente naturais. 
Tudo é obrigatório: uma norma feita assim torna impossível a vida social, porque as ações possíveis estão em conflito entre si, e ordenar duas sanções em conflito significa tornar uma ou outra, ou as duas inexequíveis. 
Sendo inconcebível um ordenamento que regule todas as ações possíveis com uma única modalidade normativa, pode-se conceber um ordenamento que ordene ou proíba uma única ação. Se trata de um ordenamento muito simples que considera como condição para pertencer a um determinado grupo ou associação apenas uma obrigação (um clube de nudistas é um exemplo). 
Um ordenamento assim concebido pode-se considerar um ordenamento composto de uma única norma? Diria que não, pois uma norma particular que regula uma ação implica uma norma geral exclusiva, uma norma que subtrai daquela regulamentação particular todas as outras ações possíveis. Para conceber um ordenamento assim, seria preciso erigir em norma particular a ordem de não prejudicar ninguém (neminem laedere), mas só essa norma já seria uma norma particular única.
Um ordenamento jurídico compreende não uma, mas duas normas: a que prescreve não causar dano a outrem e a que autoriza a fazer tudo o que não cause dano a outrem. Muitas normas jurídicas são normas de conduta, mas existe outro tipo de normas, chamadas de norma de estrutura ou de competência, que não prescrevem a conduta que se deve ter ou não ter, mas as condições e os procedimentos que emanam normas de condutas válidas.
É possível um ordenamento composto por uma norma apenas de estrutura, a qual consideramos o ordenamento de uma monarquia absoluta e todas as normas são referentes a seguinte: “é obrigatório tudo aquilo que o soberano determina” e não implica que haja apenas uma norma de conduta, uma vez que podem ser dadas de acordo com a vontade do soberano.
1.5 Os problemas do ordenamento jurídico:
Se um ordenamento jurídico é composto de mais de uma norma, advém que os principais problemas conexos com a existência de um ordenamento são os que nascem das relações das diversas normas entre si. 
Em primeiro lugar, deve-se saber se essas normas constituem uma unidade. O problema fundamental que deve ser discutido a esse propósito é o da hierarquia das normas. 
Em segundo lugar, trata-se de saber se o ordenamento jurídico constitui, além da unidade, um sistema. O problema que é colocado em discussão a este respeitoé os das antinomias jurídicas. 
O problema fundamental que é discutido é a das chamadas lacunas do Direito, pois todo ordenamento jurídico, unitário e tendencialmente sistemático, pretende ser completo. Há outro problema que é o de reenvio de um ordenamento a outro, devido a não existir entre os homens um só ordenamento, pois são muitos e de diversos tipos. Estes são os problemas principais, cujo questionamento possa permitir traçar as linhas gerais de uma teoria do ordenamento jurídico destinada a continuar e a integrar a teoria da norma jurídica. 
A UNIDADE DO ORDENAMENTO JURÍDICO
2.1 Fontes reconhecidas e fontes delegadas
Os ordenamentos são compostos por uma infinidade de normas, que jamais alguém consegue contar e ninguém sabe quantas são as normas jurídicas que compõem o ordenamento jurídico italiano ou brasileiro. Os juristas queixam-se por ser muitas mas, assim mesmo, criam-se sempre novas, não se pode deixar de cria-las para satisfazer todas as necessidades da vida social. 
Pode-se distinguir os ordenamentos jurídicos em simples e complexos, conforme as normas que os compõem, caso derivem de uma só fonte ou de mais de uma e estes ordenamentos são complexos. A figura de um ordenamento, composto por dois personagens, o legislador que põem as normas e os súditos que as recebem é uma realidade escolástica. O legislador é um personagem imaginário que esconde uma realidade mais complicada. A família, que é um grupo social de poucos membros, é geralmente um ordenamento complexo, aonde as regras foram formuladas pelos seus antepassados e o poder da esposa ou filho mais velho é delegado em partes. 
A complexidade de um ordenamento jurídico deriva do fato de que a necessidade de regras de conduta numa sociedade é tão grande que não existe nenhum poder em condições de satisfaze-la sozinho. O poder supremo recorre a dois expedientes: 
1) A recepção de normas já feitas, produzidas por ordenamentos diversos e precedentes. 
2) A delegação do poder de produzir normas jurídicas a poderes ou órgãos inferiores. 
Em cada ordenamento, ao lado da fonte direta teremos fontes indiretas que podem ser distinguidas em duas classes: fontes reconhecidas e fontes delegadas. O ordenamento jurídico deriva da multiplicidade das fontes das quais afluem regras de conduta, essas regras são de proveniências diversas e chegam a existência partindo de pontos mais diferentes. 
Um exemplo de fonte reconhecida, é o costume nos ordenamentos estatais modernos, onde a fonte direta e superior é a Lei. Quando o legislador se atém expressamente ao costume numa situação particular ou se atém expressamente ou tacitamente ao costume nas matérias não reguladas pela Lei (costume além da lei), que acolhe normas jurídicas já feitas, e enriquece o ordenamento jurídico em bloco como um conjunto, que pode também ser considerável, de normas produzidas em outros ordenamentos em tempos anteriores ao seu. 
Pode se lançar mão para que os cidadãos produzam normas através de seu próprio comportamento, considerando o costume entre as fontes delegadas. Um exemplo de fonte delegada é o regulamento com relação à Lei. Os regulamentos são como as leis, normas gerais e abstratas, mas, à diferença das leis, a sua produção é confiada ao Poder Executivo por delegação do Poder Legislativo, suas funções é de integrar leis muito genéricas, contendo diretrizes de princípio e não podendo ser aplicada sem ser ulteriormente especificada. 
Uma outra fonte de normas de um ordenamento jurídico é o poder atribuído aos particulares de regular, voluntariamente, os próprios interesses, sendo chamado de poder de negociação. Se enquadra na classe das fontes reconhecidas ou delegadas, menos nitidamente. A autonomia privada se coloca em destaque, entendida como capacidade dos particulares de dar normas a si próprios numa certa esfera de interesses, absorvido pelo ordenamento estatal, essa fonte de normas jurídicas é concebida como produtora independente de regras de conduta, aceitas pelo Estado. .
2.2 Tipos de fontes e formação histórica no ordenamento:
 Esse tópico nos mostrou que o problema da distinção entre fontes reconhecidas e fontes delegadas é um problema cuja a solução depende da concepção geral que se assume em relação à formação e à estrutura de um ordenamento jurídico. 
Em cada ordenamento o ponto de referência, é o poder originário, o poder além do qual não existe outro que se possa justificar o ordenamento jurídico. Esse poder originário é chamado de fonte das fontes. A complexidade do ordenamento, depende historicamente de duas razoes fundamentais:
1) Um ordenamento não nasce no nada pois a sociedade civil, sobre a qual se forma um ordenamento jurídico, não é uma sociedade completamente privada de leis, mas uma sociedade na qual vigem normas de vários gêneros, morais, sociais, religiosas, usuais, entre outras. O novo ordenamento não elimina o antigo. Quando se fala em poder originário, juridicamente, pode-se falar então de um limite externo do poder soberano. 
2) O poder originário, uma vez constituído, para satisfazer a necessidade de uma normatização sempre atualizada, novas centrais de produção jurídica, atribuindo os órgãos executivos o poder de estabelecer normas integradoras subordinas às legislativas, chamadas de regulamentos. 
O duplo processo de formação de um ordenamento, absorvendo um preexistente e criando um novo, reflete nas duas principais concepções dos jusnaturalistas ao explicar a passagem do estado natural ao estado civil. Segundo o pensamento jusnaturalista, o poder civil originário forma-se a partir de um estado de natureza através de procedimento característico do contrato social. 
Há duas maneiras de conceber esse contrato social, sendo a primeira chamada de hobbesiana, que estipulam a todos os direitos do estado natural, e o poder civil nasce sem limites: qualquer limitação futura será uma autolimitação. 
