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1 IIINNNTTTRRROOODDDUUUÇÇÇÃÃÃOOO ÀÀÀ FFFÍÍÍSSSIIICCCAAA MMMOOODDDEEERRRNNNAAA Paulo Henrique Ribeiro Barbosa Departamento de Física Universidade Federal do Piauí Março de 2011 2 PRESIDENTE DA REPÚBLICA MINISTRO DA EDUCAÇÃO GOVERNADOR DO ESTADO REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA DO MEC COORDENADORIA GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ COORDENADOR GERAL DO CENTRO DE DUCAÇÃO ABERTA À DISTÂNCIA DA UFPI SUPERITENDENTE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO ESTADO DIRETOR DO CENTRO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA COORDENADOR DO CURSO DE FÍSICA COORDENADORA DE MATERIAL DIDÁTICO DO CEAD/UFPI DIAGRAMAÇÃO FICHA CATALOGRÁFICA Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco B238f Barbosa, Paulo Henrique Ribeiro Física /Paulo Henrique Ribeiro Barbosa . – Teresina : CEAD/UFPI, 2010. 200 p. 1. Física. 4. Física – Introdução à Física Moderna. I. Título. CDD 530 3 Este texto é destinado aos estudantes que participam do programa de Educação à Distância da Universidade Aberta do Piauí (UAPI) vinculada ao consórcio formado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET – PI), com apoio do Governo do Estado do Piauí, através da Secretaria de Educação. O texto é composto de duas unidades, constituída de quatro capítulos cada uma. Nos quatro capítulos iniciais (primeira unidade), iremos tratar da relatividade restrita e da antiga teoria quântica, e nos quatro capítulos finais (segunda unidade) apresentaremos a teoria de Schrödinger da mecânica quântica, soluções da equação de Schrödinger para potenciais simples, oscilador harmônico quântico e, por último átomos de um elétron. A bibliografia para leitura complementar é indicada ao final de cada unidade, bem como exercícios resolvidos e exercícios visando avaliar o entendimento do leitor serão apresentados ao longo do texto de cada unidade. Apresentação 4 Sumário Geral UNIDADE I 1. TEORIA DA RELATIVIDADE RESTRITA 1.1 Introdução 10 1.2 Os postulados de Einstein 11 1.3 Conseqüências dos postulados de Einstein 13 1.4 Transformadas de Lorentz 14 1.5 Transformação relativística da velocidade 16 1.6 Momento relativístico 16 1.7 Energia relativística 1.7 Problemas Propostos 21 1.8 Referências bibliográficas 23 1.9 Web-bibliografia 23 2. RADIAÇÃO TÉRMICA, O POSTULADO DE PLANCK E AS PROPRIEDADES CORPUSCULARES DA RADIAÇÃO 2.1 Introdução 26 2.2 Radiação do corpo negro 26 2.3 Efeito Fotoelétrico 28 2.4 Contínuo de Raios - X 29 2.5 Efeito Compton 31 2.6 Espectros Atômicos e o Modelo de Bohr 32 2.8 Problemas Propostos 35 2.9 Referências bibliográficas 37 2.9 Web-bibliografia 37 3. PROPRIEDADES ONDULATÓRIAS DA MATÉRIA 3.1 Introdução 3.1 3.2 O Postulado de de Broglie 3.2 5 3.3 Propriedades das Ondas Piloto 3.3 3.4 Interpretação Probabilística das Ondas de de Broglie 3.4 3.5 O princípio da Incerteza de Heisenberg 3.5 3.6 Problemas 3.5 3.7 Referências Bibliográficas 3.8 Web-bibliografia 4 MODELOS ATÔMICOS 4.1 Os Modelos de Thomson e de Rutherford e a Descoberta do Núcleo do Átomo 75 4.2 Espectros Atômicos 78 4.3 O Modelo Atômico de Bohr 81 4.4 Átomos Hidrogenóides 84 4.5 Problemas Propostos 85 4.6 Web-bibliografia 87 UNIDADE II 5 A TEORIA DE SCHRODINGER DA MECÂNICA QUÂNTICA 5.1 Introdução 90 5.2 A Equação de Schrodinger 92 5.3 Interpretação da Função de Onda 96 5.4 A Equação de Schrodinger Dependente do Tempo 102 5.5 Propriedades Matemáticas da Função de Onda e Autofunções 5.6 Valores Esperados e Operadores Diferenciais 5.7 Limites Clássicos da Mecânica Quântica 5.8 Problemas Propostos 5.9 Referências bibliográficas 87 5.10 Web-bibliografia 87 6 SOLUÇÕES DA EQUAÇÃO DE SCHRODINGER PARA POTENCIAIS SIMPLES 6.1 Partícula Livre 115 6 6.2 Potencial Degrau 117 6.3 Barreira de Potencial 119 6.4 Poço Quadrado de Potencial 119 6.5 Poço Infinito de Potencial 120 6.6 Problemas Propostos 137 6.7 Bibliografia 139 7 O OSCILADOR HARMÔNICO QUÂNTICO 7.1 Magnetismo 142 7.2 O campo magnético e suas fontes 145 7.3 Movimento de uma partícula carregada em um campo magnético 148 7.4 Aplicações envolvendo movimento de partículas carregadas na presença de campo magnético 150 7.5 A força magnética agindo sobre um condutor portando corrente elétrica 152 7.6 Torque 157 Questões 161 Problemas 163 Bibliografia 165 8 ÁTOMO DE UM ELÉTRON 8.1 Lei de Biot – Savart 168 8.2 Lei de Ampère 173 8.3 A lei de Ampère e os solenóides 176 8 Questões 178 Problemas 179 Bibliografia 181 7 UNIDADE 1 TEORIA DA RELATIVIDADE RESTRITA Resumo Nesta unidade iremos apresentar e discutir os postulados da relatividade restrita. O objetivo é usar estes postulados para mostrar que tempo e espaço não são grandezas absolutas ou invariantes. Apresentaremos as modificações nas leis da física decorrentes dos postulados de Einstein. 8 9 Sumário UNIDADE 1: A Teoria da Relatividade Restrita Paulo Henrique Ribeiro Barbosa 1.1 Introdução 1.1 1.2 Os postulados de Einstein 1.2 1.3 Conseqüências dos postulados de Einstein 1.3 1.4 Transformadas de Lorentz 1.4 1.5 Transformação relativística da velocidade 1.5 1.6 Momento relativístico 1.6 1.7 Energia relativística 1.7 1.7 Problemas Propostos 1.7 1.8 Referências bibliográficas 1.8 10 1.1 – Introdução Conta-se que Albert Einstein, até então somente um entusiasmado estudante de física, andava intrigado com uma discrepância entre as leis de Newton da mecânica e as leis de Maxwell do eletromagnetismo. O que o jovem “aprendiz de cientista” sabia era que as leis de Newton eram independentes do estado de movimento de um observador, ou seja, duas pessoas, uma em repouso e outra em movimento retilíneo e uniforme, observaria que as mesmas leis da mecânica seriam aplicáveis ao movimento de um objeto, e que diferentes equações de Maxwell são aplicáveis ao movimento de uma carga elétrica. Enquanto as leis de Newton sugeriam que o movimento é um fenômeno relativo, cálculos da velocidade de propagação de ondas eletromagnéticas através das equações de Maxwell sugeriam a existência de um referencial absoluto. De fato, tanto teoricamente quanto experimentalmente conclui-se que a velocidade de uma onda eletromagnética no vácuo é uma constante de valor c=299 792 458 m/s, independente do referencial inercial em relação ao qual a mesma é medida. Ou seja, a velocidade da luz é um invariante sob transformações entre referenciais inerciais. O que aprendemos através da mecânica newtoniana é que o movimento é relativo, ou seja, um determinado objeto pode ter diferentes velocidades com relação a diferentes sistemas de referência inercial, mas as suas acelerações são as mesmas. Uma das conclusões das leis de Newton éa de que não existe nenhum experimento mecânico que seja capaz de dizer se um observador inercial está em repouso ou em movimento em relação a outro observador inercial. Mas então como resolver a questão de que velocidade da luz é uma constante, e que, portanto, sugere a existência de um referencial absoluto, o chamado éter? Em 1887 os físicos americanos s A. A. Michelson e E. W. Morley derrubaram a tese da existência do tal Éter, o referencial privilegiado, através de uma experiência de interferometria e concluíram que o mesmo não existia, além de mostrar que a velocidade da luz não obedece à formula de adição da transformada de Galileu. 11 Em 1905 Einstein publicou um artigo mostrando que o conflito entre as leis de Newton e as leis de Maxwell poderia ser resolvido se aceitássemos que todas as medidas do espaço e tempo fossem dependentes do movimento relativo. Por exemplo, segundo a teoria relativística de Einstein, o comprimento de uma nave espacial em repouso sobre uma plataforma de lançamento e os tiques dos relógios dentro da nave se altera quando a nave é colocada em movimento com uma rapidez muito grande. 