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Conceitos Básicos: Espaço, Território e Territorialidade Prof. Dr. Haruf Salmen Espindola Os vários significados da palavra “espaço”, ou seja, espaço é uma categoria que pode abranger ou significar diferentes realidades físicas ou sociais. Quando se pergunta: o que é o espaço? Normalmente vem à mente o “espaço sideral”, o que está além e fora da Terra, o meio físico do universo. Quando se fala “espaço vago”: uma área desocupada em meio à áreas que estão ocupadas. Quando se fala em “espaço vazio”: uma área que não contém nada, por exemplo um terreno desocupado ou uma página em branco; também pode ser com pouca ocupação... Quando se diz o “espaço cheio”: capacidade está toda ocupada; lotação completa; área completamente tomada ou com grande quantidade de coisas. Quando se fala “espaço fechado”: área protegida; trancada, guardada; vedada, obstruída; área não inclui elemento algum; ou que não aceita o que vem de fora, do exterior: pessoa ou coisa; não permite agir, gera incapacidade de agir e estado de impotência. Quando se diz “espaço aberto”: área que permite entrar, sair ou ver; não apresenta obstáculos; desobstruído, franco; campo amplo e livre, sem limites; área não protegida por qualquer meio que cria restrições; área exposta ao perigo, ao risco; sem encobrimentos; área desprovido de preconceitos e restrições, que permite agir, capacita para agir etc. Quando se fala em “espaço geográfico” nos referimos a qualquer região ou fração de uma área do Planeta que apresenta aspectos naturais e humanos combinados. Quando usamos a expressão “espaço público” nos referimos a uma área físico que é de uso comum e posse coletiva. O “espaço” pode ser também um “sinal” ou caractere invisível, representado por um intervalo unitário vazio quando digitamos. O “espaço físico” é o meio físico que tudo envolve e no qual tudo existe materialmente. O “espaço-tempo” na Física é o espaço quadridimensional: sistema de coordenadas que considera além das três dimensões espaciais (espaço euclidiano) uma quarta dimensão (o tempo), que define local e momento (onde e quando) do acontecer de um evento. O “espaço euclidiano” refere-se á área bidimensional: largura e comprimento (forma a superfície); ou à área tridimensional: largura, comprimento e profundidade (forma o volume); O “espaço topológico” é uma estrutura matemática que permite formalização matemática de conceitos tais como convergência, conexidade e continuidade. O “espaço compacto” é um tipo de espaço topológico que trabalha com o conceito de compacidade, ou seja, uma extensão topológica das ideias de finitude e limitação. Quando nos referimos ao “espaço social” significa que o espaço é uma produção social. Espaço social pode ser: casa, fábrica, loja, Shopping Center, escola, estação rodoviária, aeroporto, teatro, cinema, cidade, bairro, rua, esquina, campo agrícola, fazenda etc. Uma escola é dividida em diferentes espaços: sala de aula, auditório, sala de direção, secretaria, etc. Uma casa é dividida em espaços chamados de cômodos:sala de televisão, quartos, cozinha etc. Então, o que é espaço? Espaço em um sentido universal (geral) é uma categoria abstrata que pode ser definida (conceituada) como o aspecto da realidade que se refere as propriedades da extensão, mas que não é o extenso em si mesmo, isto é, é a possiblidade de existir os objetos físicos e o que resulta da relação entre os objetos físicos. Quais as propriedades da extensão? É a possibilidade ou meio de coexistência dos objetos físicos. Possibilidade de estender(-se): expandir(-se), alongar(-se); espalhar (-se); também a possibilidade de difusão, difundir(- se), logo é a possibilidade da existência do movimento: movimentar-se em qualquer direção. É a dimensão (medida) de coisa físico (objeto, corpo, área, campo, terreno) em qualquer direção (largura, comprimento, altura); Portanto, o espaço como o aspecto da realidade que se refere as propriedades da extensão se refere sempre aos objetos físicos e as relações entre os objetos. O que é a espacialidade? O extenso resulta da relação que se estabelece entre os corpos (objetos): a essa relação chamamos espacialidade. A espacialidade como relação entre objetos físicos abarca tudo que é próprio da extensão e se expressão nas categorias: Forma: configuração física característica dos seres e das coisas, como decorrência da estruturação das suas partes; formato, feitio. Também a aparência física de um ser ou de uma coisa. Por exemplo um balde é uma forma de vasilha diferente de panela de pressão e que possuem