Na segunda hipótese, se pode chamar de lockiana, o poder civil é fundado com o objetivo de assegurar melhor o gozo dos direitos naturais, vida, e nasce originariamente limitado por um direito preexistente. 
Na primeira hipótese o Direito natural desaparece ao dar vida ao Direito positivo e a soberania civil nasce absoluta, sem limites; na segunda, o Direito positivo é o instrumento para a completa atuação do preexistente Direito natural e a soberania nasce limitada, porque o Direito natural originário não é completamente suplantado pelo novo direito positivo. 
Quando se fala de uma complexidade do ordenamento jurídico, derivada da presença de fontes reconhecidas e de fontes delegadas, acolhemos numa teoria unitária do ordenamento jurídico seja a hipótese dos limites internos e externos, ou seja, a aceitação de uma normatização consuetudinária corresponde a hipótese de um ordenamento que nasce limitado.
2.3 As fontes do direito:
Sabemos que existem as fontes originarias e fontes derivadas, e essa se divide em fontes reconhecidas e fontes delegadas. Também foi falado sobre fonte das fontes mas ainda não foi dito o que é “fonte”.
É possível aceitar, uma definição que “fontes do direito” são aqueles fatos ou atos dos quais o ordenamento jurídico faz depender a produção de normas jurídicas. O ordenamento jurídico sempre começa pela enumeração de suas fontes e ele regula a própria produção normativa 
Na teoria geral do ordenamento jurídico, não é a quantidade e quais sejam as fontes do Direito de um ordenamento moderno, mas o fato de que, no mesmo momento em que se reconhece existirem atos ou fatos dos quais se faz depender a produção de normas jurídicas, reconhece-se que o ordenamento jurídico e este, além de regular o comportamento das pessoas, regula também o modo pelo qual se devem produzir as regras. 
Existem normas de comportamento ao lado de normas de estrutura e estas podem ser consideradas como as normas para a produção jurídica, elas não regulam o comportamento, o comportamento que elas regulam é o de produzir regras. Por exemplo, podemos citar o caso de uma família, a qual “o pai tem autoridade deregular a vida da família”, sendo esta considerada um ordenamento simples, como única regra. Caso ele renuncie a isso e coloque a mãe à frente das obrigações escolares dos filhos, teremos uma segunda norma, a qual “a mãe tem autoridade, atribuída pelo pai, de regular a vida escolar dos filhos”.
Veremos agora um ordenamento estatal moderno. Em cada grau normativo se encontra normas de conduta e normas de estrutura, ou seja, normas dirigidas diretamente a regular a conduta das pessoas e normas destinadas a regular a produção de outras normas. Se começa pela constituição, onde há normas que atribuem diretamente direitos e deveres aos cidadãos, há também outras normas que regulam o processo através do Parlamento, não estabelecendo nada a respeito das pessoas. 
Nos chama a atenção uma categoria de normas para a produção de outras normas: é a presença e frequência dessas normas que constituem a complexidade do ordenamento jurídico, devem-se colocar essas normas ao lado das imperativas, entendidas como comandos de fazer ou de não fazer, podendo chamar imperativas de primeira instancia, a imperativa de segunda instância, são entendidas como comandos de comandar, etc. 
Essas normas de segunda instância são classificadas, apesar da complexidade, em normas imperativas, proibitivas e permissivas, podendo distinguir nove tipos:
Normas que mandam ordenar;
Normas que proíbem ordenar;
Normas que permitem ordenar;
Normas que mandam proibir;
Normas que proíbem proibir;
Normas que permitem proibir;
Normas que mandam permitir;
 Normas que proíbem permitir;
Normas que permitem permitir;
Construção escalonada do ordenamento:
	A unidade de um ordenamento não se pode excluir por sua complexidade, mesmo que seja unitário um ordenamento simples (todas as normas nascem de uma única fonte), o qual pode ser facilmente compreensível. Agora caso seja unitário um ordenamento complexo, este deve ser explicado (teoria da construção escalonada por Kelsen). Ela diz que as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano, pois há normas superiores e normas inferiores. Cada ordenamento tem uma norma fundamental que dá unidade a todas as outras normas, ou seja, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que pode ser chamado de “ordenamento”. 
Por mais numerosas que sejam as fontes do direito num ordenamento complexo, tal ordenamento constitui uma unidade pelo fato de que, direta ou indiretamente, todas as fontes do direito podem ser remontadas a uma única norma. Por possuir normas superiores e inferiores, o ordenamento se dispõe em ordem hierárquica. Vamos constatá-la, em um ato com o qual o Fulano executa a obrigação contraída com o sicrano que vamos chama-lo de ato executivo, sendo o mesmo um cumprimento de uma regra de conduta derivada do contrato e este por sua vez, é executado para cumprir as normas legislativas (que disciplinam os contratos), cujas normas foram formuladas segundo as leis constitucionais para a formulação das leis.
 O ato executivo está ligado, às normas constitucionais, que são produtoras, em diversos níveis, das normas inferiores. Esse ato pertence a um sistema normativo dado, de norma em norma, ele pode ter sua referência última nas normas constitucionais, como por exemplo, a estrutura hierárquica do exército, sendo assim o ordenamento jurídico. 
Chamamos de ato executivo o ato de alguém executar um contrato, assim como é chamado de produtoras das normas inferiores às normas constitucionais. Numa estrutura hierárquica, como a do ordenamento jurídico, os termos “execução” e “produção” são relativos, pode ser considerada, ao mesmo tempo, executiva e produtiva, sendo executiva com respeito à norma superior e produtiva com respeito à norma inferior. 
Todas as fases de um ordenamento são executivas e produtivas, à exceção de grau mais alto e de grau mais baixo. O grau mais baixo é produzido é constituído pelos atos executivos: esses atos são meramente executivos e não produtivos. Já o grau mais alto é constituído pela norma fundamental: essa é somente produtiva e não executiva. Normalmente, a estrutura hierárquica de um ordenamento é representado por uma pirâmide, aonde o vértice é ocupado pela norma fundamental, a base pelos atos executivos. De cima para baixo, série de processos de produção jurídica e de baixo para cima, serie de execução de produção jurídica, sendo esclarecidas também por outras duas noções da linguagem jurídica: poder e dever: produção jurídica = dever e execução = dever.
 
2.5 Limites materiais e limites formais:
Não se atribui um poder ilimitado à um órgão inferior, quando um órgão superior atribui ao mesmo um poder normativo. Quando se atribui esse poder, estabelece os limites entre os quais pode ser exercido. Ao avançar na pirâmide, o poder normativo é sempre mais circunscrito, pois o poder superior regula e restringe o inferior de duas maneiras: relativos ao conteúdo e relativos à forma. Por isso se fala de limites materiais e de limites formais. 
Limite material refere-se ao conteúdo da norma que o inferior está autorizado a emanar. Limite formal refere-se à forma, ao modo ou ao processo pelo qual a norma do inferior deve ser emanada. Na passagem de norma constitucional a norma ordinária, são frequentes e evidentes, tanto os limites materiais quanto os formais. Os dois limites podem ser impostos contemporaneamente, mas existem alguns casos de um sem o outro. 
Os limites de conteúdo podem ser positivos ou negativos, conforme a constituição imponha ao legislador ordinário de estabelecer ou de proibir estabelecer. Quanto aos limites formais, são constituídos por todas aquelas normas de Constituição que prescrevem o modo de funcionamento dos órgãos legislativos: normas que incluem no seu conjunto uma parte considerável de uma Constituição. Enquanto os limites formais nunca faltam, podem faltar, nas relações entre constituição e lei ordinária, os limites materiais: se verifica no ordenamento em que não existe uma diferença de grau entre leis constitucionais e leis ordinárias (constituições flexíveis). 