1.2 – Os Postulados de Einstein Em seu famoso artigo de 1905, Einstein postulou que o movimento absoluto não pode ser detectado por nenhum experimento, rejeitando assim, a existência do éter. A teoria especial da relatividade pode ser derivada de dois postulados, que são: Postulado 1: Nenhum movimento retilíneo uniforme absoluto pode ser detectado Postulado 2: A velocidade da luz é independente do movimento da fonte. O Postulado 1 ainda pode ser enunciado como: “ As leis da física devem ter a mesma forma em todos os referenciais inerciais”. Isso significa que as leis válidas para um observador inercial não podem ser violadas por qualquer outro observador inercial, como resumido pela transformada de Galileu, ⃗ ⃗ ⃗⃗ , onde ⃗ , ⃗ são os vetores que localizam o objeto nos referenciais F e F’, e ⃗⃗ é a velocidade constante relativa entre os dois observadores. Faz parte ainda da transformada de Galileu o fato de que o tempo medido pelos dois observadores F e F’ serem os mesmos: t=t’. Com relação ao segundo postulado, o mesmo pode ser enunciado ainda como: “A velocidade da luz no espaço livre tem o mesmo valor c em todos os referenciais inerciais”. Embora o segundo postulado descreva uma propriedade comum a todas as ondas, a de que a sua velocidade de propagação independe da velocidade da fonte, é muito difícil de aceitá-lo porque ele viola o senso comum, fundamentado na cinemática de Galileu. Uma de suas 12 conseqüências é a de que ele limita a velocidade de qualquer objeto à velocidade da luz, independentemente da quantidade de energia cinética fornecida a este. 1.3 - Conseqüências dos postulados de Einstein Mostraremos como os postulados de Einstein podem solucionar as dificuldades para interpretar as medições de tempo, comprimento e velocidades. Para entendermos medidas de tempo é importante que conceituemos relógio. O requisito básico de um relógio é a periodicidade, ou seja, o intervalo de tempo entre dois “tics” deve ser o mesmo. Podemos calibrar nosso relógio, colocando-o junto com uma fonte de luz na origem de um sistema de coordenadas e então iluminar o eixo-x, por exemplo. Podemos colocar um espelho no ponto x1 e medir o tempo que a luz leva para chegar ao ponto x1 e retornar a origem. Se o intervalo de tempo corresponde a dois “tics” diz-se que x1 está distando de uma unidade de comprimento da origem x=0. Especificamente, se a duração de um “tic” é τ, então a distância a x1 é cτ. Se movermos o espelho de modo que o tempo que a luz gaste para alcançá-lo e voltar sejam de quatro “tics”, o ponto estará duas unidades de comprimento (2cτ) afastado da origem. Com este procedimento podemos associar as coordenadas a cada ponto do espaço e colocar um relógio em cada um desses pontos, que serão múltiplos inteiros da distância unitária cτ. Todos estes relógios, colocados nos pontos (x,y,z), podem ser sincronizados da seguinte forma: na origem e ao meio dia um sinal luminoso é enviado ao ponto x=1, y=z=0. Quando o sinal chega a esse ponto o operador de relógio que aí se encontra ajusta o relógio daí para um “tic” depois do meio dia. O operador na posição x=2, y=z=0 ajusta o relógio dessa posição para dois “tics” depois do meio dia. Desse modo todos os relógios são sincronizados e teremos uma estrutura de referência com posições e tempos bem definidos. Ou seja, todos os pontos do sistema de coordenadas (x,y,z) terão o mesmo tempo t. 13 Fig. 1.1(a) Trem parado e os observadores A e A’ vêem simultaneamente o evento. (b) Trem em movimento e os observadores já não concordam que os eventos são simultâneos. Simultaneidade Dois eventos em pontos diferentes em um dado sistema de referência são simultâneos quando eles ocorrem ao mesmo tempo naquele referencial. Considere o problema de medir o comprimento de um trem em movimento com velocidade ao longo do eixo x. Considere duas pessoas A e A’, respectivamente dentro do trem (referencial F) e na plataforma de embarque (referencial F’). A figura 1.1a mostra um trem de comprimento inicialmente em repouso na plataforma e neste caso o processo de medida é feito de forma simples com uma fita métrica esticada entre os pontos B e C. Duas pessoas, A e A’, em posições adjacentes, concluirão que um pulso esférica de luz emitida em t=0 do ponto médio do trem alcançará as extremidades do trem, pontos B e C, simultaneamente, em um tempo t=L/2c. Considere agora que o trem está em movimento ao longo do eixo-x, com velocidade u quando medida pelo referencial F’ da plataforma; o referencial F é aquele em que o trem está em repouso. Suponha que no instante t=0=t’, as posições dos observadores A e A’ sejam as mesmas. Com relação ao observador A (referencial F) ele ainda concluirá que o pulso esférico de luz emitido por uma fonte no ponto médio do trem alcançará os extremos do trem simultaneamente. Este não será o ponto de vista do observador A’ (referencial F’) com base no segundo postulado de Einstein, de que a velocidade da luz é a mesma em ambos os referenciais inerciais. Para a pessoa A’ a luz chegará primeiro à extremidade B do trem em um tempo tB. De fato, pelo segundo postulado de Einstein, a distância percorrida pelo pulso de luz na visão de A’ é . Logo, Da mesma forma o feixe de luz percorre uma distância até atingir o ponto C. Temos assim, Como é diferente de , os eventos não serão simultâneos na visão do observador A’ (referencial F’). 14 Fig1.2 As conseqüências do fato de que eventos que são simultâneos em um referencial inercial deixam de ser em outro referencial inercial serão apresentadas a seguir. Dilatação Temporal Considere o aparato da Figura 1.2, onde um feixe de luz é refletido por um espelho (uma distância L da fonte) e retorna. Para um observador em repouso em relação ao aparato, o tempo que o feixe leva para ir e voltar é Um observador A no referencial F’, movendo-se para a esquerda com velocidade (Fig. 1.2a), vê o fenômeno como descrito pela Figura 1.2b. No referencial F’ a luz se propaga com velocidade c (segundo postulado de Einstein), mas ao mesmo tempo o espelho se move. Se em t’=0 o pulso de luz foi emitido, no instante de tempo este é refletidopelo espelho e, em o feixe retorna à fonte. Pela Figura 1.2b, a distância percorrida pela luz até ser refletida (referencial F’) é √ ( * Isto é, usando , temos √ ( ⁄ ) O observador F’ mede um tempo maior para o mesmo evento, ou seja, o observador F’ conclui que relógios móveis são mais lentos que relógios 15 Fig1.3 em repouso. Este efeito é conhecido como dilatação temporal. O tempo T, neste caso, é referido como tempo próprio, pois é o tempo associado a um relógio que está em repouso neste referencial. O efeito da dilatação temporal é real, com inúmeros experimentos que o compravam. Deixaremos para o leitor a busca de informações sobre tais experimentos, bem como a discussão acerca do famoso paradoxo dos gêmeos. Exemplo: Ana está em um carro de trilhos se movendo para o leste a uma velocidade de relativo à Bob. Ela segura em suas mãos com os braços abertos lâmpadas que delas emitem simultaneamente flash de luz. Ana mantém as mãos afastadas de e com orientação na direção leste-oeste. De acordo com Bob que lâmpada emitiu primeiro o flash? Resposta: Considere que Ana está no referencial S’ e Bob no referencial S. O evento 1 é o flash que vem do leste e chega em Ana e o evento 2 é flash que vem do oeste e chega em Ana. Para Ana, os dois eventos são simultâneos , de modo que , e eles estão separados de . Para encontrar o intervalo de tempo entre os dois eventos para Bob, podemos mostrar, usando Eq.(1.3), que a diferença entre os tempos que a luz leva para chegar em Ana vinda do leste e o tempo da luz vinda do oeste é . Contração do Comprimento A lentidão dos relógios móveis é acompanhada pela contração no comprimento dos objetos móveis ao longo da direção de movimento, como veremos em seguida. Para isso considere o aparato da figura1.3,que consiste em uma lâmpada e dois espelhos dispostos ortogonalmente e cada um a uma distância L da lâmpada. Ambos os feixes refletidos nos dois espelhos chegam à lâmpada ao mesmo tempo Suponha agora que 16 este aparato esteja se movendo para a direita com velocidade ⃗⃗ , na direção da linha lâmpada - espelho com relação a um observador no referencial F’. O observador no referencial F’ concluirá que o tempo de ida e volta que a luz leva para percorrer a parte transversa ao movimento é de √ ( * Por outro lado, o tempo de ida e volta da luz ao longo da direção horizontal é o tempo t’1 que esta leva para atingir o espelho mais o tempo t’2 que esta leva para retornar. O espelho está se movendo para a direita, de forma que a luz percorre uma distância extra ut’1. Se, de acordo com o observador no referencial F’, a distância entre lâmpada e espelho é L`, então percorrida pela luz na ida é . Na volta a distância percorrida pela luz é , que adicionados darão ( * Este deve ser igual ao tempo T’, que a luz leva pra ir e voltar ao longo da direção transversal. Fazendo esta igualdade temos que √ ( ) que mostra que uma barra de comprimento L em um referencial de repouso, terá seu comprimento reduzido ao longo da direção de movimento por um fator √ na visão de um observador em um referencial F’, que se move com velocidade ⃗⃗ ao longo do comprimento da