funções diferentes. Uma prisão é uma forma arquitetônica diferente de uma escola, pois servem para funções diferentes. Posição: situação espacial de um corpo, definida em relação a um ou vários pontos de referência fora dele; também significa o lugar ocupado por um corpo ou objetivo (esse princípio é usado pelo GPS); categorias como disposição, arranjo, distribuição referem-se a posição; no esporte é o lugar em que atua determinado jogador numa equipe. Expressa em categorias como: ao lado, a esquerda, a direita, acima, interior, exterior, canto, isolado, próximo, superior, inferior, em baixo etc. Distância: espaço entre dois corpos; comprimento do segmento de reta que liga dois pontos; se refere aos atos de afastamento, separação; (também pode ser o intervalo de tempo transcorrido entre dois instantes). Expressa em categorias como perto, longe, próximo, vizinho etc. Direção (diversidade de direção): sentido, rumo, caminho; linha imaginária ao longo da qual alguém ou algo se move ou aponta. Expressa em categorias como: para esquerda, para direita, para cima, para baixo, norte, sul, leste, oeste etc.; ou seja, sempre a partir de uma referência, de um eixo de coordenadas, como os eixos das coordenadas da Terra (Norte-Sul e Leste-Oeste) que são usados pelos GPS. Conectividades (interconexões): ligação e relação entre duas ou mais coisas, entre dois ou mais objetos ou sistemas de objetos (ou a falta ou impossibilidade da ligação ou desconexão, disjunção, separação, desunião); também capacidade ou possibilidade de operar num ambiente de Rede. Quais tipos de relações de espacialidade estão presentes nas categorias contigüidade e reticularidade? Contigüidade significa o estado ou condição do que está contíguo, isto é, proximidade; vizinhança; é o que toca em ou confina com algo, ou está adjacente ou próximo; vizinho; portanto é uma relação de proximidade imediata entre duas ou mais coisas ou objetos. A continuidade refere-se às limitações físicas impostas pela Extensão, ou seja, pelo fato das coisas ou objetos estarem localizados em um ponto determinado confinando/adjacente ou vizinho a outros pontos. A propriedades limitadoras da contigüidade se manifestam na: Superfície, isto é, área, extensão bidimensional; o exterior, a parte externa e visível dos corpos; a superfície da Terra com suas rugosidades, isto é, objetos e coisas produzidas pelos homens ou os elementos da natureza modificados e transformados pelos homens. Por exemplo uma auto-estrada com seus muros de proteção funcionam como obstáculos para uma pessoa que antes atravessava de um lado para outro; uma rio é um obstáculo, mas a ponte feita pelo homem conecta os dois lados. Na superfície os corpos e objetos podem se movimentar ou serem transportados, vencendo a resistência imposta pelas forças físicas. Contigüidade pode ser expressa em categorias como arredores, arrabalde, subúrbios, vizinhanças; também envolve categorias como proximidade, distância, localização etc. Também pode estar na categoria “campo”, ou seja, campo operatório que definem os limites ou o onde os eventos relacionados entre si acontecem e se sucedem. Reticularidade:os limites da extensão (contigüidade) podem ser quebrados pelas novas tecnologias que criaram as ligações ou conexões em rede, produzido a reticularidade. O que é Campo Operatório? Extensão no qual ocorre eventos, acontecimentos (por exemplo a área no qual ocorre o jogo de futebol, a batalha numa guerra). Pode ser uma área delimitada mais ou menos extensa. Portanto é a área ou âmbito (espaço compreendido dentro de determinados limites) em que se desenvolve determinada atividade. Em outras palavras é a área no qual desenrola as ações; o domínio, ou seja, o âmbito da ação ou domínio da ação de uma agente/ator. Na física o sentido é semelhante: é a área que se encontra sob a influência de alguma força ou agente físico (p.ex., campo eletromagnético, campo gravitacional etc.). Campo também é área abrangido pela objetiva de uma câmara fotográfica, cinematográfica ou de televisão (plano, quadro); O que interesse ao Direito e as Ciências Sociais é a “espacialidade dos fenômenos sociais”. As relações sociais ocorrem entre agentes (atores sociais) concretos do sistema social, logo são esses agentes que produzem a configuração espacial que se pode observar no espaço; A espacialidade social é determinada, ou seja, ela não tem caráter universal, mas sempre vai estar conforme o lugar (onde) e o tempo (quando) se deu a produção do espaço pelos agentes concretos das relações sociais. Portanto, a espacialidade dos fenômenos