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Caderno de Direito Penal II, elaborado pela turma do 3º período, 2016.1, noturno. O con- teúdo foi elaborado a partir das aulas minis- tradas pelo professor Cézar Augusto. Sumário AÇÃO PENAL ............................................................................................................................... 6 Espécies de ação penal .......................................................................................................... 7 Ação penal de iniciativa pública ............................................................................................ 7 Ação penal de iniciativa pública incondicionada ................................................................ 7 Ação penal de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça ......................................................................................... 8 Princípios informadores da ação penal de iniciativa pública ............................................. 8 Ação penal de iniciativa privada ............................................................................................ 9 Privada propriamente dita ...................................................................................................... 9 Privada subsidiária da pública............................................................................................. 10 Privada personalíssima ........................................................................................................ 10 Princípios informadores da ação penal de iniciativa privada .......................................... 11 Representação criminal ou requisição do Ministro da Justiça ........................................ 11 CONCURSO DE CRIMES .......................................................................................................... 12 Concurso material ou real de crimes .................................................................................. 13 Requisitos e consequências do concurso material ou real ............................................. 14 Concurso material homogêneo e heterogêneo .................................................................. 15 Concurso material e penas restritivas de direitos ............................................................. 15 Concurso formal ou ideal de crimes ................................................................................... 15 Requisitos e consequências do concurso formal ou ideal .............................................. 16 Concurso formal homogêneo e heterogêneo .................................................................... 17 Concurso formal próprio (perfeito) e impróprio (imperfeito) ........................................... 17 Concurso material benéfico ................................................................................................. 19 Crime continuado .................................................................................................................. 19 Requisitos e consequências do crime continuado ........................................................... 20 Crimes da mesma espécie ................................................................................................... 21 Condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes ................... 21 Crimes subsequentes tidos como continuação do primeiro ........................................... 22 Crime continuado e concurso material benéfico ............................................................... 23 Crime continuado e novatio legis in pejus ......................................................................... 23 Diferença entre crime habitual e crime continuado........................................................... 23 ERRO DE TIPO ........................................................................................................................... 24 Erro de Tipo Essencial .......................................................................................................... 24 Invencível (ou escusável) ................................................................................................. 25 Vencível (ou inescusável) ................................................................................................. 25 Erro de Tipo Acidental .......................................................................................................... 25 Erro Sobre o Objeto (Error in Objecto) ........................................................................... 25 Erro Sobre a Pessoa (Error in Persona) ......................................................................... 26 Erro na Execução (Aberratio Ictus) ................................................................................. 26 Resultado Diverso do Pretendido (Aberratio Criminis ou Delictis) ............................. 27 Erro Sobre o Nexo Causal (Aberratio Causae) ............................................................... 28 APLICAÇÃO DA PENA .............................................................................................................. 28 Cálculo da pena ..................................................................................................................... 29 Primeira fase: fixação da pena-base ................................................................................... 30 Segunda fase: fixação da pena provisória ......................................................................... 32 Circunstâncias agravantes ............................................................................................... 33 Reincidência ...................................................................................................................... 33 Circunstâncias atenuantes ............................................................................................... 34 Cálculo de agravantes e atenuantes ............................................................................... 35 Concurso de agravantes e atenuantes ........................................................................... 35 Terceira fase: fixação de pena definitiva ............................................................................ 35 Cálculo da pena na terceira fase ..................................................................................... 36 Espécies de penas ................................................................................................................ 37 Penas privativas de liberdade .............................................................................................. 38 Regime de cumprimento ...................................................................................................... 38 Progressão de regime ....................................................................................................... 39 Regressão de regime ........................................................................................................ 40 Penas restritivas de direitos ................................................................................................ 40 Multa penal ............................................................................................................................. 42 Suspensão condicional da pena ou sursis ........................................................................ 42 Medidas de segurança .......................................................................................................... 43 Súmulas do STJ sobre aplicação de pena ........................................................................ 44 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ................................................................................................. 44 Morte do agente ..................................................................................................................... 45 Anistia ..................................................................................................................................... 45 Graça e indulto ...................................................................................................................... 46 Retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso ........................... 46 Prescrição .............................................................................................................................. 47 Causas suspensivas e interruptivas da prescrição ....................................................... 47 Decadência ............................................................................................................................. 48 Perempção ............................................................................................................................. 48 Renúncia ao direito de queixa ............................................................................................. 49 Retratação do agente nos casos em que a lei admite ....................................................... 49 Perdão do ofendido ............................................................................................................... 