barra. Note que a contração de comprimento ocorre somente ao longo da direção de movimento. A adição relativística de velocidades 17 Fig. 1.4 Suponha que um observador A mede a velocidade de um objeto como sendo ⃗ , e que um observador B que se move com velocidade ⃗⃗ com relação ao observador A, mede a velocidade do mesmo objeto como sendo ⃗ . De acordo com a lei de adição de Galileu teremos ⃗ ⃗ ⃗⃗. Claramente esta relação violaria o segundo princípio da relatividade, que afirma que nenhuma partícula poderia viajar com velocidade superior que a da luz. Isto pode ser visto escolhendo-se como módulos das velocidades os seguintes valores: v1=0.8c e u=0.8c, que daria v2=1,6c. Precisamos reformulá-la à luz dos postulados da relatividade restrita. A figura 1.4 abaixo mostra um dispositivo que emite uma partícula com velocidade ⃗ que ao atingir uma fonte de luz S a uma distância L, faz com que a mesma emita um flash de luz em direção ao detector D. O intervalo de tempo T decorrido entre lançamento da partícula e a chegada do flash no detector, medido por um observador F` em repouso em relação ao dispositivo é Esta mesma seqüência de eventos, quando observada de um referencial F enquanto o dispositivo é carregado por um trem que viaja com velocidade u ao longo do comprimento L’ mostra que a partícula agora tem uma velocidade v e gasta um tempo t’1 para percorrer v2t’1, que por sua vez é igual ao comprimento L’ somada a distância percorrida pelo trem ut’1: O intervalo t’2 corresponde ao tempo que a luz deixa a fonte S e atinge o detector D. A distância percorrida é L’ subtraída da distância percorrida pelo trem neste tempo ut’2. Assim, a luz percorre a distância Isolando t’1e t’2 e o fato de que o tempo total na visão deste observador é T’=t’1+ t’2, juntamente com as equação (1.3) e (1.7) temos ( ) 18 Será oportuno colocar um exemplo numérico a fim de fixarmos o conteúdo. 1.4 Transformadas de Lorentz A transformada de Galileu, como foi mencionado no início deste capítulo, relacionam as coordenadas (x, y, z) de um ponto em um sistema de coordenadas F com as coordenadas (x’,y’,z’) deste mesmo ponto vista de um outro sistema de coordenada F’ que se move com relação ao primeiro com velocidade u, por exemplo ao longo dos eixos x- x’ (só para simplificar). Além dessa relação entre as coordenadas, a transformada de Galileu estabelece ainda que as escalas de tempos sejam as mesmas, ou seja, t=t’. Acima, mostramos que estas relações levam à uma fórmula de adição de velocidades incompatível com os postulados da relatividade restrita. Deduziremos agora transformações mais gerais, consistentes com os princípios da relatividade, que ficaram conhecidas como transformações de Lorentz. Para prosseguir, focalizemos em um evento, alguma coisa que acontece em um determinado lugar e em um tempo particular. Exemplos são as colisões entre duas partículas, uma explosão, etc. Em um referencial inercial F, o evento será descrito pelas coordenadas espaço-tempo (x, y, z, t). Quais são as coordenadas (x’, y’,z’,t’) deste mesmo evento em outro sistema de referência inercial F’, que se move com velocidade u ao longo do eixo-x do referencial F? Vamos supor que nos tempos t=t’=0 as origens dos sistemas de coordenadas coincidem. Tomando por referência a figura 1.6 a distância OO’ é ut. A coordenada x’ é própria para o referencial F’, de modo que para o sistema F ela se contrai de um fato √ , como indicado pela equação de contração de comprimento. Assim, a distância x entre O e P, na figura 1.6, não será simplesmente , como na transformada de Galileu, mas sim por Fig1.6 19 √ ( )que explicitando x’dá √ ( * Esta é uma das equações de transformadas de Lorentz. Outra importante equação de transformação é a que estabelece a relação entre as variáveis temporais e espaciais, que obteremos a seguir. O princípio da relatividade exige que as transformações de F para F’ tenham a mesma forma das transformações de F’ para F, a menos do sinal da velocidade relativa entre os referenciais que deve ser trocado. Assim, trocando as coordenadas com apostrofo com as sem apóstrofo e mudando u para –u, a equação (1.11) transforma-se em √ ( ) Igualando as eqs. (1.12) e (1.13) temos √ ( * Como enfatizado, comprimentos perpendiculares ao movimento não sofrem contração e temos y’=y e z’=z. Agrupando as relações obtidas temos Aqui temos √ . A informação mais importante que estas relações nos fornecem é a de que o espaço e o tempo estão interligados, e portanto não podemos mais dizer que o espaço e o tempo possuem significados absolutos independentes do sistema de referencia. √ ( * √ ( * ( ) 20 De posse das relações (1.14) podemos obter algebricamente a transformação de Lorentz para a velocidade. Por diferenciação temos ( * Dividindo membro a membro temos que dá Podemos checar o que acontece quando, por exemplo, uma partícula se desloca a velocidade da luz (vx=c) no referencial F e ver qual é a velocidade medida por um observador F’.Da equação (1.15) vemos que vê , compatível com os postulados de Einstein. A transformação inversa, ou seja, do referencial F’ para o referencial F é obtida simplesmente trocando as variáveis com apostrofo pelas sem apóstrofo e tomando o cuidado de trocar u por –u. Assim, as transformadas de velocidades para as coordenadas x, y, e z são: ( * (1.16b) ( * Exemplo 1.2: A luz se propaga no referencial S’ com velocidade . Qual é a sua velocidade no referencial S? Resposta: Usando a relação 1.16ª temos, . Exemplo 1.3: Dois eventos ocorrem no mesmo ponto nos tempos e no referencial S’. Qual é a separação espacial desses eventos num referencial S que se move em relação a S’ com velocidade constante ? 21 Fig. 1.7 Resposta: Para o observador S, a posição em que aconteceu o primeiro evento é , enquanto a posição da ocorrência do segundo evento é Assim, a separação espacial entre os dois eventos, na visão do observador S é 1.5 Momento relativístico A necessidade de modificarmos nossa noção de espaço e tempo sugere que as definições de outras quantidades massa, momento e energia, que se baseiam em medidas de espaço e tempo devem ser reformuladas à luz da teoria da relatividade restrita. Nós sabemos que na mecânica não-relativística o momento linear de uma partícula que se desloca com velocidade ⃗ é ⃗ ⃗, onde m é denominada de massa de repouso. Sabemos que na ausência de forças externas o momento linear da partícula é conservado, ou seja, constante: ∑ ⃗ ⃗⃗ A conservação do momento linear tem sua origem na terceira lei de Newton e é um princípio que deve se mantém tanto não - relativisticamente quanto relativisticamente. Entretanto, o simples experimento de colisão abaixo vai mostrar que este não se conserva num sistema isolado. Considere dois observadores, o observador A no referencial F e o observador B no referencial F’, que se move ao longo do eixo x com velocidade u relativamente ao observador A. Considere que cada observador tem uma bola de massa m. As duas bolas são idênticas quando comparadas em repouso. Um dos observadores lança sua bola para cima com 22 velocidade relativa a ele mesmo e o outro observador lança sua bola para baixo com uma velocidade relativa a ele próprio também, de maneira que cada bola percorre a distância L até colidirem uma com a outra e retornarem. A figura 1.7 mostra a maneira com que cada observador ver a colisão. Classicamente, cada bola tem momento linear de magnitude , e como as componentes verticais do momento linear de cada bola são iguais e opostas, a componente vertical total do momento linear é nula antes da colisão. A colisão simplesmente inverte o momento de cada bola, permanecendo o momento linear vertical nulo, após a colisão. Relativisticamente, porém, as componentes verticais das velocidades das duas bolas como vistas por cada observador não são iguais e opostas. Assim, quando estas são invertidas pela colisão, o momento clássico não é mais conservado. Por exemplo, considere a colisão como vista pelo observador A no referencial F. A velocidade de sua bola é . Uma vez que a velocidade da bola do observador B no referencial F’ é e , a componente y da velocidade da bola do observador B no referencial F é , como estabelecido pela Eq. (1.16b). Dessa forma, se a expressão clássica, ⃗ ⃗ é a usada como a definição de momento linear, as componentes verticais dos momentos das duas bolas não são iguais e opostas na visão do observador A. uma vez que as bolas invertem o movimento depois da colisão, a expressão clássica do momento não traduz conservação. Porém, o momento linear ganha outra forma quando o aspecto relativístico é considerado, como veremos agora. O momento em relatividade é uma grandeza atribuída a partículas móveis e tem as seguintes propriedades: (a) Na ausência de forças externas, a soma dos momentos das partículas inter agentes é conservado, e (b) no limite de baixas velocidades devemos recuperar suas expressões não – relativísticas, ou seja, no limite de ⃗ ⃗ ⃗. A quantidade ⃗ ⃗ √ ( * atende a estes requisitos, como podemos mostrar abaixo para a mesma colisão entre as bolas dos observadores A e B, nos seus respectivos referenciais. Esta será nossa definição relativística de momento linear. 