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Capítulo 1 A invenção da escrita. O livro na Antigüidade A profissão de escriba te salva do labor, te protege de todos os trabalhos. Ela te poupa de portar a enxada e a picareta, tu não tens de carregar o fardo, ela te dispensa de manejar o remo. Ela te evita o tormento, tu não estás sob as ordens de numerosos mestres (...), porque de todos os que exercem um ofício, o escriba é o chefe ... 1 Como a escrita apareceu e evoluiu? 1.1 As primeiras escritas A invenção da escrita' está estreitamente ligada à organização das sociedades mais complexas, nas quais as necessidades administrativas e econômicas supõem uma perenidade da documentação, ultrapassando o estado da oralidade. A discussão sobre a natureza de uma arte parietal pré-histórica, cujas funções mágicas são certas, mas na qual pôde-se igualmente distinguir traços próprios a um sistema organizado de representações gráficas, ainda permanece aberta. Nas civilizações do Norte (Escandinávia, etc.), os petróglifos geométricos do paleolítico se multiplicam no neolítico (10.000 a.c.) até constituir um sistema coerente de símbolos - sem que seja possível, mesmo assim, transcrever o discurso por seu intermédio. Evidentemente é necessário mencionar também as simples marcas de caráter mnemotécnico.? Em função da análise de caracteres' que os compõem, podemos distinguir grosseiramente os três principais tipos de escrita seguintes: ~7 Frédéric Barbier • os pictogramas apareceram por volta de 3300 a.c. na Mesopotâmia (sumérios.).' Eles representam objetos concretos por meio de desenhos. Gravados sobre argila, tendem a se desenvolver em direção à escrita cuneiforme (lat. Cuneus, cunho). • os ideogramas nasceram da multiplicação ao infinito d pictogramas (para transcrever um número de enunciados eles mesmos infinitos) e da dificuldade de dar aos pictogramas um conceito abstrato. O ideograma representa o som (é um fonograma) e a combinação de ideogramas permite escrever novas palavras segundo o princípio de um rébus: o signo que representa um chat (gato) representa também o som cha em palavras como cbapeau (chapéu), achat (compra), etc.' Essas modificações foram igualmente motivadas, a princípio, pela presença de numerosas palavras monossilábicas em sumério, e depois pelo fato de que a escrita suméria é utilizada para escrever a língua acadiana, que é uma língua semítica. • as escritas ideográficas derivam em direção às escritas silábicas, nas quais os ideogramas representam os sons sucessivos de cada palavra. Essas escritas são as principais da Antigüidade pré-clássica, com os ideogramas cuneiformes e a escrita hieroglífica egípcia. Os hieróglifos aparecem a partir de 3150 a.c. e a tradição quer que eles tenham sido inventados por Toth, o deus Lua com cabeça de íbis. Mais tarde, Toth, que é um deus mágico, é igualmente aquele a quem se fará apelo para encantar ou curar pelo encanto dos hieróglifos. Essa dimensão mágica da escrita é muito amplamente espalhada (ver o caso das runas) e perdura às vezes até hoje. Distingue-se comumente a escrita egípcia monumental, a escrita hierática (mais cursiva e utilizada pelos escribas) e a escrita demótica (ainda mais cursiva). Os egípcios da baixa época utilizam também o alfabeto grego. Esses três tipos de base correspondem a uma construção ideal e não são excludentes. De fato, a escrita jamais constitui um sistema colocando em ação uma lógica unívoca. Sob o impulso das necessidades, as escritas mesopotâmicas e sobretudo, , egípcia, combinam várias lógicas (ídeogramas, fonogramas e determinativos), resultando em um sistema bastante complexo que 28 História do Livro favorece a especialização: uma categoria social particular é, no Egito antigo, encarregada desse domínio, os escribas, dos quais o arquiteto divinizado Imhotep é o protetor." Em Creta, sir Arthur Evans dá a ver, por volta de 1900, a civilização minoana e seus diferentes sistemas de escrita: o disco de Phaistos não é ainda decifrado (aproximadamente em 1650 a.c.) e é talvez um objeto importado da Ásia Menor. Os minoanos empregaram igualmente duas escritas hieroglíficas silabárias (a partir de 2000 a.c.) e duas escritas diferentes combinando signos silabários e ideogramas (o linear A, utilizado conjuntamente