Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB121 Aula 11 Gestação e Funcionamento Da Economia Cafeeira (Século XIX) Objetivos da Aula Os objetivos desta aula visam abordar o tema da formação e do desenvolvimento da agricultura cafeeira no século XIX, no Brasil, a partir da compreensão dos seguintes parâmetros fundamentais: (i) como e porque ocorreu sua formação; (ii) quais as especificidades de seu funcionamento; (iii) e quais as semelhanças e diferenças com outro ciclo econômico: o da agromanufatura açucareira. Ao final desta aula, você deverá estar apto a compreender a sociedade e economia brasileira no século XIX, além disso deverá saber como correlacionar e comparar os vários ciclos histórico- econômicos brasileiros. Caro aluno: Vamos nos dedicar, nesta aula, ao estudo da gestação e funcionamento da economia cafeeira. Procuraremos responder a algumas questões, dentre as quais: como e porque surgiu a agricultura do café no Brasil? Como e onde ocorreu seu desenvolvimento? Porque esta agricultura adquiriu tanta importância na história econômica do Brasil? E quais as semelhanças e diferenças com outros ciclos econômicos brasileiros? Para isto, faremos a leitura de alguns textos necessários. Procure lê- los, anotando os fatos, os processos, as principais características, bem Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB122 como os períodos e outros aspectos que julgar importante de acordo com o referencial do texto. Os textos serão os seguintes: 1º Texto: Expansão do café e problemas econômico-financeiros 2º Texto: Gestação da economia cafeeira Vejamos agora o primeiro texto em questão. Expansão do café e problemas econômico- financeiros 1.Formação da Agricultura Cafeeira Quando, no começo do século XVIII, o café foi introduzido no Brasil, a infusão feita com os frutos desta planta já era conhecida e apreciada na Europa, onde rivalizava com o chá e com outras bebidas estimulantes. Não sabemos exatamente a origem do café que veio pra cá, nem a data exata de sua introdução em nosso país. Hipóteses sem confirmação documental indicam Melo Palheta como o possível protagonista desta empreitada, e o ano de 1727 como a possível data, para este fato. No velho mundo, no entanto, a coffea arabica já tinha certa penetração, como produto de luxo, sendo indicada como paliativo para várias enfermidades: “seca todo o humor frio, expulsa os ventos, fortifica o fígado, alivia os hidrópicos pela sua qualidade purificante, igualmente soberana contra a sarna e a corrupção do sangue, refresca o coração e o bater vital dele; alivia aqueles que têm dores de estômago e que têm falta de apetite; é igualmente bom para as indisposições frias, úmidas ou pesadas do cérebro... O fumo que sai dela (vale) contra as defluxões dos olhos e os barulhos dos ouvidos, é soberana também para a respiração curta, para as constipações que atacam o pulmão, as dores nos rins, os vermes; alívio extraordinário após ter bebido Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB123 demasiadamente ou comido. Não há nada melhor para os que comem muita fruta”¹, como dizia um anúncio parisiense. Em breve, as casas onde era servido (os cafés), passaram a ser uma espécie de ponto de encontro dos elegantes e dos intelectuais de Paris, Londres e outras cidades. Locais onde se tomava uma taça de fumegante Mokka, enquanto se discutia política e filosofia, criticava- se Bousset, e lia-se Rousseau e Adam Smith. Mas, o café chegara ao Brasil em má hora. A mineração atraía a maior parte do capital e da mão-de-obra disponíveis, pouco sobrando para as atividades de lavoura. “Apesar de sua relativa antiguidade no país... a cultura do café não representa nada de apreciável até os primeiros anos do século passado. Disseminaram-se largamente no país, do Pará a Santa Catarina, do litoral até o interior (Goiás); mas apesar desta larga área de difusão geográfica, o cafeeiro tem uma expressão mínima no balanço da economia brasileira. Sua cultura destina-se, aliás, mais ao consumo doméstico nas fazendas e propriedades em que se encontra...Comercialmente, seu valor é quase nulo.”