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Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico8 D IV U LG A Ç Ã O P N LD E você, surpreende-se logo no início do ano letivo com esta disciplina chamada Sociologia? E se pergunta também: que “matéria” é essa? Para que serve? Afinal, por que devemos estudar essa disciplina? De fato, acompanhando a curiosidade em torno do que deve significar uma disciplina chamada “Sociologia”, oferecida no Ensino Médio, no primeiro contato com o professor, uma parte dos estudantes, mesmo sem conhecer os temas e a forma como eles serão tratados, já começa a imaginá-la como uma disciplina “estranha” e que “não tem nada a ver”, mesmo avaliando que o professor pareça ser um cara “legal”. Na verdade, essas dificuldades iniciais têm várias razões. Uma delas é o próprio fato de vivermos numa sociedade altamente tecnologizada, em que se exige tanto ao jovem como aos adultos uma utilidade prática nos conhecimentos adquiridos em todas as disciplinas ministradas no Ensino Médio. Um professor de Sociologia ouviu o seguinte diálogo entre dois estudantes, no primeiro dia de aula do primeiro ano do Ensino Médio: – João, você viu as matérias desse ano? – Vi, Fabinho. Algumas são fáceis, já conhecemos: História, Geografia, Literatura, Artes, Educação Física, Biologia... – Então, João, vamos nos dar bem, mas tem uma aqui, que é estranha, chamada Sociologia. Você sabe o que é isso? – Não, mas a Fafá, que está no terceiro ano, disse que isto aí estuda tudo que a gente já sabe. – Como assim? – Ela disse que o professor fala de violência, de racismo, de religião, de cultura e outras coisas. Mas, também que a Sociologia estuda o que já vimos em Geografia e em História, como globalização, capitalismo, estado, democracia etc. – Então, vai ser muito fácil, João! É só a gente dar opiniões sobre as coisas da vida que o professor nos dá dez. O professor ouviu este diálogo sem querer, pois os estudantes estavam conversando animadamente e não perceberam a sua presença. Nesse dia, ele iria dar aula exatamente na turma de João e Fabinho. E quando entrou na sala de aula, não teve dúvidas: começou um bate-papo com os estudantes sobre “as coisas da vida”. Levantando questões como: será que os desempregados são os próprios culpados por não conseguirem trabalhar? Todos os jovens têm as mesmas oportunidades para ingressar no mundo do trabalho? Qual a influência da religiosidade na sociedade? Ou será que, quando pensamos na religião que professamos, entendemos que se trata de um assunto “íntimo” – que faz parte somente de nossa vida privada? E muitas outras perguntas sobre “as coisas da vida” que fizeram com que João e Fabinho pensassem: – Isso não vai ser fácil, não!!! A gente pensou que era tudo óbvio, mas o professor “tá” nos mostrando que a vida em sociedade precisa ser mais estudada. Sociologia: dialogando com você Capítulo 1 Capítulo1 - Sociologia: dialogando com você 9 D IV U LG A Ç Ã O P N LD O mundo atual, automatizado, computa- dorizado, em crise de emprego, exige conhe- cimentos práticos que nos deem agilidade, que nos ajudem a encontrar mais rápido alguma forma de “ganhar a vida”, sem “perder tempo” em divagações filosóficas ou políticas. Enfim, precisamos de conhecimentos práticos para demonstrar competência no mercado de trabalho. Ora, quando desenvolvemos esse racio- cínio, estamos fazendo, certamente, uma análise social de nosso convívio com outras pessoas e isto é uma forma de reflexão sociológica. Mas vamos logo iniciar essa nossa longa caminhada e tratar de esclarecer o que é a Sociologia, qual seu objeto de estudo e sua importância no Ensino Médio. Antes de dizermos o que essa nova disci- plina significa, já adiantamos que a Sociologia não é o estudo do homem e seu meio; para isso temos a Geografia. Não é o estudo da Hoje, no Brasil, estuda-se Sociologia nos três anos do Ensino Médio. Na foto, estudantes do Ensino Médio do Colégio de Aplicação da UERJ, em 2011, desenvolvendo um trabalho em equipe. R ic ar do C as si an o/ Fo lh ap re ss história dos homens e das sociedades; para isso temos a História propriamente dita. Essas duas disciplinas já são conhecidas pelos estudantes desde o Ensino Fundamental. Mas eis que surge a