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F´ısica Moderna para iniciados, interessados e aficionados Ivan S. Oliveira Ph.D. Oxford Departamento de Mate´ria Condensada e F´ısica Estat´ıstica Centro Brasileiro de Pesquisas F´ısicas Notas do Autor Escrever um livro sobre f´ısica moderna como este exige um bocado de esp´ırito de risco em relac¸a˜o ao pro´prio trabalho. Alguns colegas podera˜o achar este esforc¸o fatalmente inu´til, por considerarem quase imposs´ıvel para o “pedestre comum” compreender as estranhas ide´ias da rainha das cieˆncias no se´culo XX. Discordo frontalmente; na˜o e´ preciso ser um Villa-Lobos para “arrancar” alguns acordes. A minha motivac¸a˜o ao abrac¸ar tal empreitada e´ muito simples: tenho certeza que meni- nos e meninas ao final do ensino me´dio, com um certo esforc¸o, sa˜o capazes de entender os conceitos da f´ısica do se´culo XX somente com a matema´tica que ja´ aprenderam. Esta certeza nasceu, em parte, do meu breve conv´ıvio com alguns destes estudantes no chamado Programa de Vocac¸a˜o Cient´ıfica, iniciado na Fiocruz, e adotado no CBPF ao final de 1997, e em parte devido a um interesse particular por desafios deste tipo. Apo´s algum tempo trabalhando somente com estudantes de mestrado e doutorado, foi uma agrada´vel surpresa descobrir a curiosi- dade cient´ıfica, ainda sem v´ıcios, e o desembarac¸o de estudantes ta˜o jovens. Assist´ı-los apresentando semina´rios ou em frente a um painel, explicando sem cerimoˆnia o que aprenderam para uma audieˆncia de ci- entistas profissionais, foi uma surpresa que me causou grande est´ımulo. Contudo, o texto na˜o e´ dirigido somente para alunos do ensino me´dio, mas tambe´m para todos os que se consideram iniciados, in- teressados ou aficionados. Dentre estes incluem-se alunos no in´ıcio de graduac¸a˜o em engenharias, qu´ımica, e qualquer pessoa que tenha in- teresse em f´ısica moderna, e que conhec¸a a matema´tica do segundo grau. Acredito que o texto sera´ particularmente u´til para professores do segundo grau, e alunos dos cursos em licenciatura. Aqui uma cons- tatac¸a˜o: o livro na˜o e´ um livro texto no sentido usual, mas tambe´m na˜o e´ um livro de divulgac¸a˜o como outros tantos. Tentei atingir um balanc¸o entre as duas abordagens. A raza˜o e´ que com pouqu´ıssima matema´tica pode-se ir muito ale´m do que se conseguiria sem nenhuma. A matema´tica e´ a linguagem natural da f´ısica. Qualquer pessoa que deseje conhecer f´ısica com alguma profundidade, na˜o podera´ ignorar a matema´tica. A raza˜o e´ ta˜o simples quanto fascinante: os fenoˆmenos da Natureza obedecem a equac¸o˜es matema´ticas! Um buraco negro e´ uma soluc¸a˜o de um conjunto de equac¸o˜es matema´ticas; um eco de spins i tambe´m, ondas eletromagne´ticas idem. Podemos lanc¸ar sate´lites, ex- trair energia dos nu´cleos dos a´tomos, conhecer a idade do Universo, ob- servar as imagens de um ce´rebro humano em funcionamento, ou ainda sonhar com computadores quaˆnticos e computadores biolo´gicos, grac¸as a` compreensa˜o matema´tica que temos dos fenoˆmenos naturais. Acredito que a abordagem matema´tica utilizada neste texto o torna acess´ıvel a todos aqueles que tenham interesse pela f´ısica e seus fasci- nates problemas no se´culo XX. O leitor precisara´ ter noc¸a˜o do que seja uma func¸a˜o e conhecer algumas operac¸o˜es alge´bricas elementares, ao n´ıvel do que se aprende no segundo grau de nossas boas escolas. Al- guns cap´ıtulos sa˜o mais te´cnicos do que outros, e podem parecer mais dif´ıceis. Aqueles que na˜o se impressionarem com s´ımbolos, e tiverem um pouco de pacieˆncia, na˜o encontrara˜o dificuldades em seguir os argumen- tos. Aqueles outros que possu´ırem apetite especial para matema´tica, encontrara˜o material suplementar em alguns dos paine´is inseridos ao longo do texto. Aos que “odeiam” matema´tica, mas possuem inter- esse por certas a´reas da f´ısica, recomendo que simplesmente ignorem as fo´rmulas e sigam adiante. O aproveitamento dependera´ neste caso do cap´ıtulo e da experieˆncia do leitor em achar o “caminho das pedras”! O se´culo XX foi o se´culo da f´ısica. Avanc¸os espetaculares na com- preensa˜o dos fenoˆmenos naturais (se e´ que podemos realmente afir- mar que “compreendemos” o que significa o tempo dilatar ou uma func¸a˜o de onda colapsar!) desaguaram em tecnologias nunca antes sonhadas, e em discusso˜es filoso´ficas ta˜o infinda´veis quanto interes- santes. Nosso conhecimento sobre a Natureza avanc¸a vertiginosamente, e e´ imposs´ıvel dizer como ele, e a tecnologia que dele decorre, va˜o es- tar ao final do se´culo XXI! Computadores quaˆnticos realizando tele- porte e calculando com velocidade inimagina´vel, gerando co´digos crip- togra´ficos indecifra´veis; todas as maravilhas prometidas pela chamada nanocieˆncia decorrente da manipulac¸a˜o de materiais em escala atoˆmica, como circuitos eletroˆnicos moleculares; transporte de energia sem dis- sipac¸a˜o em supercondutores; novos dados observacionais sobre a ex- pansa˜o do Universo, desafiando modelos cosmolo´gicos; novas teorias sobre os constituintes elementares da mate´ria. Estas sa˜o apenas algu- mas das tendeˆncias mais atuais. Acredito que nossos cursos, tanto introduto´rios quanto intermedia´rios, devessem “concentrar fogo” sobre essa “nova f´ısica”, e na˜o estagnar ii sobre conceitos formulados ha´ 300 anos que, de certa forma, ficaram “soterrados” no in´ıcio do se´culo XX. A maioria dos nossos jovens so´ conhece Einstein pela explorada fotografia da careta, e o associam a` fo´rmula E = mc2. E´ preciso separar os resultados das suas deduc¸o˜es. Deduzir a expressa˜o matema´tica E = mc2 como consequ¨eˆncia lo´gica de alguns postulados simples, e´ consideravelmente te´cnico para um estu- dante em fase inicial. Mas isso na˜o quer dizer que ele na˜o possa com- preender o que esta fo´rmula significa, e quais sa˜o as suas implicac¸o˜es! O mesmo se pode dizer sobre a mecaˆnica quaˆntica, sobre a f´ısica nuclear, sobre o magnetismo, sobre a supercondutividade, etc. Obviamente na˜o e´ preciso que um estudante de medicina seja Ph.D. em f´ısica para ir ale´m dos boto˜es dos equipamentos, e entender um pouco dos princ´ıpios da ressonaˆncia magne´tica nuclear, fenoˆmeno f´ısico que o auxiliara´ com os seus pacientes! Resumindo, este livro e´ um laborato´rio. Inevitavelmente muitos to´picos importantes ficaram de fora, como em qualquer outro livro com um nu´mero manusea´vel de pa´ginas. Ao me convencer de que ele na˜o poderia ser um livro texto como os usuais, me senti livre para experi- mentar um estilo descontra´ıdo, que em geral funciona nos meus cursos na po´s-graduac¸a˜o do CBPF. Afinal, para um carioca incorrig´ıvel como eu, ficar longe do bom humor e do sarcasmo pode ser sintoma de doenc¸a grave. Espero que esta combinac¸a˜o pouco ortodoxa seja u´til para o leitor. Ivan S. Oliveira iii Agradecimentos Gostaria de agradecer aos seguintes amigos e companheiros de labuta: Dr. Luis A. C. P. da Mota do Instituto de F´ısica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (companheiro infal´ıvel de muita pizza e muita f´ısica nos ge´lidos sa´bados de Oxford); ao meu querido amigo Dr. Edi- som Moreira Jr., do Departamento de Matema´tica e Computac¸a˜o do Instituto de Cieˆncias da Escola Federal de Engenharia de Itajuba´; Dr. Jose´ Abdalla Helaye¨l Neto, do Departamento de Campos e Part´ıculas do Centro Brasileiro de Pesquisas F´ısicas, ao ex-aluno, agora amigo e colaborador, Engenheiro Salvador Barreto Belmonte e ao Dr. Alberto Passos Guimara˜es, amigo e mentor de longa data, do Departamento de Mate´ria Condensada e F´ısica Estat´ıstica do Centro Brasileiro de Pesquisas F´ısicas. Checou todas as v´ırgulas, colocou todas as tremas e corrigiu todas as crases! Ao meu bom amigo alema˜o, Dr. Stefan Jorda, e ao amigo Dr. Vitor Luiz Bastos de Jesus, a quem pude sugerir algu- mas ide´ias e de quem aprendi outras tantas. Aos colegas do Instituto de F´ısica Gleb Wataghin da UNICAMP, Drs. Marcelo Knobele Leandro R. Tessler, pelo encorajamento e incentivo. Quero tambe´m agradecer a` minha esposa, Dra. Rosinda Martins Oliveira, entusiasmada neuro- psico´loga. Enquanto muitos autores agradecem a`s respectivas esposas pela “compreensa˜o”, “pacieˆncia”, “est´ımulo”, etc., tenho a sorte de ter tido o mesmo, e ainda contar com algo mais. Crescemos juntos, e esta- mos ambos familiarizados com as belezas desta estrada, mas tambe´m com seus “buracos” e “peda´gios”. Foi ela quem primeiro leu o livro e fez as primeiras cr´ıticas e sugesto˜es. E gostou! iv . Para Ju´lio e Maur´ıcio meu melhor incentivo v Ganhadores do Preˆmo Nobel de F´ısica1 1901. Wilhelm Konrad Ro¨ntgen - pela descoberta dos raios-X. 1902. Hendrik Antoon Lorentz e Pieter Zeeman - pelas suas pesquisas sobre radiac¸a˜o. 1903. Antoine Henri Becquerel e Pierre Curie - pela descoberta da radioatividade espontaˆnea. 1904. John William Strutt (Lord Rayleigh) - pela descoberta do argoˆnio. 1905. Philipp Eduard Anton von Lenard - pelos seus trabalhos sobre os raios cato´dicos. 1906. Joseph John Thompson - pelos seus trabalhos sobre a condutividade ele´trica dos gases. 1907. Albert Abraham Michelson - pelos seus trabalhos com instrumentos o´pticos de precisa˜o. 1908. Gabriel Lippmann - pelos seus trabalhos com cores e fenoˆmenos de interfereˆncia. 1909. Guglielmo Marconi e Carl Ferdinand Braun - pelas suas con- tribuic¸o˜es ao desenvolvimento do tele´grafo sem fio. 1910. Johannes Diderik van der Waals - pelos seus estudos sobre a equac¸a˜o de estados de gases e l´ıquidos. 1911. Wilhelm Wien - pelos seus estudos sobre radiac¸a˜o de calor. 