49 Perdão judicial, nos casos previstos em lei ....................................................................... 50 QUESTÕES DE PENAL II – Provas anteriores – Professor: Cézar Augusto ....................... 52 DIREITO PENAL II – PROFº CÉZAR AUGUSTO Resumo completo AÇÃO PENAL Ação é uma garantia constitucional que concede ao cidadão o direito de se dirigir ao Estado, buscando a solução para um determinado conflito. Meio de comunicação entre cidadão e Estado. É um direito público, subjetivo e incondicionado (no sentido de que sempre se pode en- trar com uma ação, ainda que, posteriormente, o juiz a julgue improcedente). O exercício é pleno. Está subordinado a determinados requisitos ou condições da ação (para o exercício legítimo). Na maioria das vezes, o MP é o autor das ações penais (é a parte legítima). As con- cepções formuladas destinam-se tanto às ações de natureza civil quanto àquelas de cunho penal. É a ação, portanto, seja civil ou penal, um direito subjetivo público de se invocar do Es- tado Administração a sua tutela jurisdicional, a fim de que decida sobre determinado fato trazi- do ao seu crivo, trazendo de volta a paz social, concedendo ou não o pedido aduzido em juízo. A ação penal condenatória tem por finalidade apontar o autor da prática de infração penal, fazendo com que o Poder Judiciário analise os fatos por ele cometidos, que deverão ser claramente narrados na peça inicial de acusação, para que, ao final, se for condenado, seja aplicada uma pena justa, isto é, proporcional ao mal por ele produzido. Aloysio de Carvalho Filho diz que "a ação penal significa, pois, o exercício de uma acusação, que indica o autor de determinado crime, responsabilizando-o, e pedindo, para ele, a punição prevista em lei". Linha do tempo do fato criminoso que antecede a ação penal (em regra): 1. O fato criminoso é cometido; 2. Dá-se notícia do fato na delegacia (nem sempre esse passo é necessário); 3. Instaura-se um inquérito policial; 4. Expede-se um relatório, o qual é remetido ao Ministério Público; 5. O Ministério Público oferece a denúncia (há, todavia, outras duas possibilida- des: pode este pedir para que se baixem os autos à delegacia em busca de mais pro- vas/indícios ou pelo arquivamento); 6. Com o recebimento desta, pelo juiz, a ação penal tem início, corre e chega ao fim (com o proferimento da sentença). Cabe ressaltar que o Inquérito Policial é uma fase administrativa pré-processual. Nesta não há réu, apenas indiciado. Além disso, diferente do que se acredita popularmente, a denún cia do crime é oferecida pelo MP, nas ações penais públicas, e a queixa-crime apenas é ofere- cida pelo advogado, nas ações penais privadas. Quando vamos à delegacia para reportar o fato, estamos efetuando a notícia do crime (notitia criminis). Espécies de ação penal Podem ser públicas ou privadas. A regra prevista no art. 100 do Código Penal diz que toda ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. As ações penais de iniciativa pública são promovidas pelo órgão oficial, ou seja, pelo Ministério Público, sendo que as de iniciativa privada são, ab initio, levadas a efeito mediante queixa pelo ofendido ou por quem tenha qualidade para representá-lo. Como saber qual será o tipo de ação penal para determinado crime? Lê-se o artigo no qual este é tipificado, se o artigo calar acerca do tipo de ação penal, este será um crime de ação penal pública incondicionada (regra). Entretanto, se falar que o dito crime “somente se procede mediante queixa”, teremos uma ressalva expressa e a ação penal será privada. Cuidado: A ressalva pode vir ao final do capítulo ou mesmo fora do Código Penal! É o caso, respectivamente, dos crimes contra a honra (tipificados nos artigos 138, 139 e 140, do Código Penal) e da lesão corporal tipificada no artigo 129, parágrafo 9º. Segundo o artigo 103 do Código Penal: “o ofendido decai do direito de queixa ou de re- presentação se não o exerce dentro do prazo de 6 meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime”. Dessa forma, se souber quem é o autor do fato e, ainda assim, ape- nas der notícia deste na delegacia, passados 6 meses o prazo decadencial corre e a pessoa fica impedida de reclamar o direito ofendido. Ação penal de iniciativa pública A ação penal de iniciativa pública pode ser: a) incondicionada b) condicionada a representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça. Ação penal de iniciativa pública incondicionada Diz-se incondicionada a ação penal de iniciativa pública quando, para que o Ministério Público possa iniciá-la ou, mesmo, requisitar a instauração de inquérito policial, não se exige qualquer condição. Pelo fato de não existir qualquer condição que impossibilite o início das investigações pela polícia ou que impeça o Ministério Público de dar início à ação penal pelo oferecimento de denúncia, o art. 27 do Código de Processo Penal diz que qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo- lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elemen- tos de convicção, apresentando-lhe, pois, sua notitia criminis. Ação penal de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido ou de requi- sição do Ministro da Justiça Pode acontecer, contudo, que a legislação penal exija, em determinadas infrações pe- nais, a conjugação da vontade da vítima ou de seu representante legal, a fim de que o Ministé- rio Público possa aduzir em juízo a sua pretensão penal, condicionando o início das investiga- ções policiais e o oferecimento de denúncia à apresentação de sua representação. Nela, o ofendido ou seu representante legal simplesmente declara, esclarece a sua vontade no sentido de possibilitar ao Ministério Público a apuração dos fatos narrados, a fim de formar a sua con- vicção pessoal para, se for o caso, dar início à ação penal pelo oferecimento de denúncia. Da mesma forma que a representação do ofendido, a requisição do Ministro da Justiça também tem a natureza jurídica de condição de procedibilidade, permitindo ao Ministério Públi- co iniciar a ação penal, uma vez preenchida essa condição. Tais condições, portanto, uma vez preenchidas, não impõem ao Ministério Público o dever de oferecer denúncia, mas sim dizem que, se assim entender, as pessoas envolvidas pela infração penal permitem que ele assim proceda. Princípios informadores da ação penal de iniciativa pública Os princípios que envolvem a ação penal de iniciativa pública, seja ela incondicionada ou condicionada à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça, são: a) obrigatoriedade ou legalidade - traduz-se no fato de que o Ministério Público tem o dever de dar início à ação penal desde que o fato praticado pelo agente seja, pelo menos em tese, típico, ilícito e culpável, bem como que, além das condições genéricas do regular exercí- cio do direito de ação, exista, ainda, justa causa para a sua propositura. b) oficialidade - significa que a persecutio criminis in judicio será procedida por órgão o- ficial, qual seja, o Ministério Público, pois, segundo o inciso I do art. 129 da Constituição Fede- ral, compete-lhe, no rol de suas funções institucionais, promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei. c) indisponibilidade - Pelo princípio da indisponibilidade fica vedado ao órgão oficial encarregado de promover a ação penal - ou seja, ao Ministério Público - desistir da ação penal por ele iniciada. Desistir da ação penal não significa o mesmo que pugnar, ao seu final, pela improcedência do pedido levado a efeito na denúncia. O Ministério Público não só pode como deve pedir a absolvição dos acusados nas hipóteses em que não restar evidentemente de- monstrada a prática da infração penal. Isso não quer dizer disponibilidade da ação penal. d) indivisibilidade - O princípio da indivisibilidade determina que se a infração penal foi praticada em concurso de pessoas, todos aqueles que para ela concorreram devem receber o mesmo tratamento, não podendo o Ministério Público escolher a quem acionar. Como bem observado por Tourinho Filho, "a indivisibilidade da ação penal é uma consequência lógica do princípio da obrigatoriedade ou legalidade". e) intranscendência - em virtude do princípio da intranscendência, a ação penal somen- te deve ser proposta em face daqueles que praticaram a infração penal, não podendo atingir pessoas estranhas ao fato criminoso. Ação penal de iniciativa privada Ação penal privada é aquela em que o direito de acusar pertence, exclusiva ou subsidi- ariamente, ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo. Ela se denomina ação privada, porque seu titular é um particular, em contraposição à ação penal pública, em que o titular do ius actionis é um órgão estatal: o Ministério Público. As ações penais de iniciativa privada classificam-se em: a) privada propriamente dita; b) privada subsidiária da pública; c) privada personalíssima. Privada propriamente dita São aquelas promovidas mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade pa- ra representá-lo. Embora o Estado sempre sofra com a prática de uma infração penal, pois o seu cometimento abala a ordem jurídica e coloca em risco a paz social, existem situações que interessam mais intimamente ao particular do que propriamente ao Estado. Dessa forma, como veremos mais adiante, os princípios que regem as