As leis relativas ao direito substancial podem ser consideradas, como limites de conteúdo ao poder normativo do juiz, pois a presença das leis de direito substancial faz com que o juiz, ao decidir algo, procure encontrar uma relação dentro do que as leis ordinárias estabelecem. Quando diz que o juiz deve aplicar a lei, implica que a sua atividade está limitada pela lei, no sentido em que a sentença deve corresponder ao conteúdo da lei.
As leis relativas ao procedimento constituem os limites formais da atividade do juiz, quer dizer, o juiz está autorizado a estabelecer normas jurídicas no caso concreto, mas um ritual estabelecido pela Lei. Na passagem da lei ordinária para o negócio jurídico, na esfera da autonomia privada, prevalecem comumente os limites formais sobre os limites materiais. 
Na teoria geral, o seu ponto de vista é que, ao Direito não interessa tanto aquilo que os homens fazem, mas de que maneira o fazem, ou que o Direito não prescreve aquilo que os homens tem que fazer, mas a forma da ação; em suma o Direito é uma regra formal da conduta humana.
2.6 A norma fundamental:
Toda norma pressupõe um poder normativo: norma significa imposição de obrigações, pois onde a obrigação, há poder. Se existem normas constitucionais, deve existir o poder normativo do qual elas derivam: esse poder é constituinte. É o poder último, ou, se preferirmos, supremo, originário, num ordenamento jurídico. 
Dado o poder constituinte como poder último, deve-se pressupor uma norma que atribua ao poder constituinte a faculdade de produzir normas jurídicas: essa norma é a norma fundamental, que de um lado, atribui aos órgãos constitucionais poder de fixar normas válidas, fazendo uma imposição a todos os quais, se referem as normas constitucionais, a obedecê-la. É uma norma ao mesmo tempo atributiva e imperativa, pela qual se dá origem ou da obrigação do poder que dele nasce. 
A norma fundamental não é expressa, mas é pressuposta para fundaro sistema normativo. Posto um ordenamento de normas de diversas procedências, a unidade do ordenamento postula que as normas que o compõem sejam unificadas. Considerando o poder constituinte como poder jurídico, também é considerado como produto de uma norma jurídica. A norma jurídica que produz o poder constituinte é a norma fundamental. 
Sabemos que o ordenamento é um conjunto de normas e saber se uma norma jurídica é válida, ou não, não é uma questão ociosa. Se a norma jurídica é válida significa que é obrigatório conformar-se a ela, se não nos conformarmos, o juiz será obrigado a intervir, atribuindo ou não uma sanção. 
A norma fundamental é o critério supremo que permite estabelecer se uma norma pertence a um ordenamento, ou seja, é o fundamento de validade de todas as normas do sistema. Pode-se concluir que uma norma é válida quando puder ser reinserida, não importa se através de um ou mais graus, na norma fundamental. A norma fundamental é um pressuposto do ordenamento: ela, num sistema normativo, exerce a mesma função que os postulados num sistema cientifico. 
Abaixo, apresenta-se um poder superior ao poder constituinte, um poder que é a verdadeira fonte última de todo poder:
Todo poder vem de Deus (omnis protestas nisi a Deo). Integra que a norma fundamental de um ordenamento jurídico afirma que o dever da obediência ao poder constituinte deriva ao fato de que tal poder deriva de Deus, foi autorizado po Ele a formar normas jurídicas válidas.
O dever de obedecer ao poder constituinte deriva da lei natural. Lei natural se entende por uma lei que não foi estabelecida por uma autoridade histórica, mas por uma revelação ao homem através da razão.
O dever de obedecer ao poder constituído deriva de uma convenção originária, da qual o poder tira a própria justificação.
Direito e Força:
A teoria da norma fundamental é objeto crítica, que não diz mais respeito ao fato da existência de uma norma fundamental, mas sim ao seu conteúdo. A norma fundamental, estabelece que é preciso obedecer ao poder originário (poder constituinte). Mas o que é poder originário? É o conjunto das forças políticas (em um determinado momento histórico) que tomaram o domínio e instauraram um novo ordenamento jurídico, reduzindo o poder à força. 
Não se pode confundir o poder com a força (força física). Falando em poder originário, falamos das forças políticas que instauraram um determinado ordenamento jurídico através da força física. Qualquer poder originário repousa um pouco sobre a força, um pouco sobre o consenso. Ao dizer que devemos respeitar o poder originário, a norma não deve ser interpretada no sentido de violência, mas sim ao poder coercitivo. Os detentores do poder são aqueles que têm a força necessária para respeitar as normas que deles emanam. A força é um instrumento necessário do poder, não significando que ela seja um fundamento, a força é necessária para exercer o poder, mas não para justifica-lo. 
Se o Direito é um conjunto de regras com eficácia comprovada e a força é necessária para a realização do Direito, então existe ordem jurídica somente enquanto se imposto pela força, o ordenamento jurídico existe enquanto seja eficaz. Em outras palavras, o ordenamento jurídico existe enquanto seja eficaz.
Aqueles que temem que com a norma fundamental, se realize através da redução do Direito à força, se preocupam não tanto com o Direito, mas com a justiça. A norma fundamental está na base do Direito como ele é, não do Direito como deveria ser. Ele autoriza os que detém o poder a exercer a força, mas não diz que o uso da força seja justo só pelo fato de ser vontade do poder originário. 
A força é um instrumento para a realização do Direito (entendido no sentido amplo como ordem jurídica) e o objeto de todo legislador não é organizar a força, mas organizar a sociedade mediante a força. Kelsen diz que a força é o objeto da regulamentação jurídica, querendo dizer que, por Direito, deve-se entender não como um conjunto de normas que se tornam validas através da força, mas como um conjunto de normas que regulam o exercício 
A COERÊNCIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO
3.1 O ordenamento jurídico como sistema
No capítulo anterior, comentamos da unidade do ordenamento jurídico, mostrando que se pode falar de unidade apenas que se pressupõe como base do ordenamento uma norma fundamental com a qual se possam, direta ou indiretamente, relacionar todas as normas do ordenamento.
O próximo problema que se apresenta é: se um ordenamento jurídico, além de unidade, constitui sistema (se é uma unidade sistemática). Se entende por “sistema” uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. O problema do sistema jurídico, que já foi estudado por juristas e filosóficos e estes falam em geral do Direito como de um sistema, mas o que é sistema não fica claro. Kelsen fez uma análise distinguindo dois tipos de sistemas entre os ordenamentos, chamados de estático e o outro de dinâmico. 
Sistema estático é aquele no qual as normas estão relacionadas umas às outras como proposições de um sistema dedutivo, pelo fato de que derivam umas das outras partindo de uma ou mais normas originarias de caráter geral (mesma função dos postulados ou axiomas). Nesse sistema, as normas estão relacionadas entre si no que se refere ao seu conteúdo.
Sistema dinâmico é aquele no qual as normas que o compõem derivam uma das outras através de sucessivas delegações do poder, não através do seu conteúdo, mas sim da autoridade que as colocou (uma autoridade inferior deriva de uma autoridade superior, até chegar à autoridade suprema). A relação entre as variadas normas é, nesse tipo de ordenamento normativo, não material, mas formal. 
A distinção entre os dois tipos de relação entre normas (material e a formal) é constatada quando, encontrando-nos a situação de ter que justificar uma ordem, se abre dois caminhos, o de justificá-la deduzindo de uma ordem de abrangência mais geral ou o de atribuí-la a uma autoridade indiscutível. Kelsen sustenta que os ordenamentos jurídicos são do segundo tipo; são sistemas dinâmicos. Sistemas estáticos seriam os ordenamentos morais. 
O ordenamento jurídico é um ordenamento pelo qual o enquadramento das normas é julgado com base num critério formal, independente do seu conteúdo; o ordenamento moral é aquele cujo critério de enquadramento das normas no sistema é fundado sobre aquilo que as normas prescrevem (e não sobre a autoridade de quem derivam). 
3.2 Três significados de sistema:
O uso do termo “sistema” para indicar o ordenamento jurídico é comum, mas é usada frequentemente também a expressão “sistema normativo” em vez de “ordenamento jurídico”, mais usado frequentemente. Mas a palavra “sistema” normalmente não é esclarecida. 