1912. Nils Gustaf Dale´n - pela invenc¸a˜o de reguladores automa´ticos utiliza- dos na iluminac¸a˜o de faro´is. 1913. Heike Kamerlingh Onnes - pela liquefac¸a˜o do he´lio. 1914. Max von Laue - pela descoberta da difrac¸a˜o de raios-X por cristais. 1915. William Henry Bragg e William Lawrence Bragg - pelos seus estudos sobre a estrutura de cristais utilizando difrac¸a˜o de raios-X. 1917. Charles Glover Barkla - pela descoberta dos raios-X caracter´ısticos dos elementos. 1918. Max Plank - pela descoberta do quantum de energia. 1919. Johannes Stark - pelos seus trabalhos com o Efeito Doppler. 1920. Charles-E´dounard Guillaume - pelos seus trabalhos em medidas de precisa˜o. 1921. Albert Einstein - pelos seus trabalhos em f´ısica teo´rica, em particular pela explicac¸a˜o do efeito fotoele´trico. 1922. Niels Bohr - pelas suas investigac¸o˜es sobre a estrutura do a´tomo. 1923. Robert Andrews Millikan - pelos seus trabalhos sobre a carga ele- mentar e sobre o efeito fotoele´trico. 1924. Karl Manne Georg Siegbhan - pelas suas pesquisas sobre espectro- scopia de raio-X. 1Parcialmente compilado de: Fundamentals of Physics, D. Halliday e R. Resnick, 3a. Ed., John Wiley & Sons (Nova Iorque, 1988) vi 1925. James Frank e Gustav Hertz - pelos seus trabalhos sobre o impacto de ele´trons em a´tomos. 1926. Jean Baptiste Perrin - pelos seus trabalhos sobre a estrutura da mate´ria. 1927. Arthur Holly Compton e Charles Thompson Rees Wilson - pelo me´todo de condensac¸a˜o de vapor para tornar trajeto´rias de part´ıculas vis´ıveis. 1928. Owen Willans Richardson - pelos seus trabalhos sobre o efeito ter- moioˆnico. 1929. Louis-Victor de Broglie - pela descoberta da natureza ondulato´ria do ele´tron. 1930. Chandrasekhara Venkata Raman - pelos seus trabalhos sobre es- palhamento de luz. 1932. Werner Heisenberg - pela criac¸a˜o da Mecaˆnica Quaˆntica. 1933. Erwin Schro¨dinger e Paul Adrien Maurice Dirac - pelos seus trabalhos sobre a teoria atoˆmica. 1935. James Chadwick - pela descoberta do neˆutron. 1936. Victor Franz Hess e Carl David Anderson - pela descoberta do po´sitron. 1937. Clinton Joseph Davisson e George Paget Thompson - pelos seus trabalhos sobre a difrac¸a˜o de ele´trons por cristais. 1938. Enrico Fermi - pela descoberta dos elementos transuraˆnicos. 1939. Ernest Orlando Lawrence - pela invenc¸a˜o do acelerador c´ıclotron. 1943. Otto Stern - pela descoberta do momento mange´tico do pro´ton. 1944. Isidor Isaac Rabi - pelos seus estudos em ressonaˆncia magne´tica nuclear. 1945. Wolfgang Pauli - pela descoberta do Princ´ıpio de Exclusa˜o. 1946. Percy Williams Bridgeman - pelos seus trabalhos em f´ısica de alta pressa˜o. 1947. Edward Victor Appleton - pelos seus trabalhos sobre f´ısica at- mosfe´rica. 1948. Patrik Maynard Stuart Blackett - pelas suas descobertas em f´ısica nuclear e radiac¸a˜o co´smica. 1949. Hideki Yukawa - pela previsa˜o teo´rica da existeˆncia do me´son. 1950. Cecil Frank Powel - pelo desenvolvimento de me´todos fotogra´ficos no estudo de processos nucleares. 1951. John Douglas Cockcroft e Ernest Thomas Sinton Walton - pelos seus trabalhos sobre a transmutac¸a˜o de nu´cleos atoˆmicos utilizando aceleradores de part´ıculas. 1952. Felix Bloch e Edward Mills Purcell - pelos suas descobertas em ressonaˆncia magne´tica nuclear. 1953. Fritz Zernike - pela invenc¸a˜o de novas te´cnicas de microscopia. 1954. Max Born - pela interpretac¸a˜o estat´ıstica da func¸a˜o de onda. 1955. Willis Eugene Lamb - pelos seus trabalhos sobre a estrutura fina do a´tomo de hidrogeˆnio. Polykarp Kush - pela determinac¸a˜o precisa do momento vii magne´tico do ele´tron. 1956. William Shockley, John Bardeen e Walter Houser Brattain - pelos seus trabalhos em semicondutores e transistores. 1957. Chen Ning Yang e Tsung Dao Lee - pelos seus trabalhos sobre as leis de paridade em part´ıculas elementares. 1958. Pavel Aleksejevicˇ Cˇerenkov, Il’ja Michajlovicˇ Frank e Igor’Evegen’ evicˇ Tamm - pela descoberta do efeito Cˇerenkov. 1959. Emilio Gino Segre` e Owen Chamberlain - pela descoberta do antipro´ton. 1960. Donald Arthur Glaser - pela invenc¸a˜o da caˆmara de bolhas. 1961. Robert Hofstadter - pelos seus trabalhos sobre espalhamento de ele´trons por nu´cleos. Rudolf Ludwig Mo¨ssbauer - pela descoberta do efeito Mo¨ssbauer. 1962. Lev Davidovicˇ Landau - pelos seus trabalhos em mate´ria condensada. 1963. Eugene P. Wigner - pelas suas contribuic¸o˜es a` teoria nuclear e de part´ıculas. Maria Geoppert Mayer e J. Hans D. Jensen - pela descoberta da estrutura de camadas nuclear. 1964. Charles H. Townes, Nikolai G. Basov e Alexander M. Pro- chorov - pelos seus trabalhos em eletroˆnica quaˆntica. 1965. Sin-Itiro Tomonaga, Julian Schwinger e Richard P. Feynman - pelos seus trabalhos em eletrodinaˆmica quaˆntica. 1966. Alfred Kastler - pela descoberta e desenvolvimento de me´todos o´pticos para o estudo de ressonaˆncias em a´tomos. 1967. Hans Albrecht Bethe - pelas suas contribuic¸o˜es a` teoria das reac¸o˜es nucleares. 1968. Luis W. Alvarez - pelos seus trabalhos em part´ıculas elementares. 1969. Murray Gell-Mann - pelos seus trabalhos em part´ıculas elementares. 1970. Hannes Alve´n - pelos seus trabalhos em magnetohidrodinaˆmica. Louis Ne´el - pelas suas descobertas sobre antiferromagnetismo e ferrimagnetismo e suas aplicac¸o˜es ao estado so´lido. 1971. Dennis Gabor - pela descoberta dos princ´ıos da holografia. 1972. John Bardeen, Leon N. Cooper e J. Robert Schrieffer - pelo desenvolvimento da teoria da supercondutividade. 1973. Leo Esaki - pela descoberta do tunelamento em semicondutores. Ivar Giaever - pela descoberta do tunelamento em supercondutores. Brian D. Joseph- son - pela descoberta da supercorrente atrave´s de junc¸o˜es em supercondutores. 1974. Antony Hewish - pela descoberta dos pulsares. Martin Ryle - pelo seu trabalho em radio-astronomia. 1975. Aege Bohr, Ben Mottelson e James Rainwater - pelos seus tra- balhos sobre a estrutura nuclear. 1976. Burton Richter e Samuel Chao Chung Ting - pelas suas descober- tas de uma part´ıcula fundamental. 1977. Philip Warren Anderson, Nevill Francis Mott e John Has- brouck Van Vleck - pelas suas investigac¸o˜es em materiaismagne´ticos e sistemas viii desordenados. 1978. Peter L. Kapitza - pelos seus trabalhos em f´ısica a baixas temper- aturas. Arno A. Penzias e Robert Woodrow Wilson - pela descoberta da radiac¸a˜o de fundo do Universo. 1979. Sheldon Lee Glashow, Abdus Salam e Steven Weinberg - pela teoria unificada da interac¸a˜o eletrofraca. 1980. James W. Cronin e Val L. Fitch - pela descoberta de violac¸o˜es em princ´ıpios fundamentais de simetria no decaimento de me´sons K. 1981. Nicolaas Bloembergen e Arthur Leonard Schawlow - pelas suas contribuic¸o˜es a` espectroscopia de laser. Kai M. Siegbahn - pelas suas con- tribuic¸o˜es a` espectroscopia de ele´tron. 1982. Kenneth Geddes Wilson - pelos seus estudos sobre fenoˆmenos cr´ıticos na mate´ria. 1983. Subrehmanyan Chandrasekhar - pelos seus estudos sobre a evoluc¸a˜o das estrelas. William A. Fowler - pelos seus estudos sobre a formac¸a˜o de elemen- tos qu´ımicos no Universo. 1984. Carlo Rubia e Simon van der Meer - pelas suas contribuic¸o˜es a` descoberta das part´ıculas W e Z. 1985. Klaus von Klitzing - pela descoberta do efeito Hall quaˆntico. 1986. Ernst Ruska - pela descoberta do microsco´pio eletroˆnico. Gerd Bin- nig - pela descoberta da varredura de tunelamento. Heinrich Rohrer - pela invenc¸a˜o do microsco´pio eletroˆnico por varredura de tunelamento. 1987. Karl Alex Mu¨ller e J. George Bednorz - pela descoberta dos supercondutores de alta temperatura cr´ıtica. 1988. Leon M. Lederman, Melvin Schwartz e Jack Steinberger - pelas suas pesquisas sobre a estrutura dos le´ptons. 1989. Norman F. Ramsey, Hans G. Dehmelt e Wolfgang Paul - pelo desenvolvimento da te´cnica de aprisionamento de ı´ons. 1990. Jerome I. Friedman, Henry W. Kendall e Richard E. Taylor - pelas suas investigac¸o˜es sobre o espalhamento inela´stico de ele´trons em pro´tons e neˆutrons. 1991. Pierre-Gilles de Gennes - pelos seus estudos em cristais l´ıquidos e pol´ımeros. 1992. Georges Charpak - pela invenc¸a˜o de detectores de part´ıculas. 1993. Russell A. Hulse e Joseph H. Taylor Jr. - pela descoberta de um novo tipo de pulsar. 1994. Bertramin N. Brockhouse e Clifford G. Shull - pelas suas con- tribuic¸o˜es ao desenvolvimento de te´cnicas de difrac¸a˜o de neˆutrons. 1995. Martin L. Perl e Frederick Reines - pelas suas contribuic¸o˜es a` f´ısica dos leptons. 1996. David M. Lee, Douglas D. Osheroff e Robert C. Richardson - pela descoberta da superfluidez no 3He. 1997. Steven Chu, William D. Phillips e Claude Cohen-Tannoudji - pelos seus trabalhos sobre as interac¸o˜es entre radiac¸a˜o e mate´ria. ix 1998. Robert C. Laughlin, Horst L. Stoermer e Daniel C. Tsui - pela descoberta de novas propriedades eletroˆnicas a baixas temperaturas e altos campos magne´ticos. 1999. Gerardus ’t Hooft e Martinus J.G. Veltman - pelos seus trabalhos teo´ricos sobre a estrutura e movimento de part´ıculas subatoˆmicas. 2000. Zhores Alferov, Herbert Kroemer e Jack Kilby - por suas pesquisas em semicondutores que permitiram o desenvolvimento de computadores ultra-ra´pidos. x Lista de Paine´is por Cap´ıtulo Cap´ıtulo 1 Painel I - “A Vida e a Obra de Dois Geˆnios” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . pg. 5 Painel II - “Quantidades Escalares e Vetoriais” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Painel III - “Derivada de uma Func¸a˜o” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 Painel IV - “Integral de uma Func¸a˜o” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 Painel V - “Nu´meros Imagina´rios, Nu´meros Complexos e Func¸o˜es Complexas” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Cap´ıtulo 2 Painel VI - “A Experieˆncia de Michelson” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 Painel VII - “Casamento Conturbado” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 Cap´ıtulo 3 Painel VIII - “Func¸o˜es de Distribuic¸a˜o de Probabilidades” . . . . . . . . . . . . . . . 