ações penais de iniciativa privada se diferenciam daqueles que são reitores das ações penais de iniciativa públi- ca, uma vez que o interesse do particular se sobrepujará ao interesse do Estado. No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, sendo a ação penal de iniciativa privada propriamente dita, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação penal passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, nos termos do § 4º do art. 100 do Códi- go Penal e do art. 31 do Código de Processo Penal. Privada subsidiária da pública As ações penais de iniciativa privada subsidiárias da pública encontram respaldo não somente na legislação penal (art. 100, § 3º, do CP e art. 29 do CPP), como também no texto da Constituição Federal (art. 5º, LIX), que diz que será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal. Com essa disposição, quis o legislador constituinte, a exemplo do que fazem o Código Penal e o Código Processual Penal, permitir ao particular, vítima de determinada infração pe- nal, que acompanhasse as investigações, bem como o trabalho do órgão oficial encarregado da persecução penal. Em razão desses dispositivos legais, se o Ministério Público, por desídia sua, deixar de oferecer denúncia no prazo legal, abre-se ao particular a possibilidade de, subs- tituindo-o, oferecer sua queixa-crime, dando-se, assim, início a ação penal. Isso quer dizer que o direito de dar início à ação penal que, originalmente, é de iniciati- va pública, somente se transfere ao particular se houver desídia, inércia do Ministério Público. Contudo, se em vez de oferecer a denúncia o Ministério Público solicitar o arquivamento do inquérito policial ou requerer a devolução dos autos à delegacia de polícia para que sejam le- vadas a efeito algumas diligências consideradas indispensáveis ao oferecimento da denúncia, não poderá o particular intentar a sua ação de natureza subsidiária. Se for intentada ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, o Ministério Pú- blico poderá aditar a queixa, repudiá-Ia ou oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal (art. 29 do CPP). Isso porque a ação penal é originalmente de iniciativa pública e, uma vez intentada pelo particular, será regi- da pelos princípios que a orientam. Enquanto o particular estiver à frente dessa ação penal, o Ministério Público funcionará, obrigatoriamente, como fiscal da lei, assumindo a posição origi- nal de parte nos casos de negligência do querelante. Privada personalíssima São aquelas em que somente o ofendido, e mais ninguém, pode propô-Ias. Em virtude da natureza da infração penal praticada, entendeu por bem a lei penal que tal infração atinge a vítima de forma tão pessoal, tão íntima, que somente a ela caberá emitir o seu juízo de perti- nência a respeito da propositura ou não dessa ação penal. Princípios informadores da ação penal de iniciativa privada São regidas por três princípios que as informam, a saber: a) oportunidade - confere ao titular da ação penal o direito de julgar da conveniência ou inconveniência quanto à propositura da ação penal. Se quiser promovê-la, poderá fazê-lo, se não o quiser, não o fará, justamente o contrário do que ocorre com o princípio da obrigatorie- dade, que rege as ações penais de iniciativa pública, onde o Ministério Público deverá oferecer a denúncia se, em tese, o fato se configurar infração penal, presentes as condições necessá- rias ao regular exercício do direito de ação. b) disponibilidade - outra característica marcante das ações penais de iniciativa privada é, justamente, a sua disponibilidade. Mesmo depois da sua propositura, o particular pode, va- lendo-se de determinados institutos jurídicos, dispor da ação penal por ele proposta inicialmen- te. Vale lembrar que tal princípio da disponibilidade é o reverso daquele aplicável às ações de iniciativa pública, qual seja, o da indisponibilidade, nas quais o Ministério Público, uma vez oferecida a denúncia, não poderá dispor da ação penal por ele iniciada. c) indivisibilidade - comum às duas espécies de ação penal, encontra-se consubstanci- ado no art. 48 do Código de Processo Penal que diz que a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade. A ação penal deve ser um instrumento de justiça, e não de simples vingança. Representação criminal ou requisição do Ministro da Justiça Tanto a representação criminal como a requisição do Ministro da Justiça são conside- radas condições de procedibilidade para o regular exercício da ação penal de iniciativa pública, sem as quais torna-se impossível a abertura de inquérito policial ou o oferecimento de denún- cia pelo Ministério Público. O art. 39 do Código de Processo Penal nos informa a quem poderá ser dirigida a representação: o direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial. O art. 102 do Código Penal assevera que a representação será irretratável depois de oferecida a denúncia. Note-se que o legislador não exigiu o recebimento da peça inaugural de acusação, mas tão somente o seu oferecimento. Assim, se o Ministério Público oferecer a de- núncia, entregando-a ao cartório criminal juntamente com os autos de inquérito policial corres- pondentes, ou com as peças de informação, a partir desse instante já não mais será possível a retratação, e a ação penal obedecerá a todos os princípios que regem as ações de iniciativa pública. Conforme salientamos, o fato de ter havido representação criminal ou mesmo a requi- sição do Ministro da Justiça não impõe ao Ministério Público o obrigatório oferecimento da de- núncia, uma vez que, na qualidade de dominus litis, poderá e deverá o Ministério Público avali- ar, com independência, os fatos que foram trazidos ao seu conhecimento, quando, a final, emi- tirá sua opinio delicti, que poderá ser tanto no sentido do oferecimento da denúncia, como pug- nando pelo arquivamento do inquérito policial ou das peças de informação. CONCURSO DE CRIMES Antes de adentrar em concurso de crimes, cabe mencionar o concurso de pessoas. Quanto a esse concurso (importante no que tange à aplicação da pena), lê o artigo 29 do Códi- go Penal: Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este comi- nadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á apli- cada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. Também pode acontecer que uma só pessoa pratique uma pluralidade de delitos, sur- gindo o fenômeno do concurso de crimes. Como última hipótese, também podemos cogitar a hipótese de que várias pessoas, unidas pelo mesmo vínculo psicológico, pratiquem uma plura- lidade de crimes, ocorrendo, pois, tanto o concurso de pessoas como o concurso de crimes. Assim, no concurso de vários delitos cometidos por uma só pessoa se perguntará: Que pena deverá aplicar-se a esta por todos os delitos que por ela foram praticados? É necessário de- terminar, pois, qual é o regime penal a que deve ser submetido o que incorre em diversos deli- tos. O Código Penal, antevendo a possibilidade de o agente praticar vários delitos, regulou o tema relativo ao concurso de crimes por intermédio de seus arts. 69, 70 e 71, que preveem, respectivamente, o concurso material (real), o concurso formal (ideal) e o crime continuado. Havendo concurso formal, crime continuado ou aberratio ictus, o aumento deve operar depois de fixada a pena para cada crime concorrente, como se não houvesse o concurso. Isso permite verificar se a pena acrescida pelo crime continuado ou concurso formal não excede a soma das penas dos crimes-membros. Possibilita, ainda, em face da atual reda- ção do art. 119, verificar se não houve prescrição em relação aos diversos crimes ligados pelo nexo da continuidade ou unidos pelo concurso formal. Concurso material ou real de crimes Está previsto no art. 69, CP, que dispõe que, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro a reclusão. O primeiro aspecto a ser observado diz respeito ao conceito de ação, que pode ser concebido segundo uma concepção causal, final ou social. Resumidamente, para os causalistas, que adotam um conceito naturalista, ação é a conduta humana voluntária que produz uma modificação no mundo exterior. O conceito final de ação, criado por Welzel juntamente com sua teoria, diz ser ela o e- xercício de uma atividade final. A teoria social, que surgiu com a finalidade de ser uma ponte entre as duas teorias an- teriores, traduz o conceito de ação como sendo a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. Além do aspecto próprio de cada definição, é preciso salien- tar que a ação pode ser composta por um ou vários atos. Os atos são, portanto, os componen- tes de uma ação e dela fazem parte. Isso quer dizer que os atos que compõem uma ação não são ações em si mesmos, mas sim partes de um todo. Exemplo: Pode o agente, por exemplo, efetuar um ou vários disparos em direção ao seu desafeto, causando-lhe a morte. A ação consiste na conduta finalisticamente dirigida a causar a morte da vítima. Se, para tanto, o agente efetua vários disparos, cada um deles será considerado um elo nessa cadeia que é a conduta. Os disparos são, assim, atos que formam a conduta do agente. Não teríamos, no exemplo fornecido, várias ações de atirar, mas, sim, vá- rios atos que compõem a ação única de matar alguém. Como deixamos antever