com o hieróglifo, e o linear B). Até o presente, somente o linear B, que apareceu em Cnossos no século XV a.c., foi decifrado: é aparentemente composto de quarenta e sete signos silábicos e de uma centena de ideogramas e serve para escrever a língua dos micenenses, que é do grego arcaico (arcado-cipriota)? Do mesmo modo, a escrita chinesa, que surge no terceiro milênio a.c., é uma escrita ideográfica, integrando caracteres fonéticos (sinais ideofonéticos). A utilização da escrita chinesa para escrever o japonês leva a um sistema complexo, o qual responde pela construção, nos séculos VIII e IX, de uma escrita silábica de cinqüenta e um signos (o katakana). A escrita utilizada hoje no Japão justapõe ou combina esses diferentes modelos. 1.2A escrita alfabética grega e latina Os preâmbulos da invenção da escrita alfabética se fizeram perceber a partir do 11milênio a.c. no Mediterrâneo oriental. A partir do século XIII a.c., os fenícios empregam, em Biblos, um sistema de escrita no qual vinte e dois signos designam, cada um, uma consoante: a combinação das consoantes permite reconstituir, por assim dizer, o esqueleto da palavra. A escrita fenícia se faz da direita para a esquerda, como é a regra no mundo semítico. Navegadores e comerciantes, os fenícios fundam estabelecimentos através do Mediterrâneo oriental e em Cartago, por intermédio dos quais sua escrita se difunde amplamente, inclusive por transcrever outras línguas além da sua. Uma transformação decisiva é operada com a adoção do sistema fenício 29 Frédéric Barbier pelos gregos, que já tinham utilizado o linear B. Mas as línguas indo-européias (dentre as quais o grego) apresentam às vezes grupos de consoantes cuja complexidade torna impossível tomá-Ia por uma escrita puramente consonântica, uma vez que é a flexão da palavra, em geral uma simples terminação vocálica, que indica sua função na frase e a torna inteligível. Os progressos decisivos em matéria de escrita foram realizados não tanto por uma evolução no interior de uma mesma civilização, mas pela adaptação de um sistema dado a uma língua e para a qual nada tinha sido feito originariamente. É em tais circunstâncias que a razão retoma seus direitos sobre a tradição." No fim do século X a.C., aparece progressivamente o alfabeto grego, no qual certos signos consonânticos, que correspondem a sons praticamente ausentes do grego, são empregados para designar primeiramente um conjunto de cinco vogais (a, e, i, o, u), completado em seguida pelas duas vogais longas e e o (11 e (O). Paralelamente, um certo número de signos fenícios serve para escrever sons consonantais diferentes, presentes em grego. Naturalmente, essa evolução se estende por vários séculos, o que levou a propor uma classificação das escritas gregas em alfabetos arcaicos (século X a.c.), alfabetos orientais e alfabetos ocidentais. O alfabeto oriental de Mileto (na costa da Ásia Menor) é adotado por Atenas em 403 a.c. e constitui o alfabeto grego clássico. Seu sucesso foi assegurado por seu princípio de universalidade, na medida em que a escrita das vogais permite transcrever toda língua, qualquer que seja seu tipo. Isso é reforçado por conseqüência da formação do império de Alexandre, que faz do grego a língua corrente de todo o Mediterrâneo oriental. A partir do século VII a.c., na Itália, o alfabeto etrusco passa a ser adaptado de um alfabeto grego ocidental. O alfabeto latino é, em sua origem, um alfabeto itálico do mesmo tipo que o alfabeto etrusco (312 a.c.), mas a universalidade do Império romano lhe assegurará uma posição privilegiada no Ocidente. Quando o latim torna-se a língua oficial da Igrejacristã, a difusão do alfabeto latino segue aquela do catolicismo romano: a Germânia sai da 30 História do Livro pré-história com as missões cristãs dos séculos VII-IX, depois a Escandinávia nos séculos IX-X. Ao contrário, O grego é a língua da Igreja cristã primitiva, de modo que o processo de cristianízação se apóia, no Oriente, sobre alfabetos derivados do modelo grego: o alfabeto copta é utilizado para escrever o egípcio (século I1I) até a conquista árabe (século VII), depois, e até hoje, para o uso da liturgia copta. A cristianização dos povos eslavos se fez a partir de Bizâncio e se apóia igualmente sobre a instalação dos alfabetos copiados dos gregos: mencionaremos o glagolítico e, sobretudo, o cirílico, iniciados nos anos 860 por dois irmãos, Cirilo e Método, para facilitar seu trabalho de evangelização adaptando as letras gregas às línguas dos povos eslavos (o cirílico dará os alfabetos russo, búlgaro e sérvio)? Os alfabetos armênios e georgianos derivam também do alfabeto grego.'