² Somente no começo do século XIX, quando o renascimento das atividades agrícolas no Brasil ocorreu, é que o café começou a projetar- se como um produto economicamente importante para o país. Mesmo assim, neste período ainda não mostrava a força de expansão que teria a partir da década de 1830 (43,8%), uma vez que o açúcar e o algodão até então apareciam como os dois produtos de exportação fundamentais para o comércio exterior brasileiro. Até o fim do século XVIII, os dois grandes núcleos controladores do mercado mundial de café eram Londres e Amsterdã, pois as colônias inglesas e holandesas eram os maiores produtores da planta; mas a partir daí, os Estados Unidos, 1. BRAUDEL, Fernand. Civilização Material e Capitalismo. Lisboa: Editora Cosmos, 1970, pp. 208- 209. 2. PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1959, p. 163. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB124 recém independentes, passaram também a desempenhar o papel de grandes consumidores. Os norte-americanos preferiam negociar diretamente com produtores que não fossem colônias da Inglaterra e da Holanda, passando a comprar café brasileiro, o que proporcionou um grande estímulo a este tipo de lavoura no Brasil.3 O Café Fluminense e Vale-Paraibano -- Os requisitos geoclimáticos do café colocaram-no na categoria de um vegetal exigente. Pois, as temperaturas não podiam ser nem muito elevadas nem muito baixas; sendo que o tipo de solo e sua qualidade nutritiva eram bem determinados; e os índices de precipitação pluviométrica deveriam ser regulares, e bem distribuídos ao longo do ano. Tratava-se, ao mesmo tempo, de uma planta que demoraria a dar seus primeiros resultados produtivos (em geral, cinco anos); ao contrário da cana-de-açúcar, por exemplo, cuja primeira safra já se dava no primeiro ano após o plantio. Foi na região sudeste do Brasil (Rio de Janeiro, sudeste de Minas Gerais e São Paulo) que o café encontrou condições mais favoráveis para o seu desenvolvimento. O nordeste, tradicionalmente açucareiro e produtor de algodão, passando por uma séria crise econômica, não se adaptaria às novas lavouras, principalmente em decorrência das suas exigências climáticas. Neste quadro econômico, coube ao Rio de Janeiro a primazia do estabelecimento das grandes fazendas de café, a partir do seu litoral, espalhando-se pelas áreas montanhosas próximas, e descendo para o sul, em direção a Angra dos Reis e a Parati, para finalmente atingir o litoral norte de São Paulo (Ubatuba, Caraguatatuba e São Sebastião). Esta foi a primeira zona cafeeira importante do Brasil. Em 1806, esta região exportou 1233675 kg de café, sendo que um terço dos quais, para os Estados Unidos. “A trajetória comercial do café começaria, sem mais tardar, num salto 3. Cf. PRADO JR., Caio, op. cit., p. 164. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB125 para a província fluminense, onde seguiria, nos primeiros tempos, a trilha da lavoura canavieira, para depois tomar seu próprio caminho terra acima. Rumando para noroeste da província estabeleceu em São João Marcos e Resende os seus centros mais importantes; para o Norte fixou-se em vassouras, Valença e Paraíba do Sul; tempos depois demandaria o leste, tendo Cantagalo como seu ponto de apoio”.4 Os dados disponíveis mostram-nos que, por volta de 1820, a região fluminense ainda não havia atingido o máximo de sua prosperidade cafeeira, pois não existiam propriedades com mais de 20 milpés de café em todo aquele território. Após a independência, com o aumento da procura do produto no mercado mundial, e o conseqüente aumento de preços, houve uma aceleração no crescimento das plantações de café, que começaram a se expandir rumo ao vale do rio Paraíba. “Subindo o Paraíba em direção a São Paulo, tomaram notável incremento em Bananal e Areias, onde se contavam respectivamente, 82 e 238 fazendas de café, no ano de 1837, segundo dados do Marechal Daniel Pedro Müller.”5 Na passagem do ano de 1837 para o de 1838, o café já conseguia ultrapassar o açúcar na pauta de exportações brasileiras, correspondendo naquela época a mais da metade do valor das relações externas do país. Eram os primeiros sintomas importantes dos novos rumos significativos da economia do Brasil. No Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba, formavam-se as imensas fortunas dos barões do café que foram um dos firmes sustentáculos do império até a sua queda, em 1889. “Até o terceiro quartel do século passado, toda essa área que abrange a bacia do Paraíba e regiões adjacentes será o centro por excelência da produção cafeeira do Brasil. Comercialmente, orienta-se para o Rio de Janeiro, que é o porto de escoamento do produto e por isso seu 4.GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro Séculos de Latifúndio. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1968, p. 78. 5.Idem, ibidem, p. 79. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB126 centro financeiro e controlador. Pouco depois da metade do século passado, esta área representa o setor mais rico e progressista do país, concentrando a maior parcela de suas atividades econômicas. Atinge também, pela mesma época, o auge de seu desenvolvimento; logo virá o declínio. Repetia-se, mais uma vez, o ciclo normal das atividades produtivas no Brasil: a uma fase de intensa e rápida prosperidade, segue-se outra de estagnação e decadência... A causa é sempre semelhante: o esgotamento acelerado das reservas naturais por um sistema de exploração descuidado e extensivo.”6 Caio Prado Jr. mostra-nos como o desmatamento indiscriminado, a erosão, e a má distribuição dos pés de café, transformaram a esfuziante prosperidade do café vale-paraibano em um melancólico declínio, após algumas dezenas de anos. O Café em São Paulo – “A superioridade manifestada pela economia cafeeira no Primeiro Império e na Regência, transformou-se numa força avassaladora no Segundo Império”7. Foi exatamente durante esta época, correspondente à segunda metade do século XIX, que o café encontrou, no Brasil, a zona ideal para o seu cultivo: o oeste paulista, na região que vai de Campinas a Ribeirão Preto. Ali, onde até meados do século passado desenvolvera-se uma lavoura canavieira de importância, começaram a surgir, plantados na terra roxa, os grandes cafezais. Pois, é meados de 1836, escreve Sérgio Buarque de Holanda, que “Campinas produziu apenas 8.801 arrobas de café e ocupa o nono lugar entre os principais municípios cafeeiros... Em 1854, com 335.550 arrobas, quase quarenta vezes mais, passa a quarto lugar, logo depois de Bananal, Taubaté e Pindamonhangaba. Limeira, por sua vez, que não figurava entre os produtores de café recenseados, situa-se, dezoito anos depois, com 121.800 arrobas, em nono lugar, 6.PRADO JR., Caio, op. cit., p. 166 7.LIMA, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do Brasil. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1970, p. 228. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB127 acima de Paraibuna, Vila Bela, Moji das Cruzes e Guaratinguetá”8, estas todas, também cidades vale-paraibanas. De acordo com os dados de Afonso Taunay, em sua Pequena História do Café no Brasil, enquanto no decênio de 1841-1850 a produção brasileira foi de 17.121 sacas de 60 quilos, no decênio seguinte ela saltou para 26.253 sacas. A contribuição de São Paulo para estes índices já era, nesta época, de cerca de 15% do total. O Porto de Santos, cuja primeira remessa de café para o exterior data de 1792 9, passaria a ser o primeiro centro portuário de exportação do produto durante a década de 1860. “Em matéria de organização, a lavoura cafeeira seguiu os moldes tradicionais e clássicos da agricultura do país: a exploração em larga escala, tipo plantação (a plantation dos economistas ingleses), fundada na grande propriedade monocultural trabalhada por escravos negros, substituídos mais tarde... por trabalhadores assalariados”10. Sobre a adoção do trabalho livre nas fazendas do oeste paulista, devemos lembrar que o pioneiro desta iniciativa foi o Senador Nicolau de Campos Vergueiro, político e grande latifundiário, que trouxe, em 1847, “suíços e alemães para trabalhar em sua fazenda de Ibicaba, no município de Limeira”11. Apesar disso, a mão-de-obra assalariada só se tornaria importante no contexto da economia brasileira, depois de 1870. Segundo Roberto Simonsen, as primeiras fazendas de café, tanto no Vale do Paraíba, como no interior de São Paulo, não possuíam mais do que 50 mil pés. Aos poucos, principalmente nesta última área, surgiram fazendas que ultrapassavam a casa dos 400 ou 500 mil cafeeiros, para, mais tarde, chegarem a sobrepujar a casa dos 1.100 mil pés. 8.HOLANDA, Sérgio Buarque de. São Paulo. In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: .DIFEL, 1964, tomo II, 2º vol., p. 463. 