23 Uma das interpretações da Eq. (1.17) é a de que a massa de uma partícula cresce com sua velocidade. A grandeza √ é chamada de massa relativística. A massa de repouso de uma partícula normalmente é representada por . Dessa forma a massa de uma partícula cresce de a √ quando está está viajando a uma velocidade . A massa de repouso é a mesma em todos os referenciais inerciais. Finalizando, nossa definição de momento fica então, ⃗ ⃗ √ ( * Ilustrando a conservação do momento linear Voltemos ao caso da colisão acima e reavaliemos a questão da conservação do momento linear relativístico. Para este fim calcularemosa componente y do momento relativístico das duas partículas no sistema de referencia F e mostraremos que a componente y do momento linear relativístico total é nula. A velocidade da bola do observador no referencial F é , de modo que a componente y do seu momento relativístico é √ ( * A velocidade da bola do observador B na visão do referencial F têm componentes e √ ( ), de modo que ( ) Assim temos ( ) ( ) . De onde tiramos que √ √ √ √ Assim, a componente y do momento da partícula B é √ √ √ 24 Como , a soma das componentes verticais é igual a zero, como queríamos verificar. 1.6 Trabalho e Energia Relativística Vamos usar o conceito de energia cinética da mesma forma que definido em mecânica clássica, ou seja, é o trabalho feito por uma força para acelerar uma partícula do repouso até uma determinada velocidade v, exceto que a força agora será dada em termos de variação do momento linear. Assim, a energia cinética, K, é dada como ∫ (∑ ) ∫ ∫ ∫ ( √ ) ∫ ( ) ( ) Ou (1.19). Esta é a energia cinética relativística, composta de dois termos, o primeiro dependente da velocidade e o outro, que independe da velocidade , denomina-se energia de repouso. A energia relativística total é então formada pela energia cinética mais a energia de repouso: √ onde definimos √ , como a massa relativística. A célebre equação acima, , massivamente divulgada, é um dos mais importantes resultados da teoria da relatividade restrita. A energia armazenada por um corpo pode ser de qualquer forma (térmica, potencial, química, etc.), e que devido ao fator ser extremamente elevado uma pequena variação da massa de um corpo pode liberar uma grande quantidade de energia sob as mais variadas formas, principalmente calor, como acontece nos processos radioativos. Para 25 finalizar, podemos obter uma expressão útil para a velocidade, v, da partícula, ao multiplicarmos Eq. (1.18) para o momento relativístico por e compararmos com a Eq.(1.20): √ Ou Em aplicações práticas, a energia relativística e o momento de uma partícula às vezes são mais conhecidos do que sua velocidade. Uma relação útil e fácil de ser obtida, envolvendo estas grandezas, é É comum relembrar dessa útil relação através de um triângulo retângulo (Fig. 1.8). Se a energia da partícula é muito maior que sua energia de repouso, , o segundo termo da Eq. (1.22) pode ser desprezado e obtemos Esta é a relação extra para partículas com massa de repouso nula, como é o caso de fótons. 1.7 Problemas Propostos 1) Um pequeno, mas poderoso laser e colocado em uma mesa girante que rota a uma freqüência de 900 rev/s. O laser, cujo feixe faz um ângulo de 25° com a horizontal, ilumina uma nuvem afastada de 70 km. Calcule a velocidade com que a luz atinge a nuvem móvel. Esta velocidade viola a limitação da velocidade da luz? Explique. 2) A vida média de múons freados num bloco de chumbo fixo num laboratório, é 2,2 s. A vida média dos múons com grande velocidade, numa explosão de raios cósmicos, observada da Fig. 1.8 26 Terra, é 16 s. Ache a velocidade destes múons dos raios cósmicos em relação à Terra. R: 0,9905 c 3) Um avião voa de San Francisco até Nova York (cerca de 4800 km ou 4,80x106 m) a uma velocidade constante de 300 m/s (cerca de 670 mi/h). Qual é a duração da viagem para um observador no solo? E para um observador no avião? 4) Uma espaçonave passa pela Terra com uma velocidade de 0.990c. Um membro da tripulação verifica que o comprimento da espaçonave é igual a 400 m. Qual é o comprimento da espaçonave medido por um observador na Terra? 5) Os píons são criados na alta atmosfera da Terra, quando partículas de alta energia, de raios cósmicos, colidem com núcleos atômicos. Um píon assim formado desce em direção à Terra com a velocidade de 0,99c. Num referencial onde estejam em repouso, os píons decaem com a vida média de 26 ns. Num referencial fixo na Terra, qual é a distância percorrida (em média) pelos píons na atmosfera, antes de decaírem? R: 54,7 m. 6) Uma barra mantém-se paralela ao eixo x de um referencial S, movendo-se ao longo deste eixo com velocidade 0,630c. O seu comprimento de repouso é 1,70 m. Qual será seu comprimento medido em S. R: 1,32 m 7) Um astronauta parte da Terra com destino à estrela Vega, distante 26 anos-luz, deslocando-se com a velocidade de 0,99c. Qual o tempo decorrido medido pelos relógios da Terra? (a) quando o astronauta chega a Vega? e (b) quando os observadores, na Terra, recebem o aviso de sua chegada à Vega? (c) Quantos anos mais velhos os observadores na Terra julgam que o viajante estará ao chegar a Vega? R: (a) 26,3 anos; (b) 52,3 anos; (c) 3,7 anos 27 8) (a) Uma espaçonave que se afasta da Terra com uma velocidade igual a 0.900c dispara uma sonda espacial com um robô com uma velocidade igual a 0.700c em relação à espaçonave na mesma direção e no sentido da velocidade da espaçonave. Qual é a velocidade da sonda espacial em relação à Terra? (b) Um ônibus espacial tenta alcançar a espaçonave se deslocando com velocidade igual a 0950c em relação à Terra. Qual é a velocidade do ônibus em relação a espaçonave? 9) Um elétron ( , ) move- se em sentido oposto ao de um campo elétrico com módulo . Todas as outras forças são desprezíveis em comparação com a força elétrica. (a) Determine o módulo do momento linear e da aceleração quando . (b) Calcule a aceleração correspondente considerando uma força com módulo igual ao item anterior perpendicular à velocidade.R: (p1=2,7x10 -24kg.m/s, a1=8,8x10 16m/s2), (p2=5,6x10 -22kg.m/s, a2=7,3x10 15m/s2), (p3=1,9x10 -21kg.m/s, a3=1,2x10 16m/s2). 10) Um elétron desloca-se a uma velocidade tal que poderia circunavegar a Terra, no equador, em 1,00 s no referencial da Terra. (a) Qual é a sua velocidade em termos da velocidade da luz? (b) Qual é a sua energia cinética K? (c) Qual é o erro percentual cometido se a energia cinética K for calculada pela fórmula clássica?R: (a) 0,134 c; (b) 4,62 keV; (c) 1,36 % 11) Admite-se que os quasares sejam os núcleos de galáxias ativas em estágios primitivos de formação. Um quasar típico irradia energia à taxa de 10+41 W. A que taxa estará a massa de um quasar sendo reduzida para fornecer esta energia? Expresse sua resposta em unidades de massa solar por ano, sabendo que uma unidade de massa solar é igual à massa do nossoSol (1 ums = 2,0 x 10+30 kg). R: 17,5 ums/ano 12) Qual é o trabalho necessário para aumentar a velocidade de um elétron de (a) 0,18c até 0,19c e (b) 0,98c até a 0,99c? Observe que o aumento de velocidade (= 0,01c) é o mesmo, nos dois casos.R: (a) 996,1 eV; (b) 1,0545 MeV 28 Questões: Como testaríamos um referencial proposto para saber se ele é ou não um referencial inercial? 2. A velocidade da luz, no vácuo, é uma verdadeira constante da natureza, independente do comprimento de onda da luz e do referencial (inercial) escolhido. Há, então, algum sentido em afirmar que o segundo postulado de Einstein pode ser encarado como parte do conteúdo do primeiro postulado? 3. Sabemos que, quando dois eventos A e B são vistos por diversos observadores, um deles pode dizer que o evento A precedeu o evento B, mas um outro pode afirmar que o evento B precedeu o evento A. O que você diria a um amigo que lhe perguntasse qual dos eventos precedeu realmente o outro? 