148 Painel IX - “A Equac¸a˜o de Schro¨dinger” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158 Cap´ıtulo 4 Painel X - “ Coordenadas Retangulares vs. Esfe´ricas” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 209 Cap´ıtulo 5 Painel XI - “Alan Turing” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302 Cap´ıtulo 6 Painel XII - “RMN e Computac¸a˜o Quaˆntica” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343 Cap´ıtulo 7 Painel XIII - “O Projeto Manhattan” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 386 Painel XIV - “Espelhos Magne´ticos e Tokamaks” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .394 Cap´ıtulo 8 Painel XV - “O Efeito Mo¨ssbauer” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 420 Painel XVI - “Relatividade e Imposturas Intelectuais” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 435 Cap´ıtulo 9 Painel XVII - “A Caˆmara de Wilson” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 457 Painel XVIII - “Vida e Obra de Cesar Lattes” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 460 Painel XIX - “Vida e Obra de Jose´ Leite Lopes” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 466 Painel XX - “O Laborato´rio Nacional de Luz S´ıncrotron . . . . . . . . . . . . . . . . . 475 Painel XXI - “O Modelo Padra˜o” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 478 xi xii Contents 1 A F´ısica ate´ 1905: uma Casa de Gigantes 1 1.1 A Mecaˆnica Cla´ssica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.1.1 As Leis do Movimento; Newton, Espac¸o e Tempo Absolutos . . . . . . . . 3 1.1.2 Movimento de Objetos sob a Ac¸a˜o de Forc¸as Mecaˆnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 1.1.3 Gravitac¸a˜o Universal: da Queda da Mac¸a˜ a` Queda da Lua . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 1.1.4 O Movimento dos Planetas . . . . . . . . . . . . . 33 1.1.5 Massa Inercial vs. Massa Gravitacional . . . . . . 39 1.1.6 Movimento Relativo . . . . . . . . . . . . . . . . 40 1.1.7 F´ısica Te´rmica: dos Planetas aos Gases . . . . . . 44 1.1.8 E´ Poss´ıvel o Tempo andar para Tra´s? . . . . . . . 47 1.1.9 O Relo´gio Co´smico . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 1.2 O Eletromagnetismo Cla´ssico . . . . . . . . . . . . . . . 52 1.2.1 Fenoˆmenos Ele´tricos e Magne´ticos . . . . . . . . . 52 1.2.2 Fenoˆmenos Ondulato´rios: Difrac¸a˜o e Interfereˆncia 62 1.2.3 Ondas Eletromagne´ticas . . . . . . . . . . . . . . 70 1.2.4 Afinal, o que e´ a Luz? . . . . . . . . . . . . . . . 75 1.2.5 Afinal, Porque o Ce´u e´ Azul? . . . . . . . . . . . 79 1.2.6 Acabou a F´ısica?! . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 2 A Teoria da Relatividade 85 2.1 Einstein: um Geˆnio Desempregado . . . . . . . . . . . . 86 2.2 Maxwell na˜o Concorda com Newton . . . . . . . . . . . . 89 2.3 Os Postulados da Relatividade: a Implosa˜o do Velho Templo . . . . . . . . . . . . . . . . 104 xiii 2.4 O Tempo pode ser Esticado! . . . . . . . . . . . . . . . . 108 2.5 O Espac¸o pode ser Encolhido! . . . . . . . . . . . . . . . 115 2.6 E = mc2: Energia que da´ Gosto! . . . . . . . . . . . . . 117 2.7 Viagens no Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124 3 A Mecaˆnica Quaˆntica 129 3.1 Havia uma Pedra no Caminho . . . . . . . . . . . . . . . 129 3.2 Max Plank: Pacotes de Luz?! . . . . . . . . . . . . . . . 133 3.3 Louis de Broglie: Ondas de Mate´ria?! . . . . . . . . . . . 140 3.4 Erwin Schro¨dinger e o Miste´rio ψ(r, t) . . . . . . . . . . 144 3.5 A Du´bia Vida de um Pobre Gato . . . . . . . . . . . . . 159 3.6 Spin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161 3.7 O Princ´ıpio de Exclusa˜o de Pauli . . . . . . . . . . . . . 170 3.8 Einstein: “Deus na˜o JogaDados” . . . . . . . . . . . . . 178 3.9 Correlac¸o˜es Estranhas: Afinal, Deus Joga Dados? . . . . 182 3.10 Existe um Mundo la´ Fora? . . . . . . . . . . . . . . . . . 187 3.11 Teletransporte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193 4 Como Construir um A´tomo 197 4.1 A Estrutura do A´tomo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198 4.2 Orbitais Quaˆnticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203 4.3 A Mate´ria do Universo em uma Tabela . . . . . . . . . . 217 4.4 Esticando a Tabela Perio´dica . . . . . . . . . . . . . . . 220 4.5 Ligac¸o˜es Qu´ımicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223 4.6 ADN: uma Mole´cula muito Especial . . . . . . . . . . . . 228 4.7 Magnetismo do A´tomo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234 4.8 Forc¸a Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239 4.9 O Indivis´ıvel pode ser Dividido! . . . . . . . . . . . . . . 242 5 Dos A´tomos aos Computadores 247 5.1 Objetos Macrosco´picos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249 5.2 Periodicidade na Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . 251 5.3 Porque a Lata Difere do Diamante? . . . . . . . . . . . . 255 5.4 Autoestados em uma Caixa Perio´dica . . . . . . . . . . . 256 5.5 O Mundo e´ Quaˆntico! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264 5.6 Metais, Isolantes e Semicondutores . . . . . . . . . . . . 269 5.7 Junc¸o˜es, Diodos e Transistores . . . . . . . . . . . . . . . 272 xiv 5.8 O que sa˜o Computadores? . . . . . . . . . . . . . . . . . 283 5.9 Bits & Bites: o Ba´sico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287 5.10 A Internet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291 5.11 O ADN Computa! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 294 5.12 Computadores podem Pensar? . . . . . . . . . . . . . . . 297 6 Magnetismo 307 6.1 Origem do Magnetismo na Mate´ria . . . . . . . . . . . . 307 6.2 Tipos de Ordem Magne´tica . . . . . . . . . . . . . . . . 319 6.3 Magnetismo Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323 6.4 Ressonaˆncia Magne´tica Nuclear . . . . . . . . . . . . . . 327 6.5 O Sistema Girante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335 6.6 Ecos de Spin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 340 6.7 Imagens do Corpo Humano; uso Me´dico da RMN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 345 6.8 A Fauna Quaˆntica: Fo´tons, Foˆnons, Ma´gnons, Plasmons, e outros ‘ons’ . . . . . . . . . . . . 349 6.9 Trens que Flutuam! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353 7 Energia Nuclear 365 7.1 Instabilidade Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 366 7.2 Alfa, Beta e Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 368 7.3 Fissa˜o Nuclear: Xoˆ Satana´s! . . . . . . . . . . . . . . . . 374 7.4 Energia de Fissa˜o: Quantos Nu´cleos Fervem uma Piscina?378 7.5 Reatores-N & Bombas-A . . . . . . . . . . . . . . . . . . 382 7.6 Lixo Atoˆmico: um Sub-Produto Indeseja´vel . . . . . . . 389 7.7 Fusa˜o Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 391 7.8 Como Funciona o Sol? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 396 7.9 Efeitos Biolo´gicos da Radiac¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . 397 7.10 Medicina Nuclear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 402 8 Relatividade Geral 409 8.1 Einstein Ataca de Novo! . . . . . . . . . . . . . . . . . . 409 8.2 O Princ´ıpio da Equivaleˆncia . . . . . . . . . . . . . . . . 410 8.3 Geometria e Gravitac¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . 423 8.4 Nascimento e Morte das Estrelas: Buracos Negros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 427 xv 8.5 Novos Desafios a` Relatividade . . . . . . . . . . . . . . . 430 8.6 O Universo teve um In´ıcio? A Grande Explosa˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 438 8.7 O Universo tera´ um Fim? O Grande Colapso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 441 9 O Sonho da Unificac¸a˜o 445 9.1 As Quatro Damas da Criac¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . 446 9.2 Newton: Unificac¸a˜o do Ce´u com a Terra . . . . . . . . . . . . . . 449 9.3 Maxwell: Unificac¸a˜o da Eletricidade com o Magnetismo e com a O´tica F´ısica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 452 9.4 Part´ıculas Elementares: A Ducha Co´smica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 453 9.5 Unificac¸a˜o Eletrofraca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 464 9.6 E´ Poss´ıvel Recriar o Universo em um Laborato´rio? . . . 468 9.7 Gravitac¸a˜o: outra Pedra no Caminho! . . . . . . . . . . . 