Quando se passa das declarações programáticas ao exercício da atividade do jurista, encontramos diante de outra prova de tendência constante na jurisprudência de considerar o Direito como sistema: a consideração comum, entre as várias formas da interpretação da chamada interpretação sistemática: que é aquela forma de interpretação que tira os seus argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento ou de uma parte de um ordenamento constituam uma totalidade ordenada e, portanto, seja ilícito esclarecer uma norma obscura recorrendo ao chamado “espirito do sistema”, mesmo contra uma interpretação literal. 
O termo “sistema” é um daqueles termos de vários significados, que cada um usa conforme suas próprias conveniências. Mesmo tendo um sistema normativo não significa que saiba qual tipo seja esse sistema. Um primeiro significado, é o mais próximo ao significado de “sistema”, na expressão “sistema dedutivo”, baseado nele. Diz-se que um dado ordenamento é um sistema enquanto todas as normas jurídicas daquele ordenamento são deriváveis de alguns princípios gerais, considerados da mesma maneira que os postulados de um sistema cientifico. Essa acepção muito trabalhada do termo “sistema” foi referida historicamente somente ao ordenamento doDireito Naturalista.
Um segundo significado de sistema, que não tem nada a ver com o que foi visto, é encontrado na ciência do Direito moderno, que nasce no Continente, da pandectista alemã e vem de Savigny (autor de Sistema do Direito Romano atual). Muito frequente entre os juristas é a opinião em que jurisprudência se elevou ao nível de ciência tornando-se sistemática. Muitos trabalhos de juristas são intitulados de Sistemas para evidenciar que se desenvolveu ali um estudo científico.
O terceiro significado é o mais interessante, pois aqui “sistema” equivale à validade do princípio que exclui a incompatibilidade das normas. Se em um ordenamento vem a existir normas incompatíveis, estas devem ser eliminadas. Quando dizem que as normas devem ser compatíveis não quer dizer que se encaixem umas nas outras, ou seja, que constituam um sistema dedutivo perfeito. Aqui o sistema jurídico não é um sistema dedutivo, como no primeiro sentido: mas é um sistema num sentido menos incisivo, ou se quiser, num sentido negativo, excluindo a incompatibilidade das partes simples. Se aparecer uma contradição, num sistema dedutivo, todo sistema ruirá. Nem todas as normas produzidas pelas fontes autorizadas seriam normas validas, mas apenas aquelas compatíveis com as outras. 
3.3 As antinomias:
A situação de normas incompatíveis entre si é uma dificuldade tradicional frente à qual se encontraram os juristas de todos os tempos, a qual recebeu uma denominação própria característica: antinomias. A tese de que o ordenamento constitua um sistema no terceiro sentido, pode-se exprimir também dizendo que o direito não tolera antinomias, que já foi posto com clareza nas celebres constituições de Justiniano e com ele se abre o Digesto, afirmando que no direito não há normas incompatíveis. 
O Direito Romano, considerado por muito tempo o Direito por excelência, não existir antinomias era regra para os interpretes, pelo menos enquanto o Direito romano foi o Direito vigente. A finalidade das interpretações era de eliminar as antinomias, caso alguma aparecesse, recorriam para os meios hermenêuticos. 
Mas quando duas normas são incompatíveis? Em que consiste uma antinomia jurídica? Para ter esclarecimento sobre essas perguntas, vamos utilizar os relacionamentos intercorrentes entre as quatro figuras de qualificação normativa o obrigatório, o proibido, o permitido positivo e o permitido negativo, representados pelo quadrado abaixo:
Subalternos
Subalternos
O
Contrários
O não
 
Contraditórios
Contraditórios
Não O
Não O não
Subcontrários
Esse quadro representa seis relações:
O – O não: relação entre obrigatório e proibido;
O – não O: relação entre obrigatório e permitido negativo;
O não – não O não: relação entre proibido e permitido positivo;
O – não O não: relação entre obrigatório e permitido positivo;
O não – não O: relação entre proibido e permissivo negativo;
não O não – não O: relação entre permitido positivo e permitido negativo;
Se definirmos como incompatíveis duas normas que não podem ser ambas verdadeiras, das seis relações indicadas, três são de incompatibilidade e três de compatibilidades:
O não e O são dois contrários, e dois contrários podem ser ambos falsos, mas não podem ser verdadeiros;
O e não O são dois contraditórios, e ambos não podem ser nem ambos verdadeiros e nem ambos falsos;
O não e não O são dois contraditórios, valendo para ambos a regra anterior;
O e não O não são dois subalternos, entre os quais existe uma relação de implicação, no sentido de que na verdade do primeiro, deduz se a verdade do primeiro, e não vice-e-versa, e da falsidade do segundo deduz-se a falsidade do primeiro e não vice-e-versa;
O não e não O são dois contraditórios, valendo a regra anterior;
Não O não e não O são Subcontrários e vale para eles a regra que ambos possam ser verdadeiros, mas não podem ser ambos falso.
 	Se definirmos como normas incompatíveis, as que não podem ser verdadeiras, serão verificadas nesses três casos que são:
a) Entre uma norma que ordena fazer algo e uma norma que proíbe faze-lo;
b) Entre uma norma que ordena fazer e uma que permite não fazer; 
c) Entre uma norma que proíbe fazer e uma permite fazer.
3.4 Vários tipos de antinomias:
Define-se a antinomia como aquela situação na qual são colocadas em existência duas normas, uma obriga e a outra proíbe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma proíbe e a outra permite o mesmo comportamento. Para que possa ocorrer antinomia são necessárias duas condições, devendo ser explicitadas: 
As duas devem pertencer ao mesmo ordenamento. O problema de uma antinomia nasce quando não são independentes entre si, se encontram em um relacionamento que pode ser de coordenação ou de subordinação. Um verdadeiro problema de antinomias entre Direito positivo e Direito natural, subsiste na medida em que considere o Direito positivo como ordenamento subordinado ao Direito natural: o interprete é obrigado a eliminar não somente as antinomias no interior do ordenamento positivo, mas também as subsistentes do ordenamento positivo e do ordenamento natural. 
As duas normas devem ter o mesmo âmbito de validade. Distingue-se em quatro âmbitos: temporal, espacial, pessoal e material. Não constituem antinomia duas normas que não coincidem com respeito a: 
Validade temporal: “é proibido fumar das cinco as sete” não é incompatível com: “é permitido fumar das sete as nove”;
Validade espacial: “é proibido fumar na sala de cinema” não é incompatível com: “é permitido fumar na sala de espera”; 
Validade pessoal: “é proibido, aos menores de 18 anos fumarem” não é incompatível com “é permitido aos adultos fumar”; 
Validade material: “é permitido fumar charuto” não é incompatível com “é permitido fumar cigarros”. 
Assim, pode-se definir a antinomia jurídica como a situação que se verifica entre duas normas incompatíveis. As antinomias definidas podem ser distintas em três tipos diferentes: 
Se as duas normas incompatíveis tem igual âmbito de validade pode-se chamar, seguindo Ross, total-total: as duas normas pode ser aplicada sem entrar em conflito com a outra. 
Se as duas normas incompatíveis tem âmbito de validade em parte igual e em parte diferente, subsiste somente para a parte comum, podendo ser chamada de parcial-parcial: cada uma das normas tem um campo de aplicação no qual o conflito não existe. 
Se de duas normas incompatíveis, uma tem um âmbito de validade igual ao da outra, a antinomia é total por parte da primeira norma com respeito à segunda, e somente parcial por parte da segunda com respeito à primeira, pode-se chamar total-parcial. 