? O processo de invenção ou adaptação de uma escrita para copiar uma língua, até então exclusivamente oral, não é limitado aos períodos antigos, como o explica o helenista Victor Bérard, que visitou a Albânia e a Macedônia no fim do século XIX.u O início da imprensa periódica macedoniense e do movimento eslavista no país datam de fato de 1865, quando Petko Rojcov Slavejkov funda, em Constantinopla, seu jornal A Macedônia: Era um dos melhores jornais feitos, entre todos aqueles que se publicaram na Bulgária turca, e um dos mais lidos. Ele se esforçou, tanto quanto o permitiu a censura, em trabalhar a causa nacional. (...) Slavejkov inseriu no seu jornal, ao lado de artigos búlgaros, artigos escritos em grego, ou mesmo artigos em eslavo, mas em dialeto macedônio e composto com os caracteres gregos, porque muitos búlgaros, na Macedônia, sobretudo aqueles que tinham uma certa idade, não conheciam o alfabeto eslavo ... A situação é também complexa por parte dos falantes de albanês, ao lado dos quais age a Drita (= o Direito), sociedade albanesa fundada em Bucareste: Os assinantes se comprometem a pagar uma cotização anual de um franco; o Governo romeno autoriza uma subvenção C ..). 31 Frédéric Barbier Escolas albanesas, Jornal albanês, Revista albanesa, Biblioteca albanesa, coletânea de cantos e lendas da Albânia, Museu albanês, cada dia tenta-se alguma novidade. Nem tudo deu certo. A primeira e maior dificuldade era fixar o albanês, língua ainda não escrita em caracteres particulares. Os "Albanofones" tinham precedentemente adotado o alfabeto turco, mas [este) não podia representar exatamente todas as inflexões da fala albanesa. O comércio e o clero empregam, habitualmente, as letras gregas para escrever aproximadamente as frases correntes: inútil dizer que Apóstolo Margariti não pensava nesse procedimento. Os Valaques inventaram um novo alfabeto de trinta e cinco letras: vinte e cinco letras latinas, mais dez modificações destas letras. Dois anos foram empregados para a confecção do ABC, das gramáticas, dos dicionários, dos livros escolares ... A escrita árabe utiliza um alfabeto de vinte e oito letras, surgido no século IV e derivado das escritas aramaica e nabatéia: trata-se de um alfabeto consonântico, aos quais se juntaram progressivamente um certo número de signos diacríticos ou vocálicos. As letras têm formas diferentes segundo sua posição na palavra (independente, inicial, mediana ou final) e as variações de estilo são muito grandes: o kufi" designa uma escrita mais angulosa utilizada pelos manuscritos do Corão até o século XI. Progressivamente, encontra-se em concorrência com escritas mais cursivas," que se impõem a partir dos séculos XV e XVI: o mashki é derivado de um radical que significa "copiar", e cujo sentido equivale aproximadamente à nossa expressão escrita cursiva." Alfabetos específicos, adaptados daquele do árabe clássico, foram utilizados para escrever línguas como o persa, o turco," etc. Outros tipos de escrita devem ser mencionados. As runas são uma escrita alfabética germânica, provavelmente influenciada pela escrita latina, e que se encontra, a partir do início da era cristã, na Europa continental, dos Bálcãs à Escandinávia, nas ilhas Britânicas e na Islândia. A escrita rúnica pode combinar até oitenta signos, mas o número tende a se reduzir (dezesseis signos somente na civilização dos vikings). Ela é essencialmente empregada para operações ligadas à magia, mas serve também para traçar marcas 32 História do Livro de propriedade, etc., e é conservada unicamente sob forma de inscrições sobre pedra, sobre madeira e sobre metal (não é conhecida nenhuma utilização cursiva). A partir do século VII mais ou menos e até o IX, as runas tendem a se apagar diante do caractere latino, mas elas são encontradas ocasionalmente até o século XVII. 1.3 Conseqüências da invenção do alfabeto As conseqüências da invenção do alfabeto são