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TEMA 2 BARBIER F. A História do Livro. p. 27 41

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Capítulo 1
A invenção da escrita.
O livro na Antigüidade
A profissão de escriba te salva do labor, te protege de
todos os trabalhos. Ela te poupa de portar a enxada e a
picareta, tu não tens de carregar o fardo, ela te dispensa
de manejar o remo. Ela te evita o tormento, tu não estás
sob as ordens de numerosos mestres (...), porque de todos
os que exercem um ofício, o escriba é o chefe ...
1 Como a escrita apareceu e evoluiu?
1.1 As primeiras escritas
A invenção da escrita' está estreitamente ligada à organização
das sociedades mais complexas, nas quais as necessidades
administrativas e econômicas supõem uma perenidade da
documentação, ultrapassando o estado da oralidade. A discussão
sobre a natureza de uma arte parietal pré-histórica, cujas funções
mágicas são certas, mas na qual pôde-se igualmente distinguir
traços próprios a um sistema organizado de representações gráficas,
ainda permanece aberta. Nas civilizações do Norte (Escandinávia,
etc.), os petróglifos geométricos do paleolítico se multiplicam no
neolítico (10.000 a.c.) até constituir um sistema coerente de símbolos
- sem que seja possível, mesmo assim, transcrever o discurso por
seu intermédio. Evidentemente é necessário mencionar também as
simples marcas de caráter mnemotécnico.?
Em função da análise de caracteres' que os compõem,
podemos distinguir grosseiramente os três principais tipos de
escrita seguintes:
~7
Frédéric Barbier
• os pictogramas apareceram por volta de 3300 a.c. na Mesopotâmia
(sumérios.).' Eles representam objetos concretos por meio de
desenhos. Gravados sobre argila, tendem a se desenvolver em
direção à escrita cuneiforme (lat. Cuneus, cunho).
• os ideogramas nasceram da multiplicação ao infinito d
pictogramas (para transcrever um número de enunciados eles
mesmos infinitos) e da dificuldade de dar aos pictogramas
um conceito abstrato. O ideograma representa o som (é um
fonograma) e a combinação de ideogramas permite escrever
novas palavras segundo o princípio de um rébus: o signo que
representa um chat (gato) representa também o som cha em
palavras como cbapeau (chapéu), achat (compra), etc.' Essas
modificações foram igualmente motivadas, a princípio, pela
presença de numerosas palavras monossilábicas em sumério,
e depois pelo fato de que a escrita suméria é utilizada para
escrever a língua acadiana, que é uma língua semítica.
• as escritas ideográficas derivam em direção às escritas silábicas,
nas quais os ideogramas representam os sons sucessivos de
cada palavra. Essas escritas são as principais da Antigüidade
pré-clássica, com os ideogramas cuneiformes e a escrita
hieroglífica egípcia. Os hieróglifos aparecem a partir de 3150
a.c. e a tradição quer que eles tenham sido inventados por Toth,
o deus Lua com cabeça de íbis. Mais tarde, Toth, que é um deus
mágico, é igualmente aquele a quem se fará apelo para encantar
ou curar pelo encanto dos hieróglifos. Essa dimensão mágica da
escrita é muito amplamente espalhada (ver o caso das runas)
e perdura às vezes até hoje. Distingue-se comumente a escrita
egípcia monumental, a escrita hierática (mais cursiva e utilizada
pelos escribas) e a escrita demótica (ainda mais cursiva). Os
egípcios da baixa época utilizam também o alfabeto grego.