A primeira não pode se aplicada sem entrar em conflito com a segunda, a segunda tem uma esfera de aplicação em que não entra em conflito com a primeira. O que antinomia e injustiça têm em comum é que ambas dão lugar a uma situação que pede uma correção, mas a razão pela qual se corrige a antinomia é diferente daquela pela qual se corrige a injustiça. A antinomia produz incerteza e a injustiça desigualdade e, portanto a correção obedece nos dois casos a diferentes valores, lá ao valor da ordem e aqui ao da igualdade.
3.5 Critérios para a solução das antinomias:
A presença de antinomias em sentido próprio é um defeito que o interprete tende a eliminar. Como antinomia significa o encontro de duas proposições incompatíveis, que não podem ser verdadeiras, com referências a um sistema normativo, o encontro de duas normas não pode ser aplicado, à eliminação do inconveniente não pode consistir senão na eliminação de uma das duas normas. Mas qual das duas pode ser eliminada? Eis aqui o problema mais grave da antinomia, mas uma coisa é descobrir a antinomia e outra é resolver. 
A jurisprudência elaborou algumas regras para a solução das antinomias, que são comumente aceitas. Essas regras não nascem para resolver todos os casos possíveis de antinomias. As razões pelas quais nem todas as antinomias são solúveis são duas: 
Há antinomias que não se pode aplicar nenhuma das regraspensadas para a solução das antinomias; 
Há casos que se podem aplicar duas ou mais regras em conflito entre si. 
Chamamos a antinomia solúvel de aparentes; já as insolúveis de reais. As reais são aquelas que o interprete é abandonado a si mesmo ou pela falta de um critério ou por conflito entre critérios dados. 
As regras fundamentais para a solução das antinomias são três:
O critério cronológico; 
O critério hierárquico; 
O critério da especialidade. 
O critério cronológico (lex posterior), é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori. Existe uma regra geral no Direito em que a vontade posterior revoga a precedente, e que dois atos de vontade da mesma pessoa vale o último no tempo. 
O critério hierárquico (lex superior), aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat inferior. Uma das consequências da hierarquia normativa é justamente esta: as normas superiores podem revogar as inferiores, mas as inferiores não podem revogar as superiores.
O critério da especialidade (lex specialis), é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali. A razão do critério não é obscura: lei especial é aquela que anula uma lei mais geral, ou que subtrai de uma norma uma parte de sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória).
3.6 Insuficiência dos critérios:
O critério cronológico serve quando duas normas incompatíveis são sucessivas; o critério hierárquico serve quando duas normas incompatíveis estão em nível diverso; o critério de especialidade serve no choque de uma norma geral com uma norma especial. Pode ocorrer antinomia entre duas normas:
Contemporâneas; 
Do mesmo nível; 
Ambas gerais. 
Estes três critérios não ajudam mais. Corresponde à situação de duas normas gerais incompatíveis que se encontram no mesmo código, se no código há antinomias do tipo total-total e parcial-parcial, tais antinomias não são solucionáveis com nenhum dos critérios; não com o cronológico, porque as normas de um código são estabelecidas ao mesmo tempo; não com o hierárquico, porque todas as leis são ordinárias; não com o critério da especialidade, pois este resolve somente o caso de antinomia total-parcial. 
As normas podem ser imperativas, proibitivas e permissivas. O critério com respeito à forma consistiria em estabelecer uma graduação de prevalência entre as três formas da norma jurídica. Esse critério parece razoável, corresponde a um dos cânones interpretativos mais constantemente seguido pelos juristas, que seria o de dar preponderância, em caso de ambiguidade ou incerteza na interpretação de um texto. 
No primeiro caso existe um conflito entre duas normas contraditórias e, deste modo, se de duas normas incompatíveis uma é imperativa ou proibitiva e a outra permissiva, prevalece a permissiva. Esse critério é razoável e é um dos cânones mais interpretativos e seguidos pelos juristas, que é o de dar preponderância em caso de ambiguidade ou incerteza no caso de interpretação de um texto, à interpretação favorabilis sobre a odiosa. 
No segundo caso, uma das duas normas é proibitiva e a outra imperativa. Trata-se de um conflito entre duas normas contraditórias, as quais se excluem duas proposições contrárias não podem ser ambas verdadeiras, mas podem ser falsas. No conflito entre obrigação positiva e negativa o tertium é a permissão. Consideramos que no caso de duas normas contraditórias, essas duas normas se anulam e o comportamento em vez de ser ordenado ou proibido, se considera permitido ou licito.
Devemos entender que essas regras deduzidas da forma das normas não tem legitimidade daquelas deduzidas dos três critérios citados antes. No caso de um conflito em que não é possível aplicar um dos três critérios, a solução do conflito é dada à liberdade do interprete. No caso de um conflito entre duas normas que não valha o critério cronológico, ou o critério hierárquico e nem o da especialidade, o interprete tem três possibilidades:
Eliminar uma;
Eliminar as duas;
Conservar as duas.
No primeiro caso, a operação feita pelo interprete chama-se interpretação ab-rogante, na verdade, a ab-rogação é um sentido impróprio, porque se a interpretação é feita pelo jurista, ele não tem poder normativo e, portanto, não tem poder ab-rogativo. No segundo caso, de eliminar ambas as normas em conflito, pode se verificar que somente quando a oposição entre duas normas seja não de contradição, mas de contrariedade. Diferente do caso de duas disposições contraditórias, das quais uma elimina a outra e uma das duas não pode sobrar, aqui elimina-se umas às outras e não sobra nenhuma das duas, tratando-se de uma dupla ab-rogação.
No terceiro caso, de conservar as duas normas incompatíveis, é aquela em que o interprete recorre mais frequentemente. Mas como fazer isso se duas normas assim não podem coexistir? É possível apenas se demonstrar que não são incompatíveis, que a incompatibilidade é puramente aparente, que a pressuposta incompatibilidade deriva de uma interpretação ruim, unilateral, incompleta ou errada de uma das duas normas ou de ambas. É aquilo que o interprete não é compatível coma eliminação das normas incompatíveis, mas a eliminação da incompatibilidade, nesse caso chamada de corretiva.
Sabendo que o terceiro caminho é o mais usado pelos interpretes, os juristas e o juiz tendem a conservação das normas dadas. É uma regra tradicional da interpretação jurídica que o sistema deve ser obtido com a menor desordem ou seja, a exigência do sistema não deve acarretar prejuízo ao princípio da autoridade, segundo o qual as normas existem pelo único fato delas terem sido estabelecidas.
3.7 Conflito dos critérios:
Há antinomias insolúveis ao lado de antinomias solúveis, pelas quais existem antinomias insolúveis são duas: a inaplicabilidade dos critérios ou a aplicabilidade de dois ou mais critérios conflitantes. 
Os critérios aceitos para a solução das antinomias são três: o cronológico, hierárquico e de especialidade. É possível que duas normas incompatíveis mantenham entre si uma relação em que se podem aplicar, não apenas um, mas dois ou mais critérios. Para exemplificarmos, uma norma constitucional e uma norma ordinária são formuladas em tempos diversos: entre essas duas normas existe uma diferença hierárquica e uma cronológica, se depois, como sempre acontece, a norma constitucional é geral e a ordinária é especial e os critérios aplicáveis são três, e os conflitos entre critérios podem ser três: 
Conflito entre o critério hierárquico e o cronológico: tem lugar quando uma norma anterior-superior é antinômica em relação a uma norma posterior-inferior. O conflito consiste no fato de que, se se aplicar o critério hierárquico, prevalece a primeira, se se aplicar o critério cronológico, prevalece a segunda. O critério hierárquico prevalece sobre o cronológico, o que tem por efeito fazer eliminar a norma inferior, mesmo que posterior. O critério cronológico vale como critério de escolha entre duas normas colocadas no mesmo plano. Quando as normas são colocadas em planos diferentes, o critério natural de escolha é o que nasce da própria diferença de planos. 
