Buscar

Resumo - Conceitos Fundamentais da Pesquisa Sócio-Espacial (Marcelo José Lopes de Souza)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Os conceitos fundamentais da pesquisa sócio-espacial
Marcelo Lopes de Souza
Introdução
	O livro resulta da disciplina Tópicos Especiais em Teoria e Metódos da Geografia ministrada pelo professor na UFRJ. Assim como a disciplina, o livro tem como objetivo responder o que são os nossos conceitos e para que eles servem, ainda que de maneira introdutória, apresentando as suas controvérsias e diferentes interpretações. Mais especificamente, o propósito do livro é apresentar e discutir alguns conceitos fundamentais, interligando-os entre si à medida que a exposição avança, e sempre com a preocupação de inscrevê-los em uma dinâmica de construção do objeto que distingue, mas não separa o espaço das relações sociais.
	De acordo com o autor, a pesquisa sócio-espacial trata-se de um campo inter/trans/adisciplinar que engloba os esforços de investigação científica, filosoficamente embasada e informada, em que as relações sociais e o espaço são devidamente valorizados e articulados entre si com densidade no decorrer da construção do objeto e da própria pesquisa.
	Aqui, os conceitos são entendidos como unidades explicativas fundamentais, constitutivas de qualquer construção teórica que lhe garantem a coerência necessária em toda e qualquer pesquisa empírica. Ou ainda, conceitos podem ser encarados como ferramentas que precisamos compreender a fundo para saber utilizar, de preferência, em conjunto. Vale ressaltar, que os conceitos são carregados de historicidade, ou seja, os conceitos que empregamos são fruto de uma época e das condições internas e externas ao debate científico e intelectual próprias de cada época.
	A escolha dos conceitos apresentados é arbitrária (outro autor faria uma seleção diferente) podendo ser dividido em três grandes tipos de conceitos: os imprescindíveis (capítulo 1 a 8); os menos usuais (setor geográfico – substrato espacial material – produção do espaço – política de escalas e construção social da escala); e os inutilizados (termos nativos – desenvolvimento sócio-espacial). Trata-se de um elenco reduzido de conceitos básicos, todos diretamente espaciais.
	É preciso destacar a diferença entre socioespacial e sócio-espacial. Ambos são termos técnicos que não constam nos dicionários de língua portuguesa. Socioespacial, junto e sem hífen, refere-se ao espaço socialmente construído, onde o “social” meramente qualifica o espacial, voltado pra materialidade do espaço social. Já sócio-espacial, refere-se diretamente às relações sociais que se dão no espaço, onde relações sociais e espaço são inseparáveis, mas não se confundem. Por exemplo, são sócio-espaciais as interações que se desenrolam durante uma partida de futebol (tensões entre torcidas, interesses políticos e econômicos por trás do jogo etc.), nos marcos de uma espacialidade determinada e referenciada pela sociedade, indo além da análise estrita da estrutura socioespacial (o estádio, por exemplo).
Capítulo 1 – Espaço geográfico, espaço social, organização espacial e produção do espaço.
	“– NADA PODE SER RESTRITO À MATERIALIDADE DO ESPAÇO...”.
 - Anna Stauffer aka Baby
	Em uma primeira aproximação pode-se dizer que o espaço geográfico corresponde à “superfície da terra”. Tem sido usual, fora dos meios da Geografia (disciplina), tomar o adjetivo geográfico como sinônimo de algo que diz respeito aos processos e feições naturais (hidrografia, relevo, clima etc.), deixando em plano secundário as feições referentes à “ocupação humana”. Essa predileção naturalizante, marcada na tradição da Geografia, fez com que geógrafos identificados com a Geografia Humana lançassem mão de uma diferenciação conceitual, optando pelo conceito de espaço social como central. Em uma primeira aproximação, pode-se entender o espaço social como aquele que é apropriado, transformando e produzido pela sociedade. Para os sociólogos “espaço social” tem sido usado como sinônimo de “campo” de atuação, teia de relações ou de “posições” relativas em uma estrutura social, sem uma necessária vinculação direta com o espaço geográfico concreto (sentido meio metafórico).
	Essa dicotomia em um conceito fundamental da Geografia nos deixa entrever os embates epistemológicos no interior da disciplina. O autor, em uma analogia com os “dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos” de Milton Santos, sugere que seria mais produtivo entender a Geografia por meio de uma visão dialética, onde os dois circuitos, apesar de distintos em suas características, são interdependentes. Dois “polos” epistemológicos se abrigam no interior da Geografia: o polo do conhecimento sobre a natureza e o do conhecimento sobre a sociedade, escolhas que terão consequencias em matéria de formação, treinamento teórico, conceitual e metodológico dos profissionais, que, portanto, possuem interesses e olhares diferentes – “unidade na diversidade”. 
	“O espírito que se tornou preponderante no âmbito da Geografia Clássica (séc. XIX e primeira metade do séc. XX) foi bastante marcado pela contraposição de uma ‘Geografia Física’ (MARTONNE) a uma ‘Geografia Humana’ (LA BLACHE, RATZEL)”. No decorrer da história do pensamento geográfico, houve tentativas e obras que articularam de maneira mais ou menos complexa as problemáticas desses dois polos, a exemplo da “Geografia Social” de RECLUS (La Terre, O Homem e a Terra), a “Ecogeografia” (TRICART) etc. 
	O autor considera o espaço geográfico um conceito-matriz, identificando nele duas facetas: a “primeira natureza”, referente à natureza prístina, intocada, e a “segunda natureza”, o espaço socialmente produzido (MARX, RECLUS). Pragmaticamente, é possível entender a “natureza primeira” como correspondendo aos processos e ambientes do “estrato natural”, já o espaço da “segunda natureza” abrange desde a materialidade transformada pela sociedade até os espaços simbólicos e as projeções espaciais do poder. Nesse sentido, o espaço geográfico é mais amplo que o espaço social, de onde derivam conceitos como o de “território” e “lugar” – resulta disso, que a materialidade não esgota a ideia de espaço social, pois esta abarca projeções de poder e aspectos culturais (fronteiras, limites, espaços sagrados etc.). 
O que é, afinal, a organização espacial?
	Segundo Roberto Lobato Corrêa, organização espacial é “o conjunto de objetos criados pelo homem e dispostos sobre a superfície da terra (...) constituída pelo conjunto das ínumeras cristalizações criadas pelo trabalho social”, relacionada com a divisão espacial do trabalho, com a disposição e a distribuição espacial da infraestrutura técnica (malha viária, esgotamento sanitário, rede de energia etc.) e social (escola, hospital, delegacia etc.), com o padrão de segregação residencial, com as centralidades urbanas etc. Para SOUZA, no entanto, não parece muito defensável excluir do conceito de organização espacial formas espaciais não criadas pela sociedade, recusando o papel das feições referentes à “natureza primeira” (por ex. rios e ribeirinhos, montanhas e favelas etc.). A organização espacial encontra-se em constante transformação, posto que disputada socialmente nas mais diversas escalas, onde “ordem” e “desordem” são termos subjetivos e com forte carga ideológica – numa sociedade heterônoma como a nossa são muitos os campos de disputa política que desafiam a “ordem” espacial do status quo e propõe novos ordenamentos espaciais (Estado x Mov. Sociais por ex.).
O que é, afinal, produção do espaço?