Esses três tipos de base correspondem a uma construção
ideal e não são excludentes. De fato, a escrita jamais constitui um
sistema colocando em ação uma lógica unívoca. Sob o impulso
das necessidades, as escritas mesopotâmicas e sobretudo, ,
egípcia, combinam várias lógicas (ídeogramas, fonogramas e
determinativos), resultando em um sistema bastante complexo que
28
História do Livro
favorece a especialização: uma categoria social particular é, no
Egito antigo, encarregada desse domínio, os escribas, dos quais
o arquiteto divinizado Imhotep é o protetor." Em Creta, sir Arthur
Evans dá a ver, por volta de 1900, a civilização minoana e seus
diferentes sistemas de escrita: o disco de Phaistos não é ainda
decifrado (aproximadamente em 1650 a.c.) e é talvez um objeto
importado da Ásia Menor. Os minoanos empregaram igualmente
duas escritas hieroglíficas silabárias (a partir de 2000 a.c.) e duas
escritas diferentes combinando signos silabários e ideogramas (o
linear A, utilizado conjuntamente com o hieróglifo, e o linear B).
Até o presente, somente o linear B, que apareceu em Cnossos
no século XV a.c., foi decifrado: é aparentemente composto de
quarenta e sete signos silábicos e de uma centena de ideogramas
e serve para escrever a língua dos micenenses, que é do grego
arcaico (arcado-cipriota)?
Do mesmo modo, a escrita chinesa, que surge no terceiro
milênio a.c., é uma escrita ideográfica, integrando caracteres
fonéticos (sinais ideofonéticos). A utilização da escrita chinesa para
escrever o japonês leva a um sistema complexo, o qual responde
pela construção, nos séculos VIII e IX, de uma escrita silábica de
cinqüenta e um signos (o katakana). A escrita utilizada hoje no
Japão justapõe ou combina esses diferentes modelos.
1.2A escrita alfabética grega e latina
Os preâmbulos da invenção da escrita alfabética se fizeram
perceber a partir do 11milênio a.c. no Mediterrâneo oriental. A
partir do século XIII a.c., os fenícios empregam, em Biblos, um
sistema de escrita no qual vinte e dois signos designam, cada um,
uma consoante: a combinação das consoantes permite reconstituir,
por assim dizer, o esqueleto da palavra. A escrita fenícia se faz da
direita para a esquerda, como é a regra no mundo semítico.
Navegadores e comerciantes, os fenícios fundam
estabelecimentos através do Mediterrâneo oriental e em Cartago,
por intermédio dos quais sua escrita se difunde amplamente,
inclusive por transcrever outras línguas além da sua. Uma
transformação decisiva é operada com a adoção do sistema fenício
29
Frédéric Barbier
pelos gregos, que já tinham utilizado o linear B. Mas as línguas
indo-européias (dentre as quais o grego) apresentam às vezes
grupos de consoantes cuja complexidade torna impossível tomá-Ia
por uma escrita puramente consonântica, uma vez que é a flexão
da palavra, em geral uma simples terminação vocálica, que indica
sua função na frase e a torna inteligível.
Os progressos decisivos em matéria de escrita foram realizados
não tanto por uma evolução no interior de uma mesma civilização,
mas pela adaptação de um sistema dado a uma língua e para a
qual nada tinha sido feito originariamente. É em tais circunstâncias
que a razão retoma seus direitos sobre a tradição."
No fim do século X a.C., aparece progressivamente o alfabeto
grego, no qual certos signos consonânticos, que correspondem
a sons praticamente ausentes do grego, são empregados para
designar primeiramente um conjunto de cinco vogais (a, e, i, o,
u), completado em seguida pelas duas vogais longas e e o (11
e (O). Paralelamente, um certo número de signos fenícios serve
para escrever sons consonantais diferentes, presentes em grego.
Naturalmente, essa evolução se estende por vários séculos, o que
levou a propor uma classificação das escritas gregas em alfabetos
arcaicos (século X a.c.), alfabetos orientais e alfabetos ocidentais.
O alfabeto oriental de Mileto (na costa da Ásia Menor) é adotado
por Atenas em 403 a.c. e constitui o alfabeto grego clássico. Seu
sucesso foi assegurado por seu princípio de universalidade, na
medida em que a escrita das vogais permite transcrever toda língua,
qualquer que seja seu tipo. Isso é reforçado por conseqüência da
formação do império de Alexandre, que faz do grego a língua
corrente de todo o Mediterrâneo oriental.