sociais é historicamente determinada, pois está vinculada a uma época, cumpre uma função ao longo de um tempo (duração) e é sempre um onde (lugar), estando sujeita as relações de poder e, ao mesmo tempo, contribuindo para os sujeitos de poder que ordenaram o espaço. É por isso que a lógica da espacialidade de processo social específico somente pode ser compreendida a partir das leis que regulam esse determinado processo social específico. Assim, interessa saber qual a espacialidade dos fenômenos sociais estudados. Espaço e Espacialidade O espaço pode ser definido genericamente como meio de coexistência de objetos físicos. Espaço, no entanto, não existe em si mesmo, mas é produzida pela relação que se estabelece entre os corpos físicos (objetos): a isso chamamos espacialidade. Espacialidade dos fenômenos sociais O que interessa para o Direito, a Ciências Sociais, a Administração, a História, a Política, ou seja, para as Ciências Humanas e Sociais é a espacialidade dos fenômenos sociais. São as relações sociais que ocorrem entre agentes (atores sociais) concretos do sistema social que determinam a configuração do espaço e definem o que é o espaço. São os agentes e as relações sociais que produzem a configuração espacial que se pode observar no espaço e a definição sobre o que é o espaço. A espacialidade social é determinada, isto é, a espacialidade não tem um caráter universal, mas sempre é histórica e localmente produzida. Assim, podemos afirmar que o espaço é produzido histórica e localmente, ou seja, é sempre uma produção de uma época, por uma determinada duração e, portanto, é um produto histórico. Organização Espacial Uma configuração espacial se torna uma organização espacial quando é sustentada por processo social. Pode existir dois tipos de processos sociais: espontâneo ou intencional. - O espaço pode ser resultado da ação espontânea de agentes sociais: quanto não existe agente dirigindo o processo social. O mercado é um exemplo; - Resultado da ação consciente de agente visando obter objetivos preestabelecidos: existe agende capaz de dirigir o processo social. Exemplo: um grande investimento de capital (por empresa ou pelo Estado), como foi o caso da cidade de Ipatinga, cujo início foi todo planejado pela Usiminas. AS ações humanas capazes de configurar o espaço têm caráter de processo (processo social), isto é, ações cíclicas: repetitivas, regulares e possíveis de serem reproduzidas (recorrência, repetição, regularidade, reprodução). Valor do Espaço Os lugares não têm a mesma importância econômica, social, cultural e política. Isso porque os espaços possuem diferentes infraestruturas construídas, meios de comunicação disponíveis, número de estabelecimentos econômicos, quantidade de empreendimentos, disponibilidades de equipamentos urbanos, infraestrutura cultural, número de órgãos governamentais e tudo mais que o trabalho humano é capaz de construir e organizar. Considerando a lei da Ciência Econômica, que afirma ser o valor do trabalho a quantidade de tempo gasto para produzir qualquer coisa, e que os diferentes espaços recebem quantidades de trabalho diferentes, conclui que os lugares acumulam tempos desigualmente: uma grande metrópole (São Paulo, Rio de Janeiro, Paris...) concentra todas as dimensões econômicas, sociais, culturais e políticas; uma pequena cidade possui muito pouco de cada uma dessas dimensões. O espaço tem valor na medida em que está organizado ou que pode ser organizado, portanto, a partir do momento que tenha uma utilização (valor de uso). Além de valor de uso o espaço tem também valor de troca (monetário), ou seja, é uma mercadoria vendida e comprada. O que define o valor do e no espaço? O Espaço é formado por lugares diferentes. Segundo o geógrafo Milton Santos: “... O espaço é a acumulação desigual de tempo.” O que significa essa citação? No espaço está materializado o trabalho humano. É o trabalho que incorpora ao espaço valor. O valor do espaço é determinado pelo trabalho nele incorporado, em formas materiais (objetos e sistema de objetos, tais como máquinas e sistema industrial, equipamentos e redes elétricas, redes de computadores, cidades, redes rodoviárias e redes ferroviárias etc., tosas eles dependentes do trabalho humano para ser produzido); e na forma imaterial (organizações, empresas, instituições, sociedades anônimas, entidades sociais, culturais e religiosas etc., todas elas dependentes de trabalho humano para funcionar). Tem lugares que tem mais concentração (densidade) das formas materiais e formas imateriais, enquanto outros têm muito