476 9.8 Teorias de Tudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 480 xvi Chapter 1 A F´ısica ate´ 1905: uma Casa de Gigantes 1.1 A Mecaˆnica Cla´ssica No in´ıcio tudo era o caos. Primeiro criou Deus o Ce´u e a Terra. A Terra era vazia e sem forma. O Esp´ırito de Deus pairava sobre as a´guas. E Deus disse: - Haja Luz! Notando no entanto que nada acontecera, o desapontado Criador deu um longo suspiro, e balbuciou distra´ıdo: - Haja Pacieˆncia! Um de seus Arcanjos enta˜o, constrangido com o que ocorrera, cochichou- Lhe algo nos ouvidos. . . - Ah, sim. Claro! Haja, antes, Espac¸o e Tempo! E depois repetiu animado: - Haja Luz! E um aberto sorriso iluminou Sua face. 1 2 O Livro do Geˆnesis descreve de maneira poe´tica o momento da Criac¸a˜o do Universo. Embora alguns cientistas ainda discutam se houve realmente um “in´ıcio”, as evideˆncias mais recentes apontam para o fato de que o Universo em que vivemos teve seu nascimento em algum momento, ha´ cerca de 15 bilho˜es de anos atra´s. A adulterac¸a˜o das primeiras palavras da B´ıblia feita acima, serve para enfatizar (de forma bem humorada) o que intuimos a respeito da estrutura mais ba´sica do Universo: o espac¸o e o tempo. E´ dif´ıcil imaginarmos o espac¸o e o tempo como objetos f´ısicos em s´ı, que foram criados com os outros objetos do Universo. O sentimento que temos e´ de que o espac¸o e o tempo devem ter pre-existido a` criac¸a˜o das outras coisas. No entanto, parece na˜o ser assim. Como veremos ao longo deste livro, a Natureza muitas vezes na˜o corresponde a`s nossas intuic¸o˜es ingeˆnuas. No primeiro quarto do se´culo XX o edif´ıcio cient´ıfico cons- tru´ıdo durante mais de 300 anos por gigantes da Cieˆncia como Galileu Galilei, Isaac Newton, e James Clerk Maxwell, viu as suas bases ru´ırem diante das ide´ias revoluciona´rias de homens como Albert Einstein, Max Planck, Niels Bohr, Louis de Broglie, Wolfgang Pauli, Werner Heisen- berg, Erwin Schro¨dinger, entre outros. Nos dias de hoje estamos habituados a usar computadores, e ouvir coisas sobre energia nuclear, bombas atoˆmicas, buracos negros, tomo- grafia computadorizada, lixo atoˆmico, viagens interestelares, etc. Es- tas coisas aparecem em jornais, revistas, romances, filmes, poemas, etc. Fazem parte do nosso dia-a-dia, e ocupam o centro da produc¸a˜o cient´ıfica e tecnolo´gica dos pa´ıses industrializados, onde o uso deste co- nhecimento gera riqueza e desenvolvimento. No entanto, muitas vezes CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES3 na˜o nos damos conta de que este conhecimento e´ o produto de uma revoluc¸a˜o cient´ıfica (talvez a maior da histo´ria da humanidade), que ocorreu ha´ menos de 100 anos atra´s! As bases desta revoluc¸a˜o sa˜o duas teorias f´ısicas espetaculares: a Teoria da Relatividade e a Mecaˆnica Quaˆntica. E´ sobre estas duas teorias e suas consequ¨eˆncias de que trata este livro. Antes, contudo, para melhor apreciarmos a devastac¸a˜o feita por estes dois furaco˜es, e´ necessa´rio que nos coloquemos na situac¸a˜o dos f´ısicos do in´ıcio do se´culo XX, que tiveram que assistir perplexos ao desabamento do Templo que habitavam. 1.1.1 As Leis do Movimento; Newton, Espac¸o e Tempo Absolutos O que hoje chamamos de F´ısica Cla´ssica e´ basicamente o conteu´do da obra de dois homens: o ingleˆs Isaac Newton, e o escoceˆs James Clerk Maxwell. O primeiro unificou as leis da mecaˆnica, que descrevem o movimento de objetossob a ac¸a˜o de forc¸as que sobre ele atuam. O segundo unificou as leis que regem os fenoˆmenos ele´tricos e magne´ticos, incluindo a propagac¸a˜o de ondas eletromagne´ticas no espac¸o, como on- das de ra´dio e a luz. Na f´ısica, esses dois monumentos teo´ricos sa˜o conhecidos como Mecaˆnica Cla´ssica e Eletrodinaˆmica Cla´ssica. Nesta sec¸a˜o vamos revisar os fundamentos da mecaˆnica, seus pos- tulados, e suas leis do movimento: as treˆs leis de Newton. Na segunda parte deste cap´ıtulo estudaremos os fenoˆmenos eletromagne´ticos. Al- guns conceitos matema´ticos, como a “derivada” e a “integral” de uma func¸a˜o sa˜o introduzidos nos paine´is, por razo˜es de complementaridade. Ter conhecimento pre´vio destas te´cnicas na˜o e´, contudo, necessa´rio para 4 acompanhar o texto. A obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, ou Princ´ıpios Matema´ticos da Filosofia Natural, publicada em 1687, e´ um marco na Histo´ria da Cieˆncia, que perpetua o nome de Isaac Newton como um dos maiores, sena˜o o maior geˆnio cient´ıfico que ja´ existiu. Nesta obra, Newton estabelece os fundamentos da mecaˆnica. O espac¸o e o tempo absolutos sa˜o conceituados como estruturas esta´ticas, homogeˆneas, in- altera´veis, que nada teˆm a ver com as outras coisas. Para Newton, as noc¸o˜es vulgares de espac¸o e tempo que temos decorrem da nossa experieˆncia de movimento dentro dessa estrutura absoluta. CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES5 PAINEL I A VIDA E OBRA DE DOIS GEˆNIOS O ingleˆs Isaac Newton nasceu no dia de Natal de 1642, em uma cidade chamada Woolsthorpe ao centro-norte da Inglaterra. No mesmo ano morria o italiano Galileu Galilei. Newton bacharelou-se pela Universidade de Cambridge em 1665, ano que retornaria para Woolsthorpe, fugindo da Grande Peste que assolava a Europa. Os dois anos que se seguiram foram, segundo o pro´prio Newton, os mais fe´rteis de sua vida. Durante este per´ıodo desenvolveu o Ca´lculo Diferencial e Integral (que ele denominava ca´lculo das fluxo˜es), fez importantes estudos de o´tica, e comec¸ou a sua Teoria da Gravitac¸a˜o Universal. Tornou-se membro da Royal Society (a academia de cieˆncias inglesa) em 1672. Sua obra mais importante, o Philosophiae Naturalis Principia Mathematica foi publicada em 1687, com duas edic¸o˜es posteriores, em 1713 e 1726. Newton morreu em 1727. James Clerk Maxwell nasceu em Edinburgo, capital da Esco´cia, no dia 13 de junho de 1831, e portanto quase 100 anos apo´s a morte de Newton. Ainda muito jovem ja´ revelava aptido˜es especiais para a cieˆncia. Aos 19 anos produziu alguns trabalhos originais que foram apresentados a` Royal Society de Edinburgo. Em 1847 Maxwell ingressou na Universidade de Edinburgo, terminando sua graduac¸a˜o em janeiro de 1854. Seus trabalhos mais importantes sobre Teoria Cine´tica dos Gases e Eletrodinaˆmica foram desenvolvidos durante os anos de 1860 e 1865, per´ıodo em que esteve no Kings College, em Londres. Em 1871 tornou-se professor de eletricidade e magnetismo em Cambridge, onde durante os primeiros anos deu retoques em seu grande trabalho sobre a eletrodinaˆmica. Em 1879 caiu doente e faleceu no dia 5 de novembro, com a idade de apenas 49 anos. 6 A famosa expressa˜o matema´tica1 F = ma (1.1) define a relac¸a˜o entre a forc¸a resultante F que atua sobre um objeto de massa m, e a acelerac¸a˜o a que este adquire sob a ac¸a˜o da forc¸a. Esta equac¸a˜o dinaˆmica e´ o corac¸a˜o da mecaˆnica cla´ssica. Ela descreve o movimento de qualquer objeto: pode tanto ser uma bola que rola ladeira abaixo, quanto o movimento de um planeta em torno do Sol. A equac¸a˜o 1.1 e´ a expressa˜o matema´tica da conhecida Segunda Lei de Newton. Newton postulou mais duas leis de movimento. Sa˜o elas: Primeira Lei: Todo corpo permanece em estado de re- pouso ou de movimento retil´ıneo uniforme, a menos que atuem sobre ele forc¸as externas que alterem este estado; Terceira Lei: A toda ac¸a˜o existe sempre uma reac¸a˜o igual em mo´dulo, e em sentido contra´rio. Com essas treˆs Leis, Newton revolucionou o Mundo! E´ importante lembrar que a equac¸a˜o 1.1 e´ uma equac¸a˜o vetorial. As quantidades F e a na˜o sa˜o nu´meros puros: sa˜o vetores, e portanto possuem mo´dulo, direc¸a˜o e sentido. Vetores, de uma maneira geral, pos- suem treˆs componentes, que correspondem a`s treˆs dimenso˜es do espac¸o. No caso da forc¸a F, por exemplo, representamos essas componentes por Fx, Fy e Fz. Em problemas unidimensionais so´ havera´ uma componente 1Adotaremos a notac¸a˜o em negrito ‘F’, ao inve´s da mais usual ‘�F ’, para repre- sentar vetores. CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES7 e podemos omitir o negrito da notac¸a˜o vetorial, observando, contudo, o sentido do movimento. 8 PAINEL II QUANTIDADES ESCALARES E VETORIAIS Em f´ısica, nu´meros servem para quantificar propriedades relacionadas a objetos ou ao movimento de objetos. Por exemplo, quando afirmamos que um objeto possui uma massa de 5 kg, associamos a` propriedade de massa, o nu´mero 5, vezes o padra˜o quilograma. Algumas propriedades, no entanto, na˜o ficam completamente caracte- rizadas apenas com um nu´mero. Por exemplo, se algue´m disser ‘passou por aqui um carro a 100 km/h’, nos ocorre a pergunta: ‘em que direc¸a˜o?’ Neste caso, somente o nu´mero ‘100 km/h’ na˜o completa a informac¸a˜o. Quantidades que ficam caracte- rizadas apenas por um nu´mero sa˜o chamadas escalares, e quantidades associadas a` direc¸o˜es no espac¸o sa˜o chamadas vetoriais. Vetores possuem mo´dulo, direc¸a˜o e sentido. Usamos os vetores unita´rios (ou seja, de mo´dulo 1, tambe´m chamados de versores) i, j e k, tambe´m chamados de vetores de base, para representarmos as 3 direc¸o˜es do espac¸o. Com isso podemos escrever qualquer vetor como uma combinac¸a˜o dos vetores de base. Por exemplo, F = Fxi+ Fyj+ Fzk representa um vetor F cujas componentes sa˜o Fx, Fy e Fz. Embora na˜o seja es- tritamente necessa´rio, os vetores de base sa˜o em geral perpendiculares entre si, ou seja, formam aˆngulos de 90 graus uns com os outros. O mo´dulo de um vetor F, representado por |F| ou F , e´ uma medida da inten- sidade da grandeza f´ısica que ele representa. O mo´dulo e´ dado por: |F| = √ F 2x + F 2y + F 2z Por exemplo, o mo´dulo do vetor posic¸a˜o r = 3i−2j+5k e´ igual a √9 + 4 + 25 ≈ 6, 2 unidades de distaˆncia (por exemplo, o metro). O mo´dulo do vetor velocidade v = 4i+ j − 5k e´ √16 + 1 + 25 ≈ 6, 5 unidades de velocidade (por exemplo, kiloˆmetros por hora). A soma de dois vetores e´ outro vetor cujas componentes sa˜o as somas das componentes dos vetores originais. Se CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES9 F1 = F1xi+ F1yj+ F1zk e F2 = F2xi+ F2yj+ F2zk enta˜o: F1 + F2 = (F1x + F2x)i+ (F1y + F2y)j+ (F1z + F2z)k Por exemplo, se F1 = 3i− 2j+5k, e F2 = i+4j−k, enta˜o, F1 +F2 = 4i+2j+4k. Graficamente, o vetor soma