pela fundamentação do exemplo acima, optamos pela teoria finalista da ação e com base nela desenvolveremos o nosso raciocínio. Também é importante salientar que adotaremos o conceito analítico do crime em sua divisão tripartida, ou seja, o crime como fato típico, ilícito e culpável. Requisitos e consequências do concurso material ou real Requisitos (art. 69, CP): a) mais de uma ação ou omissão; b) a prática de dois ou mais crimes. Consequência: aplicação cumulativa das penas privativas de liberdade em que haja in- corrido. A questão do chamado concurso material cuida da hipótese de quando o agente, me- diante mais de uma ação ou omissão, poderá ser responsabilizado, em um mesmo processo, em virtude da prática de dois ou mais crimes. Exemplo: Se alguém, ao ingressar numa residência com a finalidade de cometer um crime de roubo, se além da subtração violenta vier a estuprar a filha do proprietário daquela casa, teremos a prática de duas infrações penais realizadas numa relação de contexto: roubo e estupro. A regra, portanto, será a de julgamento simultâneo dessas infrações, no qual o juiz, se condenado o réu por ambas infrações, aplicará a pena correspondente a cada uma delas para, posteriormente, cumulá-Ias materialmente. Caso complicado: se Tício rouba um celular e 3 dias depois Mévio (um policial) o en- contra perambulando pelas ruas do Leblon, tal que em uma tentativa desesperada de fuga, Tício mata Mévio, tem-se concurso de crimes ou não? A doutrina majoritária acredita que sim. Os mais “progressistas” aceitam que há concurso material ainda que com um intervalo de 30 dias entre uma ação ou omissão e a ação ou omissão subsequente. Ademais, o local do cometimento da ação também é expansível (há concurso ainda que em cidades diferentes). Quanto à cumulação de penas: até que ponto esta pode ir? Pode uma pessoa ser con- denada a 200 ou 300 anos de pena privativa de liberdade? Pode. Embora não os vá cumprir; haja vista que o máximo de tempo que uma pessoa pode ficar presa, segundo o nosso código são 30 anos. A pena aplicada ao réu contará para a progressão de regime, por exemplo, que exige, segundo regra geral emanada no artigo 112 da lei 7.210/84, o cumprimento de 1/6 da pena aliado a uma certidão de bom comportamento carcerário para que o preso possa fazer jus a regime menos gravoso. Assim, se o réu é condenado a 300 anos a serem cumpridos inicialmente em regime fechado, temos: 1/6 de 300 = 50 anos. Precisará ele, então, cumprir 50 anos para que possa progredir para o semiaberto. Como só se pode ficar preso por 30 anos, passará ele os seus 30 anos no regime fechado. Conclusão: O juiz deverá encontrar, isoladamente, a pena correspondente a cada in- fração penal praticada. Depois do cálculo final de todas elas, haverá o cúmulo material, ou seja, serão as penas somadas para que seja encontrada a pena total aplicada ao sentenciado que, por sua vez, poderá somar-se a outras para efeitos de início de execução, sendo ainda possível a unificação. OBS: soma x unificação. Soma: é a simples operação matemática que tem por finalida- de reunir, adicionar, a fim de se chegar a um resultado final de todas as penas aplicadas ao condenado. Unificação: embora não deixe de ser uma soma, destina-se a afastar do total das penas aplicadas ao condenado o tempo que supere o limite de trinta anos para cumprimento de pena determinado pelo art. 75 do Código Penal. Concurso material homogêneo e heterogêneo Fala-se em concurso material homogêneo quando o agente comete dois crimes idênti- cos, não importando se a modalidade praticada é simples, privilegiada ou qualificada. Por outro lado, ocorrerá o concurso material heterogêneo quando o agente vier a praticar duas ou mais infrações penais diversas. Tal distinção não tem relevância prática, ao contrário do que ocorre com o concurso formal, que será estudado mais adiante. Concurso material e penas restritivas de direitos O § 3º do art. 69 do Código Penal assevera: “Na hipótese deste artigo, quando ao a- gente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código, sendo que o § 2º do mesmo artigo aduz que quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais”. É perfeitamente possível a ocorrência de concurso material de infrações com a aplica- ção cumulativa de penas privativas de liberdade que comportem substituição por penas restriti- vas de direito, em regime também cumulativo. Se, no entanto, em relação a uma delas, a pena privativa de liberdade não tiver sido suspensa, a substituição das demais, de acordo com o art. 44 da PG/84, torna-se inviável. Concurso formal ou ideal de crimes O art. 70 do Código Penal prevê o chamado concurso formal ou ideal de crimes, com a seguinte redação: Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resul- tam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. A regra do concurso formal foi criada a fim de que fosse aplicada em benefício dos a- gentes que, com a prática de uma única conduta, viessem a produzir dois ou mais resultados também previstos como crime. Concurso formal é, tipicamente, o realizado pela hipótese de um fato único (ação ou omissão) que viola diversas disposições legais. Teoria da unidade de delito: não obstante a lesão de várias leis penais, existe um só delito. Tese da pluralidade: a lesão de vários tipos penais significa a existência de vários deli- tos. Conforme já destacado no tópico relativo ao concurso material ou real de crimes, devemos também aqui destacar a diferença entre ato e ação. A lei penal fala em ação, que pode ser desdobrada em vários atos. Uma rajada de metralhadora, embora consistente numa única a- ção, está desdobrada em vários atos. Requisitos e consequências do concurso formal ou ideal Requisitos (art. 70, CP): a) uma só ação ou omissão; b) prática de dois ou mais crimes. Consequências: a) aplicação da mais grave das penas, aumentada de um sexto até metade; b) aplicação de somente uma das penas, se iguais, aumentada de um sexto até meta- de; c) aplicação cumulativa das penas, se a ação ou omissão é dolosa, e os crimes resul- tam de desígnios autônomos. Ex: Suponhamos que alguém, dirigindo de forma imprudente, em razão de sua velocidade excessiva, venha a capotar o seu veículo, causando a morte dos três passageiros que com ele se encontravam. Houve três resultados tipificados pela lei penal, to- dos provenientes da conduta única do agente. A conduta do agente se distingue em dolosa e culposa (exemplo da imprudência ao dirigir que ocasionou a morte de três outros passageiros). O concurso formal admite ambas as modalidades. Obs: Pode acontecer, também, que a conduta seja dirigida finalisticamente a causar a morte da vítima e, por erro na execução, o agente não só atinja a pessoa que pretendia ofen- der, como também atinja pessoa diversa. Ex: Suponhamos que A atire em direção a B com a finalidade de matá-lo. Ao acionar o gatilho de seu fuzil, o projétil atravessa o corpo de B, matando-o, mas também acerta C, que passava pelo local, causando-lhe a morte. A conduta contra B foi dolosa e com relação a C foi culposa. A última possibilidade se traduz na hipótese em que o agente, querendo os resultados, pratica uma única conduta dolosa. Imagine-se que A, querendo a morte de B e C, arremesse na direção deles uma granada que, explodindo, produz os resultados por ele pretendidos inicial mente. Como a finalidade da conduta de A era matar as duas vítimas, valendo-se de uma única conduta, será aplicada a última parte do art. 70 do Código Penal, pois, in casu, teria agido com desígnios autônomos. As consequências destacadas acima variam de acordo com a espécie de concurso formal, se homogêneo ou heterogêneo, bem como se o agente atuou com desíg- nios autônomos, conforme veremos a seguir. Concurso formal homogêneo e heterogêneo O art. 70 do Código Penal deixa antever a possibilidade de se distinguir o concurso formal em homogêneo e heterogêneo quando diz que o agente, mediante uma só ação ou o- missão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Isso quer dizer que as infrações pratica- das pelo agente podem ou não ter a mesma tipificação penal. Se idênticas as tipificações, o concurso será reconhecido como homogêneo; se diversas, será heterogêneo. Dependendo do concurso, se homogêneo ou heterogêneo, o Código Penal traz solu- ções diversas no momento da aplicação da pena. Se homogêneo, o juiz, ao reconhecer o con- curso formal, deverá aplicar uma das penas, que serão iguais em virtude da prática de uma mesma infração penal, devendo aumentá-la de um sexto até a metade se heterogêneo o con- curso, o juiz deverá selecionar a mais grave das penas e, também nesse caso, aplicar o per- centual de aumento de um sexto até metade. Concurso formal próprio (perfeito) e impróprio (imperfeito) A distinção varia de acordo com a existência do elemento subjetivo do agente ao iniciar a sua conduta. Perfeito (dolo + culpa ou culpa + culpa) - Nos casos em que a conduta do agente for culposa na sua origem, sendo todos os resultados atribuídos ao agente a esse título, ou na hipótese que a conduta era dolosa, mas o resultado aberrante lhe é imputado culposamente, o concurso será reconhecido como próprio ou perfeito. Exemplo 1: Assim, por exemplo, se alguém, imprudentemente, atropelar duas pessoas que