	Produção do espaço é um conceito que nos remete ao livro “A produção do espaço”, produzido por LEFEBVRE em 1981. Nessa obra, o autor aponta a importância da produção do espaço (e não somente no espaço) no contexto de acumulação capitalista, argumentando que a sobrevivência do sistema dependeria justamente disso. Na década de 1980, HARVEY desdobra essa contribuição no livro “A Justiça Social e a Cidade” apontando a relevância do que chamou de “circuito secundário” da acumulação de capital, circuitoeste vinculado à produção de bens imóveis, isto é, do próprio ambiente construído. Muitas são as possibilidades de interpretação do conceito de produção do espaço, este abarca desde uma visão materialista e economicista até uma visão mais abrangente e radical do processo. “No presente livro, a produção do espaço pode se referir tanto à sua (re)produção nos marcos do modelo social hegemônico, capitalista e heterônomo, quanto à emergência de novas significações, novas formas e novas práticas.”.
Capítulo 2 – Paisagem
	
	Com base nos livros que, a partir da década de 1980, se dedicaram ao campo chamado de “Ecologia da Paisagem” (landscape ecology), temos que o conceito é de tal forma abrangente que se confunde com “espaço geográfico” ou simplesmente “área”. No âmbito da Geografia, no entanto, o conceito tem um escopo mais específico, sendo tradicionalmente associado ao “espaço abarcado pela visão de um observador” e também à representação visual e pictórica de um determinado espaço a partir de um ponto privilegiado (em diálogo com as Artes). Na Geografia alemã, o conceito “paisagem” (landschaft) se tornou um conceito central, como pregava TROLL, por ser entendido como um conceito abrangente, que vai além da face visível do espaço, podendo se referir a qualquer parte da superfície terrestre sem remeter de maneira direta ao aspecto da visualidade. HARTSHORNE, em 1939, denunciara o mau uso do conceito de “paisagem” (landscape) adotado pelos geógrafos anglo-saxônicos, apontando para diferenças de sentido entre o termo landscape, referente a um recorte explicitamente visual, e landschaft, “uma unidade de ocupação humana”.
	“O mais fundamental e o provável denominador comum das diversas contribuições (sobre o conceito de paisagem) consiste em assumir como ponto de partida o conteúdo fortemente visual e representacional da paisagem.” Enquanto representação, a paisagem é uma “forma”, uma “aparência”, cabendo dos espectadores interpretar o seu conteúdo. Por essa característica, alguns geógrafos problematizam o conceito, afirmando haver uma contradição entre aparência e essência – a paisagem “mistifica, distorce, oculta (...) a realidade” (WYLIE). HARTSHORNE, via certas limitações no conceito de paisagem, alegando que não podemos nos restringir às “características diretamente observáveis”, sendo necessário um aprofundamento. Segundo o casal DUNCAN (2003), “há custos humanos profundamente embebidos na paisagem que são invisíveis aos olhos”. Segundo SOUZA, “O fato de ser uma forma, aparência, significa que é saudável ‘desconfiar’ da paisagem. É conveniente sempre buscar interpretá-la ou decodificá-la à luz das relações entre forma e conteúdo, aparência e essência.”.
	Uma importante linha de pesquisa dentro da Geografia se dedicou a discussão do conceito de paisagem e aos usos sociais e interesses ideológicos que se expressam por meio de sua representação pelos pintores, fotógrafos, publicitários etc. de uma dada época e de uma determinada cultura, entendendo as representações paisagísticas como “caminhos” por onde acessar uma respectiva mentalidade (do autor) e refletir sobre certos preconceitos e projetos. “A paisagem é por si só reveladora, muito embora revele ao encobrir”, por ex. no caso de invibilizações de favelas no Rio de Janeiro, seja por meio da representação seletiva ou através da invisibilização por meio de intervenções no próprio substrato-espacial. Outra linha de pesquisa, a qual geógrafos importantes se dedicaram, é a que investiga os efeitos das relações de poder sociais empregadas na produção das paisagens (tanto em sua materialidade quanto na representação das mesmas) e a maneira em que estas marcas afetam/condicionam a sociabilidade de indivíduos e grupos específicos (“Ideology and Landscape” de BAKER e BIGER; “Paisagens do Medo” de TUAN; “Landscape of Privilege” DUNCAN e DUNCAN). 
Capítulo 3 – Substrato espacial material
	Substrato espacial material é um conceito pouco usual, utilizado por SOUZA desde a década de 1990 como “o espaço geográfico na sua materialidade”. Para compreender este conceito, faz-se necessário remetermos aos conceitos de sítio e ambiente construído. Por sítio, entendemos o “assoalho”, normalmente referente à topografia e ao conjunto de condições naturais abióticas (espaço como receptáculo, continente das coisas). Esse conceito era muito relevante no âmbito da Geografia Clássica (séc. XIX até meados do séc. XX), perdendo importância a partir da consolidação da Nova Geografia neopositivista (1960-70) e sendo definitivamente posto de lado com a “virada crítica” ou “radical” (a partir de 1970). Já o ambiente constrúido (um quase sinônimo de “natureza segunda”) seria a materialidade produzida a partir da transformação das matérias primas em ruas, pontes, edifícios, rios canalizados, barragens etc.
	 Além de sítio, outro conceito imediatamente associado ao de substrato espacial material é o de posição, ou seja, a localização dos espaços e dos objetos geográficos e dos objetos geográficos no espaço. Sítio e posição formaram um par conceitual muito utilizado pelos geógrafos clássicos (KOHL, RATZEL, RECLUS, MONBEIG etc.), com algumas ocorrências importantes na produção nacional (BERNARDES, SOARES, ABREU, CORREA), mas que caíram no esquecimento (não que sejam hoje completamente desimportantes). Outra questão que merece esclarecimento no âmbito da discussão do conceito de substrato espacial material é aquela que diz respeito ao tema das refuncionalizações e reestruturações. O primeiro remete à atribuição de novas funções a formas espaciais e objetos geográficos pré-existentes, modificando-os muito pouco ou mesmo sem modificá-los, enquanto que o segundo remete a uma alteração significativa, responsável pela modificação da estrutura do espaço material. Por trás de uma refuncionalização e de uma reestruturação pode haver fatores econômicos, políticos e ideológicos, frequentemente combinados (por ex. Reforma Pereira Passos), mas é importante perceber que ambos não se limitam a intervenções do Estado ou do capital privado, sendo promovidas também por outras espécies de agentes (Mov. Sociais, organizações de bairro etc.).
	O espaço material, com suas construções, com sua infraestrutura, exerce uma espécie de ‘inércia dinâmica’, para usar uma expressão empregada por SANTOS (1978). Em outras palavras: uma vez produzido dessa ou daquela forma, o espaço material condicionará as relações sociais, as atividades e os processos posteriores. “o substrato condiciona as relações sociais em si mesmo, por bloquear, facilitar, dificultar etc. através de sua materialidade (infraestrutura, espaços públicos etc.), mas também condiciona por ser o ‘portador’ de símbolos e mensagens inscritos formal ou informalmente no mobiliário urbano e, mais amplamente, nos objetos geográficos das paisagens”. 
	
Capítulo 4 – Território e (des)territorialização + capítulo “O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento” da coletânea Conceitos e Temas
	Primeira aproximação conceitual: o território é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder. A questão fundamental que permeia a construção desse conceito é a questão política, ou seja, quem domina ou influencia e como domina ou influencia determinado espaço? 