e´ dado pela diagonal do paralelogramo cujos lados sa˜o formados pelos vetores originais. A direc¸a˜o de um vetor e´ dada pelo vetor unita´rio obtido dividindo-se cada componente do vetor pelo seu mo´dulo. Por exemplo, a direc¸a˜o de F = 3i− 2j+5k, a qual vamos representar por eF , e´ igual a: eF = 3i− 2j+ 5k 6, 2 = 0, 48i− 0, 32j+ 0, 81k Note que |eF | = 1, como requer um vetor unita´rio. Existem tipos diferentes de produtos entre vetores. Por exemplo, o produto escalar, cujo resultado e´ uma quantidade escalar, e o produto vetorial, cujo resultado e´ outro vetor, perpendicular aos dois vetores originais. Se F1 e F2 sa˜o dois vetores, e θ o menor aˆngulo entre eles, seu produto escalar sera´ dado por: F1 · F2 = |F1||F2|cosθ E o mo´dulo do produto vetorial sera´ dado por: |F1 × F2| = |F1||F2|senθ Os produtos escalar e vetorial podemtambe´m ser expressos em termos das componentes dos vetores, sendo o primeiro dado por: F1 · F2 = F1xF2x + F1yF2y + F1zF2z 10 e o segundo: F1 × F2 = (F1yF2z − F1zF2y)i+ (F1zF2x − F1xF2z)j+ (F1xF2y − F1yF2x)k Essas duas relac¸o˜es podem ser obtidas a partir do fato de que os unita´rios i, j e k possuem as propriedades: i · i = j · j = k · k = 1 i · j = j · k = k · i = 0 i× j = k; j× k = i; k× i = j i× i = j× j = k× k = 0 e notando que o produto vetorial troca de sinal sob uma permuta dos vetores: i× j = −j× i, etc. A partir do que foi dito acima, fica fa´cil calcular o aˆngulo entre dois vetores; este sera´ dado pelo aˆngulo entre os vetores unita´rios correspondentes, ou seja: cosθ = eF1 · eF2 Por exemplo, se eF1 = 0, 48i−0, 32j+0, 81k e eF2 = 0, 24i−0, 94j+0, 24k, o aˆngulo entre F1 e F2 e´ igual a: cosθ = 0, 11 + 0, 30 + 0, 19 = 0, 61⇒ θ = 52, 4o CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES11 A acelerac¸a˜o a e´ definida como a taxa de variac¸a˜o da velocidade v, por intervalo de tempo. A velocidade, por sua vez e´ definida como a taxa de variac¸a˜o da posic¸a˜o r do objeto por intervalo de tempo. Neste ponto aparece uma certa dificuldade nessas definic¸o˜es. Para exempli- fica´-la, considere uma situac¸a˜o simples em que um motorista e´ obrigado a percorrer uma distaˆncia de 80 km em 1 hora. Obviamente isto pode ser feito de diversas maneiras. A mais simples consiste em manter uma velocidade constante, exatamente igual a 80 km/h, e apo´s 1 hora ele tera´ percorrido a distaˆncia desejada. Neste caso, na˜o ha´ variac¸a˜o da velocidade durante o percurso, e consequ¨entemente a acelerac¸a˜o sera´ igual a zero. Uma segunda opc¸a˜o seria acelerar o carro uniformemente ao longo do percurso. Por exemplo, se a carro iniciar o movimento com uma ve- locidade de 20 km/h, e o motorista for capaz de manter uma acelerac¸a˜o constante de 120 km/h2 (isto e´, a cada hora a velocidade aumentar de 120 km/h), apo´s exatamente 1 hora ele tera´ percorrido os 80 km. Nesses casos simples (de acelerac¸a˜o nula ou uniforme), v e a podem ser definidos por: v = r− r0 t− t0 = ∆r ∆t (1.2) a = v − v0 t− t0 = ∆v ∆t = ∆ ∆t ( ∆r ∆t ) ≡ ∆ 2r (∆t)2 (1.3) onde o s´ımbolo ∆2r foi introduzido para representar ∆(∆r), ou seja, a variac¸a˜o da variac¸a˜o da posic¸a˜o do objeto2 r0 e t0 sa˜o respectivamente 2No presente contexto, a expressa˜o mais a direita, ∆2r/∆t2, deve ser vista como 12 a posic¸a˜o e o instante iniciais. No nosso exemplo do carro, |∆r| = 80 km, e ∆t = 1 h. Embora estejamos usando unidades do nosso dia- a-dia para expressar velocidade e distaˆncia, no sistema internacional (SI) as unidades de r e v sa˜o respectivamente o metro (m) e o metro por segundo (m/s). A acelerac¸a˜o se mede em metro por segundo ao quadrado (m/s2), e a forc¸a em newtons (N=kg · m · s−2). Estamos de acordo que estas na˜o sa˜o as duas u´nicas maneiras de se percorrer 80 km em 1 h. De um modo geral, a acelerac¸a˜o e a velocidade ira˜o variar de uma forma arbitra´ria com o tempo ao longo do percurso, e as definic¸o˜es 1.2 e 1.3 na˜o sera˜o va´lidas, pois consideram os valores de r e v apenas no in´ıcio e fim do movimento. Newton se deparou com este problema, e para resolveˆ-lo teve que inventar uma nova matema´tica! Imagine que ao inve´s de medir a variac¸a˜o de r e v entre o in´ıcio (t0) e o fim (t) do movimento, o intervalo de tempo ∆t seja dividido em 1000 intervalos menores, cada um com 3,6 segundos. Se para cada um destes sub-intervalos calcularmos as razo˜es dadas por 1.2 e 1.3, teremos uma espe´cie de velocidade e acelerac¸a˜o “instantaˆneas”. Para sermos ainda mais precisos, poder´ıamos dividir ∆t em 10000 ou em 1000000 de sub-intervalos. Quanto menor for o sub-intervalo, mais as definic¸o˜es 1.2 e 1.3 refletira˜o os valores instantaˆneos de v e a. Nada nos impede de imaginarmos intervalos infinitamente pequenos de r e t. Em matema´tica esses intervalos infinitesimais sa˜o representados por dr e dt. Com isso as definic¸o˜es 1.2 e 1.3 se tornam: um mero s´ımbolo matema´tico, e na˜o uma operac¸a˜o propriamente dita. Somente para intervalos de tempo muito pequenos de ∆r e ∆t e´ que este “s´ımbolo” se transforma em uma operac¸a˜o. CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES13 v = dr dt (1.4) a = dv dt = d2r dt2 (1.5) O leitor iniciado em matema´tica avanc¸ada reconhecera´ imediata- mente as expresso˜es acima como as derivadas dos vetores r e v em relac¸a˜o a t (dizemos que a velocidade e´ igual a` derivada primeira da posic¸a˜o em relac¸a˜o ao tempo, e que a acelerac¸a˜o e´ a sua derivada se- gunda). O leitor na˜o iniciado em Ca´lculo Diferencial , na˜o precisa se preocupar, pois na˜o faremos uso desta ferramenta neste livro (algumas noc¸o˜es ba´sicas sa˜o descritas no Painel III). O importante e´ lembrar que as definic¸o˜es 1.2 e 1.3 esta˜o restritas a situac¸o˜es particulares. 14 PAINEL III DERIVADA DE UMA FUNC¸A˜O Seja r uma func¸a˜o de t: r = r(t). Esta poderia ser, por exemplo, a posic¸a˜o de um objeto que se move com o tempo. Como calcular a velocidade do objeto, tambe´m como func¸a˜o de t? Tomemos dois intervalos de tempo, t e t + ∆t. As posic¸o˜es correspondentes a esses instantes sera˜o, respectivamente, r(t) e r(t + ∆t). Por definic¸a˜o, a velocidade me´dia neste intervalo sera´: v = r(t + ∆t)− r(t) ∆t A derivada de r em relac¸a˜o a t e´ definida como o limite da raza˜o acima quando o intervalo de tempo ∆t for infinitamente pequeno, ou seja, ∆t → 0 (leˆ-se ‘delta t tende a zero’). Simbolicamente escrevemos: v = dr dt = lim ∆t→0 r(t + ∆t)− r(t) ∆t Suponha por exemplo que a func¸a˜o r(t) seja proporcional ao quadrado de t: r(t) = a0t2, onde a0 e´ constante. Enta˜o: r(t + ∆t) = a0(t + ∆t)2 = a0(t2 + ∆t2 + 2t∆t) = = r(t) + 2a0∆t + a0(∆t)2 Consequentemente: r(t + ∆t)− r(t) = 2a0t∆t + a0∆t2 Dividindo esta expressa˜o por ∆t teremos: r(t + ∆t)− r(t) ∆t = 2a0t + a0∆t Tomando o limite ∆t→ 0, o segundo termo do lado direito se anula e ficamos com: lim ∆t→0 r(t + ∆t)− r(t) ∆t = v(t) = 2a0t CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES15 Este processo pode ser repetido para qualquer func¸a˜o, escalar ou vetorial. Pode- mos, por exemplo, calcular a acelerac¸a˜o a partir do resultado acima: a = d2r dt2 = lim ∆t→0 v(t + ∆t)− v(t) ∆t = 2a0 . A velocidade instantaˆnea em um tempo t e´ obtida dividindo-se o intervalo infinite- simal δx por δt. 16 Outras quantidades importantes da mecaˆnica sa˜o o momento linear (ou quantidade de movimento) p, definido por p = mv onde m e´ a massa do objeto, e o momento angular L, definido como o produto vetorial entre r e p, tambe´m chamado de torque do momento linear: L = r× p onde o s´ımbolo ‘×’ representa o produto vetorial. Enquanto p e´ uma medida da quantidade de movimento de translac¸a˜o, L e´ uma medida da quantidade de movimento de rotac¸a˜o. Por exemplo, um carro pesando 1 tonelada (1000 kg) se deslocando a 100 km/h (aproximadamente 28 m/s) possui uma quantidade de movimento com mo´dulo igual a p = 28000 kg m/s. Se ao inve´s do carro fosse um pa´ssaro, com apenas 0,5 kg, o mo´dulo da quantidade de movimento seria de 14 kg m/s. Se por outro lado o nosso carro estivesse descrevendo uma curva circular com raio de 50 m, ele teria um momento angular cujo mo´dulo seria 1, 4×106 kg m2/s. A variac¸a˜o de p esta´ ligada a` aplicac¸a˜o de forc¸as externas sobre o sistema, assim como a variac¸a˜o de L esta´ ligada a torques externos. Portanto, essas quantidades se conservara˜o (ou seja, na˜o mudara˜o com o tempo) se na˜o houver forc¸as e torques atuando sobre o sistema. Outra varia´vel dinaˆmica importante e´ aenergia cine´tica do objeto, definida por: T = 1 2 mv2 = p2 2m CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES17 onde v e p sa˜o os mo´dulos dos vetores v e p, respectivamente. T e´ uma medida da energia associada ao movimento do objeto, e sua unidade no SI e´ o joule (J). Se houver um campo de forc¸as atuando sobre o objeto, como por exemplo o campo gravitacional (veja adiante), havera´ tambe´m uma energia potencial, que representamos genericamente por V . Ao contra´rio da energia cine´tica, que e´ zero se o objeto estiver parado, a energia potencial na˜o se anula para v = 0. Se, por exem- plo, segurarmos uma pedra a uma altura h do solo, sabemos que se a soltarmos ela caira´. Antes de ser solta, a pedra possu´ıa uma energia potencial igual a V = mgh, onde m e´ a massa e g a acelerac¸a˜o da gravidade. Ao tocar o solo, h = 0 e consequentemente V = 0, mas a velocidade nesse instante sera´ ma´xima, e portanto a energia cine´tica tambe´m sera´ ma´xima. O que ocorreu ao soltarmos a pedra foi uma transformac¸a˜o da energia potencial em cine´tica. Usando o fato de que a energia total se conserva, a velocidade do objeto ao chegar ao solo pode ser calculada simplesmente igualando as duas formas de energia: ENERGIA CINE´TICA MA´XIMA = ENERGIA POTENCIAL MA´XIMA mv2max 2 = mgh⇒ vmax = √ 2gh Por exemplo, se h = 10 m, e g = 10 m/s2, vmax ≈ 14 m/s, ou aproxi- madamente 4 km/h. Note deste resultado que a velocidade ma´xima independe da massa da pedra, embora a energia dependa! Ou seja, tanto pode ser uma 18 pedra de 50 g quanto uma de 10 kg que a velocidade ao tocar o solo sera´ a mesma. Falaremos mais sobre isto adiante. Em qualquer situac¸a˜o a energia total do objeto, E, e´ a soma das energias cine´tica e potencial: E = T + V Em uma grande classe de problemas importantes, como o caso da queda de objetos, a energia total se conserva (note que isso na˜o quer dizer que T e V se conservam separadamente, mas apenas sua soma). Tais sistemas sa˜o chamados de conservativos. 