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INTRODUÇÃO Após o predomínio, por longo tempo, da concepção patrimonialista, tradicionalista e conservadora do direito privado, ou seja, uma valorização e tutela quase que exclusiva da propriedade, em momento posterior, percebe-se a revalorização do ser humano, o qual é colocado como centro do ordenamento jurídico, neste momento surge a necessidade de preservar a individualidade do ser humano, garantindo-lhe a proteção de outros direitos estritamente necessários. Esta mesma linha de pensamento foi seguida para proporcionar a proteção dos direitos de personalidade às pessoas jurídicas. Entender o que vem a ser a personalidade é de suma importância para o entendimento do tema que aqui será exposto. A personalidade não é tida como um direito, mas sim como um atributo conferido ao ser humano, ou a toda pessoa, destinando assim, direitos e obrigações a tal, protegidos pelo ordenamento jurídico. Princípio presente no art. 1º do Código Civil de 2002: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. E o seu surgimento ocorre a partir do nascimento com vida, art. 2º: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” (Grifo nosso). Cabe também distingui-la da capacidade, que é uma consequência ou elemento da personalidade, por ser a aptidão para adquirir direitos e exercer, por si ou por outrem, atos da vida civil. 1. DIREITOS DE PERSONALIDADE Os direitos da personalidade têm por finalidade a proteção dos direitos considerados indispensáveis à dignidade e integridade da pessoa, “aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais […] uma esfera extrapatrimonial do indivíduo […] série de valores não redutíveis pecuniarmente, como a vida, integridade física, intimidade, honra…”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 180). Para Miguel Reale, “cada direito da personalidade corresponde a um valor fundamental, a começar pelo do próprio corpo, que é a condição essencial do que somos, do que sentimos, percebemos, pensamos e agimos.” (REALE, 2004) Os direitos da personalidade fundamentam-se distintamente na corrente positivista e na corrente jusnaturalista do Direito. Para a primeira, tais direitos são somente aqueles reconhecidos e disciplinados pelo Estado. Já para a segunda, tais são inatos e naturalmente exercidos pelo homem, independentes da legislação, entretanto, exigem do Estado seu reconhecimento e proteção. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 181 – 182). Como já dito anteriormente, “o ser humano é o titular por excelência da tutela dos direitos da personalidade”. Inclui-se também o nascituro que, embora ainda não tenha personalidade jurídica, tem seus direitos ressalvados, incluindo os de personalidade. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 185). 2. CARACTERÍSTICAS 2.1 Absoluto: O caráter absoluto dos direitos de personalidade diz respeito à sua oponibilidade erga omnes, ou seja, a exigência de respeito em todas as esferas jurídicas. 2.2 Generalidade: Ter ou usufruir dos direitos de personalidade não é de caráter opcional, sua aquisição dá-se a partir da existência. 2.3 Extrapatrimonialidade Não são mensuráveis economicamente, salvo alguns casos que admitem manifestações pecuniárias, como é o caso dos direitos autorais, e quando há a sua violação. 2.4 Indisponibilidade Tais direitos não podem ser renunciados — irrenunciabilidade —, como a vida, a imagem e a intimidade, e nem cedidos a outrem — inalienabilidade/intransmissibilidade — pelo seu titular, mesmo que a justificativa seja para o seu bem próprio. Essa característica está expressa no art. 11 do Código Civil: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.” Como a letra da lei declarou, existem exceções. Pode-se citar os direitos autorais e de imagem que são negociáveis. 2.5 Imprescritibilidade Como o nome já diz, esses direitos não prescrevem, ou seja, não há um prazo estabelecido para o seu exercício. E podem ser invocados a qualquer tempo, não extinguindo-se pelo não uso. 2.6 Impenhorabilidade Como dito no penúltimo tópico, há direitos de personalidade que se manifestam patrimonialmente. Neste sentido, deixa-se claro que a penhora destes é proibida, porém, a de seus créditos, permitida. 2.7 Vitaliciedade São inatos, nascem e morrem com o ser humano. Porém, há aqueles que vão “além da morte”, como o direito ao corpo morto (cadáver) e alguns podem ser invocados após a morte do indivíduo pelo cônjuge, por exemplo. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 193) 3. PROTEÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE Ainda se discute quanto a tipificação dos direitos de personalidade, de um lado está a corrente pluralista (ou tipificadora), que reconhece a existência de um grande número de direitos da personalidade, e de outro, a monista, que defende a existência de um único e geral direito da personalidade (GOMES apud TEPEDINO, 1999, p. 42). O Brasil abraçou a segunda corrente, considerando o direito da personalidade como algo geral, junto à proteção tipificada. O âmbito geral é expresso na Constituição, ao estabelecer que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamento do país (artigo 1º, III/CF), e a garantia da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (artigo 5º, caput/CF) (GOMES apud CORTIANO JUNIOR, 1998, p. 47). A proteção tipificada está expressa no Código Civil de 2002 e em outras legislações esparsas. Ambas as formas objetivam proteger a personalidade, abrangendo tanto o Direito Público quanto o Privado. Entretanto, inicialmente, essa proteção limitava-se somente à esfera do Direito Público e surgiu ao final do século XIX através de constituições e declarações de direitos em resposta ao poder absoluto do Estado. Após, surgiu a proteção jurídica do tema na esfera privada, porém, estava limitada à reação do ordenamento contra a lesão, através da responsabilidade civil. Esta última se mostrou insuficiente, então começaram a ser reconhecidas ações específicas, de natureza negatória e declaratória de sua existência, e o ressarcimento por dano moral (GOMES apud FRANÇA, 1975, p. 413-414). Comparando com o que foi dito nos primeiros parágrafos deste tópico, conclui-se que a máxima da proteção da personalidade foi atingida com o estabelecimento da dignidade da pessoa como princípio fundamental, dela derivou o reconhecimento da personalidade jurídica de todos os seres humanos. 