Sociologia que, de certa forma, utiliza os conhecimentos geográficos e históricos para explicar o comportamento humano em sociedade. Aliás, como veremos, a Geografia e a História se alimentam dos conhecimentos sociológicos para explicar muitos fenômenos pertinentes ao espaço geográfico e aos acontecimentos históricos. Ciências Sociais e Ciências da Natureza Assim como a eletricidade é um fenômeno estudado pela ciência chamada Física, como os organismos que possuem células são estudados pela Biologia e os elementos oxigênio e carbono são objetos de estudo da Química, a Sociologia estuda os fenômenos sociais. Ou seja, as relações que os indivíduos estabelecem entre eles próprios, gerando normas de comportamento, atitudes, formação de grupos e elaboração de ideias sobre os mesmos grupos. Sinteticamente, estes são os objetos de estudo da Sociologia. Émile Durkheim, considerado “pai” da Sociologia acadêmica, afirmou que os fenô- menos sociais são sui generis, isto é, o seu entendimento requer uma ciência específica para seu estudo. Sui generis é um termo do latim, que significa, literalmente, “de seu próprio gênero”, ou seja, “único em seu gênero”. Pu bl ic -d om ai n- im ag e. co m Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico10 D IV U LG A Ç Ã O P N LD Vejamos um exemplo: Recentes estudos já comprovaram que o cigarro faz mal à saúde. Todos sabem disso, mas um professor de Química pode nos explicar que os elementos químicos encontrados no cigarro (alcatrão e nicotina) causam uma determinada reação no organismo, o que, ao final de alguns anos, pode provocar câncer de pulmão. Por sua vez, a Biologia vai explicar como esses elementos químicos deterioram os pulmões, cuja função é vital para o corpo humano. Tudo bem! Mas por que as pessoas que sabem disso continuam fumando? Bom, para responder a esta pergunta podemos procurar a Psicologia. Talvez afirmando que os fumantes são facilmente influenciados por outros e por alguma publicidade. Esta seria uma forma de explicação sobre o comportamento das pessoas que fumam. Mas será somente essa a explicação? E por que se produzem maços e maços de cigarro, já que as indústrias sabem que é prejudicial à saúde? Por que o governo, por um lado, apesar das novas regras de propaganda, permite a venda de cigarros e, por outro, proíbe, por exemplo, a venda de maconha? Certamente a Química não pode dar uma resposta, nem mesmo a Biologia. Aqui, então, entra em cena a Sociologia, que vai explicar os interesses econômicos das grandes multinacionais, cujo objetivo é o lucro – legitimado pela maioria dos governos do mundo e principal fator da existência do capitalismo. O capitalismo é um sistema econômico, social e político que é objeto de estudo da Sociologia. Enfim, os efeitos químicos do cigarro são objetos sui generis da Química e as consequências orgânicas para os pulmões são objetos sui generis da Biologia. Entretanto, o motivo que leva pessoas, proprietários das fábricas de cigarro, a produzir o cigarro é objeto sui generis de estudo da Sociologia. Portanto, nesse exemplo, podemos com- preender que para se entender o uso do cigarro na sociedade é necessário entendê-lo sob o ponto de vista da Química, da Biologia e da Psicologia – assim como da Sociologia. Este é somente um exemplo que a Socio- logia nos mostra para podermos entender uma questão básica: nossa vida cotidiana é social, ou seja, não estamos sós no mundo. Estabelecemosrelações com outros indivíduos e criamos regras de convivência. Algumas já existiam quando nascemos e, provavelmente, existirão depois de nosso falecimento. Concluímos, então, que o indivíduo é um produto social, isto é, o que as pessoas fazem é condicionado, muitas vezes, pela convivência com outros indivíduos e grupos de indivíduos. Neste sentido, a preocupação central da Sociologia é com o ser humano e suas relações sociais, pois entende-se que os indivíduos não Se o fumo é prejudicial à saúde, por que é tão difícil para algumas pessoas deixar de fumar? são isolados. Ao contrário, relacionam-se uns com os outros e formam grupos sociais, com regras de comportamento e atitudes diversas na família, na escola, no trabalho, no lazer e em outros espaços de convivência cotidiana. Br un o G