se encontravam no ponto de ônibus, causando-lhes a morte, teremos um concurso formal próprio ou perfeito. No mesmo sentido, no caso daquele que, almejando lesionar o seu desafe- to, contra ele arremessa uma garrafa de cerveja que o acerta, mas também atinge outra pes- soa que se encontrava próxima a ele, causando-lhe também lesões, teremos uma primeira conduta dolosa e também um resultado que lhe poderá ser atribuído a título de culpa, razão pela qual esta modalidade de concurso formal será tida como própria ou perfeita. Exemplo 2: Se Tício está dirigindo e resolve responder a uma mensagem de Mévia no WhatsApp, tal que com a sua falta de atenção no trânsito atropela e mata 3 pessoas, tem-se que a este deverá ser aplicada a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas aumentada de 1/6 a 1/2. Exemplo 3: Se Tício querendo matar Mévia atira contra ela, porém a bala de maneira extraordinária atravessa seu corpo, causando a sua morte, e atinge Caio, causando-lhe uma lesão corporal, responderá Tício pela morte de Mévia (crime mais grave), sendo a sua pena aumentada, também, de 1/6 a 1/2. OBS: O professor Cézar Augusto não acredita em certa corrente que tenta matematizar o concurso formal próprio, tal que esta foi tratada pelo monitor da seguinte forma: Se se tem um crime principal (mais grave) e mais um crime = soma-se 1/6 Se se tem um crime principal (mais grave) e mais dois crimes = soma-se 1/5 Se se tem um crime principal (mais grave) e mais três crimes = soma-se 1/4 Se se tem um crime principal (mais grave) e mais quatro crimes = soma-se 1/3 Se se tem um crime principal (mais grave) e mais cinco crimes = soma-se 1/2. Tal que este é o máximo. Imperfeito (dolo + dolo) - é aquela contida na parte final do caput do art. 70 do Código Penal, em que a lei penal fez prever a possibilidade de o agente atuar com desígnios autôno- mos, querendo, dolosamente, a produção de ambos os resultados. Ex: Judeus postos em fila para serem mortos com um único disparo de fuzil. Desígnio autônomo quer dizer, portanto, que a conduta, embora única, é dirigida finalisticamente, vale frisar, dolosamente, à produção dos resultados. Quanto ao concurso formal impróprio ou imperfeito, pelo fato de ter o agente atuado com desígnios autônomos, almejando dolosamente a produção de todos os resultados, a regra será a do cúmulo material, isto é, embora tenha praticado uma conduta única, produtora de dois ou mais resultados, se esses resultados tiverem sido por ele queridos inicialmente, em vez da aplicação do percentual de aumento de um sexto até metade, suas penas serão cumuladas materialmente. Concurso material benéfico Como dissemos, as regras do concurso formal foram criadas em benefício dos agentes que, por intermédio de uma conduta única, produziram dois ou mais resultados incriminados pela lei penal. Caso a opção tivesse recaído sobre o cúmulo material, tal como no art. 69 do Código Penal, as penas correspondentes a cada infração penal deveriam ser cumuladas mate- rialmente. Em virtude desse raciocínio, o parágrafo único do art. 70 do Código Penal ressalvou que a pena não poderá exceder a que seria cabível pela regra do art. 69. Isso quer dizer que, no caso concreto, deverá o julgador, ao aplicar o aumento de pena correspondente ao concurso de crimes, aferir se, efetivamente, a regra do concurso formal está beneficiando ou se, pelo contrário, está prejudicando o agente. Assim, no caso concreto, deve- rá o julgador analisar se, efetivamente, a regra do concurso formal beneficia o agente, pois, caso contrário, nos termos do parágrafo único do art. 70 do Código Penal, terá aplicação o cúmulo material. Exemplo: se Tício comete dois crimes (um culposo é um doloso) tal que pelo mais gra- ve é condenado por 6 anos e pelo menos grave por 3 meses, vê-se: a) Cumulando-se as penas ter-se-á um total de 6 anos e 3 meses de privativa de liber- dade. b) Exasperando-se as penas (tal que esta é a regra para o concurso formal próprio ou perfeito) ter-se-á um total de 7 anos (no mínimo). Haja vista que cumular as penas privativas de liberdade é mais favorável ao réu, assim o juiz deverá prosseguir. OBS: apenas os seguintes crimes podem se apresentar na modalidade culposa: homi- cídio, lesão corporal e interceptação. Todos os demais só se apresentam na modalidade dolo- sa. Crime continuado Previsto no art. 71, CP: Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, apli- ca-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violên- cia ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumen- tar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, obser- vadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código. O crime continuado deverá ser aplicado sempre que beneficiar o agente, devendo-se desprezá-lo quando a ele for prejudicial, conforme determina a última parte do parágrafo único do art. 71 do Código Penal. Entretanto, a súmula 605 do STF lê: “Não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida”. Requisitos e consequências do crime continuado Requisitos (art. 71, CP): a) mais de uma ação ou omissão; b) prática de dois ou mais crimes, da mesma espécie; c) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes; d) os crimes subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro. e) unidade de desígnio (critério subjetivo do crime continuado – vontade do agente de materializar aqueles crimes cometidos). Consequências: a) aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada de um sexto a dois terços; b) aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada de um sexto a dois ter- ços; c) nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave a- meaça à pessoa, aplicação da pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada até o triplo; d) nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada até o triplo. Crimes da mesma espécie O agente pode, mediante mais de uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes da mesma espécie. A primeira dúvida que se apresenta pela redação do artigo em estudo é justamente saber o que significa crimes da mesma espécie. A primeira posição considera como crimes da mesma espécie aqueles que possuem o mesmo bem juridicamente protegido. Assim, furto e roubo seriam da mesma espécie. A segunda posição aduz que crimes da mesma espécie são aqueles que possuem a mesma tipificação penal, não importando se simples, privilegiados ou qualificados, se tentados ou consumados. Cada ação deve fundamentalmente constituir a realização punível do mesmo tipo legal, isto é, essas ações repetidas devem representar dois ou mais crimes da mesma espécie, podendo reunir-se a forma consumada com a tentativa, a forma simples com a agra- vada. Os bens jurídicos podem ter o mesmo ou diverso titular. Ao contrário, portanto, da posição anterior, para esta não poderia haver continuidade entre furto e roubo, uma vez que tais infrações penais encontram moldura em figuras típicas diferentes. Na verdade, embora se possa encontrar alguma decisão em contrário, a posição majoritária de nossos Tribunais Superiores é no sentido de considerar como crimes da mesma espécie aqueles que tiverem a mesma configuração típica (simples, privilegiada ou qualificada). Condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes Exige o art. 71 do Código Penal que o agente atue em determinado tempo, a fim de que sejam aplicadas as regras relativas ao crime continuado. Também com relação a esse ponto existe divergência doutrinária e jurisprudencial, em razão da ausência de um critério rígi- do para a sua aferição, pois, como mensurar essa quantidade de tempo, com base em quais critérios? Este problema é de difícil solução. Não se pode realizar análise meramente aritméti- ca, mas entre os crimes deve mediar tempo que indique a persistência de um certo liame psí- quico que sugira uma sequência entre os dois fatos. Não há, portanto, como determinar o número máximo de dias ou mesmo de meses pa- ra que se possa entender pela continuidade delitiva. Deverá, isto sim, segundo entendemos, haver uma relação de contexto entre os fatos, para que o crime continuado não se confunda com a reiteração criminosa (o STF fala em 30 dias para afastar dois crimes como continuação o segundo do primeiro). A nosso ver, da mesma forma que o critério temporal, no que diz respeito ao critério espacial deverá haver uma relação de contexto entre as ações praticadas em lugares diversos pelo agente, seja esse lugar um bairro, cidade, comarca ou até Estados diferentes. Nada impe- de que um grupo especializado em roubo a bancos, por exemplo, resolva, num mesmo dia, praticar vários assaltos em cidades diferentes que, embora vizinhas, não pertençam ao mesmo Estado. O critério, contudo, não é tão simples como se possa imaginar. O agente, embora pos- sa ter um padrão de comportamento, nem sempre o repetirá, o que não poderá impedir o reco- nhecimento da continuidade delitiva, desde que, frisamos mais uma vez, exista uma relação de contexto, de unicidade entre as diversas infrações penais. Permite o Código Penal, ainda, o emprego da interpretação analógica, uma vez que, após se referir às condições de tempo, lu- gar e maneira de execução, apresenta outras semelhantes. Crimes subsequentes tidos como continuação do primeiro Exige o art. 