A partir do século VII a.c., na Itália, o alfabeto etrusco passa
a ser adaptado de um alfabeto grego ocidental. O alfabeto latino é,
em sua origem, um alfabeto itálico do mesmo tipo que o alfabeto
etrusco (312 a.c.), mas a universalidade do Império romano lhe
assegurará uma posição privilegiada no Ocidente. Quando o latim
torna-se a língua oficial da Igrejacristã, a difusão do alfabeto
latino segue aquela do catolicismo romano: a Germânia sai da
30
História do Livro
pré-história com as missões cristãs dos séculos VII-IX, depois a
Escandinávia nos séculos IX-X.
Ao contrário, O grego é a língua da Igreja cristã primitiva,
de modo que o processo de cristianízação se apóia, no Oriente,
sobre alfabetos derivados do modelo grego: o alfabeto copta é
utilizado para escrever o egípcio (século I1I) até a conquista árabe
(século VII), depois, e até hoje, para o uso da liturgia copta. A
cristianização dos povos eslavos se fez a partir de Bizâncio e se
apóia igualmente sobre a instalação dos alfabetos copiados dos
gregos: mencionaremos o glagolítico e, sobretudo, o cirílico,
iniciados nos anos 860 por dois irmãos, Cirilo e Método, para
facilitar seu trabalho de evangelização adaptando as letras gregas
às línguas dos povos eslavos (o cirílico dará os alfabetos russo,
búlgaro e sérvio)? Os alfabetos armênios e georgianos derivam
também do alfabeto grego.'?
O processo de invenção ou adaptação de uma escrita para
copiar uma língua, até então exclusivamente oral, não é limitado
aos períodos antigos, como o explica o helenista Victor Bérard, que
visitou a Albânia e a Macedônia no fim do século XIX.u O início
da imprensa periódica macedoniense e do movimento eslavista no
país datam de fato de 1865, quando Petko Rojcov Slavejkov funda,
em Constantinopla, seu jornal A Macedônia:
Era um dos melhores jornais feitos, entre todos aqueles que se
publicaram na Bulgária turca, e um dos mais lidos. Ele se esforçou,
tanto quanto o permitiu a censura, em trabalhar a causa nacional.
(...) Slavejkov inseriu no seu jornal, ao lado de artigos búlgaros,
artigos escritos em grego, ou mesmo artigos em eslavo, mas em
dialeto macedônio e composto com os caracteres gregos, porque
muitos búlgaros, na Macedônia, sobretudo aqueles que tinham
uma certa idade, não conheciam o alfabeto eslavo ...
A situação é também complexa por parte dos falantes de
albanês, ao lado dos quais age a Drita (= o Direito), sociedade
albanesa fundada em Bucareste:
Os assinantes se comprometem a pagar uma cotização anual
de um franco; o Governo romeno autoriza uma subvenção C ..).
31
Frédéric Barbier
Escolas albanesas, Jornal albanês, Revista albanesa, Biblioteca
albanesa, coletânea de cantos e lendas da Albânia, Museu
albanês, cada dia tenta-se alguma novidade. Nem tudo deu certo.
A primeira e maior dificuldade era fixar o albanês, língua ainda
não escrita em caracteres particulares. Os "Albanofones" tinham
precedentemente adotado o alfabeto turco, mas [este) não podia
representar exatamente todas as inflexões da fala albanesa. O
comércio e o clero empregam, habitualmente, as letras gregas para
escrever aproximadamente as frases correntes: inútil dizer que
Apóstolo Margariti não pensava nesse procedimento. Os Valaques
inventaram um novo alfabeto de trinta e cinco letras: vinte e cinco
letras latinas, mais dez modificações destas letras. Dois anos
foram empregados para a confecção do ABC, das gramáticas, dos
dicionários, dos livros escolares ...
