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medicina narrativa

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Doutor, me ouça! 
Médicos que não só auscultam, mas escutam os pacientes - eis um grande objetivo a ser atingido
Anna Paula Buchalla
As escolas médicas dos Estados Unidos estão adotando um novo tipo de curso – a medicina narrativa. A disciplina visa a estimular o aluno a ler mais e a escrever mais, como forma de melhorar sua futura comunicação com o paciente. Obviamente a idéia não é fazer dos doutores exímios escritores, e sim transformá-los em bons ouvintes. Afinal de contas, para narrar é preciso saber ouvir. A medicina narrativa começa com o estudo de literatura, como forma de também levá-los a uma maior introspecção. A justificativa é que médicos mais voltados para os próprios sentimentos tendem a entender melhor seus pacientes. Em seguida, os estudantes são incentivados a descrever de maneira minuciosa as experiências que tiveram com alguns doentes.
O nome por trás dessa novidade é o da médica americana Rita Charon, diretora do departamento de humanidades e medicina da Universidade Columbia, em Nova York. O método desenvolvido por ela prevê que os alunos registrem suas próprias reações diante de cada caso que chega a suas mãos. "Eu costumo dizer a meus alunos: 'Se você trata um senhor com câncer de próstata e ele o faz lembrar seu avô que morreu da mesma doença, escreva sobre seus sentimentos'", afirma ela. "Essa empatia é o que fará de você um médico melhor, preocupado sobretudo com o ser humano que está na sua frente e não apenas com a sua doença."
	
	"Cada palavra dita por um médico ao seu paciente é um veredicto. Assim como o escritor, ele deve avaliar cada palavra e saber usá-la com extremo rigor."
Moacyr Scliar, médico sanitarista e escritor
Segundo Rita Charon, o primeiro recurso de um médico, durante a consulta, é basicamente a história contada pelo paciente. E, para entendê-la, ele precisa compreender a essência desse relato. Os profissionais capazes de apreender as nuances das histórias de seus pacientes desenvolvem com eles uma relação mais estreita, o que resulta em tratamentos mais precisos e eficazes. Ao se sentir ouvido, o paciente aceitará melhor o diagnóstico e a terapia proposta – por mais duros que sejam.
Desde o início da década passada, as faculdades de medicina brasileiras começaram a reintroduzir em seus currículos matérias como história da medicina, sociologia e filosofia – disciplinas comuns nessas instituições até o início do século XX. A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, é uma das pioneiras nessa iniciativa. Os futuros médicos são, inclusive, incentivados a ler clássicos da literatura que têm como pano de fundo a doença, seus infortúnios e a morte, como A Morte de Ivan Illich, de Léon Tolstoi (1828-1910), e A Montanha Mágica, de Thomas Mann (1875-1955).
A medicina narrativa, evidentemente, é uma miragem num sistema de saúde precário como o brasileiro. Nos hospitais públicos, um único médico tem de dar conta de dezenas de pacientes por dia. Nos consultórios de convênio, o quadro não é muito diferente. Combinam-se aí a falta de estrutura e a falta de preparo dos profissionais. Esse déficit de atenção em relação ao paciente talvez seja um dos motivos que explicam o aumento da procura pela medicina alternativa. Num consultório alternativo, a falta de tecnologia e os recursos discutíveis são compensados por conversas longas e afetuosas. Às vezes é só disso que um paciente precisa.

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