pouco. Fluxograma Atores produzem o espaço se suas ações são processos sociais e se são portadores de poder. Entretanto o Espaço Produto, ou seja, o que já está construído condiciona e limita o processo de produção do espaço. Portanto são os processos sociais que configuram o espaço, mas o espaço produzido na qualidade de espaço produto (espaço já pronto e construído) condiciona o processo de produção do espaço. O espaço é produzido e, ao mesmo tempo, o espaço é produto. O espaço produto é o resultado do trabalho realizado ao longo de um tempo mais ou menos longo. O espaço produto é tudo que está pronto, construído e funcionando, vindos de épocas diferentes e de antes de hoje (presente). Em cada época e lugar existiam técnicas mais ou menos avançadas e organização econômica e social mais ou menos desenvolvida, com sua cultura e organização política própria de cada lugar e época. Quase tudo das épocas passadas permanece hoje: ou funcionando, ou como ruína, ou como vestígio arqueológico. Figura 01 - Fluxograma Espaço Produto Atores Espaço produzem o Processo de Produção do... PODER condiciona o... Espaço é produzido Condiciona o ... Heterogeneidades e multiplicidades O processo de produção do espaço, tais como a produção de uma casa com sua divisão em sala de televisão, quartos, cozinha etc., ou de uma escola (forma escolar) com sua divisão em diferentes ambientes formado pelas salas de aula, auditório, sala de direção, secretaria, etc. é sempre uma criação de limites e condicionamentos, isto é, um espaço fechado. O espaço produzido, portanto, sempre pode criar condicionamentos, ou seja, formas de normatizar os comportamentos.Entretanto, isso não elimina o fato do espaço sempre permanecer como aberto, mesmo que em nossa imaginação pesamos que ele é sempre fixo e fechado. Portanto, podemos definir o espaço a possibilidade de existir diferentes, heterogeneidades e multiplicidades de objetos com conexões que o poder não consegue controlar: de práticas e processos sociais múltiplos. Por mais que as pessoas achem ou que possa parecer, o espaço não é um todo já-interligado e conhecido, pois o espaço sempre deixa em aberto a possibilidade de interconexões novas, conexões não previstas, conexões não controladas e, até mesmo, de não-conexões ou recusa de se conectar. O espaço é formado pelo que existe e pelo que ainda não existe, mas pode existir. Assim, ele será sempre inacabado, aberto e em processo. Pensar o espaço como a esfera de uma simultaneidade dinâmica, constantemente desconectada por novas chegadas, constantemente esperando por ser determinada. O espaço deve ser pensado como sempre indeterminado, pois é a possibilidade sempre aberta da construção de novas relações, por mais que o Poder busque ter tudo sobre o controle. O espaço aberto é sempre relacionalidade e possibilidade de relacionalidades não previstas. Entender o espaço como um produto de inter-relações, que não existe antes das relações entre as entidades/identidades. O Espaço é sempre relacional, é relacionalidade. Considerar o espaço sempre aberto, sempre em processo, possibilidade do imprevisível, do não planejado, de ligações ausentes ou de ligações não imaginadas. Essa maneira de imaginar o espaço abre a consciência para a esfera de existência de diferenças, multiplicidades e heterogeneidades. Compreender o espaço como a existência coetânea (ao mesmo tempo) de pluralidades de trajetórias, uma simultaneidade de histórias-até-agora, de multiplicidades e heterogeneidades de histórias coexistindo, sem nunca se encontrarem e se conhecerem. A possibilidade do inesperado e da surpresa, de descobrir o que nunca se imaginou. (A sua história, a minha, a nossa é apenas uma entre muitas outras histórias que existem; que podem se conhecer ou nunca virem a se encontrar.) Espaço e Poder O Poder com maiúscula (Estado) ou poder em geral (organizações, instituições, igrejas, grupos, movimentos sociais, empresas etc.) se esforçam, permanentemente, para controlar o espaço. Todavia, o espaço contraria sempre todo o esforço do poder para dominá-lo totalmente e controlar tudo que acontece nele, seja por meio do ordenamento e organização do espaço, seja tentando impor normas e regras. Sempre vai ter muitas coisas e pessoas que o poder não consegue controlar. Portanto o espaço nunca é fechado e rígido, mas sempre aberto e em processo: vão surgir sempre novidades e coisas imprevistas, seja no campo econômico (novas empresas), técnico (novas tecnologias), social (novos movimentos sociais, novos padrões sociais, novos valores etc.), cultural e ideologias e formas