1.1.2 Movimento de Objetos sob a Ac¸a˜o de Forc¸as Mecaˆnicas Para conhecermos a trajeto´ria e a velocidade de um objeto temos que resolver a equac¸a˜o 1.1. Um exemplo bem conhecido de aplicac¸a˜o pra´tica daquela equac¸a˜o e´ o ca´lculo da trajeto´ria de um proje´til disparado de um canha˜o. Podemos tambe´m calcular a velocidade com que gotas d’a´gua caem do ce´u em um dia de chuva, as posic¸o˜es de uma massa oscilando presa a uma mola, a trajeto´ria do cometa de Halley, etc. Qualquer que seja o caso, e´ preciso conhecermos a natureza da forc¸a F que comparece em 1.1, e sua forma funcional. Forma funcional e´ a expressa˜o matema´tica que descreve a dependeˆncia da forc¸a com as varia´veis do problema, como a posic¸a˜o, a velocidade, o tempo, etc. Se o amigo leitor entender este ponto, ja´ tera´ ganho o dia! Matematica- mente, podemos escrever a forc¸a com qualquer forma. Por exemplo, podemos inventar uma forc¸a do tipo CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES19 F = a√ x onde x e´ a posic¸a˜o do objeto. Podemos inventar o que quisermos: F = bx2/7,−c/x2, dsen(kx), etc. Formalmente qualquer coisa serve! F pode tambe´m depender explicitamente da velocidade e do tempo. Matematicamente e´ uma festa! Acontece que para descrevermos os fenoˆmenos da Natureza temos que encontrar a F correta para cada um deles. Isso e´ o que faz a diferenc¸a. Movimentos de planetas, quedas de objetos, movimentos de part´ıculas carregadas em campos eletro- magne´ticos, etc., obedecem a forc¸as com formas funcionais espec´ıficas. Sa˜o leis imuta´veis estabelecidas pela Natureza. O trabalho do f´ısico e´ precisamente descobrir quais sa˜o estas leis a partir da observac¸a˜o do movimento causado por elas. Matematicamente este trabalho se traduz em escrever corretamente o lado esquerdo da equac¸a˜o 1.1, e depois re- solveˆ-la a fim de encontrar os vetores r(t) e v(t) (o que nem sempre e´ poss´ıvel, mesmo conhecendo-se a lei correta!). O leitor pode estar se perguntando que me´todos sa˜o utilizados para se descobrir a forma fun- cional correta da forc¸a em um dado problema. E´ o ana´logo a perguntar que me´todos Chico Buarque utiliza para escrever os seus versos, ou que me´todos Pele´ utilizava para chegar ate´ o gol! A`s vezes e´ poss´ıvel, atrave´s de experimentos, deduzir uma forma funcional para F em uma dada situac¸a˜o. Outras vezes se consegue bons resultados por tentativa e erro, ou seja, “chuta-se”. Obviamente quanto melhor informado es- tivermos acerca do problema, maiores sera˜o nossas chances de darmos um bom “chute”. Mas, assim como na mu´sica e no futebol, na f´ısica 20 havera´ sempre os “Pele´s”, os “Chico Buarques”, e os outros. O caso mais trivial de movimento ocorre quando a forc¸a que atua sobre o objeto e´ nula, ou seja, F = 0. A equac¸a˜o 1.1 neste caso se torna: ma = 0 Mas na medida em que m �= 0, a u´nica soluc¸a˜o poss´ıvel para a esta equac¸a˜o e´: a = 0 Por simplicidade vamos considerar o movimento em 1 dimensa˜o e omitir o negrito da notac¸a˜o vetorial da acelerac¸a˜o. Nesse caso escreve- mos: a = 0 Consequentemente, utilizando a definic¸a˜o simplificada da acelerac¸a˜o obtemos: ∆v ∆t = v − v0 t− t0 = 0 Para que a frac¸a˜o se anule, e´ suficiente que o seu numerador se anule. Logo: v − v0 = 0⇒ v = v0 ou seja, a velocidade do objeto neste caso permanece igual a` sua ve- locidade inicial. Isso quer dizer que se o objeto estiver inicialmente CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES21 parado, assim permanecera´ indefinidamente. Se por outro lado o ob- jeto estiver se movendo, continuara´ nesse estado de movimento ad eter- num. Observe que obtivemos matematicamente aquilo que e´ enunciado da primeira lei de Newton! Na literatura secundarista este problema aparece com o nome - na minha opinia˜o excessivamente burocra´tico - de movimento retil´ıneo e uniforme, ou MRU. Podemos levar o ca´lculo adiante e obter a posic¸a˜o do objeto no tempo. Basta escrevermos: v = x− x0 t− t0 = v0 ⇒ x = x0 − v0t0 + v0t Como sabemos, x0 e v0 sa˜o condic¸o˜es iniciais arbitra´rias. Seus va- lores sa˜o obtidos em t0, o instante do in´ıcio do movimento. Em geral escolhemos t0 = 0, e a equac¸a˜o acima se torna: x = x0 + v0t A propo´sito, temos aqui uma daquelas situac¸o˜es embarac¸osas que o leitor atento ja´ deve ter percebido. O que ocorre com a definic¸a˜o de v acima se fizermos t = t0? Em princ´ıpio dever´ıamos obter a velocidade em t = t0, que por sua vez e´ igual a v0, ja´ que na˜o ha´ forc¸as atuando no sistema. Mas vemos que para t = t0 o denominador da expressa˜o para v se anula. Uma frac¸a˜o com denominador muito pequeno e´ um nu´mero muito grande. Por exemplo, 1/0, 01 = 100; 1/0, 001 = 1000; e 1/0, 0000001 = 1000000. Extrapolando, dizemos que se o denominador da frac¸a˜o tender para zero, a frac¸a˜o tendera´ para infinito (ocasional- mente o leitor estara´ lembrado que 1/0 = ∞). Mas, por definic¸a˜o, em t = t0, o objeto se encontra exatamente em x = x0, o que tambe´m 22 anula o numerador. Teremos enta˜o o estranho resultado 0/0. Mate- maticamente o resultado da divisa˜o de zero por zero e´ indeterminado. Indeterminado?! Como, se sabemos de in´ıcio que a velocidade e´ cons- tante e igual a v0? Deixo para o leitor o desafio deste paradoxo! Voltando ao problema, vemos que a posic¸a˜o do objeto em um ins- tante t qualquer pode ser obtida calculando-se a a´rea sob a curva em um gra´fico de v versus t. O problema foi resolvido. Passado e futuro esta˜o plenamente determinados! Por exemplo, se x0 = 0, e v0 = 50 km/h, em 5 minutos o objeto estara´ a uma distaˆncia de 4,2 km da origem. Ha´ 100 anos atra´s (ou seja, t = −100anos), o objeto estava a −43800000 km da origem, e assim por diante. Um segundo exemplo, ligeiramente mais complicado, e´ o caso de uma forc¸a constante, igual a F0, atuando sobre o objeto. Teremos neste caso: ma = F0 ⇒ a = F0 m ou seja, a acelerac¸a˜o tambe´m e´ constante e igual a F0/m. Vamos ba- tizar de a0 essa quantidade. Usando a definic¸a˜o simplificada de a, e considerando novamente t0 = 0, obtemos a velocidade (que e´ numeri- camente igual a` a´rea sob a curva de a versus t): v = v0 + a0t A posic¸a˜o sera´ novamente dada pela a´rea sob a curva de v versus t, e pode ser facilmente obtida: x = x0 + v0t + 1 2 a0t 2 CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES23 O exemplo do motorista que deve percorrer 80 km em 1 h, com v0 = 20 km/h, e a0 = 120 km/h 2 , pode agora ser trivialmente verificado da expressa˜o acima: x− x0 = 20 + 120 2 = 80 E o que ocorre no caso geral em que a forc¸a e´ uma func¸a˜o arbitra´ria de t? Ainda aqui podemos interpretar v(t) e x(t) geometricamente como as a´reas sob as curvas de a versus t e v versus t, respectivamente. A diferenc¸a esta´ no fato de que neste caso o ca´lculo da a´rea se torna mais complicado. A te´cnica matema´tica para se calcular a´reas sob curvas com formas arbitra´rias e´ chamada de integrac¸a˜o, e foi inventada (“pra variar”) por Newton3 3Esta te´cnica faz parte do que chamamos atualmente em matema´tica de Ca´lculo Diferencial e Integral, ou simplesmente Ca´lculo. O Ca´lculo foi inventado simultane- amente por Newton e pelo matema´tico alema˜o Gottfried Wilhelm Leibniz. 24 PAINEL IV INTEGRAL DE UMA FUNC¸A˜O Seja uma func¸a˜o arbitra´ria f(x). E´ interessante sabermos calcular a a´rea sob a curva descrita por f . Somente em situac¸o˜es muito simples, como no caso de uma func¸a˜o constante, ou linear, e´ que podemos fazer isso usando as fo´rmulas da Geometria Plana. Em um caso geral, para sabermos a a´rea temos que integrar a func¸a˜o. A integrac¸a˜o de uma func¸a˜o pode ser visualizada como um processo de soma de a´reas infinitesimais. O intervalo no qual a a´rea sera´ calculada e´ dividido em N subintervalos, cada um com uma largura infinitesimal ∆x. Cada um desses subintervalos pode ser considerado como um retaˆngulo de base ∆x e altura f(x), e portanto possuira´ uma a´rea igual a ∆S = f(x)∆x Se somarmos todas as a´reas dos N intervalos, teremos a a´rea total desejada: S = ∑ N f(x)∆x A integral de f(x) e´ definida como o resultado dessa soma quando tomamos o limite ∆x → 0, que representamos por dx. Simbolicamente representamos a integral por∫ (uma espe´cie de ‘S’ esticado): lim ∆x→0 ∑ N f(x)∆x ≡ ∫ f(x)dx Matematicamente pode ser demonstrado que a operac¸a˜o de integrac¸a˜o de uma func¸a˜o e´ o inverso da operac¸a˜o de derivac¸a˜o. Ou seja, se g(x) e´ a func¸a˜o que resulta da derivac¸a˜o de f(x), g(x) = df(x) dx enta˜o, a func¸a˜o f e´ a integral de g: f(x) = ∫ g(x)dx CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES25 Considere, por exemplo, a func¸a˜o v(t) = a0t, a velocidade de um objeto que se move ao longo do eixo x com acelerac¸a˜o constante, igual a a0. A integral desta func¸a˜o sera´: ∫ v(t)dt = ∫ a0tdt Mas como a0 na˜o depende de t, podemos escrever:∫ v(t)dt = a0 ∫ tdt A func¸a˜o a ser integrada e´ portanto f(t) = t. Como esta func¸a˜o e´ igual a` derivada da func¸a˜o g(t) = t2/2, teremos: ∫ v(t)dt = 1 2 a0t 2 Reconhecemos este resultado como a posic¸a˜o de um objeto que se move em MRUA, com velocidade e posic¸a˜o iniciais iguais a zero: x(t) = ∫ v(t)dt = 1 2 a0t 2 A integral de uma func¸a˜o entre os pontos a e b e´ numericamente igual a` soma das a´reas dos trape´zios, como mostrado na figura. 