	A palavra território normalmente evoca o “território nacional” e faz pensar no Estado – gestor por excelência do “território nacional” -, em grandes espaços, em sentimentos patrióticos, em governo etc. Mesmo no âmbito da Geografia ele foi entendido como aquele espaço “sobre o qual” o aparelho de Estado busca exercer sua soberania. No entanto, ele não precisa e nem deve ser reduzido a essa escala ou à associação com a figura do Estado. Também, territórios existem e são construídos nas mais diversas escalas, da mais acanhada à internacional. Além disso, territórios podem ter um caráter “permanente”, mas também podem ter uma existência periódica, cíclica.
	SOUZA primeiramente questiona a temporalidade normalmente atribuída à noção de território afirmandoque os territórios podem formar-se e dissolver-se de modo relativamente rápido, ao invés de uma escala temporal de séculos ou décadas. Os territórios podem ter existência regular ainda que periódica, ou seja, existem em alguns momentos (as vezes sem ao menos alterar o substrato de maneira significativa). O autor coloca como exemplos: os territórios de prostituição; a apropriação de determinados espaços públicos (maconheiros nas praças e camelôs nas calçadas); tráfico de drogas e jogo do bicho etc.
	Souza também chama a atenção para a necessidade de se construir uma ponte conceitual entre o território e a rede. A esse território em rede ou território-rede o autor propõe chamar de território descontínuo. Ocorre que, como cada nó de um território descontínuo é, concretamente e à luz de outra escala de análise, ele mesmo um território, temos que cada território descontínuo é, na realidade, uma rede a articular dois ou mais territórios contínuos. Por exemplo, a territorialização fragmentária de favelas por facções de narcotraficantes; a “territorialização” do jogo de tabuleiro War etc. Essa problematização recorda a necessidade de se superar outra limitação embutida na concepção clássica de território: a exclusividade de um poder em relação a um dado território. 
	“Da introdução e da primeira seção deste trabalho extraiu-se que, assim como o poder não se circunscreve ao Estado nem se confunde com a violência e a dominação (vale dizer, com a heteronomia), da mesma forma o conceito de território deve abarcar infinitamente mais que o território do Estado-Nação. Todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma gangue de jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN”.
Capítulo Bônus – Evolução do debate acerca do conceito de território na Geografia (trabalho da baby)
O trabalho tem por objetivo apresentar a trajetória do conceito de território no campo da Geografia, com base em autores que trabalharam com este conceito e contribuíram para sua definição. Atentamos para o fato de que não temos a pretensão de responder definitivamente o que é território ou desterritorialização, mas sim reconhecer a pluralidade de seus usos e interpretações no âmbito da Geografia. 
A origem do conceito de território e o emprego do mesmo nas ciências advêm das ciências da natureza, sobretudo da biologia e da zoologia, mais especificamente, da etologia, que tem como foco de estudo o comportamento animal. Nesse caso, o território tratava-se da área de domínio e influência de uma espécie animal. Na geografia, e nas ciências humanas em geral, o conceito de território começa a ser explorado no final do século XIX, no contexto de consolidação dos Estados-nação e da legitimação da Geografia como disciplina acadêmica.
O precursor deste debate, enraizado na Geografia Política Clássica, foi Friedrich Ratzel. O geógrafo alemão mostrou-se fortemente influenciado pelas idéias darwinistas e centrou seus estudos na relação do território com o Estado. Para o autor, o território estaria vinculado “à apropriação de uma porção do espaço por um determinado grupo” ou pelo Estado-Nação, que teria o território como base de sua sustentação e, mais do que isso, como condição necessária para sua existência. Sendo assim, o território é entendido como cenário de atuação do Estado sendo, ao mesmo tempo, suporte sobre o qual é exercido o poder estatal. De acordo com Ratzel, 1989:
“O Estado extrai sua coerência de seu território. Essa coerência se fortalece ao longo das eras ao mesmo tempo em que o Estado se enraíza cada vez mais em seu território. Para um organismo como o Estado, o território não é apenas o principal fator de coesão, mas também a única testemunha intangível e indestrutível de sua unidade. No curso da história, o enraizamento do Estado em seu território jamais falhou — mesmo se, paralelamente, o povo desenvolve sua força intelectual. Ao contrário, a união do Estado e de seu território torna-se cada vez mais estreita. Mais frouxa no início quando, no Estado primitivo, alguns homens ocupavam uma extensão relativamente vasta, ela se torna mais intensa quando, num grande Estado altamente civilizado, uma população densa vive sobre um território relativamente restrito”. 
	A concepção de território elaborada por Ratzel é compreensível se levarmos em conta o contexto da época, em que o Estado germânico, recém-unificado, buscava incessantemente pelo fortalecimento da nação e por sua expansão territorial. Sem dúvidas, a teoria ratzeliana e a sua definição de território, intrinsicamente relacionada com o Estado, influenciou por décadas a compreensão e o uso do conceito na Geografia. 
	Com a chegada da escola possibilista francesa e durante o período em que as correntes de pensamento predominantes eram a chamada Nova Geografia e a Geografia Cultural, o conceito de território foi negligenciado em detrimento dos conceitos de organização espacial e paisagem. Dessa maneira, as bases teóricas desse conceito avançaram muito pouco durante décadas, permanecendo a leitura tradicional do termo na Geografia, onde o território é encarado como um reflexo da ação do Estado e este, por sua vez, seria a única fonte de poder capaz de modelar o território.
	A partir dos anos 70 tem início um processo de renovação do pensamento geográfico e utilização das abordagens consideradas mais radicais (“virada crítica” ou “radical turn”), de forte cunho político, ocorrendo nesse momento o resgate do conceito de território que passa a exercer centralidade em diversos estudos não só na Geografia, mas também em outras ciências. Com a chegada dos anos 80 e, principalmente, na década de 90, os estudos territoriais se destacaram e expandiram-se na esfera internacional e no Brasil.
	Na Geografia, um dos primeiros a se preocupar em reformular o conceito de território elaborado por Ratzel foi o geógrafo Jean Gottmann. O autor identifica a mudança do papel do conceito ao longo dos séculos, enfatizando a sua característica político-jurisdicional. Gottmann constrói a sua argumentação baseado no processo de desenvolvimento histórico, político e cultural da sociedade, compreendendo o território como uma construção social, por meio da qual diferentes grupos sociais dividem o mundo politicamente para fins diversos.
“O território consiste, é claro, de componentes materiais ordenados dentro do espaço geográfico de acordo com certas leis da natureza. Entretanto, seria ilusório considerar o território como uma dádiva de Deus e como um fenômeno puramente físico. Os componentes naturais de qualquer território dado foram delimitados pela ação humana, e são usados por certo número de pessoas por razões específicas, sendo tais usos e intenções determinados por e pertencentes a um processo político. Território é um conceito gerado por indivíduos organizando o espaço segundo seus próprios objetivos”.
	Entendemos então que a soberania se destaca como um elemento primordial para construção de um território enquanto os avanços tecnológicos proporcionam maior mobilidade e circulação de pessoas e mercadorias. Contudo, apesar do progresso em relação à teoria ratzeliana, Gottman ainda se mostra preso à necessidade de um Estado-Nação como condição para a formação dos territórios, entendendo-o como substrato onde este exerce sua soberania, reduzindo drasticamente a abrangência e o potencial do termo território.