de organização política. Se não fosse isso não haveria novidades, atualidades e transformações sociais. Um contra-poder e contracultura sempre vai manifestar no espaço, pois não é possível controlar tudo que acontece nele. Qual a relação entre natureza e a espacialidade social? A configuração natural (relevo, clima, hidrografia, vegetação etc.) contribui para especificar a configuração espacial, mas não significa de nenhuma maneira que produza a organização espacial e determine a configuração espacial. Não podemos esquecer que são os processos sociais que produzem a configuração espacial. - São os processos sociais que criam as estruturas sociais, os meios de produção e as relações sociais, conforme o desenvolvimento das forças produtivas, o sistema político, a cultura etc. - São os processos sociais que fornecem o sentido a um determinado espaço e permite identificá-lo como organização espacial. Por que o conceito de território é dimensão necessária para a compreensão do pluralismo direito na atualidade? Porque o Estado não é o único agente regulador, estando presença outros atores na produção de normas jurídica. Porque o Direito se fundamenta na dimensão territorial do processo de regulação das relações sociais e criação da ordem jurídica. Porque na atualidade as novas tecnologias da informação e comunicação e, consequentemente, a globalização produziram demandas que não existiam a 50 anos, produzindo diferentes pressões regulatórias sobre o território. Porque na atualidade, com a revolução tecnológica, comunidades e grupos territorialmente localizados ganharam força e, culturas aparentemente desaparecidas, emergiram, criando novos contextos de diversidade cultural e normativa. Qual a relação entre território e Direito? A diversidade territorial e pluralismo jurídico: ontem e hoje. No Ocidente, mais precisamente na Europa e América, com o desenvolvimento do capitalismo a partir do século XIX, o Estado buscou impor-se como única fonte de regulação social e territorial. Isso deu origem ao monismo jurídico que caracteriza o Estado territorial moderno, porém a unicidade jurídica, sociocultural (nacionalidade) e territorial que predominou no Ocidente não caracterizava o resto do mundo, ou seja, na África e no Oriente se conservaram antigos pluralismos jurídico e socioculturais, a exemplo da Índia. Mesmo no ocidente, apesar do Estado basear-se no monismo jurídico e a unicidade nacional, não desaperram as diversidades que anteriormente existiam. No passado, a origem do pluralismo jurídico eram os processos de diferenciação territorial gerado pelo isolamento entre povos e pelos crescentes diversificação sociocultural, resultando em pluralidades de formas de regulação social e territorial. No presente (a partir da década de 1980) surgiram diferentes territorialidades (territórios redes, territórios virtuais etc.) e formas novas de juridicidades ligadas as conexões em rede propiciadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação e pela crescente globalização. As novas juridicidades são produzidas por agentes com poder (legal ou ilegal), tanto as corporações (grandes empresas mundiais) como organizações internacionais de narcotraficantes ou de terrorismo. Além das novas juridicidades, as novas tecnologias também permitiram o ressurgimento das antigas diversidades territoriais e, consequentemente, fortaleceram os pluralismos e multiplicaram situações crescentes de interlegalidade, gerando uma fragilização da unicidade territorial e jurídica que os Estados haviam buscado impor, desde o século XIX. Para entender a relação entre território e Direito, esse tem que ser compreendido como instância social. Por que o Direito é uma instância social? Porque o Direito se constrói e se modifica pela pressão originada das necessidades e demandas surgidas no território. Os conflitos trabalhistas surgidos com a industrialização criaram a necessidade do Direito do Trabalho; os riscos de faltar água potável para abastecer a cidade de São Paulo criaram a demanda por leis ambientais para preservar os mananciais que abastecem a cidade. Portanto normas podem surgir por pressão social ou sem que exista pressão social, como no caso da proteção ambiental dos mananciais. Porque o avanço tecnológico tem criado necessidade ou demandado normatização jurídica – território normado; e, ao mesmo tempo, tem produzido ampla normatização ao se desenvolver no território – território como norma. Porque os sistemas jurídicos são sistemas abertos com ampla relação com a dinâmica social e territorial. O direito resulta da evolução