4. Dois eventos ocorrem num mesmo lugar e num mesmo instante para um certo observador. Para todos os outros observadores os mesmos dois eventos também serão simultâneos? Para todos os outros observadores, os eventos também ocorrerão no mesmo lugar? 5. Como o conceito de simultaneidade entra na medida do comprimento de um corpo? 6. Partículas de massa nula (como os fótons de luz) que têm a velocidade c num certo referencial, podem estar em repouso num outro referencial? Estas partículas podem ter uma velocidade diferente de c? Livro Texto HALLIDAY, D.; RESNICK, R.; KRANE, K. S. Física. V. 4, 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1996. Bibliografia complementar HEWITT, Paul G. Física conceitual. 9. ed. Porto Alegre: Bookman, 2002. TIPLER, P. Física 4. 4. ed. Rio da Janeiro: Guanabara Dois, 1999. 29 NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica 3: mecânica. São Paulo: Edgard Blücher, 1996. SERWAY, R. A. Física para cientistas e engenheiros: com Física Moderna. V. 4. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1997. 1.9 Web-bibliografia http://br.geocities.com/saladefisica3/labortório.htm http://www.adorofisica.com.br/comprove/mecanica/mec_cine_vetor.ht ml UNIDADE 2 Radiação Térmica, o Postulado de Planck e as propriedades Corpusculares da radiação RESUMO Neste capitulo iniciamos nosso estudo da consagrada teoria quântica. De certa forma, a mecânica quântica é o estudo das coisas pequenas, tão pequenas que é praticamente impossível que não alterem o comportamento daquilo que se quer observar. Nosso objetivo é mostrar neste capítulo uma série de observações experimentais incapazes de serem explicados à luz da física clássica, e como fenômenos envolvendo ondas eletromagnéticas só puderam ser explicados postulando que a energia da onda eletromagnética é quantizada, ou seja, a radiação apresentando comportamento de partícula, assim evidenciando o seu caráter dual. 30 Sumário UNIDADE 2: Radiação Térmica, o Postulado de Planck e as Propriedades Corpusculares da Radiação Paulo Henrique Ribeiro Barbosa 2. Radiação Térmica, o Postulado de Planck e as Propriedades Corpusculares da Radiação 2.1 Introdução 26 2.2 Radiação do corpo negro 26 2.3 Efeito Fotoelétrico 28 2.4 Contínuo de Raios - X 29 2.5 Efeito Compton 31 2.6 Espectros Atômicos e o Modelo de Bohr 32 2.8 Problemas Propostos 35 2.9 Referências bibliográficas 37 31 2.9 Web-bibliografia 37 32 2.1 – Introdução Como dito por H. M. Nussenzveig (Física Basica V. 4): “A física quântica não se parece com nada do que vimos até agora”. É claro que o renomado educador e cientista não se referia a uma teoria recente, mas temporizava a escalada da construção do conhecimento ao se pronunciar acima. A física clássica, que compreende a teoria newtoniana da mecânica, a termodinâmica e a teoria de Maxwell do eletromagnetismo, descreve com muita precisão fenômenos macroscópicos em uma escala familiar e em velocidades ordinárias, enquanto a física quântica trata principalmente de fenômenos na escala atômica e sub-atômica. Portanto, não esperamos que nossos sentidos vislumbrem tais fenômenos e que os conceitos da física clássica sejam capazes de explicá-los. Ao fim do século dezenove parecia não haver nenhuma questão ou fenômeno para o qual a física clássica não pudesse dar uma resposta satisfatória. Entretanto, os resultados de um vasto número de experimentos envolvendo sistemas tanto microscópicos quanto macroscópicos revelaram a incapacidade de uma explicação com base na física clássica. Dentre estes resultados podemos enumerar o problema da radiação do corpo negro, o efeito fotoelétrico, a estabilidade do átomo, etc. Em muitos desses experimentos, os resultados explicitamente mostram que a radiação manifesta comportamento de partícula e a matéria mostra comportamento de onda. Neste capítulo cobriremos os principais resultados de estudos em sistemas nos quais a radiação apresenta comportamento de partícula. Discutiremos a radiação do corpo negro, efeito fotoelétrico, efeito Compton, espectros atômicos e etc. 2.2 Radiação do Corpo Negro A mecânica quântica não nasceu do estudo de átomos ou outros sistemas microscópicos. A primeira alusão a esta veio do trabalho de Max Planck que estava tentando entender os resultados experimentais na radiação do corpo negro, nome dado ao espectro da radiação eletromagnética em equilíbrio termodinâmico a uma temperatura T (Fig. 33 2.1), uma situação comumente representada por uma cavidade metálica (Fig. 2.2), onde um pequeno orifício permite analisar a radiação dentro dela. Corpos negros são ambos absorvedores perfeitos e emissores perfeitos de radiação eletromagnética, e encontram suas realizações em certas classes de sólidos metálicos. Qualquer radiação que entra na cavidade é absorvida depois de sucessivas reflexões. Experimentalmente observa-se que o espectro varre um contínuo de freqüências e depende somente da temperatura. A figura (2.1) mostra a intensidade da radiação do corpo negro (energia por unidade de área por unidade de tempo) em função da freqüência e da temperatura. O gráfico experimental revela que o máximo da curva está diretamente ligado à temperatura, (lei de Wien), e sinaliza que podemos associar a cor de um sólido com a sua temperatura T. A baixas temperaturas o máximo de intensidade ocorre em freqüências do Infravermelho. Quando a temperatura aumenta, desloca-se para o vermelho. Então para na metade do espectro temos a emissão de luz branca. No começo do século XX, Rayleigh e Jeans tentaram explicar o espectro da radiação do corpo negro usando argumentos clássicos e considerando a radiação eletromagnética dentro da cavidade na forma de ondas estacionárias com nodos nas paredes da cavidade. Rayleigh e Jeans usaram argumentos geométricos para mostrar que o número de ondas estacionárias num certo intervalo de freqüências cresce com o quadrado da freqüência. A energia média por intervalo de freqüência é então dada pelo número de ondas estacionárias multiplicado pela energia média de cada onda estacionária neste intervalo, dividida pelo volume da cavidade. Considerando que a energia média por grau de Fig 2.1: Intensidade I(f) em função da freqüência f da radiação do corpo negro para duas temperaturas. O máximo fmax se desloca com a temperatura (T1<T2). Fig.2.2:Uma cavidade com uma pequena abertura é um exemplo de um corpo negro. A radiação que entra na cavidade é absorvida depois de reflexões. 34 liberdade classicamente é , Rayleigh e Jeans encontraram que a intensidade do espectro de radiação do corpo negro seria dado por I(f) é também conhecida como radiância espectral, ou seja, a energia emitida por intervalo de freqüência por unidade de tempo por unidade de área do corpo negro. A Figura (2.1) mostra que a equação de Rayleigh e Jeans concorda com os resultados experimentais a baixas freqüências (linha pontilhada), mas falha completamente a altas freqüências. Esta fracassada tentativa em explicar o espectro de radiação do corpo negro com base em argumentos da teoria clássica ficou conhecida como a “catástrofe do ultravioleta”. Exemplo2.1: Para cálculos aproximados, o sol pode ser considerado como um corpo negro que emite radiação com uma intensidade máxima para . Pede-se determinar: a) a temperatura aparente da superfície do sol; b) o poder (ou potência) emissivo da superfície do sol; c) a distribuição deste poder (ou potência emissiva) pelo espectro Solução: (a) Pela lei de Wien, temos que o produto do comprimento de onda de máxima emissão, pela temperatura (em graus absolutos) T vale 2897,6 m K. Daí, tiramos diretamente que (b) O poder emissivo de um corpo negro vale: . No caso, utilizando a temperatura calculada no ítem anterior, obtemos que Eb = 6,4 x 10 7 W / m2. (c) Para estudarmos a distribuição desta energia pelo espectro, vamos utilizar a planilha disponível em forma zipada aqui. Para fins de comparação, escolheremos as faixas 0 a 2 microns, 0 a 4 microns e 0 a 5 microns. Aparecem ainda os resultados para a 35 temperatura do sol e uma bastante inferior (500 K) para efeitos de comparação. T(sol) 500 K 0 a 2 microns 94,1% 0% 0 a 4 microns 99,1 % 6,7% 0 a 5 microns 100 % 16,1 % No mesmo ano em que Rayleigh e Jeans apresentaram os seus estudos encerrados na equação 2.1, Max Planck chegou a uma notável fórmula para a intensidade da radiação emitida pelo corpo negro que se ajusta perfeitamente aos dados experimentais em todos os intervalos de freqüências: ( * onde é a constante de Planck. Para obter a Eq. (2.2) Planck postulou que: as paredes