26 Um exemplo de forc¸a extremamente importante em f´ısica e´ aquela em que F e´ proporcional ao deslocamento do objeto, mas atua em sentido contra´rio ao movimento, ou seja: F = −kx O tipo de movimento que decorre dessa forc¸a aparece em va´rios fenoˆmenos da Natureza, e da´ı a sua importaˆncia. A soluc¸a˜o formal da equac¸a˜o 1.1 nesse caso e´ consideravelmente complexa para ser apresentada aqui, mas podemos conhecer o resultado mesmo sem realizarmos formalmente os ca´lculos. Na expressa˜o acima, k e´ uma constante positiva chamada de “cons- tante de forc¸a”, ou “constante ela´stica”. Sua unidade e´ o newton por metro (N/m), e e´ uma caracter´ıstica intr´ınseca do sistema. Por exem- plo, esse tipo de forc¸a ocorre em uma mola que e´ deformada se nela pendurarmos um objeto de massa m (por exemplo, num dinamoˆmetro). k e´ uma caracter´ıstica intr´ınseca da mola, assim como m e´ uma car- acter´ıstica intr´ınseca do objeto preso a ela. Quanto mais esticamos a mola, mais dif´ıcil se torna estica´-la, porque a forc¸a F aumenta com a de- formac¸a˜o x, e portanto tende a restaurar o estado na˜o deformado. Todo mundo ja´ viu as oscilac¸o˜es de um objeto preso a uma mola. Se sim- plesmente pendurarmos o objeto, a mola se deformara´ e ficara´ parada. Mas se ale´m desse ponto esticarmos a mola e a soltarmos, o objeto passa a oscilar em torno da posic¸a˜o de equil´ıbrio. Esse movimento de “vai-vem” e´ descrito pelas func¸o˜es perio´dicas seno e cosseno: x(t) = xmaxcos(ω0t) CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES27 ou x(t) = xmaxsen(ω0t) onde xmax e´ a deformac¸a˜o ma´xima alcanc¸ada pela mola. A quantidade ω0, chamada de frequ¨eˆncia angular, e´ uma medida da “rapidez” das oscilac¸o˜es. Ela e´ dada por: ω0 = √ k m ω0 e´ medida em radianos por segundo (rad/s). O produto ωt possui portanto dimensa˜o de aˆngulo, e se mede em radianos. Um ciclo com- pleto do movimento corresponde a ω0t = 2π rd. A frequ¨eˆncia do movimento, f0, se relaciona com ω0 atrave´s de: f0 = ω0 2π Portanto a unidade de f0 e´ o s −1, ou Hertz. Dizer que a frequ¨eˆncia do movimento e´ de 10 Hz significa dizer que a cada segundo o sistema realiza 10 oscilac¸o˜es completas. O inverso da frequ¨eˆncia e´ o per´ıodo, τ , que corresponde a um ciclo completo do movimento: τ = 1 f0 = 2π ω0 A unidade do per´ıodo e´ o segundo (s). Se a frequ¨eˆncia e´ de 10 Hz, o per´ıodo e´ de 0,1 s, sendo este o tempo gasto pelo sistema para completar 1 volta. Suponha por exemplo que k = 2 N/m, e m = 0, 5 kg. Enta˜o, ω0 = √ 2 0, 5 = 2 rd s 28 e consequ¨entemente, f0 = 1 2πrd × 2 rd s = 0, 32 Hz e o per´ıodo, τ = 3, 1 s Ou seja, a cada segundo o sistema realiza somente 32% de seu ciclo completo. E´ importante enfatizarmos o fato de que ω0, e portanto f0 e τ sa˜o quantidades intr´ınsecas ao sistema. Estas quantidades caracterizam o movimento do objeto, pois nos dizem o per´ıodo e a frequeˆncia com que ele oscila. O interessante e´ que o sistema pode estar parado, e mesmo assim podemos caracterizar o seu movimento. Isso e´ poss´ıvel precisa- mente porque ω0 depende somente de k, uma propriedade intr´ınseca da mola, e m, uma propriedade intr´ınseca do objeto. Chamamos ω0 de frequ¨eˆncia natural do sistema, ou modo normal de oscilac¸a˜o. Todo sistema mecaˆnico possui modos normais de oscilac¸a˜o (ou seja, possui frequ¨eˆncias naturais que intrinsecamente determinam como ele vibrara´ caso seja posto em movimento). Conhecer os modos normais de um sistema e´ de grande importaˆncia, pela seguinte raza˜o: se uma forc¸a externa variar com o tempo e atuar sobre um sistema mecaˆnico na sua frequeˆncia natural [por exemplo, uma forc¸a do tipo F (t) = F0sen(ω0t) atuando sobre um sistema massa-mola com frequ¨eˆncia natural ω0], a amplitude do movimento crescera´ tanto que podera´ haver uma ruptura no sistema. Esse fenoˆmeno e´ chamado de ressonaˆncia. Dizemos que a forc¸a externaesta´ em ressonaˆncia com o sistema. O caso da ponte CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES29 Tacoma Narrows nos Estados Unidos e´ um exemplo drama´tico de res- sonaˆncia em sistemas mecaˆnicos. Ela desabou em 1 de julho de 1940, pouco tempo apo´s a sua inaugurac¸a˜o devido a ac¸a˜o ressonante do vento sobre ela4. Da pro´xima vez que o leitor estiver atravessando uma ponte em uma regia˜o onde venta muito (como na ponte Rio-Nitero´i no Rio de Janeiro), procure NA˜O pensar sobre o fenoˆmeno da ressonaˆncia! 1.1.3 Gravitac¸a˜o Universal: da Queda da Mac¸a˜ a` Queda da Lua No in´ıcio de 1665 eu encontrei o me´todo de aproximac¸a˜o de se´ries. Em maio do mesmo ano eu encontrei o me´todo das tangentes, e em novembro eu tinha o me´todo de fluxo˜es, e em janeiro do ano seguinte a teoria das cores, e em maio iniciei o me´todo inverso das fluxo˜es. No mesmo ano come- cei a estender a gravitac¸a˜o a` o´rbita da Lua, e da regra de Kepler para o per´ıodo dos planetas, deduzi que a forc¸a que mante´m os planetas em suas o´rbitas deve ser proporcional ao inverso do quadrado da distaˆncia. Tudo isso aconte- ceu durante 1665-1666, os anos da Peste. Eu estava no primor da minha inventividade para matema´tica e filosofia, mais do que estaria em qualquer outra e´poca da minha vida. (The Life of Isaac Newton, Richard Westafall, Cam- bridge 1993) O maior feito de Isaac Newton, e talvez a maior conquista intelectual ja´ alcanc¸ada por um so´ homem, foi o de ter sido capaz de explicar o 4Existe, contudo, alguma controve´rsia sobre a raza˜o do desabamento da ponte. 30 movimento de corpos celestes (sate´lites, planetas, cometas, etc.) com base na equac¸a˜o 1.1, e portanto coloca´-los na mesma “categoria” dos fenoˆmenos que ocorrem na superf´ıcie da Terra, como a simples queda de uma mac¸a˜. Newton postulou que objetos massivos se atraem, sendo a forc¸a de atrac¸a˜o proporcional ao produto das massas dos objetos envolvidos e inversamente proporcional ao quadrado da distaˆncia entre eles. Ou seja, se m1 e m2 forem as massas de dois objetos separados por uma distaˆncia r, a forc¸a de atrac¸a˜o de m1 sobre m2 sera´: F = −Gm1m2 r2 er (1.6) onde er e´ o vetor unita´rio da direc¸a˜o que liga os dois objetos, com sentido5 de m1 para m2. G e´ a chamada Constante de Gravitac¸a˜o Universal, e vale G = 6, 67× 10−11 m3/s2kg. Nos deparamos aqui novamente com um grau de generalizac¸a˜o fan- ta´stico, t´ıpico das grandes teorias f´ısicas: a expressa˜o da forc¸a em 1.6 vale para quaisquer pares de objetos no Universo6! Reflita um pouco sobre isso: podemos tanto descrever uma pedra que cai na superf´ıcie da Terra, quanto o movimento de um planeta desconhecido em torno de um sol em uma gala´xia jamais vista, usando a mesma equac¸a˜o 1.6! Que outra Cieˆncia possui esse poder de s´ıntese?! O leitor eventualmente estara´ interessado em uma aplicac¸a˜o curiosa da equac¸a˜o 1.6, qual seja, 5E´ o´bvio que m2 atraira´ m1 com uma forc¸a de igual mo´dulo. Contudo o seu sentido sera´ dado por um unita´rio oposto a er. 6De fato, a Gravitac¸a˜o Universal de Newton foi generalizada na Relatividade Geral de Einstein, a ser vista no cap´ıtulo oito. No entanto, dentro do mundo cla´ssico, a expressa˜o 1.6 descreve perfeitamente o movimento de objetos celestes. CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES31 avaliar a forc¸a de atrac¸a˜o gravitacional entre duas pessoas separadas por uma distaˆncia de, digamos, 0,5 mm. E´ frustantemente pequena! Certamente a gravitac¸a˜o na˜o e´ a forc¸a responsa´vel pela “atrac¸a˜o” entre pessoas! Newton postulou que massas se atraem com forc¸as radiais, que diminuem com o quadrado da distaˆncia entre os objetos. 