jurídica, jurisprudência e ciência jurídica? A produção de normas não decorre da evolução do Direito ou da ciência jurídica, mas das relações e das capacidades reais (poder) de atorespresente no território, bem como depende da capacidade de (poder) normatizar e garantir a efetividade da norma no espaço delimitado, que assim se converte em território. Qual a relação entre a ordem jurídica e o território? É aceitável considerar o Estado como única instância como poder de normatizar. A capacidade de (poder) normatizar e garantir a efetividade da norma no espaço delimitado converte o espaço em território. Existe equivalência entre o ordenamento jurídico e o ordenamento político e territorial. Essa capacidade de normatizar não se limita ao Estado, pois a globalização e as novas tecnologias de informação e comunicação favoreceram o surgimento de novos agentes com capacidade de regulação territorial: empresas transnacionais e organizações multiculturais. Na atualidade o papel do Estado como única instância capaz de regular o território foi enfraquecida, pelo aparecimento de novos agentes com poder de produzir regulação social e territorial. Território Do espaço ao território Espaço não é o mesmo que território. O Espaço pode ser muitas coisas. Território é um espaço definido pelo poder, no qual se estabeleceu relações de poder. Duas propriedades têm que se fazer presentes no espaço para que uma organização espacial se torne Território: “relações de poder” e “formas próprias de utilização”. É o poder e um sentimento de pertencimento comum que fazem do espaço um território. Essas duas propriedades (utilização e poder) são fundamentais para se definir uma organização espacial como organização territorial. O território não é o mesmo que o espaço, mas é produzido a partir do espaço. Conceito de Território O espaço e, conseqüentemente, o seu uso, é definido como território quando está delimitado e constituído por relações de poder; O território é definido por ação de poder, exercido por grupo ou grupos sociais, ou por instituição ou entidade, capaz de apropriar, delimitar, controlar acesso, regular, reprimir dissensões e impor as definições consideradas aceitáveis; O território é o resultado histórico das ações de poder e das formas de utilização do espaço. É preciso considerar não somente o poder, mas também o uso, levar em conta os muitos atores sociais presentes no territórios – com diferentes interesses, posição social, ideologia e identidade cultural, em situação de conflito e consenso; O território é campo de forças, existem tensões diversas, mas os atores estão ligados numa teia ou rede de relações sociais que, a par de sua complexidade interna, define, ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade: - diferença entre 'nós' (os membros da coletividade ou 'comunidade', os insiders) e os 'outros' (os de fora, os estranhos, os outsiders)". Território e Regulação (norma) O poder tem que ser capaz de produzir a regulação e coesão social. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao apropriar de um espaço concreta ou abstratamente, o ator "territorializa" o espaço. O poder ao ordenar e regular o espaço, ele produz o território normado. O conjunto de ligações ou de relações entre freqüentadores do mesmo lugar não faz do lugar um território - território não é o espaço nem um lugar; O território não é o espaço, território é apropriação do espaço. O território é espaço delimitado, construído e desconstruído por relações de poder e utilização que envolve uma gama de atores que vão territorializando as suas ações; O território não se reduza a entidade jurídica nem aos espaços vividos (lugar) sem existência política, sem agentes portadores de poder. Entidade jurídica, política e administrativa não se reduz unicamente ao Estado, mas relaciona-se a todo agente capaz de exercer o poder de apropriar, delimitar e definir o uso de um determinado espaço. Portanto pode-se falar na produção de múltiplos territórios, justapostos ou sobrepostos. Territorialidade Do território a territorialidade Território se refere aos lugares inter-relacionados, incluindo os percursos, com seus pontos importantes, e seus meandros, as ligações superficiais, expostas e visíveis, as capilares, as subterrâneas, as invisíveis; Os indivíduos e coletividades territoriais mantêm com o território relações subjetivas: sentimento de pertencimento partilhado coletivamente (“eu sou daqui”, “eu faço parte”, “eu pertenço a essa terra”) e de apropriação (“isto é meu”, “minha terra”, “meu domínio”, “esse é meu povo”). O território