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2. K. MÁRX E F. ENGELS: A HISTÓRIA DOS HOMENS * 1 i t I Feuerbach Oposição entre concepção materialista e idealista [Introdução] Como informam os ideólogos alemães, a Alemanha atraves sou nos últimos anos uma revolução sem precedentes. Iniciado com * O presente texto integra o primeiro capítulo de A ideologia alemã, o qual é intitulado “Feuerbach”. Baseamos a revisão da tradução n a edição M a r x , K . e E n g e l s , F. Werke. Berlim, Dietz Verlag, 1969. v. III, p. 17-36. Revisão técnica da tradução e tradução das notas de Marx por Viktor von Ehrenreich. 1 As notas indicadas por asteriscos são do próprio Marx ou de Engels, consti tuindo às vezes porções riscadas no manuscrito original. As notas numeradas são do presente revisor, a não ser que haja indicação de serem do editor alemão. Afastamo-nos do uso em português não grifando expressões que porventura apa reçam em língua estrangeira, pois os grifos são usados por Marx para acentuar o significado dos respectivos termos. Observe-se ainda que os cabeçalhos das diversas partes do capítulo sobre “Feuerbach” foram introduzidos pelos editores alemães com base em anotações que Marx e Engels fizeram nas margens do 183 Strauss 2, o processo de decomposição do sistema hegeliano desenvolveu- -se até uma fermentação mundial a que foram arrastadas todas as “potên cias do passado” . Em meio ao caos generalizado, formaram-se poderosos impérios para de imediato sucumbirem, emergiram momentaneamente heróis para logo em seguida serem novamente atirados de volta à obscuri dade por rivais mais intrépidos e mais poderosos. E ra uma revolução, frente à qual a francesa é uma brincadeira de criança, uma luta mundial ante a qual as lutas dos diádocos 3 parecem ninharia. Os princípios se suplantavam uns aos outros e os heróis do pensamento investiam uns contra os outros com uma precipitação inaudita, e nesses três anos de 1842-[18]45 se puseram mais coisas em ordem na Alemanha do que em três séculos. E tudo isso teria se passado no pensamento puro. Trata-se, contudo/de um evento interessante: do processo de apodre cimento do espírito absoluto. Após o apagar da última fagulha de vida, as diversas partes componentes deste capuí m ortuum 4 entraram em decomposição, entraram em novas combinações, e formaram novas subs tâncias. Os industriais da filosofia, que até então haviam vivido da explo ração do espírito absoluto, lançaram-se agora sobre as novas combina ções. Cada um deles, com o maior afã possível, cuidou de vender ao desbarato a parte que lhe coubera. Mas isso não poderia se passar sem concorrência. De início ela foi conduzida de modo relativamente burguês e sério. Mais tarde, quando o mercado alemão havia sido saturado e a mercadoria, apesar de todo esforço, não encontrava ressonância alguma manuscrito. Também os adotamos, e indicamos por três pontos entre colchetes [ . . . ] onde pulamos trechos, tudo segundo a ordem da edição supracitada. Cons- pectus siglorum: colchetes [ ] indicam adições e /ou complementos do editor alemão, barras duplas / / / / acréscimos e/ou complementos do presente revisor, tradução de termos que no original constam em outra língua que não o alemão ou aposição do respectivo termo alemão quando a simples tradução não permite entrever de que termo se trata no respectivo contexto. As regras aqui adotadas para revisão também foram seguidas na tradução que nos coube de alguns trechos deste mesmo texto. 2 David Friedrich Strauss (1808-1874), influenciado por Hegel, negou a histori- cidade dos eventos narrados no evangelho, vendo neles uma tradição mítica. Defendeu uma fé nova, livre da tradição cristã. 3 Os diádocos (do grego diadochoi, “sucessores”) eram os antigos amigos e gene rais de Alexandre Magno, que após a morte deste dividiram o Império Macedônio e lutaram entre si, apoiando-se mutuamente em alianças efêmeras e mutáveis, pelo poder sobre todo o território do império. No decurso destas lutas (fim do século IV a.C. até início do século III a.C.) foram eliminados todos os herdeiros legítimos da casa de Alexandre. O império deste último, que nunca ultrapassara uma reunião frouxa de unidades territoriais administrativo-militares, esfacelou-se com estas guerras e deu azo ao surgimento do sistema de vários Estados caracte rístico da época helenística. 4 Literalmente “cabeça morta”, na química uma expressão usual para os resíduos de destilação. Aqui no sentido de “resíduos”, “restos”. (N. do ed. al.) k. 184 no mercado mundial, de acordo com o habitual procedimento alemão o negócio passou a ser adulterado pela produção em série e produção simulada, piora da qualidade, adulteração da matéria-prima, falsificação das etiquetas, compras simuladas, manobras cambiais e um sistema de crédito destituído de qualquer base real. A concorrência desembocou numa luta encarniçada, a qual nos é agora construída e apregoada como uma reviravolta de proporções histórico-universais, como engendradora dos mais prodigiosos resultados e conquistas. Para apreciar corretamente esse pregão do mercado filosófico, que desperta mesmo no peito do honesto burguês5 alemão um agradável sentimento nacionalista, para deixar patente a mesquinharia, a mediocri dade provinciana de todo esse movimento neo-hegeliano e especialmente o contraste tragicômico entre as realizações efetivas destes heróis e as ilusões sobre essas realizações, é preciso assistir ao espetáculo inteiro a partir de um ponto de vista situado fora da Alemanha *. A . A ideologia em geral, nomeadamente a alemã j Até os seus mais recentes esforços a crítica alemã não abandonou o terreno da filosofia. Longe de examinar os seus pressupostos filosóficos gerais, todas as suas questões até cresceram no chão de um determinado sistema filosófico, o hegeliano. Jazia uma mistificação não só em suas * [Riscado no manuscrito o seguinte:] Por conseguinte, à crítica especial dos representantes singulares deste m ovim ento fazem os preceder algumas observações gerais { . Estas observações bastarão para assinalar o ponto de vista da nossa crítica na medida em que tal for necessário à compreensão e à fundam entação das críticas particulares subseqüentes. A ntepom os estas observações exatam ente a Feuerbach porque ele é o único que pelo menos fez um progresso e em cujas questões se pode entrar de bonne foi //à.<t boa f é / ' } 53, as quais iluminarão mais de perto os pressupostos ideológicos comuns a todos eles. 1. A ideologia em geral, em especial a filosofia alem ã Só conhecem os uma única ciência, a ciência da história. A história pode ser considerada sob dois aspectos, ser dividida na história da natureza e na história dos homens. Mas não se deve separar ambos os aspectos; enquanto existirem hom ens, história da natureza e história dos hom ens se condicionarão mutuamente. A história da natureza, a assim chamada ciência natural, não nos importa aqui; mas terem os que adentrar a história dos homens, já que quase toda a ideologia se reduz ou a uma concepção dis torcida desta história ou a um a abstração total dela. A ideologia mesma é só um dos aspectos desta história. 5 “Biirger” significa tanto “burguês” quanto “cidadão”. 5a O texto entre chaves { } está riscado horizontalmente no manuscrito. (N. do ed. al.) 185 respostas, mas já nas perguntas mesmas. Esta dependência para com Hegel é a razão pela qual nenhum desses críticos mais recentes sequer tentou uma crítica mais abrangente do sistema hegeliano, por mais que cada um deles afirme estar além de Hegel. A polêmica deles contra Hegel e entre si mesmos se limita a cada um deles extrair um aspecto do sistema hegeliano e voltá-lo tanto contra o sistema inteiro quanto contra os outros aspectos extraídos pelos outros. No início extraíram-se categorias hegelianas puras e não falsificadas, tais como/ / as categorias d e / ' substância e autoconsciência, mais tarde estas categorias foram profanadas com nomes mais mundanos, como gênero, o único, o homem, etc. No seu conjunto desde Strauss até Stirner 6, a crítica filosófica alemã restringe-se à crítica das representações 7 religiosas *. Partia-se da reli gião efetiva e da teologia propriamente dita. No decurso ulterior era determinado diversamente o que poderia ser consciência religiosa, repre sentação religiosa. O avanço consistia em subsumir também as repre sentações metafísicas, políticas, jurídicas, morais e outras supostamente dominantes sob a esfera das representações religiosas ou teológicas; igual mente em declarar a consciência política, jurídica, moral como consciência religiosa ou teológica e o homem político, jurídico e moral, em última instância “o homem”, como religioso. O domínio da religião foi pressu posto. Pouco a pouco toda relação dominante foi declarada como uma relação da religião e transformada em culto — culto do direito, culto do Estado, etc. Em toda parte só se estava às voltas com dogmas e com a fé em dogmas. O mundo foi canonizado numa extensão cada vez maior até que finalmente o venerável São M ax 8 pôde santificá-lo en bloc / e m b lo c o / ' e com isso terminar de uma vez por todas com a questão. Os velhos hegelianos haviam concebido 9 tudo tão logo fosse redu zido a uma categoria lógica de Hegel. Os jovens hegelianos criticavam * [Riscado no manuscrito o seguinte:] . . . a qual se apresentou com o reclamo de ser a que salva o mundo de todo o mal. A religião foi constan temente encarada e tratada como arquiinimiga, como causa última de toda a situação que repugnava a estes filósofos. 6 Referência a Max Stirner, pseudônimo de Kaspar Schmidt (1806-1856), adepto da esquerda hegeliana e defensor de um individualismo extremo em sua obra Der Einzige und sein Eigentum (O único e a sua propriedade). 