al vã o Capítulo1 - Sociologia: dialogando com você 11 D IV U LG A Ç Ã O P N LD Mas estas regras de comportamento não são estáticas; pelo contrário, são bastante di- nâmicas. Ou seja, na História da humanidade, homens e mulheres modificam seus comporta- mentos, atitudes e formas de lidar com a rea- lidade. Exemplo disto é a existência do divór- cio, recurso de que nossos avós e bisavós não podiam se utilizar quando a união matrimonial não mais satisfazia o casal. Além disso, existem sociedades que são bem distintas da nossa e que estabelecem regras diferentes de comportamento neste mesmo período histórico em que vivemos atualmente. É o caso se compararmos formas de matrimônio encontradas nas sociedades que seguem os preceitos das religiões muçulmanas (baseadas na poligamia) com aquelas encontradas, por exemplo, no Brasil (baseadas na monogamia). A Sociologia, além de estudar as relações sociais e os comportamentos dos indivíduos e dos grupos sociais, questiona o porquê da existência de conflitos entre estes grupos, as razões de indivíduos e grupos quando tentam quebrar as regras de funcionamento das sociedades, ou quando criam movimentos para questionar ou legitimar essas mesmas regras. Neste caso, é quando se formam os chamados movimentos sociais como, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem- Terra – MST, o Movimento dos Sem-Teto, o Movimento Estudantil etc. Sh ut te rst oc k Charles Wright Mills (1916-1962), o sociólogo que elaborou o termo “imaginação sociológica”. O sociólogo norte-americano Charles Wright Mills escreveu um livro, muito intere- ssante, chamado A imaginação sociológica, publicado pela primeira vez em 1959. Nesse livro, com o objetivo de explicar a importância da Sociologia, Wright Mills diz que essa ciência representa uma qualidade do espírito humano que nos ajuda a perceber o que está ocorrendo no mundo e como nos situamos neste mundo. Mas como? Bom, ele dá o exemplo simples do de- semprego. Ou seja, quando, em uma cidade de milhares de habitantes, somente um indivíduo está desempregado, isto é um problema pes- soal desse indivíduo. E para entender este pro- blema, talvez tenhamos que observar o caráter dessa pessoa, suas habilidades e suas oportu- nidades. Porém, quando temos 15 milhões de desempregados num país de 50 milhões de tra- balhadores (ou seja, pessoas em idade produ- tiva, que podem exercer uma ou outra profis- são), isto já não é um problema de caráter ou de habilidades, mas um problema público, que tem a ver com uma estrutura e com um certo funcionamento da sociedade. Outro exemplo que ele dá é o caso do di- vórcio. Num casamento, o homem e a mulher podem ter perturbações pessoais, levando-os ao divórcio. Mas, quando o número de divór- cios cresce numa cidade e, de cada 1.000 casais nos primeiros quatro anos de casamento, 250 se separam, isto pode ter alguma relação com a A Sociologia nos ajuda a refletir sobre nosso cotidiano. Na foto, professores reunidos no centro do Rio de Janeiro, em 2008, para iniciarem um passeio de reconhecimento e estudo sobre a influência da população negra na história da cidade. Lu iz F er na nd es Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico12 D IV U LG A Ç Ã O P N LD Manifestação pacífica contra o governo norte- -americano: o acesso ao conhecimento e à informação é essencial para permitir a participação consciente e crítica. Pu bl ic -d om ai n- im ag e. co m instituição do casamento naquela determinada sociedade. Wright Mills vai dizer que a recor- rência de muitos divórcios pode estar relacio- nada à estrutura da família enquanto instituição. Enfim, Wright Mills está nos apresentando uma questão simples e que serve para pensar nossas vidas, ou seja, aquilo que experimentamos na vida em vários e específicos ambientes cotidianos, como desemprego, separações etc., muitas vezes é influenciado pelas modificações culturais, econômicas ou outras de caráter mais geral que ocorrem nas sociedades. Por isso é que ele diz que precisamos ter consciência da ideia e da existência de uma estrutura da sociedade, das relações sociais e utilizá-las com sensibilidade, para sermos capazes de identificar as ligações entre as nossas diversas experiências da vida cotidiana. Ter