projeto no espaço estruturas social específicas de uma coletividade, que incluem: - um modo de classificar e gerenciar o espaço; - a capacidade de controlar o acesso; - o desejo de influenciar o comportamento dos de dentro; - o compartilhamento de representações e percepções subjetivas; - uma organização e administração própria (exercício do poder); - conjunto de normas seguidas e cumpridas; - coerção e repressão para garantir o cumprimento das normas. O território é “especificidade”, tipicidade que resulta da identidade cultural e sentimento de pertencimento, possuída pelos que “são de dentro”, “fazem parte” – produz uma sensação de conforto, confiança e segurança –gaucho, sertanejo, funkeiro etc.; O território cristaliza representações coletivas e símbolos, um patrimônio cultural e uma herança histórica que se encarnam e expressam de formas diversas, materiais e imateriais; Essas representações são decisivas nas relações de poder e na garantia da coesão social. O território expressa o “ser, saber e saber, fazer” do sujeito e da coletividade territorial. O território é formado por lugares que tem identidade e raízes histórico-culturais, configuração política e identidades próprias marcadas por um forte sentimento de pertencimento ao território. No território lugares se interligam, com os atores produzindo e, ao mesmo tempo, vivendo as relações sociais, culturais, políticas, normativas e os valores, num determinado contexto marcado por relações de poder O fator institucionalidade, cultural e social são determinantes da construção social de um território: Capital Institucional; Capital Cultural e Capital Social.. Territorialidade A territorialidade reflete a multidimensionalidade do vivido territorial pelos membros de uma coletividade; Territorialidade não é simplesmente o espaço de sobrevivência (territorialidade animal), mas refere-se a identificação psicológica com o espaço, sociabilidade, da identidade individual e coletiva; Territorialidade significa processo de coesão dos grupos sociais; Territorialidade é identificação psicológica, parte do processo de sociabilidade, constrói a identidade. Pode ser transposta, como fazem os imigrantes, ao buscar reconstituir “seu” território no destino; uma nova sociabilidade. Uma territorialidade rígida pode impedir a nova sociabilidade e dificultar adaptações ou, em excesso ser fonte de apoio a ódios e exclusões (uma espécie de terrorismo territorial ou fundamentalismo). O conceito de territorialidade cumpre o papel de definição (classificação relacionada a área – identifica pertencimento: os que são de dentro e os diferenciam que são de fora), de comunicação (comunica limites que não podem ser ultrapassados – quem pode entrar, quem não pode – pode ser limites da língua, costumes, valores, símbolos, comportamentos, expressões culturais e artísticas, compartilhamento histórico, herança cultural) e de controle ou “aprisionamento” (normatização, permissão, acesso). O vivido territorial produz laços de identidade com o espaço e induz à cooperação em prol de interesses comuns. A identidade produz especificidade cultural e tipicidade (produto típico, pessoa típicade um lugar); patrimônio cultural comum; capacidades técnicas e produtivas; saber e saber fazer. Os atores locais tendem a proteger, valorizar e capitalizar aquilo que de próprio de seu território, fortalecendo a identidade ou podem deixar tudo se perder, entrando em decadência ou copiando o que vem de fora. Supraterritorialidade O capitalismo no estágio da revolução técnico - cientifica favoreceu a globalização; Surgiram as possibilidades de intercâmbios e conexões ampliadas em rede: relações sociais, trocas culturais; As organizações e megas empresas passaram transitar pelos diversos territórios nacionais; Atores sociais ligados ao processo globalizados passaram a operar numa supraterritorialidade – deixaram de estar preso a determinados territórios e criaram locais espalhados pelo mundo que possuem as mesmas características globais; Qualquer pedaço da superfície da Terra se tornou funcional às necessidades, usos e interesses de das megas empresas na atual fase da história; A supraterritorialidade afetou a capacidade do Estado de estabelecer seus próprios parâmetros nacionais, sem ingerências externas, mas isso não significa que o princípio da jurisdição nacional do Estado esteja sendo contestada externa e internamente; o Estado continua forte para controlar a força de trabalho, mas em outros pontos fragilizou: - ingerência dos EUA no Iraque, Bósnia, Granada etc.; - atuação do capital financeiro, que