absolutamente consideráveis. Primeiro, Platão e Aristóteles insistem sobre o fato de que a fala está, de agora em diante, fixada e que uma crítica em relação a ela torna-se então possível, ainda que, na civilização antiga, o problema essencial resida sempre na matriz da comunicação oral (daí a importância da retórica, depois da maiêutica socrática, que conduzirá à dialética). A posteriori, as conseqüências da aparição da escrita foram descritas por jack GOOdy:16"É a transcrição da fala que permite claramente separar as palavras, manipular a ordem e desenvolver assim as formas sílogtsrícas" de raciocínio. Para Goody, a escrita alfabética conferiu ao Ocidente sua forma lógica, pois ela combina três elementos: - possibilidade de emprego universal e eficiência (uma vez que o número de signos é muito limitado): de onde a democracia possível, pois cada um pode bastante facilmente aprender a ler; - a abstração da lógica analítica sobre a qual a escrita se funda; - enfim, a possibilidade de uma ampla difusão dos usos da escrita e a constituição de uma verdadeira cultura eScrita. A mudança se faz presente nos séculos IV e Ill a.c., com a generalização do alfabeto grego, a invenção da geometria e a instauração da democracia ateniense. 2 A Antigüidade: o tempo dos rolos 2.1 O volumen o livro propriamente dito é, na Antigüidade clássica, um volumen18 (ou rotulus), ou seja, um rolo. O emprego dessa forma material se revela de extrema importância. 33 diego.cris17@hotmail.com Frédéric Barbier Os livras de formato quadrado quase não estiveram em uso, nem entre os gregos, nem entre os romanos, a não ser muito tempo depois de Catulo (...). A velha maneira de dar aos livros, enrolando-os, a forma de uma pequena coluna se mantém, de modo que no século de Cícero, e muito tempo depois, todas as bibliotecas estão compostas desses rolos ..19 O volumen é fabricado a partir de tiras de papiro (o Cyperus papyrus), uma planta do vale do Nilo." o caule do papiro é cortado em lâminas, que são dispostas em duas camadas perpendiculares, coladas e batidas e, enfim, lixadas com pedra-pomes para preparar a superfície da folha para a escrita. O papiro é empregado no Egito após o início do III milênio, em Roma, no século III a.C, e sua importância explica que, em 31 a.c., Octávio, vencedor de Marco Antônio e Cleópatra no Actium (fim do reino egípcio dos Ptolomeus), tome medidas para controlar sua produção e assegurar o aprovisionamento regular da capital do Império. Escreve-se ordinariamente, desde a Antigüidade egípcia, com um calamo," mas a carestia do papiro faz com que toda espécie de trabalhos alternativos seja experimentada sobre suportes diferentes, tais como pranchetas de madeira, as ostraca (poterias gravadas), e, sobretudo, as tabuletas de terra cozida, de argila" ou de cera negra (pugillares) para as quais emprega-se um estilete (stilus,grapbium'"). Em Pompéia, o afresco de "Proculus e sua mulher" representa amulher segurando uma tabuleta de cera e um estilete, enquanto que Proculus tem um volumen na mão direita. O esfacelamento do mundo romano corta, a partir do século IV, a rota do papiro, o qual continua, todavia, a ser ocasionalmente empregado ao menos até o século V nos livros e, às vezes, até o século XIII, nos diplomas ou em certos manuscritos litúrgicos. Os mais antigos manuscritos cristãos hoje conservados são, em geral, rolos ou fragmentos de rolos sobre papiro encontrados no Egito e remontam ao século IV. 2.2 Copiar Na Antigüidade greco-romana, o autor não escreve ordinariamente ele mesmo, mas dita a um secretário." Este toma o texto no rascunho, freqüentemente sobre uma tabuleta de cera ou 3'1 História do Livro rn um cálamo sobre um folheto de papiro ou de pergaminho,co antes de passar a limpo sobre uma schedula (folha), a qual serve em seguida à revisão. Essa prática, que se encontra por toda a Antigüidade clássica (conhece-se particularmente bem o exemplo de Plínio, o Velho)," se prolonga com o cristianismo: pensa-se que SãoJerônimo, no fim do século IV, não redigiu de próprio punho uma única obra, tampouco Santo Agostinho 054-430). O tema do ditado está ainda presente num afresco do século XV da Igreja de Sainte-Paraskévi, em Géroskipou:26 o apóstolo Paulo está em pé, inclinado sobre o ombro de seu secretário, olhando o que este último escreve a partir de seu ditado. Essa prática conduz à preparação dos procedimentos de estenografia, que permitem seguir mais facilmente a fala: Tiro, jovem liberto de Cícero (Att. CCXCIII), prepara o sistema de notas tironianas e se conhece a existência de escolas de estenografia durante a Antigüidade cristã. A cópia tem igualmente por efeito alterar, às vezes, o texto original, quando o secretário pode apenas tomar notas rápidas sobre as quaís, com a cabeça repousada, estabelece o texto definitivo. Põe-se então o problema do estatuto do texto e da definição possível de uma versão de referência. 