da cavidade absorvem e emitem energia constantemente, e esta emissão e absorção de radiação é limitada a “pacotes” de energia. Cada pacote terá energia proporcional à sua freqüência, de acordo com a fórmula Esta relação mostra que a radiação na cavidade é composta de um grande número de elementos quantizados de energia , cuja designação poderia ser rotulada por índice inteiro ...) Esta suposição, que não tinha nenhum análogo na física clássico, foi reescrita por Einstein de uma forma mais geral: A radiação eletromagnética é composta de quanta, ou unidades indivisíveis idênticas, cada uma portando energia , onde f é a freqüência da radiação. Em outras palavras, as paredes da cavidade são emissoras e absorvedoras de pacotes de energia de radiação porque a radiação somente se manifesta 36 em pacotes. A relação (2.3) expressa a primeira vez que a quantização de uma grandeza dinâmica, a energia, surgiu na física. Tratando a coleção de energias quantizadas como um sistema estatístico de osciladores harmônicos, podemos ter um entendimento mais rápido da natureza da radiação na cavidade. Assim, a uma temperatura T, para uma dada quantidade de energia distribuída sobre todos os modos de freqüências, a função distribuição de Maxwell – Boltzmann determina a probabilidade de que uma dada energia, E, do sistema ocorra: . Com isso entendemos o decaimento da curva de intensidade para altas freqüências, pois a probabilidade de encontrar o sistema com uma energia é muito pequena. Embora Planck tenha sido obrigado a ir de encontro à física clássica postulando que a energia da radiação do corpo negro é discreta somente para explicar o resultado experimental, o mesmo demorou muito a se convencer de que a sua hipótese era real. 2.3 – Efeito Fotoelétrico Heinrich Hertz foi o primeiro a gerar ondas eletromagnéticas artificialmente no ano de 1886, consagrando a teoria de Maxwell do eletromagnetismo como uma das mais completas da física clássica. Por uma dessas ironias do destino, felizmente, por acaso, Hertz descobriria um dos fenômenos que daria início à revolução quântica. No curso de suas experiências acerca das ondas eletromagnéticas Hertz observou que um eletroscópio negativamente carregado poderia ser descarregado incidindo luz ultravioleta neste. A observação de Hertz chamou a atenção de J. J. Thomson, que concluiu que a radiação ultravioleta estimularia a emissão de cargas negativas do eletrodo, descarregando-o eletricamente. Thomson constatou que as partículas emitidas eram elétrons e denominou os elétrons emitidos dessa maneira de fotoelétrons e o fenômeno acima descrito é chamado de efeito Fig. 2.3: Dispositivo experimental para o estudo do efeito fotoelétrico 37 fotoelétrico. A figura 2.3 mostra esquematicamente um dispositivo experimental para o estudo do efeito fotoelétrico. A luz incide na placa metálica e, ao ser liberado, é coletado pela placa superior em virtude de uma diferença de potencial entre os dois eletrodos. Observe que não existe nenhum contato entre a placa metálica e placa coletora e o fenômeno se processam em ambiente de vácuo. Embora a descoberta do efeito fotoelétrico tenha parecido inicialmente sem importância, este viria a ser o evento crucial que abriria as portas para novas idéias que se seguiriam. Afinal de contas o que tem de diferente no fenômeno da ejeção de elétrons de uma superfície metálica que não podem ser explicado com base na física clássica? Para responder a esta pergunta vamos enumerar uma série de resultados experimentais advindos do estudo do efeito fotoelétrico. A física clássica assinala que um elétron abandone a superfície de um metal este precisa receber uma energia mínima proporcional ao quadrado da amplitude do campo elétrico, que é a intensidade da radiação incidente (vetor de Poynting). Essa energia mínima é chamada energia de ligação. A energia de ligação de um elétron é uma propriedade particular do metal em questão e é descrita como uma função trabalho, φ, do metal. Para medir a máxima energia cinética que um elétron possui ao abandonar a superfície metálica aplicamos uma diferença de potencial que desacelere este na sua viagem em direção à placa coletora (Fig. 2.3). Assim, um elétron que deixe a placa metálica s com velocidade v0 somente alcançará a placa coletora se sua energia cinética inicial for maior ou igual à energia potencial do elétron na placa coletora ( . No experimento U cresce até que um valor U0 é atingido, onde mais nenhum elétron consegue atingir a placa coletora. Assim sendo U0 é uma medida da máxima energia cinética que um fotoelétron adquire ao deixar a superfície metálica. Os principais resultados da análise experimental do efeito fotoelétrico são: 1. Para o experimento realizado com luz monocromática, isto é, freqüência fixa, f, U0 é independente da intensidade I da luz incidente na placa metálica. Este resultado é mostrado na Fig. 2.4 38figura (2.4), que mostra o gráfico do número de eletros que atingem a placa coletora em função da energia U do potencial de desaceleração, para duas intensidades diferentes, I1 e I2. 2. U0 é proporcional a f e, como mostra a Figura 2.5, para uma dada freqüência, fc, nenhum elétron é mais emitido pela superfície metálica, independente da intensidade da luz que incide sobre esta; fc depende do material metálico. 3. Fotoelétrons são emitidos instantaneamente quando a luz atinge a superfície metálica, mesmo quando a intensidade da luz é muito fraca. Vamos ver como a física clássica vê estes fatos experimentais. Dos nossos estudos de ondas nós aprendemos que a energia de uma onda eletromagnética se distribui sobre todo o espaço ocupado pela onda, e que a sua intensidade é proporcional ao quadrado de sua amplitude. Assim, o entendimento clássico do efeito fotoelétrico é o de que a onda eletromagnética que incide sobre a placa metálica provoca a oscilação dos elétrons que se encontram na mesma. Se a energia de oscilação deste elétron for maior do que a função trabalho φ, este será ejetado com energia cinética , onde é a energia liberada pela onda no processo. Desse modo, do ponto de vista clássico teríamos o seguinte: Seja qual for a freqüência, f, da onda que incide na placa metálica, esta entregará energia suficiente para liberar um elétron, se a intensidade da luz é suficientemente alta. Não existirá, portanto, uma freqüência de corte, fc, como observado experimentalmente. Como a energia transportada por uma onda se distribui por todo o espaço, demora algum tempo para que um elétron acumule certa energia Ф para ficar livre. Em outras palavras: um fotoelétron não seria emitido instantaneamente quando a luz atinge uma placa metálica, ao contrário do que se observa experimentalmente. Os resultados experimentais observados no efeito fotoelétrico, claramente inconsistentes com a física clássica, foram explicados em 1905 por Albert Einstein. A maneira que Einstein encontrou para Fig. 2.5 39 Fig. 2.6 explicar este fenômeno foi postular que a energia de onda eletromagnética de freqüência f não está distribuída uniformemente através do espaço ocupado pela onda mas localizada em pequenos pacotes de energia (de agora em diante chamados fótons) e que a energia de cada fóton, E, é determinada pela freqüência da onda através da equação onde h é a constante de Planck. Embora o postulado de Einstein para a quantização da energia tenha uma grande similaridade com a hipótese de Planck da radiação do corpo negro, este é mais forte porque afirma que a quantização é uma propriedade da onda eletromagnética, ao invés de estar associada à cargas oscilantes que emitem ondas. Na teoria de Einstein do efeito fotoelétrico, fótons no feixe de luz interagem com os elétrons da chapa metálica interagem como partículas de energia , ao invés de onda. Aumentar a intensidade da luz, nesta visão de partícula, significa aumentar o número de fótons, mas não a energia de cada fóton. Quando um fóton interage com um elétron da chapa metálica sua energia, , supre a energia Ф da função trabalho necessária para ejetar o elétron, e o excesso fica com o elétron na forma de energia cinética: Observe que experimentalmente um fotoelétron com energia cinética máxima, Kmax=U0, temos Diretamente através da Eq. (2.6) podemos explicar partes dos resultados experimentais discutidos acima: 1. Se f é fixa, U0 é definido pela Eq. (2.6) independente da intensidade da radiação que incide na chapa metálica. 