se move além fronteira; - megas empresas que escapam a toda territorialidade, agindo globalmente. Tipos de territórios - Territórios-zona são aquele nos quais prevalece a lógica política tradicional; - Territórios-rede são aqueles nos quais prevalece a lógica econômica da globalização; - Aglomerados de exclusão são aqueles territórios marcados pela lógica social de exclusão sócio- econômica das pessoa. Aglomerados de Exclusão O mesmo processo que resultou na globalização e produziu a supraterritorialidade (territórios-rede) também fez surgir espaços que não configuram uma lógica clara no sistema territorial do Estado (territórios-zona); Na periferia das grandes cidades, na periferia do mundo desenvolvido, formaram os bolsões de miséria, aglomerados humanos complexos e, ao mesmo tempo, frágeis socialmente e ambíguos em termos de territorialidade – são os aglomerados de exclusão – “comunidades” dos morros cariocas; campos de refugiados no oriente médio; periferia de Paris etc. Multiterritorialidade O mundo contemporâneo – pós-industrial e pós-moderno – se tornou muito complexo em todas dimensões – econômica, social, política e cultural; Múltiplos territórios estão postos lado a lado, diferentes lógicas existências convivem entre si e interagem, diferentes territorialidades se entrecruzam, compartilham-se ou excluem-se; Ocorre a sobreposição de lógicas territoriais no interior da mesma escala geográfica ou no mesmo espaço. Pessoas vivenciam a territorialidade de forma passiva ou ativa: Territorialidade passiva: de um determinado local, com o uso das novas tecnologias de comunicação, acionar múltiplas escalas territoriais - o processo de globalização domina, o global se impõe sobre o nível local Territorialidade ativa: deslocamento físico, com acesso permanente aos meios de transporte;acesso aos pontos de conexão às redes (ou aos territórios-rede) dos circuitos globalizados - o processo de globalização é vivenciado efetivamente – o local se impõe ao global. Na forma ativa há uma resposta do local capaz de influir nos processos globais, o local se expande globalmente e se beneficia da globalização, conservando sua identidade; As distintas formas de vivenciar a territorialidade dependem de condição econômica, capital cultura e meio institucional/cultural. Tipologia das territorialidades Territorialidade tradicional ou exclusiva – Não admite partilhar a soberania jurídica: lógica clássica do Estado – busca da uniformidade nacional ou, no caso de existir pluralidade, busca enquadrá-la numa identidade nacional; Territorialidade fechada ou territorialismo – supervalorização do território de pertencimento, busca excluir pessoas consideradas estrangeiras (visão naturalizada, a histórica – não admite pluralidade de identidades culturais; Territorialidade flexível – admite a sobreposição, intercalação de territórios, multifuncionalidade territorial: com nas territorialidades múltiplas das áreas centrais das grande cidades, organizadas em torno de usos temporários entre dia e noite. Territorialidade múltipla – sobreposição de funções e controles, como nas novas formas de gestão multi-escalares das empresas transnacionais, que conjugam níveis locais, regionais, nacionais, mega-regionais (blocos) e globais. Um tipo de territorialidade se fragilizou: a nacional, a do Estado Nacional, a da soberania do Estado. A territorialidade é cada vez mais complexa, podendo assumir para cada grupo cultural, classe social uma configuração diferente – por isso é preciso se abrir para vivenciar a diversidade cultural; Os grupos e classes sociais experimentam de modo diferente a nova complexidade do mundo contemporâneo: pessoas e grupos que usufruem da multiterritorialidade, outras que agem na supraterritorialidade, aqueles que ainda se mantém fixados à terra e presos a tradições seculares, e os que se encontram nos “modernos” aglomerados de exclusão. SAQUET, M.A.; SOUZA, E.B.C. Leituras do conceito de território e de processos espaciais. São Paulo, Expressão Popular, 2009. COSTA, Rogério Haesbaert da. O mito da desterritorialização: do "fim dos territórios" à multiterritorialidade. 3.ed. rev. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. ROSENDAHL, Z.; CORREA, R. L.. Religião , identidade e território. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001. SANTOS, M. et al. O retorno do território. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A. A. de; SILVEIRA, M. L. (Org.). Território: globalização e fragmentação. São Paulo: HUCITEC/ANPUR, 1994.
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