71 do Código Penal, ainda, que, em razão das condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como conti- nuação do primeiro, ou seja, as infrações penais posteriores devem ser entendidas como con- tinuação da primeira. A teoria sobre reconhecimento de crimes subsequentes como continuação do primeiro que mais se adéqua ao ordenamento jurídico brasileiro é a teoria objetivo-subjetiva, que afirma que deverão ser consideradas não só as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, como também a unidade de desígnio ou relação de contexto entre as a- ções criminosas. Análise de um exemplo: Se, por exemplo, determinado agente, como se tem verificado ultimamente pelos noticiários jornalísticos, pretender roubar todas as agências bancárias de uma pequena cidade do interior, pois chegou ao seu conhecimento de que nela não havia um policiamento adequado e, assim, conseguir subtrair valores de três agências diferentes, é pos- sível visualizar nessa hipótese uma relação de contexto ou uma unidade de desígnio. Ou seja, as três infrações penais praticadas estavam interligadas; a finalidade era a de levar a efeito, num único dia, os três roubos. Permite-se, aqui, primeiramente pela teoria da ficção jurídica, entender que os fatos fo- ram cometidos numa relação de contexto, pois, segundo a teoria objetivo-subjetiva, estavam presentes, in casu, os requisitos de ordem objetiva (condições de tempo, lugar e maneira de execução), além do necessário requisito de natureza subjetiva (a unidade de desígnio). Outra análise com exemplo: Suponhamos que determinado agente tenha praticado um delito de roubo numa agência bancária localizada em Belo Horizonte. Dias mais tarde, depois de ter consumido com todos os valores por ele subtraídos, resolve levar a efeito nova emprei- tada criminosa, vindo a roubar valores de outra agência, na mesma cidade. Pergunta-se: Qual a unidade de desígnio ou a relação de contexto que se pode visua- lizar entre as duas infrações apontadas? Obviamente que nenhuma, razão pela qual não pode- rá ser beneficiado com a ficção jurídica do crime continuado. Crime continuado e concurso material benéfico Bem como no concurso formal perfeito, tem-se que diante de um crime continuado de- ve-se fazer a conta deste e a do concurso material. Caso o cenário resultante do concurso material seja mais benéfico ao réu do que o resultado que seria obtido com o crime continuado, cumular-se-á a pena. Crime continuado e novatio legis in pejus O STF tem decidido reiteradamente no sentido de que a lei posterior, mesmo que mais gravosa, será aplicada a toda cadeia de infrações penais, conforme se verifica pelos julgados abaixo colacionados, posição com a qual nos filiamos, haja vista que, mesmo conhecedores da nova lei penal, os agentes que, ainda assim, insistiram em cometer novos delitos deverão ser responsabilizados pelo todo, com base na lei nova. Nesse sentido, de acordo com a Súmula n° 711: "Se o paciente praticou a série de cri- mes sob o império de duas leis, sendo mais grave a posterior, aplica-se a nova disciplina penal a toda ela, tendo em vista que o delinquente já estava advertido da maior gravidade da sanção e persistiu na prática da conduta delituosa". A lei penal mais grave aplica-se ao crime continua- do ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Diferença entre crime habitual e crime continuado Crime habitual = cada um dos episódios agrupáveis não é punível em si mesmo; so- mente a pluralidade de atos é um elemento do tipo, tal como o exercício ilegal da medicina, que deve ser cumprido habitualmente. Crime continuado = de fato, três furtos (em crime continuado) podem ser um só delito, mas isso não ilide o fato de que cada furto é um delito (punível) em si mesmo. Decoreba (concurso de crimes): I - Concurso material = cumula = soma II - Concurso formal perfeito = exaspera de 1/6 a 1/2 (ou cumula) III - Concurso formal imperfeito = cumula = soma IV - Crime continuado = exaspera de 1/6 a 2/3 (ou cumula). ERRO DE TIPO Sabemos que o Direito Penal tem como objetivo proteger os bens jurídicos mais impor- tantes e para que isso ocorra, é necessária a aplicação de uma sanção penal, respeitando o Princípio da Legalidade (nullum crimen sine lege), que descreva abstratamente (lei genérica e abstrata) os elementos da conduta lesiva. Tipo é, portanto, o padrão de conduta que o Estado, por meio da lei, visa impedir. O Erro é a falsa percepção ou equívoco conhecimento da realidade. Desta forma, o er- ro de tipo recai sobre as elementares circunstâncias ou qualquer dado da figura típica, sejam os pressupostos do fato (preceito primário) ou os dados secundários da norma penal incrimina- dora. O erro ocorrerá quando alguém não conhece, ou supõe a ausência de elemento ou cir- cunstância da figura típica incriminadora. “Quem atua não sabe o que faz”. O agente atua ins- ciente de sua conduta. Exemplo clássico: caçador dispara sua arma acreditando matar um animal, vindo, con- tudo, a causar a morte de outra pessoa. Há aqui um erro quanto à elementar “alguém” do artigo 121, caput, CP. Não há aqui o dolo, a intenção de produzir esse resultado. Exemplo: subtrair coisa alheia acreditando ser própria. O agente supôs inexistente a elementar alheia do artigo 155, caput, CP. Há duas modalidades do Erro de Tipo: essencial e acidental. Erro de Tipo Essencial O erro recai sobre elementares, a falsa percepção impede a compreensão da natureza criminosa do fato, sobre os dados da figura típica. O agente julga lícita sua conduta. Apresenta- se sob duas formas: invencível (ou escusável) e vencível (ou inescusável). Invencível (ou escusável) Qualquer pessoa incidiria em erro, mesmo se tomasse todas as cautelas necessárias incorreria naquele erro. Era impossível evita-lo e, por isso, afasta-se o dolo, assim como a cul- pa, tornando o fato atípico. Aplica-se a primeira parte do artigo 20, caput, CP. Vencível (ou inescusável) O agente não responde pelo resultado a título de dolo já que ele não tinha essa vonta- de, sequer consciência. Contudo, pode a ele ser imputado o resultado a título de culpa, se hou- ver essa previsão legal para a conduta praticada. O resultado poderia ser evitado se o agente tivesse mais diligência, o homem médio não cometeria o erro em que incidiu o sujeito aqui e, por isso, o erro resulta de negligência, imprudência. Aplica-se a segunda parte do artigo 20, caput, CP. Erro de Tipo Acidental O agente sabe que atua ilicitamente, há a consciência da antijuridicidade, ele apenas se engana quanto a um elemento não essencial do fato, ou erra no seu movimento de execu- ção. Incide sobre dados acidentais e mesmo que o erro não existisse, ainda sim a conduta seria ilícita. O Erro Acidental não tem o condão de excluir o dolo (ou dolo e culpa) do agente. Ele não impede o sujeito de compreender o caráter ilícito de seu comportamento. O agente age consciente da antijuridicidade de sua conduta, mas engana-se a respeito de um dado não es- sencial ao delito ou erra quanto à sua maneira de execução. Possui cinco casos: Erro Sobre o Objeto (Error in Objecto); Erro Sobre a Pessoa (Error in Persona); Erro na Execução (Aberratio Ictus); Resultado Diverso do Pretendido (Aberratio Criminis) e Erro Sobre o Nexo Causal (Aberratio Causae). Os três últimos são os chamados “crimes aberrantes”. Erro Sobre o Objeto (Error in Objecto) Não há nenhuma norma penal dispondo sobre isso. Ocorre, por exemplo, quando o agente, agindo com a intenção de furtar (animus furandi) uma pulseira que supunha ser de ouro, quando na verdade não passava de uma mera bijuteria. Ou outro exemplo: agente rouba saco que supunha ser de arroz, quando na verdade era de farinha. O erro aqui, recai-se sobre objeto a que se destina a conduta do agente, sendo, assim, irrelevante. Erro Sobre a Pessoa (Error in Persona) Artigo 20, §3º, CP: O agente não erra sobre qualquer elementar, circunstância ou qualquer outro dado que se agregue à figura típica. O agente atinge pessoa diversa da que pretendia ofender, o erro está na identificação da vítima. O erro não exclui o crime porque a norma penal não tutela uma única pessoa somente, mas todas as pessoas. Não se conside- ram, por isso, as qualidades da vítima, mas sim da pessoa que se pretendia praticar o crime. Exemplo 1: o agente queria praticar um crime de homicídio contra seu próprio irmão, mas ao atingir o vulto que acreditava ser deste, atinge um terceiro, que vem a falecer. Aplica-se aqui a agravante genérica do artigo 61, II, e, CP. Exemplo 2: Tício queria praticar um crime de homicídio contra Mévio, mas atinge seu próprio pai, por confundi-lo com aquele. Sobre o fato não incidirá a agravante genérica do arti- go 61, II, e, CP. A Aberratio Ictus e a Aberratio Criminis são chamadas pela doutrina de Crimes Aberrantes. Erro na Execução (Aberratio Ictus) Previsto no artigo 73, CP. Erro de execução pessoa a pessoa: Ocorre um acidente, um erro no uso dos meios de execução. Há um erro de pontaria, um desvio da trajetória do projétil porque alguém esbarrou no braço do agente no momento do disparo, defeito na arma, movimento da vítima que escapa. Por isso, o erro ocorre sobre o mesmo bem jurídico, qual seja, a pessoa, há então a possibilidade de incialmente o agente pretender causar um homicí- dio em seu