	O primeiro autor no âmbito da geografia a romper com essa visão de território foi Raffestin, com sua obra intitulada Por uma Geografia do Poder, publicada em 1980 e traduzida para o português em 1993. Nessa ocasião, Raffestin destaca o caráter político do território e chama a atenção para as diferentes variantes do poder, que não se restringem a ação estatal. O autor, usando como referência Henri Lefebvre, parte da diferenciação de espaço e território, afirmando que ambos apresentam valores distintitos, onde “O espaço é a 'prisão original', o território é a prisão que os homens constroem para si”. Ou seja, o espaçoantecede o território, servindo de matéria prima para sua construção – o território se forma a partir do espaço por meio da atividade humana (trabalho), sendo definido por e a partir de relações de poder. A grande inovação de Raffestin foi tirar a análise territorial da escala dos Estados-Nação, admitindo um convívio interescalar de múltiplos territórios:
“As ‘imagens’ territoriais revelam as relações de produção e consequentemente as relações de poder, e é decifrando-as que se chega à estrutura profunda. Do Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações pequenas ou grandes, encontram-se atores sintagmáticos que 'produzem o território. (...) Em graus diversos, em momentos diferentes e em lugares variados, somos todos atores sintagmáticos que produzem 'territórios'”. 
	Mesmo reconhecendo a sua contribuição singular para essa discussão, podemos enxergar na abordagem do geógrafo suíço determinadas limitações, principalmente no que tange a sua compreensão de espaço geográfico. Para o autor, o espaço se reduz ao substrato, a um palco que serve de base para formulação do território: "a matéria (ou substância), encontrando-se na superfície da terra ou acessível a partir dela, é assimilável a um 'dado', pois preexiste a toda ação humana. Nesse sentido, ela equivale ao espaço (...).". No entanto, como afirma Souza (1995), tal concepção restringe o espaço ao espaço natural, quando na verdade o surgimento de um território não só pressupõe, como exige a existência de um espaço social. Além disso, a concepção de Raffestin acerca do poder não parece distinguir poder de dominação e controle, apresentando-os de maneira equivalente: “[...] o poder visa o controle e a dominação sobre os homens e sobre as coisas”. Tal perspectiva implica em uma relação marcada por ações de comando e obediência, o que impede a compreensão de uma dimensão autônoma, horizontal de poder.
	Outro autor cuja contribuição inovou as concepções de território e territorialidade correntes à época foi o geógrafo norte-americano Robert Sack, com o livro Human Territoriality (1986). Nessa obra, Sack distingue a territorialidade animal – instintiva e agressiva por natureza – da territorialidade humana, que pode ser definida como:
“Uma tentativa por um indivíduo ou um grupo para afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, delimitando e afirmando o controle sobre uma área geográfica. (...) Essa delimitação se torna território apenas quando seus limites são usados para afetar o comportamento através do controle de acesso.” 
Sack chama atenção para a questão dos “níveis de acessibilidade” dos territórios, ou seja, sua maior ou menor intensidade (a exemplo de uma solitária numa prisão de segurança máxima e um quarto num centro de reabilitação de toxicômanos). Também, Sack apontou para o aspecto móvel do território, mesmo que a maioria tenda a se fixar no espaço. Um território pode ainda, de acordo com o autor, apresentar uma duração temporal variável, surgindo e deixando de existir em um curto intervalo de tempo. Desse modo, Sack explora o conceito de território em diferentes contextos e escalas, contribuindo para amplidão do debate e flexibilização do conceito. 
Na geografia humana brasileira, durante o seu período de renovação (1960-80), o conceito de território foi pouco explorado, enquanto os estudos da época focavam-se no conceito de espaço geográfico. Pensando nisso, selecionamos três artigos, que datam a partir dos anos 1980, e podem ser considerados marcos para a trajetória do conceito na Geografia brasileira. 
O primeiro deles, trata-se do artigo de Léa Goldenstein e Manoel Seabra, intitulado “Divisão territorial do trabalho e a nova regionalização”, de 1982. O texto, apesar de estar mais voltado para o conceito de região, utiliza extensamente o território que, no caso, é entendido como uma dimensão espacial relacionada com o processo de divisão social e territorial do trabalho. A preocupação dos autores reside nos aspectos econômicos e políticos da regionalização, enxergando nesse processo relações de poder e dominação econômica, em permanente redefinição a partir da adoção do capitalismo como modo de produção dominante de uma formação econômica-social. Portanto, o pioneirismo na utilização do conceito de território e a sua articulação com as concepções de região e regionalização, fazem deste um estudo notável na geografia dos anos 80.
Outro artigo que merece ser citado como um dos basilares no debate sobre o conceito de território na geografia brasileira é o “O uso político do território: questões a partir de uma visão do terceiro mundo”, de autoria da geógrafa Bertha Becker, em 1983. A autora critica o conceito unidimensional de território formulado por Ratzel, baseando-se na obra de Raffestin. Constata ainda, a existência de múltiplos poderes e afirma que, diante do cenário internacional, é necessário repaginar o conceito de território na tentativa de assimilar tanto os poderes de escalas inferiores ao estatal (intra-estatais) quanto os poderes de escalas superiores (supranacionais). Dessa maneira, Becker ratifica as idéias de Raffestin e permite a sua difusão no Brasil a partir da década de 90.
	Além da contribuição da autora, não poderia deixar de ser citado “O retorno do território”, lançado em 1994 por Milton Santos. Esse trabalho foi responsável por ampliar imensamente a discussão a respeito desse conceito no Brasil ao nos alertar para a desatualização da noção de território, herdada da Modernidade, e retomar o conceito a partir de uma concepção pós-moderna de transnacionalização do território, buscando superar a noção estatista. Em Santos, o território ressurge como um processo vinculado à globalização, onde “o território são formas, mas o território usado são objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado”. 
Capítulo 5 – Lugar 
	O termo “lugar”, no âmbito do senso-comum, serve para designar qualquer “espaço” na superfície terrestre ou ainda, em sentido figurado, expressa certo “posicionamento” de um objeto ou pessoa em relação a outros, tendo um uso absolutamente banal no cotidiano. No plano da discussão conceitual, dos anos 70 pra cá (sobretudo entre os anglófonos, com as discussões acerca do termo place), lugar tem um sentido bem específico, é um espaço percebido e vivido, dotado de significado, e com base no qual desenvolvem-se e extraem-se os ‘sentidos de lugar’ (sense of place) e as ‘imagens de lugar’. No caso do conceito de lugar é a dimensão cultural-simbólica a que está no primeiro plano da análise sócio-espacial, buscando evidenciar o papel dos aspectos simbólicos (identidades, afetos, memória etc.) na construção de imagens e sentidos de uma espacialidade vivida pelos agentes. Uma distinção importante a ser feita é a de que o lugar não consiste apenas em uma coisa no mundo, mas em um jeito de entender o mundo – lugar não é propriamente uma qualidade das coisas, mas um conceito, ou seja, uma ferramenta com que buscamos enfatizar aspectos da espacialidade do social. O conceito de lugar foi transformado pela primeira vez em central para a pesquisa geográfica a partir dos anos 70, no âmbito da Geografia Humanista, de inspiração fenomenológica e existencialista, tendo também um importante papel na Geografia Radical (marxista), além de ter ressurgido no âmbito dos estudos da nova Geografia Cultural pós anos 80. 