A escrita árabe utiliza um alfabeto de vinte e oito letras,
surgido no século IV e derivado das escritas aramaica e nabatéia:
trata-se de um alfabeto consonântico, aos quais se juntaram
progressivamente um certo número de signos diacríticos ou
vocálicos. As letras têm formas diferentes segundo sua posição na
palavra (independente, inicial, mediana ou final) e as variações
de estilo são muito grandes: o kufi" designa uma escrita mais
angulosa utilizada pelos manuscritos do Corão até o século XI.
Progressivamente, encontra-se em concorrência com escritas mais
cursivas," que se impõem a partir dos séculos XV e XVI: o mashki
é derivado de um radical que significa "copiar", e cujo sentido
equivale aproximadamente à nossa expressão escrita cursiva."
Alfabetos específicos, adaptados daquele do árabe clássico, foram
utilizados para escrever línguas como o persa, o turco," etc.
Outros tipos de escrita devem ser mencionados. As runas
são uma escrita alfabética germânica, provavelmente influenciada
pela escrita latina, e que se encontra, a partir do início da era
cristã, na Europa continental, dos Bálcãs à Escandinávia, nas ilhas
Britânicas e na Islândia. A escrita rúnica pode combinar até oitenta
signos, mas o número tende a se reduzir (dezesseis signos somente
na civilização dos vikings). Ela é essencialmente empregada para
operações ligadas à magia, mas serve também para traçar marcas
32
História do Livro
de propriedade, etc., e é conservada unicamente sob forma de
inscrições sobre pedra, sobre madeira e sobre metal (não é
conhecida nenhuma utilização cursiva). A partir do século VII
mais ou menos e até o IX, as runas tendem a se apagar diante do
caractere latino, mas elas são encontradas ocasionalmente até o
século XVII.
1.3 Conseqüências da invenção do alfabeto
As conseqüências da invenção do alfabeto são absolutamente
consideráveis. Primeiro, Platão e Aristóteles insistem sobre o fato
de que a fala está, de agora em diante, fixada e que uma crítica em
relação a ela torna-se então possível, ainda que, na civilização antiga,
o problema essencial resida sempre na matriz da comunicação oral
(daí a importância da retórica, depois da maiêutica socrática, que
conduzirá à dialética). A posteriori, as conseqüências da aparição
da escrita foram descritas por jack GOOdy:16"É a transcrição da fala
que permite claramente separar as palavras, manipular a ordem e
desenvolver assim as formas sílogtsrícas" de raciocínio. Para Goody,
a escrita alfabética conferiu ao Ocidente sua forma lógica, pois ela
combina três elementos: - possibilidade de emprego universal e
eficiência (uma vez que o número de signos é muito limitado): de
onde a democracia possível, pois cada um pode bastante facilmente
aprender a ler; - a abstração da lógica analítica sobre a qual a
escrita se funda; - enfim, a possibilidade de uma ampla difusão
dos usos da escrita e a constituição de uma verdadeira cultura
eScrita. A mudança se faz presente nos séculos IV e Ill a.c., com
a generalização do alfabeto grego, a invenção da geometria e a
instauração da democracia ateniense.
2 A Antigüidade: o tempo dos rolos
2.1 O volumen
o livro propriamente dito é, na Antigüidade clássica, um
volumen18 (ou rotulus), ou seja, um rolo. O emprego dessa forma
material se revela de extrema importância.
33
diego.cris17@hotmail.com
Frédéric Barbier
Os livras de formato quadrado quase não estiveram em uso,
nem entre os gregos, nem entre os romanos, a não ser muito
tempo depois de Catulo (...). A velha maneira de dar aos livros,
enrolando-os, a forma de uma pequena coluna se mantém, de
modo que no século de Cícero, e muito tempo depois, todas as
bibliotecas estão compostas desses rolos ..19
O volumen é fabricado a partir de tiras de papiro (o Cyperus
papyrus), uma planta do vale do Nilo." o caule do papiro é cortado
em lâminas, que são dispostas em duas camadas perpendiculares,
coladas e batidas e, enfim, lixadas com pedra-pomes para preparar
a superfície da folha para a escrita. O papiro é empregado no
Egito após o início do III milênio, em Roma, no século III a.C,
e sua importância explica que, em 31 a.c., Octávio, vencedor de
Marco Antônio e Cleópatra no Actium (fim do reino egípcio dos
Ptolomeus), tome medidas para controlar sua produção e assegurar
o aprovisionamento regular da capital do Império.