7 “Vorstellungen”, ou seja, “representações mentais”. 8 Alusão irônica a Max Stirner. Cf. nota 6. 9 Na linguagem usual “begreifen” significa “compreender”. Mas aqui se faz valer o sentido técnico do verbo na tradição hegeliana, devido a ser aparentado de “Begriff” = “conceito”. / tudo ao introduzirem sub-repticiamente representações religiosas em tudo ou ao declararem tudo como teológico. Quanto à fé Tio domínio da religião, dos conceitos e do universal no mundo existente, os jovens hegelianos concordavam com os velhos hegelianos. Só que uns combatiam como úsurpação o domínio que os outros celebravam como legítimo. Já que nestes jovens hegelianos as representações, pensamentos, conceitos, enfim os produtos da consciência autonomizada por eles são tidos como os verdadeiros grilhões da humanidade, exatamente como são declarados como vínculos verdadeiros dà sociedade humana pelos velhos hegelianos, compreende-se que os jovens hegelianos também só tenham que lutar contra estas ilusões da consciência. Já que de acordo com a imaginação deles as relações dos homens, o seu inteiro agir e fazer, as suas cadeias e barreiras são produtos da sua consciência, esses jovens hegelianos propõem de modo conseqüente aos homens o postu-1 lado moral de trocarem a sua consciência presente pela consciência humana, crítica ou egoísta, e de através disso eliminarem as suas bar reiras. Esta exigência de mudar a consciência desemboca na exigência de interpretar diferentemente o que existe, isto é, reconhecê-lo mediante uma outra interpretação. Os ideólogos neo-hegelianos, apesar de suas frases pretensamente “abaladoras do mundo”, são os maiores conserva dores. Os mais jovens entre eles encontraram a expressão correta para a sua atividade quando afirmam lutar tão-somente contra “f r a s e s Só que eles esquecem que eles mesmos nada contrapõem a estas frases senão frases e que de modo algum combatem o mundo existente efetivo quando combatem apenas as frases deste mundo. Os únicos resultados que esta crítica filosófica pôde alcançar foram alguns esclarecimentos em termos de história da religião, e ainda assim unilaterais, sobre o cristianismo; as suas outras afirmações são todas só ornamentos ulteriores da sua reivindicação de ter fornecido, com estes esclarecimentos insignificantes, descobertas para a história universal. Nenhum desses filósofos teve a idéia de perguntar pela interconexão da filosofia alemã com a realidade efetiva alemã, pela interconexão da crítica deles com a própria circunstância material deles. * Os pressupostos com os quais começamos não são arbitrários, nem dogmas, são pressupostos efetivos dos quais só é possível abstrair na imaginação. Eles são os indivíduos efetivos, a sua ação e as suas con dições materiais de vida, tanto as encontradas aí quanto as engendradas pela própria ação deles. Estes pressupostos são portanto constatáveis por via puramente empírica. 186 187 ^ O primeiro pressuposto de toda a história humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos *. O primeiro estado de coisas a se constatar é portanto a organização corporal desses indivíduos e a relação com a natureza restante que aquela lhes dá. Obviamente não podemos entrar aqui em detalhes sobre a constituição física dos homens mesmos, nem sobre as condições naturais que os homens encontram aí, as condições geológicas, oro-hidrográficas, climáticas e outras **. Toda historiografia tem que partir dessas bases naturais e de sua transfor mação pela ação do homem no curso da história. Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela j religião, pelo que se queira. Eles mesmos começam a se distinguir dos j animais tão logo começam a produzir os seus meios de vida, um passo j condicionado pela sua organização corporal. Ao produzirem os seus / meios de vida, os homens produzem indiretamente a sua vida material mesma. \ O modo pelo qual os homens produzem os seus meios de vida de pende inicialmente da constituição mesma dos meios de vida encontrados aí e a ser produzidos. Este modo da produção não deve ser considerado só segundo o aspecto de ser a reprodução da existência física dos indi víduos. Ele já é antes uma maneira determinada de atividade desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar em a sua vida, um m odo. de vida determinado. Os indivíduos são assim como manifestam a sua vida. O que eles são coincide portanto com a sua produção, tanto com o que produzem quanto também com o como produzem. Portanto, o que os indivíduos são depende das condições materiais da \ sua produção. / Essa produção só se faz presente com o aumento da população. Ela mesma pressupõe por sua vez um intercâmbio dos indivíduos entre | si. A forma deste intercâmbio é por sua vez condicionada pela produção 10. * [Riscado no manuscrito o seguinte:] O primeiro ato histórico destes indivíduos, pelo qual se distinguem dos animais, não é o de que eles pensam, mas sim o de que começam a produzir os seus meios de vida. ** [Riscado no manuscrito o seguinte:] Mas estas relações condicionam não só a organização originária dos homens, a que emana da natureza, nomea damente as diferenças raciais, mas também todo o seu desenvolvimento ou não-desenvolvimento ulterior até os dias de hoje. 10 Aqui o termo “intercâmbio” / / — “Verkehr” (não confundir com “Austausch” = “troca” no sentido econômico estrito) / / inclui o intercâmbio material e espi ritual entre indivíduos isolados, grupos sociais e países inteiros. Marx pretende mostrar que o intercâmbio material, sobretudo o intercâmbio dos homens no pro cesso de produção, constitui a base de qualquer outro intercâmbio. (N. do ed. al.) Em A ideologia alemã os termos “Verkehrsform” = “forma de intercâmbio”, “Verkehrsweise” = “modo de intercâmbio” e “Verkehrsverháltnisse” = “relações de intercâmbio” procuram expressar tentativamente o conceito de “Produktions-verhãltnisse” — “relações de produção”, conceito então em formação. 188 As relações11 das diferentes nações entre si dependem de até que ponto cada uma delas desenvolveu as suas forças produtivas, a divisão do trabalho e o comércio 12 interno. Esta proposição é universalmente reconhecida. Mas não apenas a relação / 'B e z ie h u n g /' de uma nação com outra, mas também toda a estrutura interna desta nação mesma depende do estágio de desenvolvimento da sua produção e do seu co mércio / 'V e rk e h r / ' interno e externo. O grau de desenvolvimento alcançado pela divisão do trabalho mostra da maneira mais visível até que ponto estão desenvolvidas as forças produtivas de uma nação. Cada força produtiva nova, na medida em que não seja uma extensão mera mente quantitativa das forças produtivas já conhecidas até então (como, por exemplo, o arroteamento de terras), tem como conseqüência uma nova especialização / 'A u sb ild u n g /' da divisão do trabalho. A divisão do trabalho dentro de uma nação acarreta inicialmente a separação entre o trabalho comercial e industrial e o trabalho agrícolí \ e com isso a separação entre cidade e campo e a oposição dos interesse i I entre ambos. O seu desenvolvimento ulterior leva à separação entle o / trabalho comercial e o industrial. Ao mesmo tempo, pela divisão do / trabalho desenvolvem-se por sua vez, no interior destes diferentes ramos, diversas subdivisões entre os indivíduos que cooperam em determinados ] trabalhos. A colocação dessas subdivisões singulares umas frente às outras j está condicionada pelo modo de exploração do trabalho agrícola, indus trial e comercial (patriarcalismo, escravidão, estamentos, classes). } Quando o intercâmbio //V erk eh r/Z é mais desenvolvido, as mesmas relações / 'V e rh ã ltn isse / ' se mostram nas ligações / 'B ez ieh u n g en /' entre as diversas nações. Os diversos estágios no desenvolvimento da divisão do trabalho são outras tantas diversas formas de propriedade; quer dizer, cada novo > . estágio da divisão do trabalho determina também as relações dos indi- " 0 víduos entre si com referência ao material, instrumento e produto do 'r trabalho. f A primeira forma de propriedade é a propriedade tr ib a l13. Corres- ponde a um estágio não desenvolvido da produção no qual um povo se , À • V ------------------ r 11 Aqui “Beziehungen”, literalmente “relações”, embora não se trate do termo ( técnico marxista “Verháltnis”, costumeiramente traduzido por “relação” (por exem- / ' pio, “Produktionsverháltnisse” = “relações de produção”). Sempre que possível traduziremos “Beziehung” por “referência”; quando for imperiosa sua tradução por “relação” agregaremos o termo alemão entre barras duplas / / / / . 12 Aqui também ocorre o termo “Verkehr”, mas obviamente não em seu sentido amplo como mais acima e sim no seu sentido mais estrito de “comércio”, “tráfico”. 