essa consciência e essa capacidade é ter uma imaginação sociológica. Agora pensando: Quais são os seus problemas cotidianos? Quais são as questões que mais lhe preocupam? É claro que você já pensou nisso alguma vez. Mas, vamos tentar imaginar esses problemas e preocupações sociologicamente. Será que eles têm a ver só com o seu comportamento, com as suas atitudes ou com o seu modo de ser? Será que a Sociologia pode ajudar a pensar sobre seu cotidiano? Então, vamos viajar um pouco no mundo da Sociologia a partir de agora. E quando alguns adultos dizem que os jovens não se interessam por essas discussões? Nós, autores deste livro, já ouvimos em muitas escolas brasileiras algumas afirmações de que os jovens não se interessam pela discussão da Sociologia, pois não veem sentido na “matéria” ou são atraídos por coisas mais interessantes fora da escola. Entendemos, porém, que quando muitos jovens perguntam para que serve a Sociologia, ou quando afirmam que muitas disciplinas são “chatas”, nós precisamos compreender o que está por trás desses comentários. Para conversarmos a respeito disso, leia, a seguir, um artigo escrito por um psicanalista italiano radicado no Brasil, Contardo Calligaris e publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 12/12/2002. Ele relata a exigência dos jovens acerca dos estudos: Capítulo1 - Sociologia: dialogando com você 13 D IV U LG A Ç Ã O P N LD Vida divertida ou vida interessante? Uma reportagem do The New York Times descrevia uma nova moda nos colégios americanos, graças à qual o ensino de Ciência está se tornando curiosamente popular. Nos EUA, os requisitos mínimos para o diploma secundário são bastante livres. Há tempos, para quem não gosta de estudar Química, Física ou Biologia, existem matérias alternativas, como a “Ciência da Terra” ou a Ecologia. Agora é a vez da “Ciência Forense”, idealizadíssima pelos seriados televisivos, pelo cinema e pelos romances policiais. Assim, em vez de estudar leis e fórmulas, os alunos aprendem como determinar a hora da morte, considerando o estado de um cadáver (aulas práticas no necrotério). Familiarizam-se com o microscópio, examinando pelos de possíveis estupradores encontrados no corpo da vítima. Entendem o que são o esperma ou o sangue, investigando uma hipotética cena do crime. Nas escolas em que os cursos são oferecidos, os jovens são entusiastas. Por que bancar o estraga-prazeres? O fato é que a reportagem me deixou um mal-estar. Fiquei com a impressão de que a Química, a Física e a Biologia estivessem desistindode ter qualquer apelo próprio. As formas estabelecidas da diversão (sobretudo a televisão e o cinema) decidiriam como e o que podemos aprender. Filosofia, História e Inglês (Português, no nosso caso) seriam vítimas do mesmo processo. Lembrei-me de conversas recentes com um jovem estudante universitário que (com grande angústia dele e dos pais) quer largar os estudos, ao menos temporariamente. Ele queixava-se de que todos os cursos seriam chatos. “Como assim, chatos?”, perguntei. “Não são divertidos”, respondeu. Estranhei: Quem disse que um curso deve divertir? (...) A partir dos anos 90, encontro adolescentes para quem o mundo parece tolerável apenas se puderem distrair-se dele. E os vizinhos são frequentáveis à condição de não se comprometer com eles. O que era alienação nos anos 60 tornou-se escolha de vida nos 90 (...) (CALLIGARIS, 2002) Para uma parte dos adolescentes, mas não todos, viver é divertir-se, diferente do que significava para gerações anteriores de jovens. Não queremos dizer com isso que condenamos a diversão, mas que, afinal, há tempo para tudo na vida, como a distração e o lazer; assim como há necessidade de reservar parte do nosso tempo para dar conta das responsabilidades, como o estudo e, depois de formados, o trabalho. Da mesma forma, podemos acrescentar que nossa vida e nossa sociedade também merecem ser pensadas, compreendidas e, por que não, modificadas. A inspiração e o compromisso da So- ciologia são com o entendimento da realida- de social. O papel da Sociologia é contribuir para que repensemos a nossa visão de mundo, deixando de lado nossas ingenuidades e pre- conceitos. Sua tarefa teórica é se contrapor à visão do que predomina no