	A partir do conceito de lugar, SOUZA faz várias pontes com outros conceitos, derivações conceituais e provocações. Primeiro ele nota como as projeções de lugar são, na grande maioria das vezes, associadas a processos de (des)territorialização; são complexas as dinâmicas sócio-espaciais e os conceitos buscam destrinchar processos que estão amalgamados no espaço geográfico. No entanto, o autor faz notar como não há uma correlação perfeita entre lugar e território – por ex. os palestinos tem uma identidade sócio-espacial com o que entendem ser a terra do seu povo, um lugar na memória social, mas foram desterritorializados pelos judeus (que por séculos tiveram Jerusalém comoum lugar, mas não enquanto território). O autor salienta que o conceito de lugar não corresponde ao substrato, ele é, antes, uma projeção de relações sociais no espaço. Também, não existe uma escala apropriada para o sentimento de lugar, antes, existem gradações de intensidade para o lugar, “níveis de lugaridade”. Não há uma hierarquia entre os “níveis de lugaridade”, como se só fossem lugares em sentido forte os espaços apreendidos na escala local, do cotidiano, e as escalas regionais e nacionais remetessem a “níveis baixos de lugaridade”. SOUZA também apresenta alguns neologismos com o conceito de lugar, todos bastante auto-explicativos: “lugarizar”, “relugarizar”, “deslugarizar” etc.
a) Geografia Humanista
“Uma relação profunda com os lugares é tão necessária, e talvez tão inevitável, quanto uma relação próxima com as pessoas; sem tais relações a existência humana, embora possível, fica desprovida de grande parte do seu significado”.
- E. Relph
	Os autores mais importantes dentro dessa concepção são Yi-Fu Tuan (“Topofilia” de 1974 e “Space and Place” de 1977) e Edward Relph (“Place and Placelessness” de 1976). Relph afirma que o lugar deve ser analisado a partir das experiência diretas do mundo e da consciência que temos, do ambiente em que vivemos. Para o autor, o espaço geográfico deve ser entendido como a própria base da existência humana e que, enquanto experiência de mundo, está embebida por significados diversos. Tuan acrescenta que o lugar torna-se realidade a partir da nossa familiaridade com o espaço, não necessitando, entretanto, de ser definido através de uma imagem precisa, limitada. Segundo o autor, “o espaço transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor”. Entendemos que a preocupação primordial de Relph era a de filiar o lugar com o pensamento fenomenológico, entendendo a apropriação simbólica dos espaços como algo inerente à existência social/humana, enquanto que Tuan, por sua vez, contrasta a noção de lugar com a de espaço geográfico, aludindo para uma diferença de “ritmo” na percepção de um e de outro: enquanto o espaço seria um fluxo indefinido e intenso, o lugar compreende uma “pausa” em meio ao desconhecido, que reconhecemos e valorizamos afetiva e simbolicamente. Além disso, Tuan considera que o lugar existe e se manifesta em diferentes escalas, desde uma poltrona favorita até a totalidade da Terra. Na Geografia Humanista, é o sentido de tempo, de ritual, que, em longo prazo, cria o nosso sentido de lugar e comunidade (sendo, portanto, definido de maneira subjetiva). O conceito de memória, seja ela pessoal ou coletiva, está intimamente relacionado ao conceito de lugar – a paisagem, muitas vezes, abriga “rugosidades” referentes a sentimentos de lugar, segundo HAYDEN, “verdadeiros armazens de memória social”. 
	Algumas considerações devem ser feitas a respeito do conceito de lugar. Primeiramente, concordamos com Tuan e outros autores quando afirmar o caráter multiescalar do lugar. Também, entendemos a necessidade de apontar para uma gradação de intensidade com que os lugares são sentidos. Mas discordamos deles no sentido que relacionam à intensidade do sentimento de lugar a escala espacial em questão, como se os espaços vividos cotidianamente gerassem sentimentos de lugar mais nítidos – muitas vezes a espacialidade do cotidiano provoca sentimentos de lugar menos intensos do que àquelas concernentes a uma escala maior (por ex. o gaúcho que, fora do Rio Grande do Sul, vivencia a identidade sócio-espacial gaucha plenamente, mantendo costumes, dialetos etc. sem uma ligação tão forte com a sua residência ou bairro em que vive; o “Nihonjin” que, nascido e crescido no interior do Paraná, tem no Japão seu solo pátrio e definidor de sua identidade). 
	No âmbito da Geografia Humanista, o conceito de lugar foi colocado em oposição às dinâmicas contemporâneas da globalização e de um mundo cada vez mais industrializado e consumista, como se os intensos fluxos (de informação, pessoas, mercadorias, capital etc.) forçassem a uma perda de diversidade, das próprias condições para a criação de lugares – posição que consideramos romantizada, posto que busque supostas “autenticidades” e “essências” no sentimento de lugar, além de absolutamente contraditória com os pressupostos dos próprios humanistas (sentimento de lugar enquanto “condição humana” intrínseca). 
	
b) A Geografia Radical (marxista)
	A Geografia Radical faz severas críticas à visão popularizada por Relph, e adota pelo grosso da Geografia Humanista, acerca da globalização e seus efeitos – contexto em que o lugar viria a se dissolver, se perder, por conta da suposta homogeneização do mundo contemporâneo (capitalista, industrializado, comunicado). Harvey, por exemplo, contesta a artificialidade dos conceitos empregados pelos humanistas (relação autêntica com o ambiente, enraizamento, terra-mãe etc.), alegando que os próprios consistem em produtos do mundo moderno, enquanto consequências das transformações decorrentes da industrialização (a mesma que provocaria uma homogeneização). A busca pela autenticidade é responsável pela necessidade de se inventar tradições e heranças culturais, num processo artificial de preservação e reconstrução das identidades. Desse modo, o lugar vem adquirindo cada vez mais importância no mundo contemporâneo, nas palavras do autor “o lugar é uma construção social e deve ser compreendido tanto como uma localização quanto como uma configução de ‘permanências’ relativas internamentes heterogêneas, dialética e dinâmica contida na dinâmica geral de espaço-tempo de processos sócio-ecológicos. Ou seja, processos específicos contidos e expressos dentro do processo global”.
	“Aquilo com o qual interagimos não é suficiente para explicar a realidade político-econômica do mundo atual. Para Marx, segundo Harvey, a construção do lugar estaria ligada, direta ou indiretamente com o capital e representaria ‘um momento de consolidação de um regime de relações sociais, instituições e práticas polítco-econômicas de inspiração capitalista’ – local como uma expressão do global”. O que os geógrafos radicais estão dizendo, basicamente, é que o lugar tem uma especificidade histórico-geográfica e um contexto particular em meio a dinâmicas (econômicas, políticas etc.) de caráter global. Eles apontam a necessidade de se compreender processos globais de trocas econômicas que interferem na nossa vida diária. SANTOS afirma que os lugares são importantes na formação da consciência e como indicadores de modos de intervenção consciente nos processos de globalização. 