Conflito entre o critério de especialidade e o cronológico: tem lugar quando uma norma anterior-especial é incompatível com uma norma posterior-geral. Com base na regra geral: Lex posterior generalis non derogat priori speciali. Com esta base, o conflito entre critério de especialidade e critério cronológico deve ser resolvido em favor do primeiro: a lei geral sucessiva não tira do caminho a lei especial precedente. 
Conflito entre critério hierárquico e o de especialidade. O caso mais interessante de conflito é aquele que se verifica quando entram em oposição não mais um do dois critérios fortes com o critério fraco (cronológico), mas os dois critérios fortes entre si. É o caso de umanorma superior-geral incompatível com uma norma superior inferior-especial. Se aplicar o critério hierárquico, prevalece o primeiro, se aplicar o critério de especialidade, prevalece a segunda. Mas qual dos dois deve aplicar? Não existe resposta segura porque não existe regra geral consolidada e o interprete pode aplicar ora um, ora outro segundo as circunstâncias. 
3.8 O dever da coerência 
O discurso defendido neste capítulo pressupõe que a incompatibilidade entre duas normas é um mal a ser eliminado e, portanto, pressupõe uma regra de coerência: “num ordenamento jurídico não devem existir antinomias”. Mas será que essa regra é jurídica? O dever de eliminar as antinomias é um dever jurídico? Normalmente ela é considerada uma norma do sistema, mas a sua natureza, eficácia e alcance não são aprofundados. 
Uma regra que se refere às normas de um ordenamento (como a da proibição de antinomias) pode ser destinada apenas àqueles que são encarregados da produção (o legislador) e da aplicação das normas (o juiz). 
Dirigida aos produtores de normas teremos a seguinte proibição: “Não deveis criar normas que sejam incompatíveis com outras normas do sistema”. Dirigida aos aplicadores teremos a seguinte proibição: “Se vocês esbarrarem em antinomias, devem eliminá-las”. Podemos agora ver se há situações nas quais essas normas separadamente ou juntas se encaixam e existem três casos: 
O de normas de diferentes níveis, dispostas hierarquicamente. Neste caso a regra da coerência existe nas duas formas descritas acima: 
A pessoa ou o órgão autorizado a criar normas inferiores é obrigado a estabelecer normas que não estejam em oposição com as superiores (limites pré-estabelecidos pelas normas superiores); 
O juiz, quando encontrar um conflito entre as duas normas deverá aplicar a norma superior. 
O caso das normas de mesmo nível, sucessivas no tempo. Neste caso não existe dever de coerência por parte do legislador, enquanto existe, para o juiz o dever de resolver a antinomia, eliminando a norma anterior e aplicando a posterior.O legislador ordinário é perfeitamente livre para formular sucessivamente normas em oposição entre si, ele é perfeitamente livre para contradizer-se. Mas quando a oposição se verifica o juiz deve eliminá-la. 
O caso de normas de mesmo nível, contemporâneas (um código, por exemplo). Neste caso também não existe nenhum obrigação juridicamente qualificada, por parte do legislador, de não contradizer-se (pode, quando muito, existir um dever moral). Uma lei que contenha disposições contraditórias é sempre uma lei válida e são válidas também ambas as disposições contraditórias. Quanto ao juiz que se encontra frente a uma antinomia de normas, também ele não tem nenhum dever juridicamente qualificado de eliminar a antinomia: ele se encontrará na necessidade de aplicar uma e desaplicar a outra. Mas trata-se de uma necessidade, não de uma obrigação. 
Resumindo: nos três casos apresentados, o problema de uma pressuposta regra de coerência resolve-se de três maneiras diferentes. Podemos então resolver um problema controvertido: a compatibilidade não é uma condição necessária para a validade de uma norma jurídica, pelo menos em relação ao terceiro caso: normas de mesmo nível e contemporâneas. Duas normas incompatíveis do mesmo nível e contemporâneas são ambas válidas. Elas não podem ser, ao mesmo tempo, ambas eficazes, no sentido de que a aplicação de uma ao caso concreto exclui a aplicação da outra. Porém, são ambas válidas, no sentido de que, apesar de seu conflito, ambas continuam a existir no sistema e não há remédio pata sua eliminação (além da ab-rogação legislativa). 
A coerência não é condição de validade, mas sempre condição para a justiça do ordenamento. Quando duas normas contraditórias são ambas válidas, e tanto uma como outra podem ser aplicadas indiferentemente, são violadas duas exigências fundamentais em que se inspiram os ordenamentos jurídicos: a exigência da certeza (que corresponde aos valores da paz e da igualdade), e a da justiça (que corresponde ao valor que igualdade). 
A COMPLETUDE DO ORDENAMENTO JURÍDICO
4.1 O problema das lacunas 
Examinamos nos capítulos anteriores dois aspectos do ordenamento jurídico: a unidade e a coerência. Falta considerar uma terceira característica que lhe é atribuída: a completude. Por completude entende-se a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. A lacuna existe justamente porque falta essa norma. Podemos dizer que a completude é a falta de lacunas. Podemos ainda dizer que incompletude consiste no fato de que o sistema não compreende nem uma norma que proíbe um certo comportamento nem uma que permite. 
O nexo entre a coerência de um ordenamento jurídico e a completude do mesmo está em que a coerência significa a exclusão de toda a situação na qual pertençam ao sistema normas que se contradizem: completude significa a exclusão de toda a situação na qual não pertençam ao sistema nenhuma das duas normas que se contradizem. Incoerente é um sistema no qual existem tanto a norma que proíbe certo comportamento quando a normas que o permite e incompleto é um sistema no qual não existem nem a norma que proíbe nem a norma que permite determinado comportamento. 
No que diz respeito à coerência, o problema teórico geral do Direito é se e em que medida um ordenamento jurídico é coerente; do mesmo modo acontece com a completude. Nos itens anteriores foi estabelecida que coerência era uma exigência de um ordenamento mas não uma necessidade, já que a total exclusão das antinomias não é condição para que um ordenamento jurídico exista. Já a completude é algo mais que uma exigência, é uma condição necessária para o funcionamento do sistema. Nesse tipo de ordenamento, em que a completude é condição necessária para a existência, valem estas duas regras: 
O juiz é obrigado a julgar todas as controvérsias que se apresentarem a seu exame; 
Deve julgá-las com base em uma norma pertencente ao sistema. 
Se uma das duas regras perder o efeito, a completude deixará de ser considerada um requisito do ordenamento. Pode-se imaginar dois tipos de ordenamentos incompletos. Caso faltasse a primeira, o juiz não teria que julgar todas as controvérsias que lhe fossem apresentadas e poderia simplesmente declarar o caso juridicamente irrelevante (para alguns, o ordenamento internacional é um ordenamento deste tipo). 
Já em um ordenamento ao qual faltasse a segunda regra o juiz seria obrigado a julgar cada caso, mas não seria obrigado a fazê-lo baseado numa norma do sistema, estando autorizado a julgar segundo a equidade. Num ordenamento onde o juiz está autorizado a julgar segundo a equidade não tem nenhuma importância que seja preventivamente completo, pois é completível a todo momento. 
4.2 O dogma da completude 
Ou seja: o princípio de que o ordenamento jurídico seja completo para fornecer ao juiz uma solução para cada caso sem recorrer à equidade, foi dominante na teoria jurídica europeia de origem romana. É considerado por alguns um dos aspectos salientes do positivismo jurídico. Nasceu provavelmente na tradição românica medieval (o Direito Romano era considerado nessa época um direito por excelência, com regras que dariam ao bom intérprete condição de resolver todos os problemas jurídicos apresentados). 
Nos tempos modernos o dogma da completude tornou-se integrante da concepção estatal do Direito (a produção jurídica é um monopólio do Estado). Acabaram-se todas as fontes de direito que não fossem a Lei ou o comando do soberano. A onipotência do Estado reverteu-se sobre o Direito, não reconhecendo outro Direito senão aquele de origem estatal. 