senso comum, que considera que o útil é o que dá prestígio, po- der, fama e riqueza – julgando o conceito de utilidade pelos resultados do que a maioria das pessoas considera como “ações práticas” da vida cotidiana. Não se deixando guiar pelo senso co- mum, a Sociologia nos instrumentaliza com conhecimentos para nos tornarmos conscien- tes de nós mesmos e das ações de homens e mulheres que desejam profundamente a liber- dade e a felicidade. Vamos tirar algumas dúvidas? O senso comum e a Sociologia Até aqui nos preocupamos em argumentar sobre a necessidade de estudar Sociologia, pensar nosso mundo sociologicamente e sua Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico14 D IV U LG A Ç Ã O P N LD utilidade na vida de milhões de jovens. Agora queremos ressaltar uma discussão importante neste campo de conhecimento e estudo: a diferença entre senso comum e Sociologia. Um professor de Sociologia define senso comum como: (...) falsas certezas e convicções equivocadas sem a base de um conhecimento racional ou de uma adequada compreensão, sendo ditas pelas pessoas a todo instante sobre as mais diversas coisas. A característica principal é a de que o senso comum baseia-se no que está aparente, na aparência das coisas, como as coisas parecem ser. Por exemplo: o Sol é menor do que a Terra e é ele que gira ao redor dela. Tendo o seu ponto de referência a própria Terra e da maneira que é realizada esta observação, o que pode parecer é que aquela seja uma afirmativa correta. Porém, só parece, pois a Astronomia, com seus cálculos matemáticos e suas considerações físicas verifica na realidade que o Sol é muitas vezes maior que a Terra, e desde Copérnico confirma-se na realidade que é a Terra que se move em torno do Sol. Da mesma forma que este simples exemplo, a Sociologia recorrentemente defronta-se com o senso comum das pessoas, desdobrando-se em imobili- dades, discriminações e preconceitos. (GIGLIO, 2000, p. 3) lações, formular uma hipótese de explicação, pesquisar e estudar com maior profundidade o assunto e, ao final, pronunciar leis ou tendên- cias de que um fato possa ocorrer em razão de determinados motivos. Vamos descrever um exemplo: Temos um problema social que se chama desemprego (é “social” porque sua origem se relaciona com a forma de organização da sociedade, atingindo vários indivíduos). A partir dessa constatação, poderíamos formular a hipótese de que a política econômica de um governo promove o desemprego. Em seguida, passamos a observar a realidade com dados estatísticos em mãos, pesquisas com desempregados para ver os motivos que levaram ao desemprego e etc. Ao final, retornamos à nossa hipótese e podemos verificar se determinadas decisões políticas governamentais tendem a provocar o desemprego em massa num país. A mesma atitude pode ser tomada para se pensar sobre as possíveis causas da violência. Ao contrário do senso comum, não devemos partir para generalizações ao primeiro contato com um fenômeno social. É necessário investigar as relações entre os fatos e acontecimentos e também suas raízes históricas, como, por exemplo, a questão do racismo na sociedade brasileira. Certamente, este fenômeno social tem fortes raízes na escravidão, mas principalmente nas relações que o homem branco europeu estabeleceu com os povos africanos e indígenas a partir do século XV. Portanto, posteriormente, trabalharemos com várias teorias sociológicas, conceitos e temas que nos ajudem na nossa imaginação sociológica. Ou seja, vamos partir do senso comum sobre como são entendidos os fenômenos sociais, sobre as relações que existem entre os indivíduos e problematizar esse senso comum. E aquilo que pode nos parecer “natural” nas relações sociais pode ser “desnaturalizado”, deixando de ser visto como natural e até mesmo imutável, para ser compreendido como é, algo social; ou, como nos diz Wright Mills (1975), para compreender nosso mundo cotidiano, vamos olhar além dele. O senso comum se caracteriza por opi- niões pessoais, generalizantes. Ou seja, jul- gam-se coisas ou fatos específicos como se fossem coisas ou fatos universais. Enfim, fal- sas certezas sem fundamentação científica, como por exemplo, “todo bandido é favela- do”, “todo político é corrupto”, “o