	“Para Santos (1978), o espaço seria um testemunho de um momento de produção fixado na paisagem, decorrente de processos preexistentes influenciando novos processos. Estes devem adaptar-se às formas já existentes para poderem se determinar. Ou seja, os objetos geográficos aparecem em localizações, correspondendo aos objetivos da produção em um dado momento e, em seguida, por sua própria presença, eles influenciam os momentos subsequentes da produção. As expressões do global no local seriam marcadas pelo que Santos define como ‘rugosidades’, ou expressões do tempo histórico incorporadas ao espaço. Esta concepção do lugar como imobilidade em contraposição ao global eternamente em processo, pode ser percebida na definição do lugar como ‘ponto de articulação entre a mundialidade em constituição e o local enquanto especificade concreta, enquanto momento’” “o lugar deve ser compreendido levando-se em conta a totalidade do processo e a realidade global também precisa ser entendida através das diferenças regionais. Elementos como shopping centers, autoestradas ou aeroportos terão diferentes impactos em áreas distintas do planeta, produzindo resultados distintos e particulares. Embora aparentemente similares, cada objeto está relacionado a contextos mais amplos, constituindo-se em um produto histórico singular”.
c) A busca pela integração
	Tendo sido apropriado tanto pela Geografia Humanista quanto pela Geografia Radical o conceito esteve polarizadoem compreensões simultâneas e conflitantes (relação “autêntica” do espaço × materialização da relação global-local). As novas concepções de lugar buscam compreender o conceito como um articulador das questões cruciais para a compreensão da vida humana e sua relação com o ambiente cada vez mais fragmentado e globalizado. 
	Um dos primeiros intelectuais que busca sintetizar estas tensões é Entrinkin. Segundo o autor, o lugar deve ser entendido a partir de uma visão intermediária entre a descentrada (subjetiva, associada a símbolos, significados) e centrada (objetiva, localizada dentro de um contexto mais amplo). Ao assumirmos uma abordagem descentrada com relação ao lugar deixamos de comprêende-lo enquanto contexto para vê-lo como locação. A posição contrária, centrada, afirma que não existe nenhuma essência universal do lugar para ser descoberta. “Segundo Entrinkin, ao buscar a perspectiva do narrador, o geógrafo deverá não somente descrever as experiências, mas também avaliá-las, buscando desse modo, uma compreensão objetiva do lugar sem perder a dimensão dos fatos da experiência” – compreender as experiências individuais através das narrativas coletivas e dos discursos públicos. “Compreender o lugar é, deste modo, compreender uma relação possível entre questões políticas e econômicas e teias de significações e vivências expressas localmente sem perder-se de vista suas relações estruturais, globais ou as novas relações espaciais determinadas por um mundo em constante mutação. É exatamente esta essência, constantemente em movimento, essa capacidade de responder aos estímulos internos e externos com diferentes velocidades, essa qualidade da permanência que faz com que o lugar seja um permanente desafio a sua compreensão e a sua compreensão do mundo”. 
	Ainda que reconheça a importante contribuição de Entrinkin para o debate acerca do conceito de lugar, SOUZA acusa um desnecessário enrijecimento do conceito ao associá-lo apenas à escala local. Outra coisa importante, é que “Lugar para os geógrafos culturais críticos do fim dos anos 80 em diante era um conceito que precisava ser compreendido através das lentes dos conflitos sociais e culturais. Temas como raça, classe, gênero, sexualidade e uma série de outras relações sociais estavam no centro dessas análises” – diferentes sujeitos terão visões diferenciadas de um mesmo espaço, variando de acordo com a classe, o gênero, a raça do narrador em questão.
Capítulo 6 – Região, bairro e setor geográfico
	O conceito de região já foi um dos “carros chefes” da análise geográfica, sendo depois amplamente criticado – Yves Lacoste, em trabalho de 1976, chega a tomá-lo por um “conceito obstáculo”. Essa crítica lacosteana mira uma região específica, a região lablacheana, que consistiria numa entidade geográfica que correponderia às “harmoniosas” relações entre o homem e o seu meio natural. As divisões entre as regiões lablacheanas são dadas pelos limites “naturais” (cadeias de montanhas, rios etc.), e independente de sua abrangência física, todas as regiões seriam dotadas de certa densidade histórica e cultural, além de ter a sua unidade enraizada na própria percepção popular. Nesse sentido, a França seria entendida como um “mosaico de regiões”, ele mesmo um ente geográfico dotado de uma “personalidade” inconfundível. Em La Blache, a região seria uma realidade em si mesma, dotada de uma identidade própria que caberia ao analista reconhecer.
	Entre a crítica de Lacoste e a região lablacheana foram muitas as contribuições para o debate. Nos Estados Unidos, R. Hartshorne muito contribuiu para o debate acerca do conceito de região. Hartshorne concorda com as proposições lablacheanas ao entender a Geografia como uma “ciência dos lugares”, o estudo da “diferenciação de áreas” na Terra. A grande distinção entre os autores está no fato de que, para La Blache, a região seria uma entidade espacial concreta, existente independente da nossa consciência, enquanto que Hartshorne entendia as regiões como construções intelectuais, justificadas por nossas necessidades analíticas em face da realidade. Outra contribuição importante acerca do conceito de região veio do economista francês François Perroux, de cujas reflexões derivam ideias de região que foram influentes nos anos 60 e 70, não só entre os economistas, mas também entre geógrafos. Três concepções de região derivam das ideias de Perroux, partindo de um ponto de vista neopositivista: “região homogênea” (uma área com características que as diferenciam das áreas circunvizinhas ou circundantes); “região funcional” (uma área polarizada por um determinado centro nos marcos de uma rede urbana); “região-programa” (área de aplicação de um determinado plano de desenvolvimento regional). Esses conceitos são muito utilizados no contexto da Nova Geografia (new geography), preocupada com a filiação da disciplina nos processos de planejamento e intervenção promovidos pelo Estado. Ao contrário de La Blache, aqui a região é entendida quase como um “tipo espacial”, sem preocupações históricas ou com o quadro da “natureza primeira”, sendo definidas através dos critérios estabelecidos pelo analista.
	A crítica de Lacoste à concepção de região lablacheana, reside no repúdio à ideia de que as regiões seriam unidades objetivas e harmônicas, sobrepondo aspectos tanto naturais quanto histórico-sociais (conflitos, clivagens estruturais etc.). Lacoste também critica o projeto ideológico que se aninhava por trás dessa concepção de região, que buscava a unidade nacional da França (um “mosaico de regiões” cuja coerência remete ao todo do solo pátrio). Além disso, ele também argumentou contra o artificialismo que residiria na pressuposição de algo como uma harmonia e perfeitas convergências entre os diversos fatores das análises regionais lablacheanas: o sítio, a história da ocupação, os “gêneros de vida”. Para Lacoste, o estudo das articulações e descompassos entre os “conjuntos espaciais” não consistiria simplesmente em identificar e descrever regiões. Lacoste denunciou a falácia que consiste em agir como se o conteúdo de uma região fosse autoexplicativo, quando na verdade processos atinentes a diferentes escalas contribuem para definir estruturas e dinâmicas na escala regional. Sendo assim, nenhuma região poderia ser explicada isoladamente. Por essas razões e pelo amplo uso do conceito na França, Lacoste se refere à região (lablacheana) como um conceito-obstáculo.