27 Uma vez acabada a redação, inicia-se o trabalho da cópia propriamente dita e, se for o caso, uma primeira difusão. O texto se apresenta em colunas sucessivas perpendiculares, do comprimento do voiumen, sobre um só lado do suporte. Para protegê-Io, enrola- se o volumen começando pelo fim, que se chamava umbilicus e ao qual amarrava-se um bastão de buxo ou de ébano, ou de qualquer outro material, a fim de manter o rolo conservado. Colava-se à outra extremidade um pedaço de pergaminho que cobria todo o volume ...28 Naturalmente, para seu trabalho o copista deve dispor de Umprimeiro estado do texto: os erros de atenção, de leitura ou de interpretação estão na origem de variações às vezes importantes e que supõem, para reconhecer e estabelecer a melhor versão passível, um trabalho de análise comparada e a construção de uma árvore de transmissão estemática (stemma). 35 diego.cris17@hotmail.com diego.cris17@hotmail.com Frédétic Barbíer 2.3 Ler É evidente que a forma do volumen impõe uma prática de leitura complexa: é necessário desenrolar (explicarei" e enrolar ao mesmo tempo, o que impede, por exemplo, trabalhar simultaneamente sobre vários rolos (um texto e seu comentário) ou tomar notas, impõe uma leitura seguida e impede a simples consulta. A leitura do volumen, em seu princípio, se parece com aquela praticada no computador, a tela corresponde à passagem do texto desenrolado sob os olhos do leitor. A escrita se faz a princípio em longas linhas, no sentido da largura (quando se segura o rotulus verticalmente'"): a disposição em colunas, cada vez mais freqüente (segura-se então o volumen horizontalmente), supõe organizar o texto em colunas por "página", que o leitor desenrolará sucessivamente. O termo "página" (pagina) designa o conjunto de colunas presentes ao mesmo tempo sob os olhos do leitor, depois, por extensão, o lado escrito do volumen. De toda maneira, toda cursividade na utilização do volumen é impossível e a metade de sua superfície (o verso) fica inutilizada. Os volumina são em geral enrolados em jarras de cerâmica (como em Qumran) ou em cestos, às vezes depositados em prateleiras, em caixas ou cofres (arcbay' ou, se se trata de bibliotecas mais consideráveis, guardadas em escaninhos e armários (armarium),32 O título figura sobre uma etiqueta fixada na extremidade do rolo. O termo biblioteca (~t~À.to8KT))designa, na origem, o móvel que abriga livros, depois, por extensão, o local onde eles são depositados. O tamanho do rolo, por vezes com mais de dez metros, colocou em alguns casos dificuldades particulares para sua manipulação, a ponto de poder, a própria leitura, mostrar-se perigosa: à idade de oitenta e três anos, Verginius Rufus leu em pé um volumen tão pesado que acabou por lhe cair das mãos. Querendo apanhá-lo, perdeu o equilíbrio, caiu, quebrou a perna e morreu ...33 36 História do Livro 3 Produção e difusão dos livros no Império Romano É necessário, inicialmente, destacar a extrema importância, para a história intelectual e artística de Roma, da aculturação pela Grécia, e mesmo, sob vários pontos de vistas, a helenização. Os gregos dominaram o Egeu e o essencial do Mediterrâneo oriental e central; o império de Alexandre, dá à cultura grega uma dimensão de fato universal. A partir do século III a.c., a expansão de Roma se choca cada vez mais diretamente contra as posições gregas na Itália meridional a princípio, na Grécia continental em seguida, depois, através das ilhas na Ásia Menor, enfim, no reino helenístico dos Lágidas :34 após a tomada de Tarente (272) e a organização da Sicília em província romana (227), a batalha de Pydna (168) marca a destruição do reino da Macedônia, após isso ocorre a conquista da Grécia e do reino de Pérgamo (146-132), enfim, a vitória sobre os ptolomeus e sobre Marco Antônio (31). Paralelamente, em Roma mesmo, as categorias superiores são cada vez mais influenciadas pelo pensamento e pelo modo de vida helênicos: nada de surpreendente, então, o fato de o modelo grego ser muito particularmente fecundo nos domínios da escrita e do livro." 