Escreve-se ordinariamente, desde a Antigüidade egípcia, com
um calamo," mas a carestia do papiro faz com que toda espécie de
trabalhos alternativos seja experimentada sobre suportes diferentes,
tais como pranchetas de madeira, as ostraca (poterias gravadas), e,
sobretudo, as tabuletas de terra cozida, de argila" ou de cera negra
(pugillares) para as quais emprega-se um estilete (stilus,grapbium'").
Em Pompéia, o afresco de "Proculus e sua mulher" representa amulher segurando uma tabuleta de cera e um estilete, enquanto
que Proculus tem um volumen na mão direita. O esfacelamento do
mundo romano corta, a partir do século IV, a rota do papiro, o qual
continua, todavia, a ser ocasionalmente empregado ao menos até
o século V nos livros e, às vezes, até o século XIII, nos diplomas
ou em certos manuscritos litúrgicos. Os mais antigos manuscritos
cristãos hoje conservados são, em geral, rolos ou fragmentos de
rolos sobre papiro encontrados no Egito e remontam ao século IV.
2.2 Copiar
Na Antigüidade greco-romana, o autor não escreve
ordinariamente ele mesmo, mas dita a um secretário." Este toma o
texto no rascunho, freqüentemente sobre uma tabuleta de cera ou
3'1
História do Livro
rn um cálamo sobre um folheto de papiro ou de pergaminho,co
antes de passar a limpo sobre uma schedula (folha), a qual serve
em seguida à revisão. Essa prática, que se encontra por toda a
Antigüidade clássica (conhece-se particularmente bem o exemplo
de Plínio, o Velho)," se prolonga com o cristianismo: pensa-se que
SãoJerônimo, no fim do século IV, não redigiu de próprio punho
uma única obra, tampouco Santo Agostinho 054-430). O tema do
ditado está ainda presente num afresco do século XV da Igreja de
Sainte-Paraskévi, em Géroskipou:26 o apóstolo Paulo está em pé,
inclinado sobre o ombro de seu secretário, olhando o que este
último escreve a partir de seu ditado.
Essa prática conduz à preparação dos procedimentos de
estenografia, que permitem seguir mais facilmente a fala: Tiro,
jovem liberto de Cícero (Att. CCXCIII), prepara o sistema de notas
tironianas e se conhece a existência de escolas de estenografia
durante a Antigüidade cristã. A cópia tem igualmente por efeito
alterar, às vezes, o texto original, quando o secretário pode apenas
tomar notas rápidas sobre as quaís, com a cabeça repousada,
estabelece o texto definitivo. Põe-se então o problema do estatuto
do texto e da definição possível de uma versão de referência. 27
Uma vez acabada a redação, inicia-se o trabalho da cópia
propriamente dita e, se for o caso, uma primeira difusão. O texto se
apresenta em colunas sucessivas perpendiculares, do comprimento
do voiumen, sobre um só lado do suporte. Para protegê-Io, enrola-
se o volumen começando pelo fim,
que se chamava umbilicus e ao qual amarrava-se um bastão de
buxo ou de ébano, ou de qualquer outro material, a fim de manter
o rolo conservado. Colava-se à outra extremidade um pedaço de
pergaminho que cobria todo o volume ...28
Naturalmente, para seu trabalho o copista deve dispor de
Umprimeiro estado do texto: os erros de atenção, de leitura ou de
interpretação estão na origem de variações às vezes importantes
e que supõem, para reconhecer e estabelecer a melhor versão
passível, um trabalho de análise comparada e a construção de
uma árvore de transmissão estemática (stemma).