	O conceito de região é renovado com a chegada da Geografia Humanista, sobretudo na obra de Armand Frémont, no fim dos anos 1970. A novidade dentro dessa concepção está na associação entre o conceito de região e o de lugar, passando a entender a região enquanto um “espaço vivido”, ou seja, a identidade regional como derivada de uma vivência específica no mundo (regionofilia). Assim, sem consistir a uma volta pura e simples ao lablacheanismo, Frémont buscou reconstruir ou pelo menos renovar a ideia de região. Na década de 80, com a “virada crítica”, o conceito de região é novamente colocado em xeque, mas não necessariamente para descartá-lo (como fez Lacoste). Foram muito comuns nessa época os debates acerca da relação região x regionalismo, onde diversos geógrafos e sociólogos focalizaram essa problemática, ora expressando simpatia para com as demandas culturais, políticas e econômicas das populações de determinadas regiões perante o Estado, ora apresentando o problema do regionalismo e da própria identidade regional como construções ideológicas, manipuladas por uma elite regional. 
	Após problematizar a dimensão escalar da região (haveria uma escala propriamente regional ou podemos falar de região independente de escala?), Souza nos leva a refletir em relação ao bairro e ao setor geográfico. O bairro consistiria em um espaço de “subjetividades compartilhadas” composto por três conteúdos que nos auxiliam a identificar as características distintivas do bairro, entre a objetividade e a (inter)subjetividade: composicional (referente às características objetivas concernentes à composiçãode classe; interacional (referente às relações estabelecidas entre os grupos e indivíduos e com a centralidade ou não dos bairros); e simbólico (diz respeito à imagem de um dado subespaço intraurbano como um espaço vivido e percebido). O setor geográfico, por sua vez, é entendido em uma escala maior que a do bairro, sendo definido por “conjunto de bairros com características próprias e ‘personalidade’ definida”.
Capítulo Bônus: Resumo do Edu de Regional (2014)
Região designa uma dada porção ou superfície terrestre que se diferencia das demais com base em algum critério
	A concepção pioneira de região é a de “região natural” oriunda dos debates da Geografia Física no último quartel do século XIX. Segundo essa concepção, de matriz positivista (determinismo), a região é identificada como uma superfície terrestre caracterizada por uma combinação específica de elementos da natureza. A segunda concepção de região é a “região-paisagem”, cunhada por La Blache e muito utilizada no período da Geografia Clássica (1920-1950). Dentro dessa concepção (possibilista), busca-se analisar o processo de transformação da “paisagem natural” em “paisagem cultural” – nas palavras do autor “o arranjo dos campos, o sistema agrícola, o habitat rural, mas também o dialeto e os costumes estão, entre outros, constituindo um conjunto integrado de traços culturais que definem um gênero de vida”. Ou seja, a região-paisagem consiste numa entidade geográfica que corresponderia às relações entre o homem e o seu meio natural; possui densidade histórica-cultural, uma unidade enraizada na própria percepção popular”.
	Dos anos 1950 até os anos 1970, o conceito de região passa a ser entendido de maneira distinta. O autor responsável por essa transformação é o norte-americano R. Hartshorne que cunhou o conceito de região lógico-positivista. Segundo essa concepção, a região consistiria numa criação intelectual criada a partir de propósitos específicos sendo, portanto, um instrumento de análise. Do final dos anos 1970 em diante, a Geografia vive um momento de incorporação de novos paradigmas, resultando em interpretações e operacionalizações características do conceito de região. As seguintes contribuições são exemplo da produção desse momento: de inspiração marxista, a região foi entendida como a organização espacial dos processo sociais associados ao modelo de produção capitalista, evocando temas como a regionalização da divisão do trabalho, do processo de acumulação capitalista, da reprodução da força de trabalho etc.; de inspiração humanista e cultural, a região foi tomada como um conjunto específico de relações culturais entre um grupo e lugares particulares; de inspiração política, a região foi compreendida como um meio para interações sociais, baseada na ideia de que a dominação e o poder constituem fatores fundamentais na diferenciação de áreas. 
	Novas questões no âmbito da contemporaneidade intensificam e atualizam os debates acerca do conceito de região. Entre as diversas concepções do conceito ao longo da história, persiste a noção da diferenciação de áreas, desafiando a tese de que o mundo se faz homogêneo. 
Capítulo 7 – Redes
	O conceito de rede não é recente, tampouco a preocupação em compreender os seus efeitos sob a organização espacial. O conceito de redes foi amplamente utilizado nos anos 1980-90. O que se fez nesse período foi renovar uma discussão conceitual já antiga na Geografia (e em outras áreas, como a Economia): os estudos sobre redes urbanas, por exemplo, foram extremamente importantes nos anos 1960-70, e alguns trabalhos pioneiros nos remetem ao século XIX e ao começo do século XX. O que se observa, é que a cada salto de qualidade em matéria de inovação técnica (estrada de ferro, telégrafo, telefone etc) o interesse pelas redes parece se renovar, gerando certo rejuvenescimento teórico-conceitual. “Mesmo com a rede já tendo surgido ou sido vislumbrada há muito tempo como ideia, a maior valorização do conceito precisou esperar por um momento histórico em que o tipo de realidade que o conceito recobre se disseminasse até se tornar onipresente.” – Manuel Castells (década de 1990) chega a falar de uma “sociedade em rede”. 
	 Roberto Lobato Corrêa preocupou-se com o problema de discernir quando uma rede seria geográfica. Segundo este autor, por rede geográfica entendemos “um conjunto de localizações geográficas interconectadas entre si por um certo número de ligações”. As ligações, no caso, podem se referir a fluxos de vários tipos que articulam e ligam diferentes pontos no espaço geográfico, utilizando-se de canais tangíveis (rede de energia elétrica, rede de abastecimento de água etc.), ou mesmo de fluxos dependentes de fixos, mas não de canais tangíveis (fluxos de informação online, telefonia móvel etc.). 
	As primeiras conceituações da ideia de rede surgem no pensamento de Saint-Simon e por seus discípulos no séc. XIX. O projeto comum dessa concepção visava a integração territorial, a integração dos mercados regionais, pela quebra das barreiras físicas, dos obstáculos à circulação de mercadorias e também de capitais. 
	Outra contribuição importante já na segunda metade do século XX é a de Jean Labasse, intitulada “Os capitais e a Região”, onde ele demonstra as ligações entre a rede ferroviária e o sistema financeiro (bancos), enquanto um dos principais fatores na unificação do mundo material daquele período. Na mesma época, Pierre Monbeig publicou em sua tese o capítulo “Regiões e Rede” onde revela o papel das rede ferroviárias sobre a organização espacial do território. Após os trabalhos desses autores, assistimos a um relativo silêncio nos debates conceituais acerca da rede – exceção feita aos importantes trabalhos sobre a rede urbana. Dupuy (1988) sugere, como explicação para esse silêncio as características de um período marcado por “um planejamento urbano principalmente fundiário e um planejamento dos equipamentos coletivos essencialmente setorial, implicando assim quadro pouco propício a uma reflexão transversal sobre as redes e sua territorialidade”.