3.1 Editar Em Roma, a escrita e a difusão dos livros se articulam sobre a definição da "coisa pública" ou da "publicidade". O texto, redigido por seu autor, passa ao circuito público, mas segundo protocolos bastante diversos. A difusão pode, inicialmente, se fazer pela leitura oral, executada notadamente pelo autor ou pelo depositário do texto, num salão de leitura (auditonum) diante de um círculo de amigos e de conhecidos. Plínio, o Jovem, explicita as razões que o levam a essa prática: Tendo a intenção de oferecer leitura de um pequeno discurso, que sonho comunicar ao público [publicare], busquei alguns convidados para apreender suas críticas ( ...). Pois tenho dois motivos para oferecer leituras: o primeiro é apurar minha 37 diego.cris17@hotmail.com ~ ..----------------------------- Frédéric Barbíer dedicação, o segundo é me fazer advertir de erros que, vindos de mim, me escapam. Eu tive o que desejava, encontrei ouvintes que aceitaram formar meu conselho: além disso, eu mesmo anotei as correções a fazer. Eu corrigi a obra, eu vos a envio. Vós tomareis conhecimento do assunto pelo título (...). Eu desejo que, por sua vez, vós me escrevais vosso sentimento sobre o todo, sobre as partes, porque assim estarei mais bem apoiado, seja para a sabedoria de conservá-Io [in continendol, seja para a coragem de publicá-Io [in edendoi, segundo o lado para o qual o peso de vossos conselhos fará pender a balança ...36 A princípio, desde que o texto tenha sido dado ou confiado a alguém - amigo, colega, livreiro, personalidade, etc. -, ele escapa mais ou menos completamente de seu autor." seu proprietário pode fazê-l o copiar, integrá-lo a uma coletânea, comunicá-lo, e até dívulgâ-lo." O vocabulário distingue duas ações: edere significa lançar um produto literário sem procurar difundi-lo amplamente,ao contrário de publicare, que descreve o processo pelo qual o texto é expressamente tornado público. Viu-se durante muito tempo, num certo número de textos de Cícero, uma descrição em pontilhados das relações entre um autor célebre e um rico personagem que era tido como seu livreiro e seu editor, e ao mesmo tempo como o primeiro livreiro e editor romano, cujo nome nos foi transmitido: Ático. Este último é extremamente rico, adotou um modo de vida particularmente refinado, permanece muito tempo na Grécia, possui coleções de objetos de arte e é ele mesmo um bibliófilo. Entre seus servidores figuram jovens pessoas letradas (pueri litteratissimi), leitores (anagnostaey? e copistas (líbrarií),40 a maior parte escravos de origem grega. No entanto, nenhum texto disponível hoje deixa entender diretamente que Ático tirasse qualquer retorno de eventuais atividades de fabricação e de venda de manuscritos. O problema se coloca em um outro nível: Ático abre sua biblioteca aos sábios e aos letrados que por ela possam se interessar e coloca à disposição de seu amigo Cícero seus secretários e copistas, escravos ou libertos. Nós estamos num mundo, cujo nível de riqueza e cujo modo de vida excluem, a princípio, atividades ligadas ao negócio do livro. 38 História do Livro 3.2 Vender Se a troca de serviços e a doação de livros nascem de uma forma de sociabilidade gratuita entre cidadãos bastante abastados e cultos, o comércio de livraria se estabelece num outro contexto e responde às funções completamente diferentes. Na Roma da República, depois do império, o objetivo das livrarias profissionais está calcado na difusão do livro no seio de categorias sociais menos favorecidas. Cícero menciona uma taberna libraria (53 a.c.), entendida como uma butique de livreiro, que é, aliás, o teatro de uma tentativa de assassinato político." Outros textos (notadamente de Catulo e de Horácio'") fazem pensar que a escolha dos textos disponíveis nessas butiques não é das mais elevadas. A situação se modifica a partir do reino de Augusto, quando