13 Nos anos quarenta do século XIX o termo “tribo” desempenhou um papel mais importante nas ciências históricas do que hoje. Designava uma comunidade de seres humanos descendentes do mesmo ancestral, abrangendo portanto os conceitos modernos “gens” (pequenas populações com um nome tribal comum) e “tribo”. (N. do ed. al.) 189 alimenta da caça e da pesca, da pecuária e no máximo da agricultura. Neste último caso, pressupõe uma grande extensão de terras não culti vadas. Nesse estágio a divisão do trabalho ainda está muito pouco desen volvida e,se limita a ampliar ainda mais a divisão natural de trabalho dada ha família. Por conseguinte, a estruturação social se limita a esten der a família: chefes tribais patriarcais, abaixo deles os membros da/ tribo e finalmente os escravos. A escravidão latente na família desen volve-se só aos poucos com o crescimento da população e das neces sidades 14 e também com a expansão do intercâmbio / V e r k e h r / exte rior, tanto da guerra como o da troca. A segunda forma é a antiga propriedade estatal e comunal, a qual emerge nomeadamente da união de várias tribos numa cidade mediante contrato ou conquista e na qual subsiste a escravidão. Ao lado da pro priedade comunal já se desenvolve a propriedade privada mobiliária e mais tarde também a imobiliária, mas como uma forma anormal subor dinada à propriedade comunal. Apenas em sua comunidade é que os cidadãos têm poder sobre os seus trabalhadores escravos, estando já por isso ligados à forma da propriedade comunal. É a propriedade privada comunal dos cidadãos ativos, os quais, frente aos escravos, são obrigados a permanecer nesse modo natural de associação. Daí que toda a estrutura da sociedade baseada nesse modo, e com ela o poder do povo, decai no mesmo grau em que se desenvolve nomeadamente a propriedade privada imobiliária. A divisão do trabalho já está mais desenvolvida. Já encon tramos a oposição entre cidade e campo, mais tarde a oposição entre Estados que representam os interesses do campo e da cidade e, mesmo dentro das cidades, a oposição entre indústria e comércio marítimo. A relação de classes entre cidadãos e escravos já está inteiramente formada. O fato da conquista parece contradizer toda essa concepção da história. Até agora, fez-se da violência, da guerra, da pirataria, do assalto, etc., a força motriz da história. Aqui só podemos nos limitar aos pontos principais e tomar por conseguinte só o exemplo mais flagrante, a des truição de uma civilização antiga por um povo bárbaro e, a partir disso, a formação de uma nova estrutura da sociedade que começa desde o início. (Roma e os bárbaros, o feudalismo e a Gália, o Império Romano Oriental e os turcos.) Entre os próprios povos bárbaros conquistadores, a guerra mesma ainda é, como já mencionamos acima, uma forma regu lar de intercâmbio, explorada com um afã tão maior quanto mais o aumento da população, dado o modo de produção tradicional e rudi mentar unicamente possível para eles, cria a necessidade /B e d ü r f n i s / de novos meios de produção. Na Itália, ao contrário, através da concen tração da propriedade da terra (causada, além de pela compra e endivi damento, também ainda, pela herança, à medida que, dada a dissolução 14 “Bedürfnisse”, ou seja, “necessidades" no sentido de carências fundadas na natu reza biológica do ser humano, bem como de desejos ligados a elas. 190 dos costumes e casamentos raros, as velhas linhagens se extinguiam paula tinamente e as suas posses passavam às mãos de poucos) e da transfor mação das mesmas em pastos (que era causada, além de pelas causas econômicas de costume vigentes ainda hoje, pela importação de cereais conseguida através do saque ou como tributo e daí a conseqüente falta de consumidores para o cereal italiano) a população livre quase desa pareceu, os escravos- sempre voltavam a morrer e tinham constan temente que ser substituídos por novos. A escravidão permanecia a base do conjunto da produção. Os plebeus, situados entre homens livres e escravos, nunca conseguiram ser mais do que proletariado lumpen 15. De maneira geral Roma nunca foi além de cidade, mantendo com as províncias uma ligação quase que só política, a qual naturalmente podia ser de novo rompida por acontecimentos políticos. Com o desenvolvimento da propriedade privada surgem aqui pri meiro as mesmas relações que reencontraremos na propriedade privada moderna, só que então em escala muito maior. De um lado, a concen tração da propriedade privada, que começou muito cedo em Roma (prova-o a lei agrária de Licínio 16) e que se processou bastante rapida mente desde as guerras civis e principalmente sob os imperadores; por outro lado e em conexão com tudo isso, a transformação dos pequenos camponeses plebeus num proletariado que, dada a sua posição interme diária entre cidadãos proprietários e escravos, nunca chegou a um desen volvimento autônomo. A terceira formaé a propriedade feudal ou estamental. Se a Anti guidade partia da cidade e do seu pequeno território, a Idade Média partia do campo. A população existente, escassa e dispersamente distri buída sobre uma vasta área e que não sofria nenhum grande crescimento devido a conquistadores,, condicionava esse ponto de partida transfor mado. Em oposição à Grécia e à Roma, o desenvolvimento feudal começa portanto sobre um terreno muito mais extenso, preparado pelas conquis tas romanas e pela expansão da agricultura inicialmente ligada àquelas. Os últimos séculos do Império Romano em decadência e a conquista pelos bárbaros destruíram uma massa de forças produtivas; a agricultura foi a pique, a indústria decaiu pela falta de mercado, o comércio estava adormecido, ou violentamente interrompido, a população urbana e rural 15 Em alemão: “Lumpenproletariat”. “Lumpen” significa literalmente “trapo”, “farrapo de pano”; nós o adotamos em português na expressão acima por já ter se incorporado ao uso na tradição marxista. 16 Segundo a lei agrária dos tribunos do povo romano Licinius e Sextius, aceita no ano de 367 a.C. como resultado da luta dos plebeus contra os patrícios, um cidadão romano não podia estar de posse de mais de 500 jugera (cerca de 125 ha) da propriedade estatal da terra (ager publicus). Depois dessa data, as reivindi cações de terras por parte dos plebeus foram satisfeitas ao lhes serem passadas partes das conquistas feitas em campanhas militares. (N. do ed. al.) 191 havia diminuído. Essas relações existentes e o modo de organização da conquista por elas condicionado desenvolveram a propriedade feudal sob a influência da constituição do exército germânico. Tal como na propriedade tribal e comunal, ela se baseava por sua vez numa coleti vidade frente à qual estão como classe imediatamente produtora não mais os escravos, tal como na antiga, mas os pequenos camponeses servos. Simultaneamente com a formação completa do feudalismo, acres- centa-se ainda a oposição às cidades. A estrutura hierárquica da posse da terra e os seus sequazes armados, o que se ligava àquela, davam à nobreza o poder sobre os servos. Tal como a antiga propriedade comunal, essa estrutura feudal era uma associação frente à classe produtora domi nada; só que a forma de associação e a relação com os produtores imediatos eram diversas, pois havia condições diversas de produção. Nas cidades, a propriedade corporativa, a organização feudal do artesanato correspondia à estrutura feudal da posse da terra. Aqui a propriedade consistia principalmente no trabalho de cada indivíduo. A necessidade da associação contra a nobreza predatória associada, a neces sidade de mercados públicos 17 numa época em que o industrial era ao mesmo tempo comerciante, a crescente concorrência dos servos evadidos que afluíam às cidades prósperas, a estrutura feudal de todo o território instauraram as corporações', o capital pequeno de artesãos isolados, poupado aos poucos, e o número estável deles durante o crescimento demográfico desenvolveram a relação de oficiais e aprendizes, dando origem nas cidades a uma hierarquia semelhante à do campo. Durante a época feudal, a propriedade principal consistia portanto de um lado na propriedade da terra com trabalho de servos acorrentado a ela, de outro o trabalho próprio com capital pequeno dominando o trabalho de oficiais. A estrutura de ambos era condicionada pelas rela ções de produção limitadas — a cultura diminuta e rudimentar do solo e a indústria artesanal. No florescimento do feudalismo se deu pouca divisão do trabalho. Cada feudo encerrava a oposição entre cidade e campo; é claro que a estruturação por estamentos era muito acentuada, mas além da separação em príncipes, nobreza, clero e camponeses no campo e em mestres, oficiais, aprendizes e logo também plebe de diaris tas nas cidades, não se deu nenhuma divisão significativa. Na agricultura ela era dificultada pela cultura parcelada, ao lado da qual emergia a indústria doméstica dos camponeses mesmos, na indústria o trabalho não 17 Traduzimos dois termos diferentes por “necessidade”: “Notwendigkeit” e “Be- dürfnis (sobre este cf. nota 14). Traduzimos por “mercado público”, no sentido de um espaço físico onde vários produtores e/ou comerciantes põem os seus produtos à venda, a expressão “gemeinsame Markthallen”. “Markt” é “mercado” no sentido amplo, “Halle” designa um espaço amplo coberto, o adjetivo “ge- meinsam” significa “em comum”, também no sentido de “comunal” ou “comu nitário”. 