35
diego.cris17@hotmail.com
diego.cris17@hotmail.com
Frédétic Barbíer
2.3 Ler
É evidente que a forma do volumen impõe uma prática
de leitura complexa: é necessário desenrolar (explicarei" e
enrolar ao mesmo tempo, o que impede, por exemplo, trabalhar
simultaneamente sobre vários rolos (um texto e seu comentário)
ou tomar notas, impõe uma leitura seguida e impede a simples
consulta. A leitura do volumen, em seu princípio, se parece
com aquela praticada no computador, a tela corresponde à
passagem do texto desenrolado sob os olhos do leitor. A escrita
se faz a princípio em longas linhas, no sentido da largura
(quando se segura o rotulus verticalmente'"): a disposição em
colunas, cada vez mais freqüente (segura-se então o volumen
horizontalmente), supõe organizar o texto em colunas por
"página", que o leitor desenrolará sucessivamente. O termo
"página" (pagina) designa o conjunto de colunas presentes ao
mesmo tempo sob os olhos do leitor, depois, por extensão, o
lado escrito do volumen. De toda maneira, toda cursividade na
utilização do volumen é impossível e a metade de sua superfície
(o verso) fica inutilizada.
Os volumina são em geral enrolados em jarras de cerâmica
(como em Qumran) ou em cestos, às vezes depositados em
prateleiras, em caixas ou cofres (arcbay' ou, se se trata de
bibliotecas mais consideráveis, guardadas em escaninhos e
armários (armarium),32 O título figura sobre uma etiqueta fixada
na extremidade do rolo. O termo biblioteca (~t~À.to8KT))designa,
na origem, o móvel que abriga livros, depois, por extensão, o
local onde eles são depositados. O tamanho do rolo, por vezes
com mais de dez metros, colocou em alguns casos dificuldades
particulares para sua manipulação, a ponto de poder, a própria
leitura, mostrar-se perigosa: à idade de oitenta e três anos,
Verginius Rufus
leu em pé um volumen tão pesado que acabou por lhe cair das
mãos. Querendo apanhá-lo, perdeu o equilíbrio, caiu, quebrou a
perna e morreu ...33
36
História do Livro
3 Produção e difusão dos livros no
Império Romano
É necessário, inicialmente, destacar a extrema importância,
para a história intelectual e artística de Roma, da aculturação pela
Grécia, e mesmo, sob vários pontos de vistas, a helenização. Os
gregos dominaram o Egeu e o essencial do Mediterrâneo oriental e
central; o império de Alexandre, dá à cultura grega uma dimensão
de fato universal. A partir do século III a.c., a expansão de Roma
se choca cada vez mais diretamente contra as posições gregas na
Itália meridional a princípio, na Grécia continental em seguida,
depois, através das ilhas na Ásia Menor, enfim, no reino helenístico
dos Lágidas :34 após a tomada de Tarente (272) e a organização da
Sicília em província romana (227), a batalha de Pydna (168) marca
a destruição do reino da Macedônia, após isso ocorre a conquista
da Grécia e do reino de Pérgamo (146-132), enfim, a vitória
sobre os ptolomeus e sobre Marco Antônio (31). Paralelamente,
em Roma mesmo, as categorias superiores são cada vez mais
influenciadas pelo pensamento e pelo modo de vida helênicos:
nada de surpreendente, então, o fato de o modelo grego ser muito
particularmente fecundo nos domínios da escrita e do livro."