32 A forc¸a dada em 1.6 somente sera´ aprecia´vel se pelo menos um dos objetos tiver dimenso˜es astronoˆmicas. Por exemplo, seja m1 = 80 kg, a massa de uma pessoa e m2 a massa da Terra: m2 = M = 5, 98× 1024 kg. Tomemos por r o raio me´dio da Terra: r = R = 6, 37 × 106 m. Sustituindo esses valores em 1.6 obtemos para o mo´dulo da forc¸a: F ≈ 6, 67× 10−11 × 80× 5, 98× 10 24 (6, 37× 106)2 ≈ 786 N Como a Terra na˜o e´ uma esfera perfeita (certa vez uma das “cobras” de Luiz Fernando Ver´ıssimo definiu brilhantemente a Terra como um planeta chato nos po´los e nos domingos sem futebol!), esse valor varia ligeiramente com a posic¸a˜o da pessoa no planeta. Somente para efeitos de comparac¸a˜o, vamos calcular a forc¸a com que o Sol atrai a Terra. A massa do Sol e´ igual a 1, 99× 1030 kg, e a distaˆncia me´dia entre o Sol e a Terra e´ de 1, 50× 1011 m. Substituindo em 1.6 obtemos: F ≈ 6, 67× 10−11 × 1, 99× 10 30 × 5, 98× 1024 (1, 50× 1011)2 ≈ 35, 3× 10 21 N ou seja, a forc¸a do Sol sobre a Terra e´ cerca de 40 mil quatrilho˜es (= 40 quintilho˜es) de vezes maior do que aquela da Terra sobre uma pessoa. Consideremos com mais detalhes o que acontece na superf´ıcie da Terra. Tomando R como seu raio me´dio, podemos escrever 1.6 na forma: F = ( G M R2 ) m onde M e´ a massa da Terra, e m a de qualquer objeto em sua su- perf´ıcie. Como forc¸a e´ igual a massa vezes acelerac¸a˜o, a quantidade entre pareˆnteses na expressa˜o acima possui dimensa˜o de acelerac¸a˜o, e CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES33 e´ constante, ja´ que G, M e R sa˜o constantes. Essa quantidade nada mais e´ do que a acelerac¸a˜o da gravidade na superf´ıcie terrestre, que denotamos por g. Nesse caso a forc¸a gravitacional e´ o que chamamos de peso, P : P = mg onde g = G M R2 Substituindo valores nume´ricos para G, M e R encontra-se g = 9, 8m/s2. Note que no nosso dia-a-dia misturamos os conceitos de massa e peso como se fossem sinoˆnimos. Massa esta´ relacionada a` quantidade de mate´ria, e portanto e´ uma propriedade intr´ınseca do objeto. O peso, por outro lado, e´ uma propriedade extr´ınseca, pois depende do campo gravitacional que atua sobre o objeto. Uma pessoa com uma massa de 80 kg pesa na Terra 786 N, mas na Lua, onde a acelerac¸a˜o da gravidade e´ de apenas 1,6 m/s2, seu peso seria igual a 128 N. Em Netuno, onde g = 11 m/s2 a mesma pessoa pesaria 882 N. Contudo, isto na˜o significa que uma pessoa ficara´ mais magra ao viajar de Netuno para a Lua! 1.1.4 O Movimento dos Planetas Contam que certa vez o eminente f´ısico Edmund Halley (aquele do cometa), intrigado com o problema das o´rbitas dos planetas, cuja soluc¸a˜o vinha perseguindo ha´ anos, foi a Cambridge visitar Isaac Newton. Chegando la´, humildemente expoˆs a sua du´vida: supondo que o Sol atrai um planeta com uma forc¸a proporcional ao inverso do quadrado 34 da distaˆncia, qual sera´ a trajeto´ria do planeta?, a que Newton teria respondido instantaneamente: Uma elipse. Este problema eu ja´ resolvi ha´ muito tempo atra´s. Halley teria ficado ta˜o impressionado (e pos- sivelmente deprimido) que apo´s verificar a demonstrac¸a˜o de Newton, o convenceu a escrever o Principia, e ainda teria pago os custos da sua publicac¸a˜o! Como mencionamos na sec¸a˜o anterior, o movimento de qualquer objeto sob a ac¸a˜o do campo gravitacional e´ descrito pela expressa˜o dada em 1.6. Para objetos que se movem pro´ximos a` superf´ıcie da Terra a forc¸a e´ dada por mg, onde g e´ a acelerac¸a˜o da gravidade. Algo curioso acontece aqui. Substituindo F = mg na Segunda Lei de Newton, F = ma, obtemos mg = ma⇒ a = g = constante donde se conclui que v = v0 + gt e z = z0 + gt + 1 2 gt2 onde z e´ a distaˆncia do objeto ao solo. Antes de irmos adiante o leitor seria capaz de dizer o que ha´ de ta˜o extraordina´rio neste resultado? Na˜o parece ser o mesmo ja´ obtido anteriormente, para o caso de acelerac¸a˜o constante? Sim, parece, mas apenas parece, pois anteriormente a ace-lerac¸a˜o era dada por F0/m, e portanto dependente da massa do objeto. Ao contra´rio, as expresso˜es para v e para z acima na˜o conte´m a massa CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES35 do objeto! Isso quer dizer que fixados z0 e v0, desprezados os efeitos causados pelo atrito com o ar, todos os objetos caira˜o ao mesmo tempo e alcanc¸ara˜o o solo com a mesma velocidade final! Uma geladeira, um caminha˜o com sacos de cimento, uma bolinha de papel, uma caneta, uma pena de galinha, ou um navio! Voceˆ acredita nisso? Va´ em frente e fac¸a o teste voceˆ mesmo: deixe cair da mesma altura uma bolinha de papel bem amassada (para minimizar o atrito com o ar) e um tijolo. Como diz um velho amigo do CBPF, em toda boa teoria no´s temos que “tirar” mais do que “colocar”. Em outras palavras, se a teoria na˜o te causa surpresas verifica´veis experimentalmente, jogue ela no lixo! Forc¸as que so´ dependem do mo´dulo da distaˆncia entre os objetos e cuja direc¸a˜o esta´ ao longo do raio que os liga, como a dada em 1.6, sa˜o chamadas de forc¸as centrais. E´ importante mencionar que forc¸as centrais nem sempre sa˜o atrativas, mas podem tambe´m ser repulsivas, como e´ o caso da forc¸a ele´trica entre cargas ele´tricas com o mesmo sinal (Sec¸a˜o 1.2). Quando um objeto se encontra sob a ac¸a˜o de uma forc¸a central, e descreve uma trajeto´ria circular com velocidade constante, podemos igualar a expressa˜o 1.6 a` chamada forc¸a centr´ıpeta, dada por: Fc = mv2 r (1.7) onde m e´ a massa, v a velocidade, e r o raio da trajeto´ria circular. Igualando 1.6 a 1.7 podemos calcular, por exemplo, a distaˆncia da Terra ate´ a Lua. Para isso, obviamente temos que supor a trajeto´ria da Lua como sendo circular, e supor ainda que sua velociade seja constante. Vamos la´: 36 mv2 r = G Mm r2 ⇒ r = GM v2 onde agora M e´ a massa da Terra e m a da Lua (note que m desaparece da expressa˜o final). Mas, se r e´ o raio da circunfereˆncia descrita pela Lua em volta da Terra, a distaˆncia que a Lua percorre em uma revoluc¸a˜o completa sera´ igual a 2πr. Como a sua velocidade e´ constante e igual a v, o seu per´ıodo de movimento sera´: τ = 2πr v ⇒ v = 2πr τ Por outro lado, podemos usar a expressa˜o para g - a acelerac¸a˜o da gravidade na Terra - e substituir o produto GM (isso obviamente na˜o e´ estritamente necessa´rio, apenas facilita a substituic¸a˜o nume´rica ao final do ca´lculo): GM = gR2 Com isso obtemos: r = ( gR2τ 2 4π2 )1/3 Substituindo os valores nume´ricos: g = 9, 8 m/s2, R = 6, 37 × 106 m e τ ≈ 27 dias, obtemos r ≈ 383 000 km para a distaˆncia Terra-Lua. Newton foi o primeiro a fazer este ca´lculo (o bicho era mesmo o “ca˜o chupando manga”!). O valor atual, medido com te´cnicas modernas e´ de aproximadamente 382 000 km. A tabela abaixo resume algumas das principais propriedades dos planetas do Sistema Solar. CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES37 . Podemos calcular a distaˆncia Terra-Lua supondo que o movimento da Lua e´ circular e uniforme. M er c¶u ri o V e^n u s T er ra M ar te J ¶u p it er S at u rn o U ra n o N et u n o P lu t~a o d is ta^ n ci a d o S ol (1 06 ) k m 57 ,9 10 8 15 0 22 8 77 8 14 30 28 70 45 00 59 00 p er ¶³o d o d e re vo lu »c~a o (a n os ) 0, 24 1 0, 61 5 1, 00 1, 88 11 ,9 29 ,5 84 ,0 16 5 24 8 p er ¶³o d o d e ro ta »c~a o (d ia s) 58 ,7 24 3 0, 99 7 1, 03 0, 40 9 0, 42 6 0, 45 1 0, 65 8 6, 39 ve lo ci d ad e or b it al (k m /s ) 47 ,9 35 ,0 29 ,8 24 ,1 13 ,1 9, 64 6, 81 5, 43 4, 74 d ia^ m et ro eq u at or ia l (k m ) 48 80 12 10 0 12 80 0 67 90 14 30 00 12 00 00 51 88 0 49 50 0 30 00 m as sa (T er ra = 1) 0, 05 58 0, 81 5 1, 00 0, 10 7 31 8 95 ,1 14 ,5 17 ,2 0, 01 d en si d ad e (¶a gu a = 1) 5, 60 5, 20 5, 52 3, 95 1, 31 0, 70 4 1, 21 1, 67 ? gr av id ad e n o eq u ad or (m /s 2 ) 3, 78 8, 60 9, 78 3, 72 22 ,9 9, 05 7, 77 11 ,0 0, 3 C o m p il a d o d e F u n d a m en ta ls o f P h ys ic s, D . H a ll id ay e R . R es n ic k , J oh n W il ey & S o n s, 3 a . E d ., (1 98 8) CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES39 1.1.5 Massa Inercial vs. Massa Gravitacional Podemos escrever a segunda lei de Newton da seguinte forma: a = 1 m F ou seja, a acelerac¸a˜o que um objeto adquire e´ diretamente proporcional a` forc¸a a ele aplicada, e inversamente proporcional a` sua massa. Para uma dada forc¸a, quanto maior a massa, menor sera´ a acelerac¸a˜o. Nesta expressa˜o, a massa representa a resisteˆncia do objeto ao movimento (ou contrariamente, se o objeto estiver se movendo, m representa a sua resisteˆncia a parar). Esta tendeˆncia dos objetos massivos manterem seu estado de movimento e´ chamada de ine´rcia. Por esta raza˜o, a massa que aparece na segunda lei de Newton e´ chamada de massa inercial. Por outro lado, vimos que a forma funcional (ou seja, o lado es- querdo de 1.1) para a forc¸a de gravitac¸a˜o proposta por Newton de- pende explicitamente da massa que, neste caso, e´ chamada de massa gravitacional: F = G Mm R2 Na mecaˆnica cla´ssica na˜o ha´ nada que diga ou prove que a massa inercial e a massa gravitacional devam ser iguais. No entanto elas sa˜o rigorosamente ideˆnticas! Este fato, aparentemente trivial, e consider- ado por Newton como uma “estranha” coincideˆncia, levou Einstein a um profundo “insight” a respeito da natureza da interac¸a˜o gravita- cional. Com isso ele formulou seu princ´ıpio de equivaleˆncia a partir do qual desenvolveu a Teoria da Relatividade Geral, que sera´ tratada 40 no cap´ıtulo oito. O ilustre f´ısico brasileiro, professor Ma´rio Schenberg, costumava ensinar que em f´ısica nada e´ ta˜o trivial quanto parece. Esta e´ uma grande lic¸a˜o! 1.1.6 Movimento Relativo Encerra-te com um amigo dentro do maior camarote sob o conve´s de um grande navio e leva contigo moscas, bor- boletas e outros insetos que voam; municia-te tambe´m de um grande recipiente cheio de a´gua e com peixinhos; pegue tambe´m um pequeno balde cuja a´gua vaze gota a gota por um pequeno orif´ıcio em outra vas´ılha colocada abaixo. Quando o navio estiver parado, observa cuidadosamente como os pequenos animais que voam va˜o com a mesma velocidade em todas as direc¸o˜es da cabine; veˆem-se os peixes nadar insdistintamente por todos os lados, e as gotas que caem entram todas no recipeinte colocado abaixo; se jogares al- guma coisa a teu amigo, na˜o tera´s necessidade de atirar mais forte numa direc¸a˜o que noutra quando as distaˆncias sa˜o iguais. Quando tiveres observado cuidadosamente tudo isso faze o navio navegar com a velocidade que desejares; desde que o movimento seja uniforme, sem balanc¸ar num sentido ou noutro, na˜o percebera´s a menor mudanc¸a em to- dos os efeitos que acabamos de apontar; nada permitira´ que percebas que o navio esta´ em marcha ou parado. [Galileu Galilei, em 1632. Extra´ıdo de Imposturas Intelectuais, Alan Sokal e Jean Bricmont, Ed. Record (1999)] CAPI´TULO 1 - A FI´SICA ATE´ 1905: UMA CASA DE GIGANTES41 Quando afirmamos que um objeto se move com velocidade
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