192 era dividido de maneira alguma entre os ofícios isolados e muito pouco abaixo deles. A divisão entre indústria e comércio era encontrada em cidades mais antigas, se desenvolveu nas novas só mais tarde, quando as cidades entraram em relação umas com as outras. Tanto para as cidades quanto para a nobreza fundiária o enfeixa- mento de territórios maiores em reinos feudais era uma necessidade / 'B e d ü rfn is / '. A organização da classe dominante, da nobreza, tinha por isso em toda parte um monarca à frente. O fato é portanto este: determinados indivíduos que são ativos produtivamente de modo determinado entram nessas relações políticas e sociais determinadas. Em cada caso singular a observação empírica tem que evidenciar, empiricamente e sem qualquer mistificação e espe culação, a interconexão da estrutura social e política com a produção. A estrutura social e o Estado emergem constantemente do processo da vida de indivíduos determinados; mas desses indivíduos não como pos sam aparecer na representação / 'V o rs te llu n g / ' própria ou alheia, e feim como são efetivamente, quer dizer, como atuam, produzem material mente, portanto como são ativos sob determinados limites, pressupostos e condições materiais que independem do seu arbítrio *. A produção das idéias, representações, da consciência está de início | imediatamente entrelaçada na atividade material e no intercâmbio mate- I rial dos homens, linguagem da vida efetiva. O representar, pensar, o / intercâmbio intelectual dos homens aparecem aqui ainda como afluência direta do seu comportamento material. O mesmo vale para a produção intelectual tal como se apresenta na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc., de um povo. Os homens são os produtores das suas representações, idéias, etc., mas os homens efetivos, âtuantes, tal como são condicionados por um desenvolvimento determi nado das suas forças produtivas e do intercâmbio correspondente às / mesmas, até as suas formações mais amplas. A consciência nunca pode j ser outra coisa do que o ser / /% e \n // consciente, e o ser dos homens * [Riscado no manuscrito o seguinte:] As representações que estes indivíduos se fazem são representações ou sobre a relação deles com a natureza ou sobre a relação deles entre si, ou sobre a própria constituição deles. É iluminador que em todos estes casos estas representações são a expressão consciente — efetiva ou ilusória — das suas relações e atuação efetivas, da sua produção, do seu intercâmbio, da sua organização social e política. A suposição oposta só é possível quando se pressupõe ainda um espírito à parte fora o espírito dos indivíduos efetivos, materialmente condicionados. Se a expressão consciente das relações efetivas destes indivíduos é ilusória, se em suas representações colocam a sua realidade efetiva de cabeça para baixo, então isto é por sua vez uma conseqüência do seu modo limitado de atuarem materialmente e das suas relações sociais limitadas que surgem disso. 193 é o seu processo efetivo de vida. Se em toda ideologia os homens e as suas relações aparecem como numa câmera obscura18, virados de cabeça para baixo, este fenômeno decorre tanto do seu processo histó rico de vida quanto a inversão dos objetos na retina decorre do seu/ p r o c e s s o / imediatamente físico. Inteiramente em oposição à filosofia alemã que desce do céu para a terra, aqui se sobe da terra para o céu. Em outras palavras, não se parte do que os homens dizem, imaginam, se representam, também não de homens ditos, pensados, imaginados, representados, para daí se chegar aos homens de carne e osso; parte-se de homens efetivamente ativos e a partir do processo efetivo de vida deles é também apresentado o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida. Também as imagens nebulosas no cérebro dos homens são subli- mações necessárias do seu processo material de vida, empiricamente constatável e ligado a pressupostos materiais. Com isso a moral, religião, metafísica e qualquer outra ideologia e as formas de consciência corres pondentes a elas, não mantêm mais a aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento, mas desenvolvendo a sua produção material e o seu intercâmbio material os homens mudam, com esta sua realidade efetiva, também o seu pensamento e os produtos do seu pensa mento. Não a consciência determina a vida, mas a vida determina a consciência. No primeiro modo de consideração parte-se da consciência como o indivíduo vivo, no segundo, que corresponde à vida efetiva, parte-se dos indivíduos vivos efetivos e considera-se a consciência apenas como a consciência deles. Esse modo de consideração não é sem pressupostos. Parte dos pres supostos efetivos, não os abandona um instante sequer. Os seus pressu postos são os homens em seu processo de desenvolvimento efetivo, empi ricamente intuível e sob condições determinadas, e não os homens fecha dos em si e fixados em alguma fantasia. Tão logo este processo ativo da vida seja apresentado, a história deixa de ser uma coleção de fatos mortos, tal como ainda o é mesmo entre os empiristas abstratos, ou uma ação imaginária de sujeitos imaginários, como entre os idealistas. Lá onde termina a especulação, na vida efetiva, aí começa portanto a ciência positiva, efetiva, a exposição do exercício prático, do processo prático de desenvolvimento dos homens. Cessam as frases da consciência, o seu lugar tem que ser ocupado por saber efetivo. A filosofia autônoma perde o seu medium de existência com a exposição da realidade efetiva. Na melhor das hipóteses ela pode dar lugar a um resumo dos resultados 18 Designação de uma caixa à prova de luz dotada de um pequeno orifício através do qual entram raios luminosos que projetam, na parede oposta ao mesmo, a figura invertida de objetos colocados diante do dito orifício. Ao que tudo indica foi construída pela primeira vez por Leonardo da Vinci. mais gerais que se deixam abstrair da consideração do desenvolvimento histórico dos homens. Estas abstrações não têm de maneira alguma valor por si, separadas da história efetiva. Elas apenas podem servir para facilitar a ordenação do material histórico, para indicar a seqüência dos seus estratos isolados. Mas de maneira alguma dão, assim como a filosofia, uma receita ou esquema segundo o qual as épocas históricas possam ser ajustadas. Ao contrário, a dificuldade primeiro começa onde / / a lg u é m / inieia a consideração e ordenação do material, seja de uma época passada ou do presente, a exposição efetiva. A eliminação destas dificuldades está condicionada por pressupostos que de modo algum podem ser dados aqui, mas que resultam primeiro do estudo do processo efetivo de vida e da açãó dos indivíduos de cada época. Recortamos aqui algumas destas abstrações que usamos frente à ideologia, e as elucida remos em exemplos históricos. [1.] História Entre os alemães desprovidos de pressupostos temos que começar constatando o primeiro pressuposto de toda existência humana e portanto também de toda história, a saber, o pressuposto de que os homens pre cisam estar em condições de viver para poderem “fazer história” *. Mas para viver é preciso antes de mais nada comer e beber, morar, vestir, e ainda algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é portanto engen drar os meios para a satisfação dessas necessidades, produzir a vida material mesma, e isto é um ato histórico, uma condição básica de toda a história que ainda hoje, como há milênios, precisa ser preenchida a cada dia e a cada hora tão-somente para manter os homens vivos. Mesmo quando a sensorialidade, como em São Bruno 1!), está reduzida a um bastão, ao mínimo, ela pressupõe a atividade de produção deste bastão. Em toda concepção histórica, portanto, a primeira coisa é observar esse fato fundamental em todo o seu significado e em toda a sua extensão e colocá-lo onde de direito. Os alemães, como se sabe, nunca fizeram isso, por conseguinte nunca tiveram uma base terrena para a história e conseqüentemente nunca tiveram um historiador. Embora também tomas sem de maneira altamente unilateral a interconexão deste fato com a assim chamada história, principalmente enquanto estavam presos à ideolo gia política, os franceses e os ingleses ainda assim fizeram as primeiras * (N ota marginal de M arx:] Hegel. Relações geológicas, hidrográficas, etc. Os corpos humanos. Necessidade / B e d ü r f n i s / , trabalho. 19 Referência irônica a Bruno Bauer (1809-1882), teólogo que foi aluno de Hegel e que, com base nos ensinamentos do seu mestre, exerceu aguda crítica às inter pretações vigentes da Bíblia, tentando ver historicamente o fenômeno do cris tianismo. tentativas para dar uma base materialista à historiografia ao serem os primeiros a escrever histórias da sociedade burguesa 20, do comércio e da indústria. Em segundo lugar, a primeira necessidade satisfeita, a ação da satisfa ção e o instrumento da satisfação já adquirido levam a novas necessidades — e esse engendramento de novas necessidades é o primeiro ato histó rico. Mas aqui já se patenteia de imediato de que mente é filha a grande sabedoria histórica dos alemães que, onde lhes falta o material positivo e onde não se debatem absurdos teológicos nem políticos nem literários, não deixam acontecer história alguma, mas o “tempo pré-histórico”, sem no entanto nos esclarecerem como se passa desse absurdo da “pré- -história” à história propriamente — embora, por outro lado, a sua especulação histórica se atire de maneira bastante particular sobre esta “pré-história” porque acreditam estar aí seguros ante a ingerência do “fato bruto” e, ao mesmo tempo, porque aí podem soltar as rédeas dos seus impulsos especulativos, engendrando e derrubando hipóteses aos milhares. \ A terceira circunstância //V erh ã ltn is //, o que já de antemão entra no desenvolvimento histórico, é a de que os seres humanos 21 que reno vam a sua própria vida diariamente começam a fazer outros seres huma nos, isto é, a se reproduzirem — a relação entre homem e mulher, pais e filhos, a família. Essa família, que no começo é a única relação social, torna-se mais tarde, onde o crescimento das necessidades / 'B ed ü rfn isse /' engendra novas relações sociais e o crescimento populacional novas necessidades, uma relação subordinada (exceto na Alemanha) e tem então que ser tratada e desenvolvida segundo os dados empíricos existentes e não segundo o “conceito de família” , como se costuma fazer na Alerria- 1 nha *. De resto, esses três aspectos da atividade social não devem ser * Construção de casas. Entre os selvagens com preende-se por si m esm o que cada fam ília tenha a sua própria caverna ou choupana, assim com o entre os nômades cada fam ília tem uma tenda separada. Esta econom ia doméstica separada só é tornada ainda mais necessária pelo desenvolvim ento ulterior da propriedade privada. Entre os povos agrícolas a econom ia dom éstica em com um é tão impossível quanto o cultivo em comum do solo. A edificação de cidades foi um grande progresso. Em todos os períodos até agora, con tudo, asuperação / / A u fh cb u n g ,/ da econom ia separada, que não deve ser separada da superação da propriedade privada, era im possível já porque as condições materiais para tanto não estavam presentes. A instituição de uma econom ia doméstica em comum pressupõe o desenvolvim ento da maqui- 20 “Bürgerliche Gesellschaft” também significa “sociedade civil”. 