3.1 Editar
Em Roma, a escrita e a difusão dos livros se articulam
sobre a definição da "coisa pública" ou da "publicidade". O texto,
redigido por seu autor, passa ao circuito público, mas segundo
protocolos bastante diversos. A difusão pode, inicialmente, se
fazer pela leitura oral, executada notadamente pelo autor ou pelo
depositário do texto, num salão de leitura (auditonum) diante de
um círculo de amigos e de conhecidos. Plínio, o Jovem, explicita
as razões que o levam a essa prática:
Tendo a intenção de oferecer leitura de um pequeno discurso,
que sonho comunicar ao público [publicare], busquei alguns
convidados para apreender suas críticas ( ...). Pois tenho dois
motivos para oferecer leituras: o primeiro é apurar minha
37
diego.cris17@hotmail.com
~ ..-----------------------------
Frédéric Barbíer
dedicação, o segundo é me fazer advertir de erros que, vindos de
mim, me escapam. Eu tive o que desejava, encontrei ouvintes que
aceitaram formar meu conselho: além disso, eu mesmo anotei as
correções a fazer. Eu corrigi a obra, eu vos a envio. Vós tomareis
conhecimento do assunto pelo título (...). Eu desejo que, por
sua vez, vós me escrevais vosso sentimento sobre o todo, sobre
as partes, porque assim estarei mais bem apoiado, seja para a
sabedoria de conservá-Io [in continendol, seja para a coragem
de publicá-Io [in edendoi, segundo o lado para o qual o peso de
vossos conselhos fará pender a balança ...36
A princípio, desde que o texto tenha sido dado ou confiado a
alguém - amigo, colega, livreiro, personalidade, etc. -, ele escapa
mais ou menos completamente de seu autor." seu proprietário
pode fazê-l o copiar, integrá-lo a uma coletânea, comunicá-lo, e até
dívulgâ-lo." O vocabulário distingue duas ações: edere significa
lançar um produto literário sem procurar difundi-lo amplamente,ao contrário de publicare, que descreve o processo pelo qual o
texto é expressamente tornado público.
Viu-se durante muito tempo, num certo número de textos de
Cícero, uma descrição em pontilhados das relações entre um autor
célebre e um rico personagem que era tido como seu livreiro e seu
editor, e ao mesmo tempo como o primeiro livreiro e editor romano,
cujo nome nos foi transmitido: Ático. Este último é extremamente
rico, adotou um modo de vida particularmente refinado, permanece
muito tempo na Grécia, possui coleções de objetos de arte e é ele
mesmo um bibliófilo. Entre seus servidores figuram jovens pessoas
letradas (pueri litteratissimi), leitores (anagnostaey? e copistas
(líbrarií),40 a maior parte escravos de origem grega. No entanto,
nenhum texto disponível hoje deixa entender diretamente que
Ático tirasse qualquer retorno de eventuais atividades de fabricação
e de venda de manuscritos. O problema se coloca em um outro
nível: Ático abre sua biblioteca aos sábios e aos letrados que por
ela possam se interessar e coloca à disposição de seu amigo Cícero
seus secretários e copistas, escravos ou libertos. Nós estamos num
mundo, cujo nível de riqueza e cujo modo de vida excluem, a
princípio, atividades ligadas ao negócio do livro.
38
História do Livro
3.2 Vender
Se a troca de serviços e a doação de livros nascem de uma
forma de sociabilidade gratuita entre cidadãos bastante abastados
e cultos, o comércio de livraria se estabelece num outro contexto
e responde às funções completamente diferentes. Na Roma da
República, depois do império, o objetivo das livrarias profissionais
está calcado na difusão do livro no seio de categorias sociais menos
favorecidas. Cícero menciona uma taberna libraria (53 a.c.),
entendida como uma butique de livreiro, que é, aliás, o teatro de
uma tentativa de assassinato político." Outros textos (notadamente
de Catulo e de Horácio'") fazem pensar que a escolha dos textos
disponíveis nessas butiques não é das mais elevadas.