uma nova camada dirigente, mais atenta às belas letras, substitui a velha classe senatorial: a passagem da república ao império marca a passagem da cidade ao Estado e se traduz na transformação das funções e dos atos públicos - abandono das "honras" exercidas gratuitamente, colocada no lugar da administração de funcionários dependentes do príncipe." É, também, a subida ao poder do patronato e do mecenato, que supõem lógicas de difusão de livros completamente diferentes daquelas da livraria comercial. Ao mesmo tempo, butiques de livreiros combinadas com ateliês de copistas se multiplicam em Roma mesmo e tendem a se difundir nas cidades das províncias: sobre o território da França atual, as grandes cidades do vale do Ródano (Viena, Lyon) possuem assim livrarias que, no século II, difundem a literatura latina da época. As curiosidades do público são tais que levam Augusto a proibir a comunicação, nas bibliotecas romanas, de certos escritos falsamente atribuídos a César." De modo que se, apesar dos trabalhos recentes," nós COntinuamos evidentemente mal informados sobre as condições da alfabetização na Antigüidade, não deixa de ser notável que a difusão da cultura escrita tenha sido favorecida pelo fato de que a alfabetização foi provavelmente impulsionada nas cidades, ~ principalmente em Roma: o fato é confirmado por numerosas lllScrições e grafites sobre edifícios antigos. Conseqüentemente, 39 Frédéric Barbier a distância cultural é grande entre as principais metrópoles, as cidades secundárias e o mundo rural (excetuando os grandes domínios do patriciado). Os librarii são especializados em edição e negócios de livros: o termo librarius designa tanto o copista (que trabalha sob comando ou que vende, se for o caso, o manuscrito copiador" como o livreiro propriamente dito. Em Roma, como na Grécia (Atenas) e no Egito (Alexandria, Oxyrhynque), os librarii mais importantes tornam-se empresários, eles empregam copistas remunerados ou servis, quando é o caso, organizados em ateliês sob a autoridade de um responsável que controla o trabalho e verifica a qualidade da cópia. As cópias que saem desse tipo de oficina são habitualmente apresentadas como particularmente errôneas, e essa diferença entre a oferta e uma demanda mais qualificada explica que a especulação sobre textos de valor aos poucos se desenvolva. No século I, a aparição da palavra bibliopola, ao lado de librarius, poderia remeter a essa tipologia nova da função de livreiro. Essas mesmas estruturas funcionarão no mundo da cristandade primitiva, por exemplo, pela difusão de textos de Santo Agostinho." A intervenção de um ou de vários intermediários entre o autor e o público introduz problemas novos quanto à identidade e ao estatuto do autor, à exatidão do texto, e até mesmo à vontade do autor de ver difundir seu texto: Aulus Hirtius, chefe do secretariado de César, decide completar Guerre des Gaules redigindo um oitavo livro, e termina a Guerra civil. Além disso, secretários e escribas fazem certos erros de interpretação e de cópia, mas eles podem também proceder a supressões de passagens por eles julgadas menos interessantes, ou, ao contrário, a adições e as correções, até difundir o texto sem o aval do autor (por exemplo, no caso de um discurso tomado rapidamente, ou de uma carta). A prática do erro intervém igualmente muito cedo, uma vez que se encontram textos apócrifos desde a tradição judaica. A identificação, ela mesma é freqüentemente difícil e o número de peças anônimas ou de falsas atribuições permanec~ absolutamente considerável. Esses problemas são ainda mais graves na época do cristianismo 40 H istória do Livro rimitivO, quando a Igreja tem, precisamente nessa época, por p . cipal tarefa fixar sua doutrina, seu corpus de textos depnn . _ referência e seu modo de orgaruzaçao, Enfim, de uma maneira geral, os autores praticamente não são remunerados, salvo aqueles de peças de teatro eventualmente compradas pelas administrações urbanas. O mecenato desempenha então um papel fundamental e, para voltar uma última vez a Ático, está claro que, se ele difundiu certos escritos de Cícero, este não recolheu qualquer benefício: a escrita tem objetivos mais diretamente políticos que financeiros.
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