21 Até agora sempre traduzimos “Mensch” por “homem” no sentido de “indivíduo pertencente à espécie humana”. Mas no curso deste parágrafo, e só deste, o traduziremos por “ser humano” para diferenciar de “Mann”, “homem”, no sentido de “indivíduo da espécie humana pertencente ao sexo masculino”. 196 tomados como três estágios diferentes, mas tão-somente como três aspec tos ou, escrevendo claro para os alemães, como três “momentos” que existiram simultaneamente desde o início da história e desde os primeiros homens, fazendo-se valer ainda hoje na história. produção da vida, tanto da própria pelo trabalho quanto da alheia pela procriação, aparece agora já de imediato como uma relação j dupla — de um lado como relação natural, de outro como relação / social — , social no sentido de que com isto se entende a cooperação de / vários indivíduos, não importando sob que condições, de que modo e / , para que finalidade. Depreende-se disto que um determinado modo de í produção ou estágio industrial está sempre unido a um determinado modo de cooperação ou estágio social, este modo de cooperação sendo ele mesmo uma “força produtiva”, /d e p re e n d e - s e / que a quantidade das forças produtivas acessíveis aos homens condiciona o estado social / e que portanto a “história da humanidade” precisa ser trabalhadá e estudada sempre em conexão com a história da indústria e da troca, Mas / também está claro como é impossível escrever tal história na Alemanha, pois para tanto faltam aos alemães não apenas a capacidade de concepção j e o material, mas também a “certeza sensorial”, e além do Reno não se j pode fazer experiência alguma sobre estas coisas porque lá não trans- \ corre mais história alguma. Já de antemão mostra-se portanto uma interconexão materialista dos homens entre si, condicionada pelas ne- ?(' cessidades /B e d ü r fn is s e / e pelo modo de produção e sendo tão velha " quanto os homens mesmos — uma interconexão que assume sempre t formas novas e que portanto oferece uma “história”, também sem que exista qualquer besteira política ou religiosa que ainda mantenha suple- - ' mentarmente unidos os homens. Somente agora, depois de já termos observado quatro momentos, atro aspectos das relações sociais originárias, achamos que o homem nbém tem “consciência” *. Mas também isso não de antemão, como nsciência “pura” . O “espírito” tem em si de antemão a maldição de r “afetado” pela matéria, que aqui se faz presente na forma de camadas naria, da utilização das forças naturais e de muitas outras forças produtivas — por exem plo, de aquedutos, da ilum inação a gás, da calefação a vapor, etc., superação [da oposição] de cidade e campo. Sem estas condições, a econom ia em com um não seria ela m esm a uma nova força de produção, ou seja, seria um mero capricho e só levaria a uma econom ia de convento. — O que era possível patenteia-se na congregação em cidades e na edifi cação de casas com unais para fins determinados singulares (prisões, casernas, etc .) . Compreende-se por si que a superação da econom ia separada não deve ser separada da superação da família. * Os hom ens têm história porque têm que produzir a sua vida, e a tem que / p r o d u z i r / de m odo determinado', isto está dado por sua organização física; da mesma maneira que a sua consciência. 197 de ar em movimento, de sons, em suma de linguagem. A linguagem é tão velha quanto a consciência — a linguagem é a consciência efetiva, prática também existente para outros homens, portanto também existente primeiro para mim mesmo, e assim como a consciência a linguagem surge somente da necessidade / 'B e d ü rfn is / ', da emergência de inter câmbio com outros homens *. Onde existe uma relação lá ela existe para mim; o animal “se comporta” 22 perante nada e de maneira alguma. Para o animal a sua relação com outros não existe como relação. Já de antemão, portanto, a consciência é um produto social e assim continua enquanto em geral existirem homens. Naturalmente a consciência é pri meiro mera consciência sobre o meio circundante sensorial mais próximo e consciência da interconexão limitada com outras pessoas e coisas fora do indivíduo que se torna consciente; é ao mesmo tempo consciência da natureza, que de início se coloca frente aos homens como um poder inteiramente alheio, onipotente e inatingível, perante o qual os homens se comportam de maneira puramente animal, pelo qual se deixam im pressionar tal como os animais; é portanto uma consciência puramente animal da natureza (religião da natureza). De imediato se vê então que esta religião da natureza ou este com portamento determinado perante a natureza está condicionado pela forma da sociedade e vice-versa. Aqui, como em toda parte, a identidade entre natureza e homem também surge de maneira tal que o comportamento limitado dos homens perante a natureza condiciona o seu comportamento limitado uns para com os outros, e que o seu comportamento limitado uns para com os outros condiciona o seu comportamento limitado peran te a natureza precisamente porque a natureza ainda está muito pouco modificada historicamente, e de outro lado a consciência da necessidade //N otw endigkeit// de entrar em contato com os indivíduos circundantes / / é / / o início da consciência de que ele vive de maneira geral numa sociedade. Esse início é tão animal quanto a vida social mesma nesse estágio, sendo mera consciência gregária, e aqui o homem se distingue do carneiro só pelo fato de a consciência tomar nele o lugar do instinto ou pelo de o seu instinto ser um ^ in s t in to ,/ consciente. Esta consciência tribal ou carneiral recebe o seu desenvolvimento e formação posterior através da crescente produtividade, do aumento das necessidades e do crescimento populacional subjacente a ambos. Com isso desenvolve-se a divisão do trabalho, que em sua origem nada mais era do que a * [Riscado no manuscrito o seguinte:] Minha relação com o meu m eio cir cundante é minha consciência. 22 O verbo “sich verhalten zu” pode ser traduzido por “ter a atitude diante de” no duplo sentido de “relacionar-se com” e de “comportar-se perante”, é cognato dos substantivos “Verhalten” = “comportamento” e “Verháltnis” = “relação” (no sentido técnico marxista). divisão do trabalho no coito, depois divisão do trabalho que se faz espontânea ou “naturalmente” em virtude da disposição natural (por exemplo, força física), das necessidades, dos acasos, etc., etc. A divisão do trabalho só se torna efetivamente divisão a partir do instante em que se instaura uma divisão do trabalho material e do intelectual *. A partir desse instante a consciência pode efetivamente imaginar que é algo outro do que a consciência da prática existente, / p o d e im a g in a r/ efetiva mente representar algo sem representar algo efetivo — a partir desse instante a consciência está em condições de se emancipar do mundo e passar à formação da “pura” teoria, teologia, filosofia, moral, etc. Mas mesmo quando essa teoria, teologia, filosofia, moral, etc., entram em contradição com as relações existentes, isso só pode acontecer pelo fato de que as relações sociais existentes entraram em contradição com a força de produção existente — o que de resto pode também acontecer num determinado círculo nacional de relações pelo fato de a contradição se instalar não neste âmbito nacional, mas entre esta consciência nacional e a práxis das outras nações **, isto é,entre a consciência nacional e a consciência universal de uma nação. No mais, é inteiramente indiferente o que a consciência enceta sozinha; de toda essa porcaria nós só recebemos o resultado de que esses três momentos, a força de produção, o estado social e a consciência, podem e têm que entrar em contradição uns com os outros porque com a divisão do trabalho está dada a possibilidade, até mesmo a realidade efetiva, de que a atividade intelectual e material — de que a fruição e o ' trabalho, produção e o consumo, tocam a indivíduos diferentes, a possibilidade de que não entrem em contradição jazendo só no fato de ser de novo superada a divisão do trabalho. De resto, compreende-se por si que os “fantasmas”, “vínculos”, “essência superior”, “conceito”, “es crúpulo”, nada mais são do que a expressão intelectual idealista, a repre sentação aparentemente do indivíduo isolado, a representação de barreiras e cadeias bastante empíricas dentro das quais se movimenta o modo de produção da vida e a forma de intercâmbio ligada a ele. Com a divisão do trabalho, na qual estão dadas todas essas contra dições e que por sua vez repousa na divisão natural do trabalho na família e na separação da sociedade em famílias isoladas contrapostas umas às outras, também está dada ao mesmo tempo a repartição, e pre cisamente a repartição desigual, tanto quantitativa quanto qualitativa, do trabalho e dos seus produtos, a propriedade já tendo portanto o seu gérmen, a sua primeira forma na família, onde a mulher e as crianças são escravos do homem. A escravidão latente na família, claro que ainda muito rudimentar, é a primeira propriedade, de resto já correspondendo * [Nota marginal de Marx:] Primeira form a dos ideólogos, padres, coincide. ** [N ota marginal de M arx.] Religião. Os alemães com a ideologia com o tal. 199 aqui inteiramente à definição dos economistas modernos, segundo a qual //& p ropriedade^ é a disposição sobre força de trabalho alheia. No mais, divisão do trabalho e