A situação se modifica a partir do reino de Augusto, quando
uma nova camada dirigente, mais atenta às belas letras, substitui a
velha classe senatorial: a passagem da república ao império marca
a passagem da cidade ao Estado e se traduz na transformação das
funções e dos atos públicos - abandono das "honras" exercidas
gratuitamente, colocada no lugar da administração de funcionários
dependentes do príncipe." É, também, a subida ao poder do
patronato e do mecenato, que supõem lógicas de difusão de livros
completamente diferentes daquelas da livraria comercial. Ao mesmo
tempo, butiques de livreiros combinadas com ateliês de copistas se
multiplicam em Roma mesmo e tendem a se difundir nas cidades
das províncias: sobre o território da França atual, as grandes cidades
do vale do Ródano (Viena, Lyon) possuem assim livrarias que, no
século II, difundem a literatura latina da época. As curiosidades
do público são tais que levam Augusto a proibir a comunicação,
nas bibliotecas romanas, de certos escritos falsamente atribuídos
a César." De modo que se, apesar dos trabalhos recentes," nós
COntinuamos evidentemente mal informados sobre as condições
da alfabetização na Antigüidade, não deixa de ser notável que
a difusão da cultura escrita tenha sido favorecida pelo fato de
que a alfabetização foi provavelmente impulsionada nas cidades,
~ principalmente em Roma: o fato é confirmado por numerosas
lllScrições e grafites sobre edifícios antigos. Conseqüentemente,
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Frédéric Barbier
a distância cultural é grande entre as principais metrópoles, as
cidades secundárias e o mundo rural (excetuando os grandes
domínios do patriciado).
Os librarii são especializados em edição e negócios de
livros: o termo librarius designa tanto o copista (que trabalha sob
comando ou que vende, se for o caso, o manuscrito copiador"
como o livreiro propriamente dito. Em Roma, como na Grécia
(Atenas) e no Egito (Alexandria, Oxyrhynque), os librarii mais
importantes tornam-se empresários, eles empregam copistas
remunerados ou servis, quando é o caso, organizados em ateliês
sob a autoridade de um responsável que controla o trabalho e
verifica a qualidade da cópia. As cópias que saem desse tipo de
oficina são habitualmente apresentadas como particularmente
errôneas, e essa diferença entre a oferta e uma demanda mais
qualificada explica que a especulação sobre textos de valor
aos poucos se desenvolva. No século I, a aparição da palavra
bibliopola, ao lado de librarius, poderia remeter a essa tipologia
nova da função de livreiro. Essas mesmas estruturas funcionarão
no mundo da cristandade primitiva, por exemplo, pela difusão de
textos de Santo Agostinho."
A intervenção de um ou de vários intermediários entre o
autor e o público introduz problemas novos quanto à identidade e
ao estatuto do autor, à exatidão do texto, e até mesmo à vontade do
autor de ver difundir seu texto: Aulus Hirtius, chefe do secretariado
de César, decide completar Guerre des Gaules redigindo um oitavo
livro, e termina a Guerra civil. Além disso, secretários e escribas
fazem certos erros de interpretação e de cópia, mas eles podem
também proceder a supressões de passagens por eles julgadas
menos interessantes, ou, ao contrário, a adições e as correções,
até difundir o texto sem o aval do autor (por exemplo, no caso de
um discurso tomado rapidamente, ou de uma carta). A prática do
erro intervém igualmente muito cedo, uma vez que se encontram
textos apócrifos desde a tradição judaica. A identificação, ela
mesma é freqüentemente difícil e o número de peças anônimas
ou de falsas atribuições permanec~ absolutamente considerável.
Esses problemas são ainda mais graves na época do cristianismo
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H istória do Livro
rimitivO, quando a Igreja tem, precisamente nessa época, por
p . cipal tarefa fixar sua doutrina, seu corpus de textos depnn . _
referência e seu modo de orgaruzaçao,
Enfim, de uma maneira geral, os autores praticamente não
são remunerados, salvo aqueles de peças de teatro eventualmente
compradas pelas administrações urbanas. O mecenato desempenha
então um papel fundamental e, para voltar uma última vez a
Ático, está claro que, se ele difundiu certos escritos de Cícero,
este não recolheu qualquer benefício: a escrita tem objetivos mais
diretamente políticos que financeiros.

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