Admitir que o ordenamento jurídico estatal não era completo significava introduzir um Direito concorrente e quebrar o monopólio da produção jurídica estatal. Nesse momento o dogma da completude caminha ao lado da monopolização do Direito por parte do Estado: para manter o próprio monopólio, o Direito do Estado deve servir para todo uso (um claroexemplo são os códigos que nada mais são que prontuários infalíveis dos quais o juiz não pode afastar-se). 
A cada grande codificação (desde o código civil francês de 1804) desenvolveu-se entre os juristas e juízes a tendência a ater-se rigorosamente aos códigos, atitude esta que foi chamada de fetichismo da lei. Na França, essa escola jurídica é geralmente designada com o nome de escola da exegese. Seu caráter peculiar é a admiração incondicional pela obra do legislado contida na codificação, a confiança cega na suficiência das leis, a crença de que o código basta-se a si próprio e não tem lacunas: o dogma da completude jurídica. 
Quando começou a reação ao fetichismo legislativo e ao dogma da completude, um dos maiores representantes dessa reação, o jurista alemão Eugen Ehrlich afirmou em seu livro (“A lógica dos juristas”, 1925) que o raciocínio do jurista tradicional era fundado em três pressupostos: 
A proposição maior de cada raciocínio jurídico deve ser uma norma jurídica;
Essa norma deve ser sempre uma lei estatal;
Todas essas normas devem formar no seu conjunto uma unidade.
Ehrlich queria desse modo criticar o conformismo diante do estadismo que havia gerado e radicado na jurisprudência o dogma da completude. 
4.3 A crítica da completude 
O livro de Ehrlich é uma das expressões mais significativas daquela revolta contra o monopólio estatal do Direito (desenvolvida na França e Alemanha no final do século passado). É conhecida como escola de Direito livre e seu alvo principal é justamente o dogma da completude do ordenamento jurídico. Para se criticar o fetichismo legislativo dos juristas é preciso primeiramente abolir a crença de que o Direito estatal é completo, A batalha da escola do Direito livre contra as várias escolas da exegese é uma batalha pelas lacunas. Os comentadores do direito constituído acreditavam que o Direito não tinha lacunas e que o dever do intérprete fosse apenas tornar explicito aqui que já estava implícito na mente do legislador. Os sustentadores dessa nova escola afirmam que o Direito constituído está cheio de lacunas e, para preenchê-las, é necessário confiar no poder criativo do juiz. 
Existem duas razões principais para o surgimento desse movimento contra o dogma da completude e o estadismo jurídico: 
1) À medida que as codificações envelheciam, descobriam-se as insuficiências. Aquilo que primeiro era objeto de admiração se torna aos poucos objeto de análise crítica sempre mais exigente, e a confiança na onisciência do legislador diminui. 
2) Ao lado do envelhecimento natural dos códigos, houve uma profunda e rápida transformação da sociedade (obra da chamada revolução industrial), que faz que as primeiras codificações – que refletiam sociedades ainda predominantemente agrícolas - parecerem insuficientes e inadequadas. 
Essa divergência entre o Direito constituído e a realidade também foi acompanhada pelo desenvolvimento da filosofia social e das Ciências Sociais que tiveram uma característica muito relevante em comum: a polêmica conta o Estado e a descoberta da sociedade abaixo do Estado. Tanto o marxismo quanto a sociologia positivista foram animados por uma crítica contra o monismo estatal. A sociologia, esta nova ciência que foi o produto mais típico do espírito cientifico do século XIX, pôde fornecer armas críticas aos juristas novos contra as várias formas de jurisprudência presas ao dogma do estadismo e da completude do Direito. 
Desse modo formou-se a sociologia jurídica, da qual Ehrlich era um dos representantes mais destacados. O programa da sociologia jurídica foi mostrar que o Direito era um fenômeno social, e que a pretensão dos juristas ortodoxos de fazer dele um produto do Estado era infundada e conduzia a vários absurdos, como o de acreditar na completude do Direito codificado. Se o Direito era um fenômeno social, um produto da sociedade e não somente do Estado, o juiz e o jurista tinham que tirar as regras jurídicas, adaptadas aas novas necessidade, do estudo da sociedade e não das regras mortas e cristalizadas dos códigos. 
Somente o Direito livre estava em condições de preencher as lacunas da legislação. Caia, como inútil e perigoso empecilho à adaptação do Direito às exigências sociais, o dogma da completude. No seu lugar entrava a convicção de que o Direito legislativo era lacunoso, e que as lacunas não podiam ser preenchidas mediante o próprio Direito estabelecido, mas por meio do reencontro e da formulação do Direito livre. 
O espaço jurídico vazio 
A corrente do Direito livre e da livre pesquisa do Direito teve entre os juristas mais adversários do que amigos. O Direito livre representava aos olhos dos juristas tradicionalistas uma nova encarnação do Direito natural que se considerava aniquilado para sempre. Admitir a livre pesquisa do Direito (livre no sentido de não ligada ao direito estatal), admitir um Direito criado de vez em quando pelo juiz, significava quebrar a barreira do princípio da legalidade, que havia sido colocado em defesa do indivíduo. 
A completude não era um mito, mas uma exigência de justiça, uma defesa útil de um dos valores supremos a que deve servir a ordem jurídica: a certeza. Os defensores da legalidade ficaram presos ao dogma da completude, mas para ali ficarem tiveram de encontrar novos argumentos. Era necessário demonstrar criticamente que a completude era uma característica constitutiva de todo ordenamento jurídico. E que se havia uma teoria errada a ser refutada, esta não era mais a da completude, mas a que sustentava a existência das lacunas. 
O primeiro argumento lançado pelos positivistas de estrita observância foi aquele que chamaremos de espaço jurídico vazio, que consiste mais ou menos no seguinte: toda norma jurídica representa uma limitação à livre atividade humana – fora da esfera regulada pelo Direito, o homem é livre para fazer o que quiser. 
O âmbito da atividade do homem pode então ser dividido em dois compartimentos: aquele no qual é regulado por normas jurídicas e que podemos chamar de espaço jurídico pleno e aquele no qual é livre e que podemos chamar de espaço jurídico vazio. Ou há o vínculo jurídico ou há a absoluta liberdade. Ou um caso está regulado pelo Direito e então é um caso jurídico ou juridicamente relevante ou não está regulado pelo Direito e então pertence àquela esfera de livre desenvolvimento da atividade humana, que é a esfera do juridicamente irrelevante. Não há lugar para a lacuna do Direito. 
O ponto fraco dessa teoria é que ela está fundada sobre um conceito muito discutível, como o de espaço jurídico vazio ou de esfera do juridicamente relevante. Parece que a afirmação do espaço jurídico vazio nasce da falsa identificação com o obrigatório. Aquilo que não é obrigatório e, portanto, representa a esfera do permitido e do lícito, deve ser considerado juridicamente irrelevante ou indiferente. Eis o erro! Falamos frequentemente das três modalidades normativas: ordenado (obrigatório), permitido e proibido. Para sustentar a tese do espaço jurídico vazio é necessário excluir a permissão das modalidades jurídicas: aquilo que é permitido coincidiria com aquilo que é juridicamente indiferente. 
4.5 A norma geral exclusiva 
Surge uma segunda teoria para combater a escola do Direito Livre. Essa teoria sustenta que não há lacunas no ordenamento jurídico pelo fato de que o Direito nunca falta. Foi sustentada pela primeira vez pelo jurista alemão E. Zitelmann (ensaio “As lacunas no Direito” – Lucken im Recht, 1903) e, com alguma variante, por Donato Donati na Itália (livro “O problema das lacunas do ordenamento jurídico, 1910). 
Eis o que pensam esses autores: uma norma que regula um comportamento não só limita a regulamentação e, portanto, as consequências jurídicas que desta regulamentação derivam para aquele comportamento mas, ao mesmo tempo, exclui daquela regulamentação todos os outros comportamentos. 