propriedade privada são expressões idênticas — numa se enuncia com referência à atividade o que na outra se enuncia com referência ao produto da atividade. Além disso, com a divisão do trabalho está dada ao mesmo tempo a contradição entre o interesse do indivíduo singular ou da família singu lar e o interesse comunitário de todos os indivíduos que mantêm inter câmbio entre si; e, claro, esse interesse comunitário existe não apenas na representação, como “universal”, mas primeiro na realidade efetiva como dependência mútua dos indivíduos entre os quais o trabalho está dividido. E finalmente a divisão do trabalho nos oferece logo o primeiro exemplo de que, enquanto os homens se encontram na sociedade natural, enquanto pois existe a cisão entre o interesse comum e o privado, por tanto enquanto a atividade não está dividida voluntariamente mas sim naturalmente, o próprio ato do homem se lhe torna um poder alheio que está frente a ele, que o subjuga ao invés de ele dominá-lo. Pois assim que o trabalho começa a ser dividido, cada um tem uma esfera de atividade exclusiva e determinada que lhe é impingida e da qual não pode fugir; ele é caçador, pescador ou pastor ou crítico crítico /'k ritischer K ritik er^ e tem que continuar a sê-lo se não quiser perder os meios para viver — ao passo que na sociedade comunista, onde ninguém tem uma esfera de atividade exclusiva, mas pode se treinar em qualquer ramo de seu agrado, a sociedade regula a produção geral e me torna com isso possível fazer hoje isso, amanhã aquilo, de manhã caçar, de tarde pescar, à noite cuidar do rebanho, depois da refeição fazer crítica como me aprouver, sem jamais me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico. Essa fixação da atividade social, essa consolidação do nosso próprio produto num poder coisal sobre nós que escapa do nosso con trole, que contraria as nossas expectativas, que aniquila os nossos cál culos, é até hoje um dos momentos principais no desenvolvimento histó rico; é exatamente a partir desta contradição entre o interesse particular e o comunitário que o interesse comunitário assume como Estado uma configuração autônoma, separada dos interesses efetivos globais e indi viduais, e / / assum e// ao mesmo tempo como comunitariedade ilusória, mas sempre sobre a base real dos laços existentes em cada aglomeração familiar e tribal, tais como os laços de sangue, língua, divisão do trabalho em maior escala e outros interesses — e particularmente, como o desen volveremos mais adiante, ^ so b re a base real dos in teresses^ de classes já condicionadas pela divisão do trabalho, ^ c la s se s / '' que se destacam em cada agrupamento humano desse tipo e das quais uma domina todas as outras. Segue-se disto que todas as lutas dentro do Estado, a luta entre de mocracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito ao voto, etc., etc., nada mais são do que as formas ilusórias nas quais são conduzidas as lutas efetivas entre as diversas classes (os teóricos alemães não pescaram 200 uma sílaba disso, apesar de que se deu a eles uma orientação suficiente nos Anais franco-alemães e na Sagrada família) e além disso /seg u e -se q u e / toda classe que aspira à dominação, também quando a sua domi nação, como é o caso do proletariado, condiciona a superação de toda a antiga forma da sociedade e da dominação em geral, tem que primeiro conquistar para si o poder político a fim de apresentar novamente o seu interesse como o universal, a que ela está forçada num primeiro instante. Exatamente porque os indivíduos apenas buscam o seu interesse parti cular, que para eles não coincide com o interesse comunitário, o univer sal / s e n d o / a forma ilusória da comunitariedade, este se faz valer como um interesse “alheio” a eles e “independente” deles, como um interesse “universal” ele mesmo novamente particular e peculiar, ou eles mesmos têm que se moverem nesse dilema, tal como na democracia. Por outro lado, então, a luta prática desses interesses particulares que sempre vão constante e efetivamente contra os interesses comunitários e os comunitários ilusórios torna necessária a intervenção e o refreameijto práticos pelo interesse “universal” ilusório como Estado. O poder social, isto é, a força multiplicada de produção que surge através da cooperação entre os diversos indivíduos condicionada na divisão do trabalho, aparece a estes indivíduos, e isto porque a cooperação mesma não é voluntária mas natural, não como o seu poder próprio, unido, mas como um poder 23 alheio situado fora deles, do qual não sabem nem de onde nem para onde e que portanto não podem mais dominar, que ao contrário percorre uma seqüência peculiar de fases e de estágios de desenvolvimento inde pendentes da vontade e da marcha dos homens, até mesmo dirigindo esta vontade e esta marcha. Esta “alienação” , para permanecermos compreensíveis ao filósofo, naturalmente só pode ser superada sob dois pressupostos práticos. Para que se torne um poder “insuportável” , isto é, um poder contra o qual se revoluciona, é preciso que ela tenha engendrado a massa da huma nidade como completamente “sem propriedade” e isto ao mesmo tempo em contradição com um mundo existente de riqueza e de cultura, ambos pressupondo um grande aumento da força produtiva, um alto grau do seu desenvolvimento — e de outro lado este desenvolvimento das forças produtivas (com o qual já está simultaneamente dada a existência empí rica presente no existir dos homens que se dá em escala de história universal, ao invés de em escala local) também é um pressuposto prático absolutamente necessário porque sem ele só se generalizaria a carência / M a n g e l / , como a penúria também recomeçaria ‘portanto a briga pelo necessário e se instauraria toda a merda anterior, porque além disso 23 Aqui se trata do termo “Gewalt”, noscasos anteriores de “Macht”, o segundo significando “poder” num sentido mais abstrato e o primeiro “poder” como “ins tância de poder” (os três poderes, por exemplo), mas também podendo signjficar “violência”. 201 somente com esse desenvolvimento universal das forças produtivas está posto um intercâmbio universal dos homens, por conseguinte de um lado gerou o fenômeno da massa dos “sem propriedade” ao mesmo tempo em todos os povos (concorrência universal), cada um dos mesmos se tornou dependente das revoluções dos outros e finalmente pôs os indi víduos empiricamente universais, que chegaram à história universal, no lugar dos indivíduos locais. Sem isso 1) o comunismo só poderia existir como uma localidade, 2) os poderes do intercâmbio não teriam eles mesmos podido se desenvolver como poderes universais e portanto insu portáveis, mas teriam permanecido “circunstâncias” supersticiosas de ordem local, e 3) toda ampliação do intercâmbio suprimiria 24 o comu nismo local. O comunismo só é empiricamente possível “ repentina” e simultaneamente como ato dos povos dominantes, o que pressupõe o desenvolvimento universal da força produtiva e o comércio mundial ^ W e ltv e rk eh r^ ligado a ele. De outra maneira, como a propriedade, por exemplo, teria em geral podido ter uma história, assumir figuras diversas e impelir a propriedade da terra, segundo as diversas condições existentes, do parcelamento à concentração em poucas mãos na França, da concentração em poucas mãos ao parcelamento na Inglaterra, como é efetivamente o caso de hoje? Ou como é que o comércio, que nada mais é do que a troca de produtos entre diversos indivíduos e nações, domina o mundo inteiro pela relação entre oferta e procura — uma relação que, como já disse um economista inglês, paira sobre a Terra como o destino antigo e com mãos invisíveis distribui felicidade e infeli cidade aos homens, funda reinos e destrói reinos, faz surgir e desaparecer povos — enquanto com a superação da base, da propriedade privada, com a regulação comunista da produção e com o aí situado aniquila mento da alienidade com a qual os homens se comportam perante o seu próprio produto, o poder da relação entre oferta e procura se dissol ve em nada e os homens retomam sob o seu controle a troca, a produção, o modo do seu comportamento recíproco? Para nós o comunismo não é um estado que deva ser instaurado, um ideal pelo qual a realidade efetiva tenha que se guiar. Chamamos comunismo o movimento efetivo que supera o estado de coisas de hoje. As condições deste movimento resultam dos pressupostos existentes agora. De resto, a massa de simples trabalhadores — força massiva de trabalha dores isolada do capital ou de qualquer satisfação limitada — e por isso também a perda não mais temporária desse trabalho mesmo como uma fonte segura de vida pela concorrência pressupõe o mercado mun dial. Portanto' o proletariado só pode existir em termos de história uni versal, assim como o comunismo, a sua ação, só pode estar presente enquanto existência “histórico-universal” em geral; existência histórico- 24 Aqui o contexto justifica traduzir por “suprimir” o verbo “aufheben”, o qual via de regra traduzimos por “superar”. 