pai, mas vir a causar em outra pessoa, ou ainda, pretender o homicídio, mas vir a causar uma lesão corporal. É o caso do agente que querendo causar a morte do seu desafeto, atira contra ele e, errando o alvo, fere e mata outra pessoa que passava por ali. Faremos, então, a substituição da pessoa atingida por aquele que deveria ter sido, conforme o artigo 20, §3º, CP. Se, no en- tanto, ainda agindo com dolo de matar, atingir terceira pessoa e apenas lhe causar algumas lesões corporais, responderá por tentativa de homicídio. A diferença entre o Erro na Execução e o Erro Sobre a Pessoa ocorre do fato de que neste, a vontade do agente está viciada, ele atira em uma determinada pessoa acreditando ser outra, não há concordância entre a realidade do fato e a vontade do agente. No Erro na Execu- ção, não existe viciamento da vontade no momento de realização do fato, mas erro ou acidente no emprego dos meios de execução do delito. Entretanto, só falamos até agora da possibilidade de um único resultado (aberratio ictus com unidade simples), mas pode ser que o agente atinja a pessoa contra a qual não estava atingindo sua conduta, como também para outra e assim, produz-se um outro resultado (aber- ratio ictus com unidade complexa). Aplica-se nesse caso a regra do Concurso Formal de Cri- mes. Imaginemos que o agente pretendia matar Antônio, mas venha também a atingir Pedro, ocorrem, então, possibilidades: Exemplo 1: O agente mata Antônio (dolosamente) e também Pedro (culposamente). Responderá pela regra do Concurso Formal de Crimes, Crime de Homicídio Doloso com a pena aumentada em 1/6 até a metade. Exemplo 2: O agente mata Antônio (dolosamente) e fere Pedro (culposamente). Há também um concurso de crimes, devendo responder o agente pelo homicídio doloso, aumen- tando-se a pena de um sexto até metade. Exemplo 3: O agente fere Antônio (dolosamente) e Pedro (culposamente): há dois cri- mes, Tentativa de Homicídio e Lesão Corporal Culposa. Responde o agente pelo crime de tentativa de homicídio, tendo sua pena aumentada de um sexto até a metade. Exemplo 4: O agente mata Pedro (culposamente) e fere Antônio (dolosamente). Há dois crimes: homicídio culposo contra Pedro e tentativa de homicídio contra Antônio. Como o agente de fato matou Pedro, é como se tivesse matado Antônio (vítima pretendida, de fato), por isso, responderá por homicídio doloso, acrescido de um sexto até a metade. Resultado Diverso do Pretendido (Aberratio Criminis ou Delictis) Artigo 74, CP. Erro de Execução Pessoa a Coisa ou Coisa a Pessoa: O artigo 74, CP, contudo, será aplicado na hipótese de erro de coisa para pessoa. Na hipótese de erro de pessoa para coisa, será mantido o dolo do agente, ele será por ele responsabilizado e não pelo resultado produzido. Crime aqui obtido é diferente do crime pretendido. Exemplo: se “A” arremessa uma pedra contra um carro com a finalidade de destruí-lo e, no entanto, erra o alvo, acertando um transeunte, de acordo com o artigo 74, CP, devemos desprezar o dolo inicial do agente, qual seja, o dano e o responsabilizaremos pelo resultado por ele obtido a título de culpa, devendo assim, responder pelo homicídio ou pelas lesões cor- porais causadas culposamente. Agora, em uma situação inversa, o erro ocorrerá de uma pessoa a uma coisa quando, querendo o agente querendo atingir Mévio, arremessa-lhe uma pedra, mas erra o alvo e atinge a vitrine de uma loja, destruindo-a culposamente. Neste caso, desprezaremos o resultado, que é atípico e faremos com que o agente responda por seu dolo. Portanto, se a conduta era dirigi- da para causar a morte da vítima, o agente responderá por Tentativa de Homicídio. Se a con- duta era dirigida para provocar Lesões Corporais na vítima, será responsabilizado por tentativa de Lesão Corporal. Esse raciocínio é necessário porque a destruição culposa é um fato não previsto pelo CP (não há Dano Culposo), o que o conduziria a uma situação de atipicidade do fato, o que é inconcebível. E havendo o agente produzido dois resultados? Se for o caso da produção de um resultado contra uma pessoa que o agente queria produzir e outro contra uma coisa, de forma culposa, como não há dano culposo, não há que se falar em Concurso Formal de Crimes, apli- cando-se somente a pena do crime contra a pessoa. No entanto, se a finalidade era causar o dano e o agente culposamente também atingir uma pessoa permite-se a aplicação da regra do Concurso Formal de Crimes, previsto pelo artigo 70, CP, devendo o julgador selecionar a pena mais grave e sobre ela aplicar o aumento de um sexto até a metade. Erro Sobre o Nexo Causal (Aberratio Causae) O dolo geral ocorre quando o agente tem uma vontade inicial que julga ter atingido, e também pratica segunda ação com propósito diverso (normalmente ação com que busca enco- brir o fato) e só então obtém efetivamente seu objetivo inicial. Exemplo 1: mata com facadas seu desafeto e joga o suposto corpo no mar para ocultar o fato, contudo, a perícia afirma que a morte foi por afogamento. O agente, de qualquer forma responde pelo resultado, no caso, responde por Homicídio Doloso porque o dolo acompanhou toda sua ação até a efetivação do resultado desejado, contudo, não lhe será imputado o crime de ocultação de cadáver pois, ele errou no nexo causal, pretendia matar com facadas, mas, de fato, matou ao jogar o corpo no mar. Desta forma, o resultado pretendido inicialmente pelo agente pode vir de uma causa diversa por ele não cogitada. Exemplo 2: o agente querendo matar seu inimigo o joga da Ponte Rio Niterói para que a vítima morra por afogamento e, no entanto, a vítima choca-se em uma das vigas, morrendo por traumatismo craniano. Mesmo que a causa determinante do resultado não seja a pretendi- da pelo agente, não sendo até mesmo por ele cogitada, responderá pelo seu dolo inicial. APLICAÇÃO DA PENA Pena é a consequência imposta pelo Estado quando alguém pratica uma infração pe- nal. Quando alguém pratica um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de fazer valer o seu ius puniendi, seu direito de punir, pois tem o monopólio da punição. A pena só é exercida quando nenhum outro ramo do direito é capaz de solucionar o problema em questão. Há uma distinção a ser analisada entre pena cominada e a pena aplicada: PENA COMINADA = aquela determinada abstratamente pelo legislador ao redigir o ti- po penal. PENA APLICADA = depende da aplicação da pena no caso concreto, que deve ser fei- ta a partir de critérios e princípios. As penas não devem ser iguais ou tarifadas uma vez que deve haver a manutenção da segurança jurídica. Deve ser aplicada a partir da razoabilidade e da proporcionalidade, para que seja possível chegar a uma pena justa. O juiz deve sempre fundamentar sua decisão, ex- pondo seus critérios, conforme o princípio da motivação, positivado no art. 93, IX, CF. Outra garantia fundamental é a individualização da pena (art. 5º, XLVT, CP), que significa que é ne- cessário seguir certas etapas e critérios para aplicarmos a pena justa, e com isso cada sujeito receberá a pena na medida de sua culpabilidade. O instrumento processual que faz a pena surgir é a sentença. OBS: O professor sugere que se inicie o texto da aplicação de pena da seguinte manei- ra: “Obedecendo o critério constitucional da individualização da pena e o critério trifásico ado- tado pelo legislador, passo a aplicar a pena...” OBS²: Diz o professor que não há uma pena rígida ou resposta certa no que tange apli- cação de pena, mas tudo deve ser fundamentado uma vez que o que interessa é a argumenta- ção. OBS³: Segundo o professor Cézar, a sentença, para ser completa, deve passar pelas seguintes etapas: introdução, primeira fase, segunda fase, terceira fase, tipo de pena, regime inicial, substituição de pena, fixação de multa, sursis e medidas de segurança, caso seja cabí- vel. Cada uma dessas etapas será discorrida neste material, e no final do mesmo, há modelos de sentenças criadas a partir de questões elaboradas pelo próprio professor. Com a finalidade de orientar o julgador neste momento tão importante que é o da apli- cação da pena, a lei penal traçou uma série de etapas que, obrigatoriamente, deverão ser por ele observadas, sob pena de nulidade. Além disso, a pena encontrada pelo julgador deve ser proporcional ao mal produzido pelo condenado, sendo, pois, na definição do Código Penal (art. 59, parte final), aquela neces- sária e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime. Cálculo da pena O art. 68 do Código Penal determina que a pena será aplicada observando-se três fa- ses distintas: 1) indicar a pena base, dentro dos limites estipulados pelo legislador e que são usados como base de cálculo para demais fases 2) considerar circunstâncias atenuantes e agravantes 3) considerar causas de diminuição e de aumento Primeira fase: fixação da pena-base A primeira fase consiste na fixação de pena base a partir da análise de circunstâncias judiciais previstas no art. 59, CP: a) culpabilidade - juízo de reprovação que recai sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente. Vimos que é um elemento integrante do conceito tripartite de crime (fato típico, ilícito e culpável), sendo, portanto, imprescindível sua constatação para aplicação de pena, e possui três