povo bra- sileiro é preguiçoso” etc. Mas o que é uma atitude científica em So- ciologia? É a atitude de, a partir da constata- ção de um problema social, observar os fatos e a realidade dos indivíduos e grupos, suas re- Capítulo1 - Sociologia: dialogando com você 15 D IV U LG A Ç Ã O P N LD Interdisciplinaridade Conversando com a Física “Teoria da relatividade e relatividade da teoria” Vitor Lara Uma charge bastante interessante circulou na internet uns anos atrás, em 2011, assinada pelo cartunista canadense Doug Savage, que mostrava como físicos e filósofos pensam de maneira diferente. Retratava uma conversa entre eles, bebendo em um bar, travando o seguinte diálogo: Humanas. O motivo seria que as Ciências da Natureza são “exatas”, enquanto que nas Humanas parece que tudo é “achismo”. Há um certo consenso de que, do ponto de vista da Epistemologia (parte da Filosofia que lida com a Teoria do Conhecimento, isto é, discute a validade lógica e a coerência de uma determinada teoria ou área do conhecimento), uma Ciência como a Física seja mais delimitada do que a Psiquiatria, por exemplo. Michel Foucault discute isso na sua obra A microfísica do poder1. Mas muito se engana quem acha que nas Ciências da Natureza as questões políticas e sociais possam ser desprezadas. Há diversos exemplos, onde podemos constatar, estudando a história das Ciências em uma perspectiva sociológica, o quanto as questões sociopolíticas são importantes para determinar a estrutura de uma determinada Ciência, inclusive a ponto de suas pesquisas serem manipuladas em virtude dosinteresses de empresas e grandes corporações. E você, estudante, já havia pensado a respeito disso? O que acha de aproveitarmos essa proposta de diálogo interdisciplinar para nos aprofundarmos nessa discussão? Vitor de Oliveira Moraes Lara é professor de Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ. Graduado, Mestre e Doutor em Física pela Universidade Federal Fluminense – UFF. 1 FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. I - Verdade e poder. 8.ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. A charge e o diálogo podem servir para começarmos uma discussão que queremos propor a você, estudante de Ensino Médio. Algumas pessoas dizem, com frequência, que confiam mais na Física, na Matemática ou nas Engenharias (Ciências da Natureza) do que nas Ciências Ad ap ta do d e D ou g Sa va ge Capítulo1 - Sociologia: dialogando com você 15 D IV U LG A Ç Ã O P N LD Interatividade Revendo o capítulo 1 – Como pode ser definida a Sociologia? 2 – Explique o significado da ideia de imaginação sociológica e qual seria a importância de utilizá-la? 3 – Diferencie senso comum e Sociologia. Dialogando com a turma 1 – Discuta com seus colegas de turma os motivos de sua escolha profissional. Se ainda não escolheu uma profissão, responda: a sociedade influenciará na sua escolha ou você terá autonomia para fazer uma opção? 2 – Baseando-se no exemplo dado no texto sobre os conhecimentos necessários para se combater o fumo, elabore junto com seus colegas outros exemplos em que se faça necessária a análise das Ciências Naturais e da Sociologia. Verificando o seu conhecimento 1 – (ENEM, 2010) As redes sociais de relacionamento ganham força a cada dia. Uma das ferramentas que tem contribuído significativamente para que isso ocorra é o surgimento e a consolidação da blogosfera, nome dado ao conjunto de blogs e blogueiros que circulam pela Internet. Um blog é um site com acréscimos dos chamados artigos, ou posts. Estes são, em geral, organizados de forma cronológica inversa, tendo como foco a temática proposta do blog, podendo ser escritos por um número variável de pessoas, de acordo com a política do blog. Muitos blogs fornecem comentários ou notícias sobre um assunto em particular; outros funcionam mais como diários on-line. Um blog típico combina texto, imagens e links para outros blogs, páginas da web e mídias relacionadas a seu tema. A possibilidade de leitores deixarem comentários de forma a interagir com o autor e outros leitores é uma parte importante dos blogs. O que foi visto com certa desconfiança pelos meios de comunicação virou até referência para sugestões de reportagem. A linguagem utilizada pelos