4. OS DIREITOS DE PERSONALIDADE NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO DE 2002 Os direitos da personalidade possui lugar de destaque no Código Civil Brasileiro de 2002, há um capítulo reservado exclusivamente para eles. Forma encontrada para desvincular-se de vez do passado patrimonialista do Código de 1916, ao mesmo tempo, ajustando-se à Constituição Federal de 1988. O capítulo referido é o II e inicia pelo art. 11, já tratado em tópico anterior. O artigo 12 —“Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.” ― trata da proteção geral dos direitos da personalidade, impugnando a ameaça ou lesão à integridade física ou moral do indivíduo. Regra aberta ― “proteção geral”. O artigo 13 fala da proteção à integridade física — “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.” —, a qual se dá pela proibição de certas atividadesquando estas atingirem a integridade física, ou irem contra os bons costumes. O parágrafo único deste artigo traz a única exceção — “O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.” ―, que anula a proibição referenciada quando as condições sejam violadas, por pessoa capaz, para fins de transplante ou tratamento, na forma da Lei 9.434/97 (GOMES apud FIÚZA, 2003, p. 26-27). O artigo 14 referencia a disposição do próprio corpo após a morte ― “É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.” ―, permitindo que esta seja gratuita se o intuito for científico ou altruístico, por exemplo: que o corpo seja utilizado em universidades, para estudos, ou feita a doação de órgãos e/ou tecidos. Essa é uma decisão a qual pode ser revogada em qualquer momento, ma medida do parágrafo único ― “O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.” O artigo 15 ― “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.” ― dispõe que ninguém deve ser obrigado a passar por tais procedimentos, ou seja, a autorização é necessária. Deve ser espontânea e consciente do paciente, ou de seu representante, se incapaz. O artigo 16 assegura o direito ao nome ― “Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.” ―, dividindo-o, ao mesmo tempo, em prenome e sobrenome.. O artigo 17 e 18 complementam o anterior, tratando da proteção ao uso do nome, e sua defesa contra abusos de terceiros, repudiando o desprezo e a autodeterminação/propriedade de cada um para com seu próprio nome ― “Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória; Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.” O artigo 19 protege o pseudônimo (nome fictício usados por autores e artistas para assinarem sua obra, ocultando o verdadeiro nome) tal como o nome ― “O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.” ―, em razão de identificá-los em seu meio “mesmo que não tenham alcançado a notoriedade” (GOMES apud FIÚZA, 2003, p. 31). O artigo 20 contempla os direitos intelectuais e proteção à imagem. ― “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.” ― Mas que limita-se à autorização do indivíduo, e ao prevalecimento do interesse público sobre o direito individual. O artigo 21 protege a intimidade, dispondo a inviolabilidade da vida privada da pessoa ― “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” 5. DIREITOS DE PERSONALIDADE E PERSONALIDADE JURÍDICA Vários direitos, como o nome, identidade, imagem, liberdade, honra, podem ser tutelados também à pessoa jurídica. Previsão feita no artigo 52 do CC/02: “Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.” Entenderemos como cada princípio se aplica a este ente: A identidade individualiza e torna-se instrumento de reconhecimento da pessoa jurídica, consequentemente, oferecendo à tal a possibilidade de vedar que um concorrente, em caso comercial, por exemplo, use nome igual ou semelhante para a captação de clientela. A Imagem torna-se de suma importância, na medida em que os negócios acabam se apropriando também das aparências, logo, sua proteção evita possíveis danos. A liberdade liberta a pessoa de opressões, introduzindo, neste tocante, a livre iniciativa e a livre concorrência. Até soa estranho falar em intimidade tratando-se de uma empresa, mas tal é necessária, pois protege a confidência, o informe pessoal (dados pessoais) e a atividade negocial da empresa, tal como a preservação do conteúdo de “livros caixa”. A honra (integridade, consideração, decoro, reputação, probidade) reflete na imagem que o ambiente externo vê a empresa, logo, merece proteção. CONCLUSÃO Analisando mais detalhadamente, como feito aqui, o Código de 2002, fica clara a mudança em relação ao aspecto patrimonialista do anterior, voltando-se ao real fundamento do direito: a pessoa. Logo, a proteção de sua personalidade é indispensável. A importância dos direitos da personalidade para o ordenamento jurídico fica claro quando cita-se suas características, evidenciando seu aspecto amplo e absoluto. REFERÊNCIAS GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1. GOMES, Daniela Vasconcellos. Algumas considerações sobre os direitos da personalidade. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php? n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8264>. Acesso em: 10 out. 2017. LOPES, Bráulio Lisboa. Direitos de personalidade: Inovações introduzidas pelo Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/8073-8072-1-PB.htm>. Acesso em: 10 out. 2017. REALE, Miguel. Os direitos de personalidade. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm>. Acesso em: 10 out. 2017. Ana Laura Orsolin Chapecó, 2017
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