elementos: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de con- duta diversa. Contudo devemos destacar que, para fins de cálculo de pena base, devemos fazer dis- tinção entre duas formas de analisar a culpabilidade: a primeira forma seria analisar a culpabili- dade para verificar se houve configuração do crime, fato que permite que o juiz aplique uma pena. A segunda forma de análise seria, enquanto calcula a pena base, aferir o quanto o grau de reprovação da conduta deve influenciar na quantidade de pena a ser aplicada. Na primeira fase de aplicação de sentença, devemos nos atentar para a segunda forma de análise de cul- pabilidade, na qual a culpabilidade não é requisito para configuração de crime, mas circunstân- cia judicial. b) aos antecedentes - histórico criminal do agente, de condenações anteriores com trânsito em julgado que não se preste para efeitos de reincidência. O art. 64 do CP, que trata sobre reincidência, diz que esta é o cometimento de novo crime após sentença transitada em julgado que condene um indivíduo por crime anterior, mes- mo que esse crime anterior e o novo crime praticado não sejam iguais ou similares. Contudo, ela prescreve se o crime foi cometido após haver passado 5 anos do cumpri- mento e extinção da pena. Qualquer crime anterior praticado fora desse prazo não pode ser considerado reincidência, mas pode ser considerado maus antecedentes. Problematização trazida pelo professor Cézar: Se após determinado prazo a reincidên- cia não pode ser configurada, e essa é considerada mais grave, porquê deve-se majorar a pena-base para crime antigo nos maus antecedentes, que é menos grave que a reincidência? OBS: Embora o STJ, por meio de sua súmula 444, não reconhece o uso de inquéritos policiais e ações penais em aberto como maus antecedentes, mas apenas sentenças condena- tórias transitadas em julgado; há controvérsias entre as posições demonstradas pelos Ministros do STF, em um momento afirmando que sim (AI 604.041 AgR/RS), em outro momento afir- mando que não (HC 84.687/MS). OBS²: A recusa em reconhecer inquéritos policiais e ações penais em aberto como maus antecedentes também pode ser fundamentada por meio do princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5°, LVII, CF. OBS³: se for desconsiderar os maus antecedentes em vista da reincidência, sinalizar na resposta! c) conduta social - comportamento do agente perante a sociedade, no que tange ao seu relacionamento com seus pares, temperamento (calmo ou agressivo), se possui algum vício, ou qualquer outro comportamento habitualmente manifesto em sociedade. Não se confunde com antecedentes, porque estes só são verificáveis em registros pe- nais, enquanto a conduta social é verificada mediante as ações de um indivíduo em seu conví- vio social que, inclusive, nem sempre configuram crimes. d) personalidade do agente - complexo de características individuais próprias, adquiri- das, que determinam ou influenciam o comportamento do sujeito. Não é um conceito jurídico, o que torna o julgador incapaz de aferi-lo, sendo tal competência de profissionais de saúde (psi- cólogos, psiquiatras, terapeutas etc.) e) motivos do crime - razões que antecederam e levaram o agente a cometer a infração penal. OBS: se os motivos do crime já estiverem previstos em lei como fator de agravo de pe- na, esses motivos não poderão ser utilizados para fazer com que a pena base esteja acima de seu mínimo. Considerar um mesmo fator por mais de uma vez de forma equivocada configura uma ocorrência de bis in idem, que deve ser evitada. Por exemplo, de acordo com o art. 121, CP, o crime de homicídio deve ser punido com pena entre 6 a 20 anos. Mas, se o homicídio foi cometido por motivo fútil, a lei prevê que a pena a ser aplicada deve ser de 12 a 30 anos. Logo, o motivo classificado como fútil não pode ser considerado como circunstância judicial para aumentar a pena base mínima de 12 anos fixada previamente pelo legislador, pois a pena mínima cominada já abrange a consideração da futilidade do motivo. f) circunstâncias do crime - são elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo, mas que agravam ou abrandam a pena. As circunstâncias a serem consi- deradas na fixação de pena base não se confundem com as circunstâncias legais (atenuantes e agravantes, previstos nos arts. 61 a 65, CP), mas se referem às circunstâncias não especifi cadas em nenhum texto legal, mas que devem ser consideradas, tais como lugar do crime, o tempo de sua duração, o relacionamento existente entre o autor e vítima, a atitude assumida pelo delinquente no decorrer da realização do fato criminoso, etc. g) consequências do crime - dado muito relevante a ser analisado, e bastante entrela- çada com a razoabilidade. Não devemos aplicar a mesma pena base para um crime de homi- cídio de uma pessoa solteira sem filhos e o homicídio de uma pessoa também solteira, porém com filhos pequenos que dependam de seu sustento para sobreviverem. h) comportamento da vítima - contribuição da vítima para o cometimento da infração penal pelo agente, não como coautora ou partícipe, mas por meio de seu comportamento no caso concreto que pode ter influenciado, em seu próprio prejuízo, a ação do autor do crime. Um exemplo seria o caso em que o comportamento de uma pessoa de forma muito irri- tante ou inconveniente leva outra pessoa a agredi-la. A agressão ocorreu apenas em função do comportamento da vítima. Outro exemplo seria um caso em que um motorista, dirigindo em velocidade por uma rodovia, atropela uma pessoa que atravessava a rodovia em local inadequado. Nesse caso, houve culpa de ambos, tanto agente quanto vítima. A existência de culpa da vítima é um fator benéfico ao cálculo da pena base imputada ao agente. OBS: Similarmente ao que já foi discorrido sobre o item “e” (motivos do crime), se a culpa da vítima já estiver prevista em lei como fator de diminuição da pena, ela não poderá ser considerada como circunstância judicial que abrande a pena base (exemplo: homicídio em geral é punido com pena de 6 a 20 anos, mas se foi cometido sobre domínio de violenta emo- ção causada por provocação injusta da vítima, a pena é reduzida de um sexto a um terço). Logo, considerar a culpa nesses casos também incorre em bis in idem. Cada uma dessas circunstâncias judiciais deve ser analisada e valorada individualmen- te, não podendo o juiz simplesmente se referir a elas de forma genérica. Caso alguma seja desconsiderada, deve ser motivada a razão pela qual houve a desconsideração. OBS. IMPORTANTE: A pena base fixada na primeira fase não pode exceder os limites máximo e mínimo da pena cominada pelo legislador. Segunda fase: fixação da pena provisória A segunda fase consiste em, depois de fixar a pena-base, considerar as circunstâncias atenuantes e agravantes, previstas na Parte Geral do Código Penal (arts. 61 a 65). Essas circunstâncias são dados periféricos que em nada interferem na definição jurídi- ca da infração penal, mas têm por finalidade diminuir ou aumentar a pena aplicada ao senten- ciado. O Código Penal não fornece um quantum para fins de atenuação ou agravação da pe- na, ao contrário do que ocorre com as chamadas causas de diminuição ou de aumento. Para elas, o Código Penal reservou essa diminuição ou aumento em frações. Pela falta de critérios estabelecidos por lei penal, devemos fazer uso da razoabilidade para fixar aumento ou diminuição causados por circunstâncias agravantes ou atenuantes. A doutrina tem entendido que "razoável" seria agravar ou atenuar a pena-base em até um sexto, pelo fato de que este é o limite mínimo das causas de diminuição e de aumento de pena (que possuem, a juízo da própria doutrina, maior intensidade que os agravantes e atenuantes, não sendo razoável, portanto que haja a possibilidade de que essas circunstâncias possam ter uma alteração na pena de peso maior que as causas de diminuição e aumento). Circunstâncias agravantes Estão previstas nos arts. 61 e 62, CP (devido ao fato de serem muitas hipóteses, para que não haja extensão demasiada deste resumo, sugere-se a leitura dos dispositivos no Códi- go Penal). Deve ser observada a ressalva contida no art. 61, que assevera serem circunstâncias que agravam a pena aquelas por ele elencadas, desde que não constituam ou qualifiquem o crime. Por exemplo, um delito de homicídio qualificado pelo motivo torpe, esse fato que o quali- ficou, mesmo fazendo parte do rol das circunstâncias agravantes (art. 61, II, a, do CP), não poderá fazer com que a pena seja aumentada no segundo momento de sua aplicação. Também merece destaque o fato de que o rol das circunstâncias agravantes é taxativo, não podendo ser ampliado, sob pena de violar o princípio da reserva legal. Dentre as circunstâncias agravantes, daremos mais relevância para a questão da rein- cidência, que cabe analisar mais a fundo. As demais circunstâncias podem ser bem compreen- didas por meio de leitura no CP. Reincidência Possui 3 fatores indispensáveis para sua configuração: 1) prática de crime anterior; 2) trânsito em julgado da sentença condenatória; 3) prática de novo crime, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Não se pode cogitar essa circunstância agravante se a infração penal anterior ou pos- terior consistir em
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