blogueiros, autores e leitores de blogs, foge da rigidez praticada nos meios de comunicação e deixa o leitor mais próximo do assunto, além de facilitar o diálogo constante entre eles. Disponível em: http//pt.wikipedia.org. Acesso em: 21 maio 2010 (adaptado). As redes sociais compõem uma categoria de organização social em que grupos de indivíduos utilizam a internet com objetivos comuns de comunicação e relacionamento. Nesse contexto, os chamados blogueiros: (A) promovem discussões sobre diversos assuntos, expondo seus pontos de vista particulares e incentivando a troca de opiniões e consolidação de grupos de interesse. (B) contribuem para o analfabetismo digital dos leitores de blog, uma vez que não se preocupam com os usos padronizados da língua. C) interferem nas rotinas de encontros e comemorações e determinados segmentos, porque supervalorizam contato a distância. (D) definem previamente seus seguidores, de modo a evitar que as pessoas que não compactuam com as mesmas opiniões interfiram no desenvolvimento de determinados assuntos. (E) utilizam os blogs para exposição de mensagens particulares, sem se preocuparem em responder aos comentários recebidos, e abdicam do uso de outras ferramentas virtuais, como o correio eletrônico. 2 – Observe a ilustração seguinte e assinale depois a alternativa que apresenta correspondência e sentido entre a resposta dada pelo joão-de-barro e a definição de senso comum: N ic o Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico16 D IV U LG A Ç Ã O P N LD (A) A resposta do joão-de-barro reflete a sua integração ao senso comum. (B) A pergunta do outro joão-de-barro revela o seu inconformismo com o senso comum. (C) Os dois personagens do desenho assumem na sociedade comportamentos distintos, mas ambos podem ser identificados como característicos do senso comum. (D) A frase “resolvi inovar” significa, no caso, a ideia de assumir como natural um comportamento que poderia ser entendido como estranho. (E) O desenho objetiva provocar uma reflexão sobre a padronização do nosso pensamento e do nosso comportamento, que podem significar “coisas que fazemos sem pensar”. Pesquisando e refletindo LIVROS MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. Livro introdutório ao conhecimento sociológico, de fácil leitura e compreensão, apresentando a Sociologia enquanto ciência. DUARTE JUNIOR, João Francisco. O que é realidade. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 2000. Neste livro o autor apresenta o homem como responsável pela definição do que é ou não realidade, mostrando que essa ideia pode se modificar de acordo com o tempo e o espaço. FILMES UM LOBO NA FAMÍLIA (Walk Like a Man, EUA, 1987). Direção: Melvin Frank. Com Howie Mandel. Duração: 90 min. Um grupo de exploradores encontra um rapaz que foi criado por uma família de lobos na selva. Decidem levá-lo para a cidade, mas sua adaptação à civilização provoca muitas confusões. A GUERRA DO FOGO (La Guerre du Feu, FRA, 1981). Direção: Jean-Jacques Annaud. Duração: 97 min. O filme se passa nos tempos pré-históricos, em torno da descoberta do fogo. A tribo Ulam vive em torno de uma fonte natural de fogo. Quando este se extingue, três membros saem em busca de uma nova chama. Importante para discutir como os indivíduos, na sua relação com a natureza, constroem a realidade socialmente. INTERNET SOCIOLOGIA PARA JOVENS DO SÉCULO XXI: http://on.fb.me/1lF0bf5 Página do Facebook criada por professores, com ampla participação de docentes e alunos na postagem de informações diversas, vídeos e textos relacionados à disciplina. Acesso: janeiro/2016. FLORESTAN FERNANDES, O MESTRE: http://vimeo.com/15841757 Vídeo que retrata a vida do sociólogo Florestan Fernandes. O documentário foi produzido pela TV Câmara e nos faz refletir sobre o papel da Sociologia na realidade brasileira. Acesso: janeiro/2016. MÚSICAS SENSO COMUM – Autores e intérpretes: Bastianas. A letra apresenta algumas crenças presentes na cultura popular brasileira, identificando-as com a definição de senso comum. PARADIGMA – Autores: Leonardo Vieira, Doddi, Yasmin Fróes. Intérpretes: Knowhow. Rock cuja letra, sob o ponto de vista dos jovens, questiona os paradigmas apresentados pelo mundo adulto. FILME DESTAQUE