2. A Eq. (2.6) mostra que quando , os fótons não podem entregar energia suficiente para liberar um elétron, mas uma ,luz mais intensa é capaz de liberar uma quantidade maior de elétrons da superfície metálica.A 40 Fig.2.6 mostra então que define a freqüência crítica mínima, abaixo da qual nenhum fotoelétron é emitido da superfície metálica. Além disso, o comportamento linear observado experimentalmente e ilustrado na Fig. 2.6 nos leva a uma maneira de medir tanto a constante de Planck, h, como a função trabalho associada a um tipo de metal. 3. O processo de absorção da energia de um fóton e a emissão liberação de um fotoelétron ocorre instantaneamente. A explicação do efeito fotoelétrico nos revela assim um quadro aparentemente contraditório acerca da natureza da radiação eletromagnética. Em certas circunstâncias, como no do efeito fotoelétrico, a radiação eletromagnética pode se comportar como partícula. Esta é uma das manifestações da natureza dual da luz: ora podemos tratá-la como onda (na discussão dos fenômenos de interferência e difração), ora podemos tratá-la como partícula (como no caso do efeito fotoelétrico e radiação do corpo negro). Exemplo2.2: O lítio, um dos metais usados por Millikan para comprovar a teoria de Einstein do efeito fotoelétrico, tem função trabalho . (a) Encontre o limiar fotoelétrico para a radiação incidente neste metal. (b) Considere uma fonte de potencia a uma distância de do lítio. Calcule o número de fótons por segundo que atingem uma unidade de área da superfície do lítio. Solução: (a) O limiar de freqüência , ocorre quando ou seja, quando . Assim, , que dá um comprimento de onda , que se encontra na região do visível. Qualquer radiação com comprimento de onda menor ou igual que este deve estimular a emissão de elétrons da superfície do lítio. (b) A energia por unidade de área por unidade de tempo que incide sobre a superfície do lítio a R=1m de distância proveniente de uma fonte de potencia P=1W é a intensidade luminosa, . Se cada fóton tem energia , 41 Fig.2.8: Espectro de uma fonte de raio X. Linhas discretas são superpostas pela linha contínua. então o número de fótons que atingem uma unidade de área por segundo será . 2.4 Contínuo de Raios – X Numa fonte de raio – X dois eletrodos são colocados em tudo a vácuo, como mostrado na Fig2.7 abaixo. O catodo é aquecido até que um elétron seja emitido no vácuo(emissão termiônica) em virtude da grande energia potencial que estes possuem devido à grande diferença de potencial entre os eletrodos. Ao chegar ao anodo toda a energia potencial que possuem é convertida em energia cinética. A colisão converte parte da energia cinética em radiação eletromagnética de alta freqüência, os chamados raios- X, em virtude da brusca desaceleração do elétron. A figura 2.8 mostra a intensidade em função da freqüência da radiação X emitida, revelando duas características: (a) Linhas de emissão com freqüências discretas que são características do material alvo, decorrem da excitação dos elétrons de seus átomos atingidos. (b) Uma emissão contínua cujo perfil é independente do material alvo. A freqüência máxima, fmax, observada do espectro contínuo é proporcional à energia potencial U, dada aos elétrons que colidem. A existência da máxima freqüência exige uma explicação quântica. A radiação X de freqüência fmax, corresponde ao caso em que o elétron, ao colidir com o anodo, perde toda a sua energia cinética, K (=U), fornecendo ao fóton. É um efeito contrário ao efeito fotoelétrico.Para determinar a freqüência fmax vamos usar a relação de Einstein: , onde obtemos Esta é outra evidência da teoria quântica. O contínuo da intensidade para freqüências menores que a freqüência máxima corresponde ao caso em que o elétron perde sua energia U em um número maior de colisões no anodo, que produzem fótons de raio - X com freqüências menores que a freqüência máxima. Fig. 2.7: Esquema de uma fonte de raio-x mostrando as energias cinética e potencial durante o trajeto do elétron de um eletrodo para o outro 42 2.5 Efeito Compton A mais marcante e convincente manifestação do comportamento corpuscular da radiação eletromagnética é o efeito Compton (Arthur Holly Compton 1892-1962). Neste caso, ao analisar tal efeito explicitamente tratamos o fóton como uma partícula de energia e momento que colide elasticamente com um elétron em repouso da estrutura cristalina. O tratamento da colisão segue o protocolo normal de colisões de partículas, com a diferença de que agora a energia do elétron deve ser considerada a energia relativística, √ A Figura 2.10 mostra o esquema experimental para a produção de tal efeito, onde um fóton de raio X com comprimento de onda λ atinge um alvo de grafite. O comprimento de onda dos fótons de raio – X espalhados são medidos por um espectrômetro de raio-X em função do ângulo pelo qual eles são espalhados. A intensidade do espectro de raio – X em função do comprimento de onda λ revela dois picos, um em λ, o comprimento de onda do raio-X incidente, e outro em um comprimento de onda λ’ maior, o comprimento de onda do raio-X espalhado. Mostra-se (Fig.2.10) experimentalmente que a diferença entre os comprimentos de onda associados aos dois picos, , varia com o ângulo θ de acordo com a equação . Este deslocamento do comprimento de onda é o que chamamos de efeito Compton. Tudo bem! E o que isso tem de anormal, que não é previsto pela teoria clássica do eletromagnetismo? O que tem de diferente é que a teoria clássica prevê que os elétrons do cristal oscilem devido ao campo eletromagnético dos raios – X, e que esta oscilação dos elétrons produzam ondas eletromagnéticas com o mesmo comprimento de onda do raio X incidente. Vamos agora como podemos explicar o efeito Compton tratando o fóton como uma partícula que colide relativisticamente com um elétron. Como o fóton é uma partícula de massa de repouso nula (m=0), e como pelo postulado de Einstein do efeito fotoelétrico, temos que o momento do fóton é (Eq.1.22) Fig.2.9: Representação do aparato experimental para produção do efeito Compton Fig. 2.10: Intensidade da radiação X espalhada vista de dois ângulos de observação (a) e (b) 43 obtida por meio da Eq. (1.22). No referencial de laboratório (Fig.2.11), um fóton com energia e momento , colide elasticamente com um elétron em repouso. Depois da colisão o fóton viaja com momento e energia a um ângulo θ com a direção de incidência e o elétron terá momento e energia a um ângulo φ com a direção de incidência do fóton. A aplicação do princípio da conservação da energia relativística nos leva a seguinte equação; em que é a energia de repouso do elétron, e a energia do elétron está ligada ao seu momento através da relação relativística O princípio da conservação do momento relativístico leva a seguinte equação vetorial: ⃗ ⃗ ⃗ Ilustrado na Figura 2.12. Como ⃗ ⃗ ⃗ , temos ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ ⃗ que pode ser reescrita como (2.12) Para fazer uma comparação entre os comprimentos de onda incidente, λ, e espalhado, λ’, precisamos eliminar o momento pe e a energia Ee nas relações de conservação. Inicialmente notemos que da Eq. 2.9 temos onde usamos o fato de que e . Quadrando a relação acima temos cuja simplificação leva a Igualando as Esq. 2.12 e 2.13 temos Usando e p’=h/λ’ temos, finalmente, . Esta é a equação do efeito Compton que prevê o deslocamento do comprimento de onda do fóton e a sua dependência com o ângulo θ na colisão com um elétron. Só fomos capazes de obter tal equação Fig.2.12: Conservação do momento no efeito Compton 44 tratando a onda eletromagnética como partícula na sua interação com partículas. Exemplo2.4: Fótons de comprimento de onda incidem sobre elétrons livres. Ache o comprimento de onda de um fóton que é espalhado de um ângulo em relação à direção de incidência, e a energia cinética transferida ao elétron. Solução: O deslocamento Compton para é . Assim, , que dá . A energia cinética transferida é ( ) , ou ainda MeV. 2.6 Exercícios 1- Foi mostrado em aula que a energia média de um oscilador é calculada utilizando-se a distribuição de Boltzmann. No caso de um oscilador clássico, cuja energia pode ser qualquer valor positivo, o valor médio para a energia é dado pela expressão: dEe dEEe E kTE kTE 0 0 . (A) Em seu trabalho sobre radiação de cavidade, Planck se viu forçado a admitir que um oscilador vibrando com freqüência apresenta um espectro discreto de energia, ou seja, que a energia de um oscilador só pode assumir certos valores positivos bem definido. Planck argumentou que esses valores deveriam ser um múltiplo inteiro de certo valor mínimo, : nE , com ,...2,1,0n Assim, o valor médio da energia deve ser calculado de maneira equivalente àquela mostrada anteriormente, mas substituindo as integrais por somatórios: 45 0 0 n kTn n kTn e en E . (B) Mostre que o cálculo de (A) conduz a kTE (levando a lei de Rayleigh-Jeans) e que o cálculo de (B) conduz a 1 kT e E . Conforme mostrado por Planck, esse último resultado leva a distribuição correta para a intensidade I para a radiação emitida por uma cavidade aquecida se fizermos h , com 3410626,6 h J.s. 2- Mostre que a densidade de energia por unidade de freqüência obtida por Planck em seu trabalho sobre radiação de cavidade torna-se a lei de Rayleigh-Jeans na região de frequências baixas. (Dica: expandir a função exponencial em série de Taylor até a primeira ordem). 