202 -universal dos indivíduos, quer dizer, existência dos indivíduos que está imediatamente ligada à história universal. A forma de intercâmbio condicionada pelas forças existentes de produção em todos os estágios históricos até hoje, e que por sua vez as condiciona, é a sociedade civil /b ü rg erlich e G ese lschaft/ que, como já fica patente do que precede, tem a família simples e a família com posta, a assim chamada tribalidade, como o seu pressuposto e base, e cujas determinações mais precisas estão contidas no que precede. Já aqui se mostra que esta sociedade civil é o verdadeiro palco e foco de toda a história e que contra-senso é a concepção de história até hoje existente, a qual se limita às altissonantes ações principais e às do Estado, des- curando das relações efetivas *. A sociedade civil abrange o conjunto do intercâmbio material dos indivíduos dentro de um determinado estágio de desenvolvimento das forças produtivas. Abrange o conjunto da vida comercial e industrial de um estágio e nesta medida ultrapassa o Estado e a nação, embora ppr outro lado ela novamente se faça valer para fora como nacionalidade e tenha que se estruturar como Estado para dentro. A expressão sociedade civil veio do século XVIII, quando as relações de propriedade já haviam se destacado da coletividade antiga e medieval. A sociedade civil 25 como tal só se desenvolve com a burguesia; a organização social que se desen volve imediatamente da produção e do intercâmbio, que em todos os tempos forma a base do Estado e da superestrutura idealista restante, foi entretanto constantemente designada com o mesmo nome. [2.] Sobre a produção da consciência ** 2,1 É claro que na história até o presente momento é igualmeifte um fato empírico que, com a extensão da atividade a uma escala de história universal, os indivíduos foram sendo cada vez mais subjugados a um * [Riscado no manuscrito o seguinte:] A té hoje consideramos principalmente só um dos aspectos da atividade humana, o trabalhar a natureza / / realizado/ / pelos homens. O outro aspecto, o trabalhar os hom ens / r e a l i z a d o / ' pelos hom en s. , . Origem do Estado e a relação do Estado com a sociedade civil. 25 Mantemos essa tradução também aqui, embora “sociedade burguesa” se ade quasse melhor ao contexto. ** O texto alemão de A ideologia alem ã tomado por base de nossa tradução está publicado em M à r x , K . e E n g e l s , F . W erke. Berlim, Dietz Verlag, 1969. v. III, p. 37-40, 46-50 e 73-7 . Traduzido por Viktor von Ehrenreich. 2l* Sobre as convenções adotadas nesta tradução cf. nota 1, p. 182. / poder que lhes era alheio 27 (cuja opressão eles se representavam então como chicana do assim chamado espírito universal, etc.), um poder que se tornou cada vez mais massivo e que em última instância se evidencia como mercado mundial. Mas está fundado de maneira igual mente empírica que este poder, tão misterioso para os teóricos alemães, será dissolvido pela derrubada do estado social existente mediante a revolução comunista (sobre isso ver mais abaixo) e pela superação da propriedade privada, idêntica àquela revolução, e então será conseguida a libertação de cada indivíduo singular na mesma medida em que a história se transformar completamente em história universal. Segundo o dito acima está claro que a riqueza espiritual efetiva28 do indivíduo depende totalmente da riqueza das suas relações efetivas. É só através disso que cada indivíduo será libertado das diversas barreiras nacionais e locais, posto em relação prática com a produção (também com a espiritual) do mundo inteiro e posto em condições de adquirir a capa cidade de desfrutar desta produção multifacética da Terra inteira (cria ções do homem). A dependência de todos os lados, esta forma natural de cooperação dos indivíduos em escala de história universal, será trans formada por esta revolução comunista no controle e dominação cons ciente destes poderes que, engendrados a partir da ação recíproca entre os homens, até agora os impressionaram e dominaram como poderes inteiramente alheios. Por seu turno esta concepção pode ser formulada especulativo-idealistamente, isto é, fantasiosamente, como “auto-engen- dramento do gênero” (a “sociedade como sujeito” ), podendo através disso a série sucessiva de indivíduos ligados entre si ser representada como um único indivíduo que realiza o mistério de engendrar a si mesmo. Claro que aqui se mostra que os indivíduos se fazem uns aos outros física e espiritualmente, mas não se fazem nem na insensatez de São Bruno nem no sentido do “único”, do homem “feito” . Esta concepçãoda história repousa portanto sobre o seguinte: desen volver o processo efetivo de produção partindo da produção material da vida imediata e tomar como base de toda história a forma de inter câmbio ligada com este modo de produção e engendrada por ele, logo a sociedade civil //bürgerliche G eselschaft^ em seus diversos estágios, e tanto apresentá-la em sua ação como Estado quanto explicar a partir dela o conjunto das diversas produções teóricas e formas da consciência, reli gião, filosofia, moral, etc., etc., e seguir o seu processo de surgimento a 203 27 Literalmente “lhes era estranho”. Traduziremos o adjetivo “frem d” por “alheio” devido a ser cognato do substantivo “Entfremdung” = “alienação”. 28 Para maior simplicidade traduziremos o adjetivo “wirklich” por “efetivo”, em-, bora talvez fosse mais correto e completo “efetivamente real” ou “realmente efetivo”. Reservaremos “real” para os adjetivos alemães “real” e “reell”. 204 partir dessas produções, onde naturalmente também se poderá apresentar a coisa 29 em sua totalidade (e por isso também a ação destes diversos aspec tos uns sobre os outros). Ela não tem que procurar por uma categoria em cada período, tal como a concepção idealista da história, mas permanece constantemente no terreno efetivo da história, não explica a práxis a partir da idéia, explica as formações de idéias a partir da práxis material e de acordo com isso também chega ao resultado de que todas as formas e pro dutos da consciência não podem ser resolvidos pela crítica intelectual30, mediante resolução em “autoconsciência” ou transformação em “apari ções”, “fantasmas” , etc., mas só mediante a derrubada prática das relações sociais reais das quais emergiram estas baboseiras idealistas — que não a crítica mas que a revolução é a força motriz da história também da religião, filosofia e demais teorias 81. Ela mostra que a história não termi na com resolver-se em “autoconsciência” como “espírito do espírito”, mas que nela a cada estágio se encontra um resultado material, uma soma de forças de produção, uma relação historicamente criada com a natureza e dos indivíduos entre si que é transmitida a cada geração por sua predecessora, uma massa de forças produtivas, capitais e circuns tâncias que de um lado bem que é modificada pela geração nova, mas que de outro lado também lhe prescreve as suas próprias condições de vida e lhe dá um desenvolvimento determinado, um caráter específico — portanto que as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstâncias. Esta soma de forças produtivas, capitais e formas sociais de intercâmbio que cada indivíduo e cada geração encon tra aí como algo dado, é o fundamento real daquilo que os filósofos se representaram como “substância” e “essência do homem”, daquilo que apoteotizaram e combateram, um fundamento real que não é nem um pouco perturbado em seus efeitos e influxos sobre o desenvolvimento dos homens pelo fato de se rebelarem contra isso os filósofos na quali dade de “autoconsciência” e “único”. Estas condições de vida encon tradas aí pelas diversas gerações também decidem se o abalo revolu cionário que retorna periodicamente na história será suficientemente forte ou não para pôr abaixo a base de tudo o que existe, e se estes elementos materiais de uma revolução total, a saber, de um lado as forças produ 29 “Sache” não é tão neutro quanto “coisa”, mas também não chega a ser “objeto” no sentido de “coisa posta à consideração de um sujeito”. Traduziremos “Sache” de maneira insuficiente por “coisa” e o respectivo adjetivo “sachlich” por “coisal”. 30 “geistige Kritik”, literalmente “crítica espiritual”. 31 Tradução literal do passus “díe treibende Kraft der Geschichte auch der Religion, etc.”, interpretável tanto como (o mais provável) “a força motriz da história / e / também //força motriz/" da religião, etc.”, quanto como “a força motriz da história / e m geral e / / também / d a h is tó r ia / da religião, etc.”. 205 tivas disponíveis e de outro lado a formação de uma massa revolucionária que revoluciona não só contra condições singulares da sociedade existente até então, mas contra a “produção da vida” mesma existente até então, contra a “atividade global” sobre a qual a sociedade se baseava — se estes elementos não estão à mão, então é completamente indiferente para o desenvolvimento prático o fato de a idéia desta revolução já ter sido enunciada cem vezes — tal como o prova a história do comunismo. Até aqui toda concepção de história ou deixou total e completamente de levar em conta esta base efetiva da história ou só a considerou como algo colateral que está fora de qualquer interconexão com o decurso histórico. Por conseguinte, a história tem sempre que ser escrita segundo um critério que se situa fora dela; a produção efetiva da vida aparece como proto-histórica, ao passo que o histórico aparece como o separado da vida comum, como o extra-supramundano. A relação do homem com a natureza está com isso excluída da história, com o que é engendrada a oposição entre natureza e história. Por conseguinte, ela só pôde ver na história ações políticas centrais e ações do Estado, bem como lutas religiosas e de maneira geral teóricas, tendo em especial que partilhar com cada época histórica as ilusões desta época. Por exemplo, se uma época imaginar que é determinada por motivos puramente “políticos” ou “religiosos”, embora “religião” e “política” sejam apenas formas dos seus motivos efetivos, então o seu historiógrafo aceitará esta opinião. A “imaginação”, a “representação” destes homens determinados sobre a sua práxis efetiva é transformada no único poder ativo e determinante que domina e determina a práxis destes homens. Se a forma rudimentar em que a divisão do trabalho ocorre entre os indianos e egípcios faz emergir o sistema de castas no Estado e na religião destes povos, o historiador acredita que o sistema de castas é o poder que engendrou esta forma social rudimentar. Enquanto os franceses e os ingleses pelo menos se atêm à ilusão política, que ainda está mais próxima da reali dade efetiva32, os alemães se movem na região do “espírito puro” e fazem da ilusão religiosa a força motriz da história. A filosofia da história de Hegel é a última conseqüência, levada à sua “expressão mais pura” , do conjunto desta historiografia alemã, na qual se trata não de inte resses efetivos, nem mesmo políticos, mas de pensamentos puros que então também têm que aparecer a São Bruno como uma série de “pensa mentos” dos quais um devora o outro para enfim submergir na “auto- consciência”, e ainda mais conseqüentemente este decurso histórico tinha que aparecer a São Max Stirner, que não sabe nada acerca de toda a história efetiva, como uma mera história de “cavaleiros” , de ladrões e 32 Por “realidade efetiva” traduzimos aqui “Wirklichkeit”, também traduzível por “efetividade”. Sobre o respectivo adjetivo “wirklich” cf. nota 28. 