PONTO DE VISTA (Vantage Point) FICHA TÉCNICA: Direção: Pete Travis Elenco: Forest Whitaker, Dennis Quaid. Duração: 90 min. (EUA, 2008) SINOPSE: O presidente dos Estados Unidos, Ashton, participa- rá de uma conferência mundial sobre o combate ao terrorismo em Salamanca, na Espanha. Entretanto, logo em sua chegada o presidente é baleado, o que gera um grande tumulto. A partir da perspectiva de diversos presentes no local antes e depois do atenta- do é que se pode chegar à verdade sobre o ocorrido. C ol um bi a Pi ct ur es /P et e Tr av is Capítulo1 - Sociologia: dialogando com você 17 D IV U LG A ÇÃ O P N LD Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico18 D IV U LG A Ç Ã O P N LD Aprendendo com jogos Jogo do senso comum TESTE O SEU CONHECIMENTO NA DISCIPLINA! O objetivo do jogo é comentar uma frase usada no co- tidiano e analisá-la sob a perspectiva da disciplina Socio- logia, de modo a revelar os problemas da frase: precon- ceitos ou inadequações com relação àquilo que pretende explicar, por exemplo. É como o jogo dos setes erros! Só que aqui você identifica numa frase que usamos no dia a dia o que não parece fazer sentido. Como jogar: 1. Organize-se em grupos com os seus colegas e, juntos, façam um círculo para que todos possam ser vistos e interagir. Cartões contendo frases de uso cotidiano serão distribuídos e deverão ser lidos e analisados durante o jogo. 2. A cada rodada, um grupo de colegas será escolhido por sorteio para ser o “Grupo Juiz”. Este é o grupo que vai ler a frase da rodada. O Grupo Juiz deverá ler um dos cartões e indicar qual o grupo que analisará a frase lida. 3. O grupo indicado deverá comentar a frase lida e identificar em que aspecto ela pode ser criticada. Este grupo indicará o próximo grupo (exceto o Grupo Juiz) para elaborar uma nova análise, até que todos tenham comentado a frase. Cada comentário deve ser feito em no máximo dois minutos. Não é permitido somente concordar com o comentário de um grupo anterior. 4. A cada análise feita, o Grupo Juiz anota as principais ideias apresentadas e ao final decide pela melhor análise da frase, de modo a pontuar o grupo que a elaborou. Somente um grupo pontua a cada rodada. A decisão do Grupo Juiz deve ser justificada e o(a) professor(a) irá intervir fazendo novas perguntas ou apresentando novas perspectivas para contribuir com a análise. 5. O grupo vencedor da rodada anterior poderá “pular a vez”, mas será punido em um ponto. 6. A cada duas rodadas o mediador – que pode ser o(a) professor(a) – sorteia algum grupo que irá para a “pausa”, caso em que fica impedido de participar da rodada e de pontuar. 7. Vence o jogo o grupo que tiver maior pontuação após todas as frases terem sido lidas e analisadas. Civilization V (2K Games, 2010) QUAL A SUA CIVILIZAÇÃO? Este é um jogo de estratégia por turnos onde o joga- dor assume o papel de um líder político de uma civiliza- ção à sua escolha e o seu objetivo é conduzir a sociedade que se forma até a prosperidade. Você deve alcançar esse objetivo através do desenvolvimento econômico e cultu- ral de sua civilização. Como jogar: 1. Organize-se em grupos com os seus colegas. Baixe a versão demo do jogo em http://goo.gl/EttTXN (em “Baixar demonstração”). Você pode rodar o jogo num PC. Cada grupo deve adotar uma civilização diferente. 2. Os grupos devem manter um relatório com informações sobre a sua civilização ao longo do período do jogo e o resultado da partida. 3. Os grupos devem jogar por um número de turnos recomendado pelo(a) professor(a). Recomendamos que sejam no mínimo 200 turnos em função do ritmo do jogo. 4. Os temas para cada grupo, que irão ser abordados nos trabalhos escritos, serão escolhidos por sorteio. Como sugestão: (a) pobreza e distribuição de recursos; (b) guerra e paz; (c) relações entre culturas diferentes; (d) cultura e religião. 5. Uma redação deve ser escrita apresentando, a partir da simulação, discussão do tema sorteado para o grupo. Na redação, o grupo também deve comparar o jogo com a realidade. 6. Os grupos apresentarão os resultados para toda a turma e uma discussão para cada um dos temas deverá ocorrer. Unidade 1 - Sociedade e Conhecimento Sociológico18 D iv ul ga çã o/ St ea m D IV U LG A Ç Ã O P N LD