3- Em aula argumentamos que a intensidade (também chamada de radiância epectral) da radiação de freqüência emitida por uma cavidade, I , é proporcional à densidade de radiação de mesma freqüência no interior da cavidade, . Pode-se mostrar que as duas grandezas se relacionam da seguinte maneira: 4 c I , em que c é a velocidade da luz. A intensidade total (ou radiância total) IT emitida pela cavidade é a soma das intensidades emitidas em cada freqüência , ou seja, dIIT 0 . Utilizando a densidade obtida por Planck a partir da hipótese da discretização (ou quantização) da energia, mostre que 4TIT , em que T é a temperatura absoluta do forno (cavidade) e é a chamada constante de Stefan-Boltzmann e tem o valor 428 /1067,5 KmW . Obtenha também um valor numérico para a constante de Planck a partir da constante de Stafan-Boltzmann. (Dica: utilize a integral tabelada 46 151 4 0 3 dx e x x ). Obs.: a proporcionalidade entre intensidade total e a quarta potência da temperatura, bem como o valor numérico da constante de Stafan-Boltzmann já eram bem conhecidos antes dos trabalhos de Planck, mas apenas após esses trabalhos é que se pôde justificar teoricamente esses resultados. 4- Mostre que a freqüência correspondendo ao máximo de intensidade emitida por um forno é proporcional à temperatura absoluta do forno, ou seja, que Tmáx . Essa lei é conhecida como lei do deslocamento de Wien. 5- A mecânica quântica é um instrumento muito útil na explicação das propriedades dos sólidos. Um exemplo disso é a sua aplicação na explicação da capacidade calorífica dos sólidos a baixas temperaturas. Einstein propôs um modelo para o comportamento da capacidade calorífica admitindo que todos os osciladores (átomos) nas paredes de um sólido em uma temperatura T pudessem vibrar apenas em uma determinada freqüência característica do sólido, E , e que a energia média dessas oscilações fosse dada pala expressão encontrada por Planck, 1 kT h E E e h E . Para um sistema composto de N osciladores, a energia interna é dada por ENU 3 . Partindo da definição da capacidade calorífica a volume constante, NS V T U C , , dê a expressão específica da capacidade calorífica para esse modelo. 47 6- O que é o efeito fotoelétrico? A respeito desse efeito, discorra sobre as discrepâncias entre previsões teóricas e observações experimentais, mostrando como Einstein resolveu o problema. 7- O comprimento de onda correspondente ao limiar para que ocorra o efeito fotoelétrico no alumínio é de 2954 A . (a) Qual é a função de trabalho do Al (em eV)? (b) Qual é a energia cinética máxima dos elétrons ejetados do Al por luz ultravioleta de comprimento de onda de 1500 A ? 8- O limite absoluto para a percepção da luz de 510 nm, para o olho humano adaptado ao escuro, foi medido como sendo igual a 3,5.1017 J na superfície da córnea. A quantos fótons corresponde esse limite? 9. Há alguma incompatibilidade entre o fato da intensidade de uma onda eletromagnética plana e monocromática ser independente da freqüência, e a energia do fóton depender da freqüência? Justifique. 10. (a) Faça esboços esquemáticos da representação da intensidade da energia eletromagnética numa frente de onda plana, segundo o eletromagnetismo clássico, e segundo a descrição fotônica de Einstein. (b) Explique a partir destes esboços a compatibilidade entre eles e a observação experimental. 11. Uma rádio FM de freqüência 107,7MHz emite um sinal de 50.000W. Quantos fótons por segundo são emitidos por esta rádio? 12. Quantos fótons por segundo são emitidos pelas seguintes fontes de radiação eletromagnética que tem uma potência de 150W: a) estação de rádio de 11.000Hz: b) raios X de 8nm; c) raios gama de 4MeV. 13. Por que mesmo para radiação incidente monocromática os fotoelétrons são emitidos com velocidades diferentes? 14. O olho humano é sensível a um pulso de luz que contenha no mínimo da ordem de 100 fótons. Para a luz amarela, que tem 48 comprimento de onda de 5.800angstrons, quanto de energia existe neste pulso? 15. O olho humano deteta luz, ou seja, ondas eletromagnéticas de comprimentos de onda entre 4000 e 7000 angstrons. Quais são os limites de freqüência e energia dos fótons que o olho humano deteta? 16. Por que as medidas fotoelétricas são muito sensíveis à natureza da superfície do metal? 17. A existência de uma freqüência limiar para que ocorra o efeito fotoelétrico é freqüentemente citada como a mais forte indicação da teoria corpuscular da radiação. Justifique. 18. Na figura abaixo, por que a corrente fotoelétrica não sobe verticalmente até seu valor máximo (de saturação) quando a diferença de potencial aplicada é ligeiramente mais positiva do que –V0? 19. Numa experiência fotoelétrica na qual se usa luz monocromática e um fotocatodo de sódio, encontra-se um potencial de corte de 1,85V para 3000Å, e de 0,82V para 4000Å. A partir destas informações determine: a) O valor da constante de Planck. b) A função trabalho do sódio em elétron-volt. c) O comprimento de onda limite para o sódio. d) Diga o significado físico da função trabalho e do comprimento de onda limite, explicitando se este é um limite superior ou inferior. 20. Uma fonte puntiforme e monocromática de comprimento de onda 5000Å emite isotropicamente 125J.s-1. A fonte é colocada a 1m de uma placa quadrada de potássio de 5cm de lado, de forma que a radiação incide normalmente à superfície da placa. A função trabalho do potássio é de 2,0eV. a) Quais os valores de energia cinética dos elétrons emitidos pelo potássio? Justifique. 49 b) Determine o potencial de freamento do potássio e diga o que ele significa. c) Determine a energia média que a placa de potássio recebe por unidade de tempo. d) Determine o número médio de fótons que a placa recebe por segundo. 21. O potencial de corte para elétrons emitidos por uma superfície atingida por luz de comprimento de onda =4910Å é 0,71V. Quando se muda o comprimento de onda da radiação incidente, encontra-se para este potencial um valor de 1,43V. Qual é o novo comprimento de onda? 22. O que você entende por efeito Compton? Você pode observar o efeito Compton com a luz visível? Por que? 23. Por que no efeito fotoelétrico se leva em conta o fato do elétron do metal ter uma energia de ligação, enquanto no efeito Compton se diz que o elétron é livre? Justifique com clareza e concisão. 24. *No efeito Compton, para que ângulo de espalhamento (0<) a variação do comprimento de onda é máxima? Nestas condições, mostre que a energia cinética com que o elétron recua é dada por: 2 )( 2 0 2 max cm h h K 25. (a) Mostre que um elétron livre não pode absorver um fóton e durante esse processo conservar simultaneamente a energia e a quantidade de movimento (momento linear). Portanto, o efeito fotoelétrico impõe a existência de um elétron ligado. (b) Por outro lado, no efeito Compton pode-se ter um elétron livre. Explique. 26. No espalhamento de um feixe de raios X por um material, o espectro (intensidade de radiação versus freqüência) observado num dado ângulo, mostra dois picos. Um dos picos tem a mesma freqüência que o feixe incidente, o outro tem freqüência diferente do feixe incidente. a) A freqüência diferente da incidente é maior ou menor? Justifique. b) É necessária a idéia fotônica para descrever o processo físico que ocorre no espalhamento que gera o pico de mesma freqüência? E o de freqüência diferente? Justifique. 50 c) Se no item b) sua resposta foi negativa em algum caso, descreva o processo físico sem a idéia fotônica. d) Você pode explicar o processo físico que gera o pico de mesma freqüência sem utilizar a idéia fotônica? E o de freqüência diferente? e) Nos casos que sua resposta for positiva ao item d), descreva o
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