	Os estudos em andamento nos permitem levantar uma hipótese: “as qualidades de instantaneidade e de simultaneidade das redes de informação emergiram mediante a produção de novas complexidades no processo histórico. O processo de integração (produtiva, de mercados, financeira, de informação etc.) implica na utilização de estratégias para serem viabilizados, principalmente estratégias de circulação e comunicação, duas faces da mobilidade que pressupõem a existência de redes, uma forma singular de organização. A densificação das redes regionais, nacionais ou internacionais, surge então como condição que se impõe à circulação crescente de tecnologia, de capitais e de matérias-primas. É nesse sentido que Raffestin relaciona o conceito de rede com o conceito de território, afirmando que “a rede faz e desfaz as prisões do espaço tornado território: tanto libera como aprisiona. É porque ela é instrumento, por excelência, do poder.” O mesmo autor, afirma que a primeira propriedade das rede é a conexidade – que tem ou em que há conexão. Os nós da rede são, portanto, lugares de conexão, lugares de poder e referência.
	O quadro teórico privilegiado por grande parte dos autores interessados no estudo das redes integra a noção de sistema. Assim, de acordo com Dupuy (1984), “a teoria do sitema permite especificar as interações entre subsistemas e postularia que a rede de relações é também rede de organização”. Dentro desse debate, os elementos do sistema comportam-se de uma maneira determinista (noção tradicional de sistema dinâmica como um encadeamento de causa e efeito), para alguns autores, e de modo não-determinista para outros (idéia de sistema bifurcado).
	A questão das redes reapareceu de outra forma, renovada pelas grandes mudanças do final do século XX e pelas descobertas e avanços em outros campos disciplinares e na própria Geografia. Neste novo contexto teórico, a análise das redes implica uma abordagem que, no lugar de tratá-la isoladamente, procure suasrelações com a urbanização, com a divisão territorial do trabalho e com a diferenciação crescente que esta introduziu nas cidades. Trata-se assim de um instrumento valioso para a compreensão da dinâmica territorial brasileira que pode e deve ser trabalhado de maneira interdisciplinar.
	
Capítulo 8 – Escala geográfica, construção social de escalas e política de escalas
	Entre a década de 1980 e o presente momento, o conceito de escala e seus temas correlatos avançaram de pouquíssimas contribuições até constituírem uma das temáticas mais debatidas pelos geógrafos. Primeiramente, é oportuno distinguir a escala geográfica, tema de nosso interesse, da escala cartográfica. A escala cartográfica consiste na relação matemática que existe entre as dimensões de um objeto qualquer no mundo e as dimensões do desenho que representa esse objeto – é, portanto, uma escala numérica. A escala geográfica, por sua vez, diz respeito à própria extensão de magnitude do espaço que se está levando em conta. A escala geográfica deve ser subdivida em escala do fenômeno, escala de análise e escala de ação. 
	A escala do fenômeno se refere à abrangência física do mesmo no mundo real. Esta se refere a objetos e processos de natureza bastante distinta, podendo se referir desde a aspectos físicos (extensão de um rio, de uma montanha) até fenômenos sociais. A escala de análise, por sua vez, consiste na criação intelectual de um pesquisador que busca apreender as características de um determinado fenômeno. Ela é, portanto, um nível analítico capaz de nos facultar a apreensão de características relevantes de alguma coisa que estejamos investigando ou tentando elucidar, a partir de uma questão ou problema que tenhamos formulado. De sua parte, a escala de ação diz respeito a um aspecto específico e diretamento político, referente à reflexão estratégica acerca do alcance espacial das práticas dos agentes – como, por exemplo, a área de cobertura de uma política pública.
	A discussão em torno das escalas envolveu debates sobre o seu status ontológico: de um lado, as posições apelidadas “materialistas”, que afirmam existirem de fato as escalas no mundo real; a outra perspectiva, dita “idealista”, identifica as escalas meramente enquanto artifício intelectuais que lançamos mão para compreender a realidade. Segundo Souza, esse antagonismo é em grande parte desnecessário, aconselhando que se trate a escala a partir de uma perspectiva “construtivista”: “admitir que os fenômenos possuem certo alcance espacial independente da consciência de quem os percebe e os estuda, não nos impede de aceitar que o pesquisador possa estabelecer, segundo critérios variados, recortes espaciais que lhe permitam ou facilitem visualizar ou destacar determinados aspectos da realidade.”. 
	As discussões conceituais acerca da escala foram lançadas, de maneira pioneira, por Lacoste que buscou um esforço de clarificação do problema conceitual teórico e metodológico das escalas. Sua contribuição está vinculada a sua objeção à região lablacheana: após buscar persuadir o leitor sobre os problemas da conceituação lablacheana, Lacoste passa a refletir sobre o problema do que ele chamou de “as ordens de grandeza dos conjuntos espaciais” e os “níveis de análise” da realidade, estabelecendo particularidades do olhar geográfico sobre as escalas: “certos fenômenos não podem ser apreendidos se não considerarmos extensões grandes, enquanto outros, de natureza bem diversa, só podem ser captados por observações muito precisas sobre superfícies bem reduzidas, resulta daí que a operação intelectual, que é a mudança de escala, transforma, e às vezes de forma radical, a problemática que se pode estabelece e os raciocínios que se possa formar. A mudança da escala corresponde a uma mudança do nível da conceituação”. Dessa forma, no plano do conhecimento, não existem níveis de análise privilegiados.
	A solução de Lacoste para o problema foi desenvolver um quadro terminológico contendo sete “ordens de grandeza” de recortes. Essas ordens de grandeza vão de conjuntos espaciais muito grandes, cujas dimensões se medem em dezenas de milhares de quilômetros, até conjuntos muito pequenos, realidades cujas dimensões são medidas em metros (a primeira ordem de grandeza). Essa terminologia lascosteana não se firmou, pois os geógrafos se mostraram pouco inclinados a trocar termos mais familiares e inteligíveis (local, regional, nacional etc.) pelas expressões abstratas sugeridas por Lacoste. Além do mais, esse quadro é considerado formalista e demasiado rígido. 
	Segundo Souza, o quarteto local/regional/nacional/internacional, apesar de mais flexível que a terminologia lacosteana, não está imune a formalismos, além de constituir uma simplificação exagerada. Outro problema vinculado a esses termos é a facilidade com que ele se presta a usos ideológicos (exemplo do País Basco, da Catalunha etc.). É preciso reconhecer, como salientou, entre outros, Harvey que as escalas de análise não são imutáveis e nem “naturais”, sendo produtos de mudanças tecnológicas, modos de organização humana e da luta política. Nas palavras de Marston, “a escala não é uma categoria pré-existente, apenas à espera para ser aplicada, mas sim um modo de contextualizar concepções da realidade. Isso significa que diferentes escalas constituem e são constituídas através de uma estrutura histórico-geográfica de relações sociais” – esse é o sentido da expressão construção social da escala.
	Um modo particular de construção social da escala é a política de escalas. Esse conceito pode ser definido como a articulação de ações e agentes operando em níveis escalares diferentes (isto é, que possuem magnitude e alcances distintos) com a finalidade de potencializar efeitos, neutralizar ou diminuir o impacto de ações adversas ou tirar maiores vantagens de situações favoráveis; por exemplo, ampliando esferas de influência (ao expandir audiências, sensibilizar atores que sejam possíveis aliados etc.) e propiciando sinergias políticas para angariar aliados. 
	Souza termina este capítulo propondo uma tipologia, não como um quadro rígido de referências terminológicas, mas como um compêndio de sugestões e possibilidades de análise. São elas: escala do corpo/ escala dos “nanoterritórios”/ escala local (microlocal + mesolocal + macrolocal) / escala regional / escala nacional / escala internacional (grupos de países + global).

Outros materiais