Uma norma que proíbe fumar exclui da proibição (ou seja, permite) todos os outros comportamentos que não sejam fumar. Assim, todos os comportamentosnão-compreendidos na norma particular são regulados por uma norma geral exclusiva, isto é, pela regra que exclui (por isso é exclusiva) todos os comportamentos (por isso é geral) que não sejam aqueles previstos na norma particular. 
Assim, as normas sempre nascem aos pares: cada norma particular (que poderemos chamar de inclusiva) está acompanhada pela norma geral exclusiva. Com isso, toda atividade humana é regulada por normas jurídicas porque aquela que não cai sob as normas particulares, cai sob as gerais exclusivas. 
Zitelmann: “Na base de toda norma particular que sanciona uma ação com uma pena ou com a obrigação de indenização dos danos, ou atribuindo qualquer outra consequência jurídica, está sempre como subentendida e não-expressa uma norma fundamental geral e negativa, segundo a qual, à parte esses casos particulares, todas as outras ações ficam isentas de pena ou indenização”. 
Donati: “Num caso determinado, ou existe na legislação uma disposição que particularmente a ele se refere, e dela derivará para o próprio caso uma norma particular, ou não existe, e então cairá sob a norma geral referida”. 
Entretanto, essa teoria tem seu ponto fraco. Num ordenamento jurídico, não existe somente um conjunto de normas particulares inclusivas e uma norma geral exclusiva que as acompanha mas também um terceiro tipo de norma, a norma geral inclusiva (não mencionada por essa teoria). Chamamos de norma geral inclusiva, a norma segundo a qual, no caso de lacuna, o juiz deve recorrer às normas que regulam casos parecidos ou matérias análogas. 
Sua característica é regular os casos não compreendidos na norma particular, mas semelhantes a eles, de maneira idêntica, o que difere da norma geral exclusiva que regula os casos não compreendidos na norma particular de maneira oposta. Como se vê, a aplicação de uma ou de outra norma geral gera consequências opostas. E a aplicação de uma ou de outra depende se o caso não regulamentado é semelhante ou não ao caso regulamentado – e essa decisão acerca da semelhança cabe ao intérprete. 
Caso o intérprete decida pela aplicação da norma geral exclusiva, tem-se o argumentum a contrario e caso decida pela aplicação da norma geral inclusiva, tem-se o argumentum a simili. 
Portanto, no caso de lacuna, existem sempre duas soluções jurídicas: 
A consideração do caso não regulamentado como diferente do regulamentado e a consequente aplicação da norma geral exclusiva.
A consideração do caso não-regulamentado como semelhante ao regulamentado e a consequente aplicação da norma geral inclusiva. 
Se existem duas soluções e a decisão entre as duas cabe ao intérprete, uma lacuna existe e consiste justamente no fato de que o ordenamento deixou impreciso qual das duas soluções é a pretendida – há falta de uma regra que permita acolher uma solução em vez da outra. 
Desse modo, fica impossível excluir as lacunas como pretendia a teoria da norma geral exclusiva. E fica mais claro o conceito de lacuna: falta de critério para a escolha de qual das 2 regras gerais, a exclusiva ou a inclusiva, deva ser aplicada. 
Tem-se, portanto, uma exuberância de soluções jurídicas possíveis e o ordenamento não oferece nenhum meio jurídico para eliminar essa exuberância, isto é, para decidir, com base no sistema, em favor de uma solução em detrimento da outra. Não estamos em condições de decidir mediante regras do sistema se o caso é semelhante ou diferente e, então, a solução não é mais óbvia. O fato de a solução não ser mais óbvia, isto é, de não se poder tirar do sistema nem uma solução nem a solução oposta, revela lacuna, ou seja, a incompletude do ordenamento jurídico. 
4.6 As lacunas ideológicas 
Além do sentido de falta de critérios válidos para decidir qual norma deve ser aplicada, a lacuna possui outro sentido, qual seja, a falta de uma solução satisfatória ou, em outras palavras, não a falta de uma norma mas a falta de uma norma justa, isto é, de uma norma que se desejaria que existisse mas que não existe. São chamadas de lacunas ideológicas porque derivam da comparação entre ordenamento como ele é e como ele deveria ser. As lacunas que se encontram no ordenamento como ele é são chamadas de lacunas reais. 
Lacunas ideológicas – lacunas de iure condendo (de direito a ser estabelecido) e lacunas reais – lacunas de iure condito (do direito já estabelecido).
Nenhum ordenamento jurídico positivo é perfeito, então é óbvio que existem lacunas ideológicas. Entretanto, aquele que aplica o Direito deve se preocupar apenas com as lacunas reais. Quando os juristas sustentam que o ordenamento jurídico é completo, sem lacunas referem-se às lacunas reais. 
Brunetti que colocou em relevo a diferença entre lacunas ideológicas e lacunas reais. (Colaboração de Romano e de Donati). Brunetti sustenta que para se falar de completude/incompletude, não se pode considerar a coisa em si mesma mas compará-la com alguma outra. Assim, os dois casos típicos são: 
Quando comparo determinada coisa com o seu tipo ideal ou com aquele que deveria ser. 
Quando comparo a representação de uma coisa com a coisa representada. Como exemplo o mapa da Itália com a Itália. 
Assim, para que o problema das lacunas tenha sentido é preciso comparar o ordenamento jurídico real com o ordenamento jurídico ideal conforme item 1 – mas aqui não interessa aos juristas por tratar-se de lacunas ideológicas. Ou é preciso considerar o ordenamento legislativo como representação da vontade do Estado, conforme item 2 – pergunta se a lei contém ou não tudo aquilo que deve conter para poder ser considerada a manifestação tecnicamente perfeita da vontade do Estado. Aqui o problema da completude será do ordenamento legislativo como parte do ordenamento jurídico e não do ordenamento jurídico como um todo. 
As três faces do problema das lacunas segundo Brunetti: 
Problema do ordenamento jurídico considerado em si próprio ser completo ou incompleto: sem sentido.
Problema do ordenamento jurídico como ele é ser completo ou incompleto comparado a um ordenamento jurídico ideal: lacunas ideológicas, que não interessam aos juristas. 
Problema do ordenamento legislativo ser completo ou incompleto quando confrontado com o ordenamento jurídico: esse problema tem sentido e é o único caso em que se pode falar de lacunas no sentido próprio da palavra. 
Na realidade, esse terceiro caso também pode ser enquadrado na categoria das lacunas ideológicas, isto é, na oposição entre aquilo que a lei diz e aquilo que deveria dizer para ser perfeitamente adequada ao espírito de todo o sistema. Assim, para Brunetti, o problema da completude é sem sentido – existem apenas as lacunas ideológicas e essas são óbvias. Assim, se a isso se reduz o problema, não deveríamos gastar rios de tinta com isso. 
4.7 Vários tipos de lacunas 
A distinção entre lacunas reais e ideológicas corresponde mais ou menos à distinção entre lacunas próprias e impróprias. A lacuna própria é uma lacuna do sistema ou dentro do sistema. A lacuna imprópria deriva da comparação do sistema real com um sistema ideal. 
Num sistema em que cada caso não regulamentado faz parte da norma geral exclusiva (como exemplo o código penal), existe apenas a lacuna imprópria. A lacuna própria existe quando ao lado da norma geral exclusiva, tem-se também a norma geral inclusiva. 
Os dois tipos de lacunas designam um caso não regulamentado pelas leis vigentes num dado ordenamento jurídico (semelhança entre as lacunas). Diferem-se pela forma pela qual podem ser eliminadas – a lacuna imprópria somente através da formulação de novas normas (somente pelo legislador) e a lacuna própria mediante as leis vigentes (por obra do intérprete). 
Quando se diz que um sistema está incompleto, refere-se às lacunas próprias e em relação aos motivos que provocam as lacunas, elas se dividem em subjetivas e objetivas. Subjetivas são aquelas que dependem de algum motivo imputável ao legislador e objetivas são aquelas que dependem do desenvolvimento das relações sociais, de novas invenções, enfim, de todas as

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