206 de fantasmas, de cujas visões ele naturalmente só sabe se salvar na “impiedade” *. Esta concepção é efetivamente religiosa, supõe o homem religioso como o homem primevo do qual parte toda a história, e em sua imaginação coloca a produção de fantasias religiosas no lugar da produção efetiva de meios de vida e / d a p ro d u ç ã o / da vida mesma. Toda esta concepção da história, junto com a sua solução 33 e as hesi tações e escrúpulos que surgem daí, é um assunto meramente nacional dos alemães e tem só um interesse local para a Alemanha, como por exemplo a importante questão ultimamente tratada de múltiplas ma neiras: como propriamente “a partir do reino de Deus se chega ao reino dos homens”, como se este “reino de Deus” tivesse existido em outra parte senão na imaginação e estes eruditos senhores, sem o saber, não vivessem constantemente no “reino dos homens”à procura de cujo cami nho estão agora, e como se a diversão científica, pois não é mais do que isto, de explicar, o curioso desta miragem teórica não residisse, de maneira precisamente inversa, em que se evidencie o seu surgiment^ a partir das relações terrenas efetivas. De maneira geral, entre estes alemães se trata sempre de resolver em qualquer outro capricho o absurdo encon trado aí, ou seja, pressupor que todo este absurdo chega a ter um sentido 34 especial a ser descoberto, ao passo que só se trata de explicar estas frases teóricas a partir das relações efetivas existentes. A solução / A u flõ su n g / prática, efetiva destas frases, eliminar estas representações da consciência dos homens, é efetuada, como já se disse, por circunstân cias modificadas, não por deduções teóricas. Para a massa dos homens, ou seja, para o proletariado, estas representações teóricas não existem, portanto também não precisam ser resolvidas para ela, e se esta massa um dia teve algumas representações teóricas, por exemplo religião, então há muito que estas já foram dissolvidas 35 pelas circunstâncias. [ . . . ] Os pensamentos da classe dominante são os pensamentos dominan tes em cada época, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é simultaneamente o seu poder espiritual dominante. A * [N ota m arg inal de M arx :] A assim cham ada h is to riog rafia o b je tiv a con sistia p recisam ente em to m ar as relações h istóricas separadam en te da a ti v idade. C ará te r reacionário . 38 Tentativa de condensar num termo português os dois sentidos de “Auflõsung” em jogo aqui, o de “dissolução” e o de “resolução”, “redução”. 34 Jogo de palavras entre “Unsinn” . = “absurdo”, “asneira”, “bobagem”, e “Sinn” “sentido”. 35 Nesta frase, jogo entre os dois sentidos de “auflõsen”, o de “dissolver” e o de “resolver”. 207 classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dis põe com isso simultaneamente sobre os meios para a produção espiritual, de maneira que com isso lhe estão ao mesmo tempo submetidos em média os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios para a pro dução espiritual. Os pensamentos dominantes nada mais são senão a expressão em idéias38 das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes formuladas como pensamentos; portanto, as rela ções que tornam dominante precisamente esta tal classe, portanto os pensamentos da sua dominação. Os indivíduos que constituem a classe dominante têm, entre outras coisas, também consciência e por conse guinte pensam; logo, na medida em que dominam como classe e deter minam o âmbito inteiro de uma época histórica, compreende-se por si mesmo que fazem isso em toda a sua extensão, portanto que entre outras coisas também dominam como / / seres// pensantes, como produtores de pensamentos, regulam a produção e distribuição dos pensamentos do seu tempo; que portanto os seus pensamentos são os pensamentos domi nantes da época. Por exemplo, num tempo e num país em que o poder do rei, a aristocracia e a burguesia lutam entre si pela dominação, em que portanto a dominação está dividida, mostra-se como pensamento dominante a doutrina da divisão dos poderes, a qual é então enunciada como uma “lei eterna” . A divisão do trabalho, que acima já encontráramos como um dos poderes principais da história até hoje, externa-se agora também na classe dominante como divisão entre o trabalho material e o intelectual37, de maneira que dentro dessa classe uma parte entra em cena como os pensadores dessa classe (os ideólogos que a projetam ativamente em pensamento, que fazem da elaboração da ilusão dessa classe sobre si mesma o ramo principal da sua subsistência), ao passo que os outros se comportam mais passiva e receptivamente diante destes pensamentos e ilusões por serem, na realidade efetiva, os membros ativos dessa classe e por disporem de menos tempo para ter ilusões e pensamentos sobre si mesmos. Dentro dessa classe essa sua cisão pode se desenvolver até a uma certa contraposição e inimizade entre ambas as partes, mas que cai espontaneamente por terra quando de cada conflito prático em que a classe esteja ela mesma ameaçada, aí também desaparecendo a aparên cia de que os pensamentos dominantes não são os pensamentos da classe dominante e de que têm um poder distinto do poder dessa classe. A existência de pensamentos revolucionários numa época determinada já pressupõe a existência de uma classe revolucionária, sobre cujos pressu postos já foi dito o necessário mais acima. 38 Em alemão: “der ideelJe Ausdruck”, literalmente “a expressão ideal”, onde o adjetivo “ideal” deve ser tomado no sentido forte de “da natureza das idéias”. 37 Literalmente “espiritual”. 208 Se na concepção do decurso histórico os pensamentos da classe dominante são separados da classe dominante, se são autonomizados, se se insistir que numa época dominaram estes e aqueles pensamentos sem que haja preocupação pelas condições da produção e pelos produ tores destes pensamentos, portanto se se deixar de lado os indivíduos e os estados do mundo que subjazem aos pensamentos, então se pode por exemplo dizer que durante o tempo em que dominava a aristocracia dominavam os conçeitos de honra, de fidelidade, etc., durante a domi nação da burguesia, os conceitos de liberdade, de igualdade, etc. *. A classe dominante mesma imagina isso em média. Esta concepção de história, comum a todos os historiógrafos principalmente desde o século XVIII, se deparará necessariamente com o fenômeno de que dominam pensamentos cada vez mais abstratos, isto é, pensamentos que cada vez mais assumem a forma da universalidade. Pois cada classe nova que se põe no lugar daquela que dominava antes dela é forçada, já para realizar o seu objetivo, a apresentar o seu interesse como o interesse comum a todos os membros da sociedade, ou seja, expresso em idéias 88: dar aos seus pensamentos a forma da universalidade, apresentá-los como os únicos racionais e universalmente válidos. Já por estar frente a uma classe, a classe revolucionante se faz de antemão presente não como classe, mas como representante da sociedade inteira, aparece como a massa inteira da sociedade frente à única classe dominante **. Ela o pode porque no início o seu interesse se liga efetivamente ainda com os interesses comuns a todas as classes restantes não dominantes, porque sob a pressão das relações até então existentes o seu interesse ainda não pôde se desenvolver como interesse particular de uma classe particular. Por isso a sua vitória também é útil a muitos indivíduos das classes restantes que não chegaram a dominar, mas só na medida em que põe estes indivíduos agora na situação de se elevarem à classe dominante. Quando a burguesia francesa derrubou a dominação da aristocracia, * [Riscado no manuscrito o seguinte:] Estes “conceitos dom inantes” terão uma forma tão mais universal e abrangente quanto mais a classe dominante está com pelida a apresentar o seu interesse com o o de todos os membros da sociedade. A classe dominante mesma tem em média a representação de que estes seus conceitos dominavam e os distingue de representações dom i nantes em épocas anteriores só por apresentá-los com o verdades eternas. ** [Nota marginal de Marx:] A universalidade correspende 1. à classe contra o estamento / c f . nota 3 9 / , 2. à concorrência, intercâmbio mundial, etc., 3. à grande numerosidade da classe dominante, 4. à ilusão dos interesses com uns (essa ilusão / e / verdadeira no in íc io ), 5. ao engano dos ideólogos e à divisão do trabaiho. 38 Em alemão: “ideell ausgedrückt”. Sobre “ideell” cf. nota 36. 209 tornou com isso possível a que muitos proletários se erguessem acima do proletariado, mas só na medida em que se tornaram burgueses. Por conseguinte, cada classe nova apenas
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