9.Cf. idem, ibidem, p. 421. 10.Prado Jr., Caio, op. cit., pp. 169 e 170 11.MARANHÃO, Ricardo. Martinho Prado Jr. In: Suplemento do Centenário de “O Estado de São Paulo”, nº 7, 15/2/1975. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB128 Caio Prado indica que, a maior fazenda de café do Brasil (a São Martinho, em Ribeirão Preto), chegou a possuir mais de três milhões de plantas. O latifúndio de café seguia muito de perto o velho modelo do engenho açucareiro nordestino; que tendia à auto-suficiência, com produção de bens de consumo local (agricultura de subsistência), possuindo sua casa grande, sua senzala (para os escravos), ou colônias (para os trabalhadores livres), tendo ainda suas oficinas de pequenos serviços, suas criações, etc. O desenvolvimento das vias férreas, a partir da década de 1850 (como a São Paulo Railway, futura Santos a Jundiaí), não só diminuiu este isolamento, como proporcionou ainda maior impulso ao café paulista, facilitando o escoamento do produto. Nos últimos anos do século XIX, São Paulo já contribuía com quase a metade da produção global do país, e as fazendas paulistas se constituíam em verdadeiras empresas no sentido moderno da palavra, com a utilização de máquinas agrícolas (arados, ventiladores, despolpadores e separadores de grãos), e com a sensível elevação do grau de divisão do trabalho, propiciando o surgimento de várias tarefas especializadas que aumentassem a produtividade. As duas importantes áreas de produção de café – a fluminense e vale- paraibana de um lado, e a do oeste paulista, de outro –, apresentavam- se assim com características diversas: escravismo intransigente nas primeiras, e tendências a substituir o trabalho escravo pelo assalariado na segunda; aplicação de métodos rudimentares, e essencialmente manuais na primeira, e introdução da mecanização na segunda; baixo índice de especialização na primeira, e aprofundamento da divisão do trabalho na segunda; os cafeicultores fluminenses e vale- paraibanos constituindo-se em verdadeiros latifundiários tradicionais, e patriarcais, semelhantes à aristocracia açucareira nordestina da época colonial, sendo que os do oeste paulista já apresentavam um tipo social mais próximo de uma burguesia agrária, com empresários no sentido capitalista do termo.12 Resta-nos lembrar que, aocontrário Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB129 das atividades econômicas que marcaram o período colonial, cujas fontes de financiamento do capital inicial foram externas (comerciantes holandeses e alemães, principalmente); no caso do café aconteceu o inverso, e as lavouras foram financiadas fundamentalmente com recursos internos.13 No caso fluminense estes recursos foram obtidos principalmente de comerciantes cariocas, ligados ao mercado local, ou que se dedicavam ao transporte de mercadorias (caravanas de mulas), e mesmo de um pequeno capital acumulado por meio das velhas lavouras de subsistência da região, cujo produto era vendido às áreas de mineração. No oeste paulista houve, da mesma forma, certa acumulação de capitais graças às lavouras de açúcar e algodão e, principalmente, à criação de cavalos e mulas, cujo centro principal era a cidade de Sorocaba. A utilização deste capital disponível foi fundamental para a formação das grandes fazendas de café desta região. 1.Economia e Finanças : Crise Estrutural A libertação econômica do Brasil em relação ao monopólio comercial português, ocorrida a partir de 1808, trouxera ao país os benefícios do comércio livre com todas as nações do mundo, estimulando indubitavelmente nosso comércio exterior: “... em 1812, a exportação cifra-se em cerca de 4.000 contos de réis e a importação em 2.500; em 1816 estes números sobem respectivamente para 9.600 e 10.300; e, em 1822... 19.700 e 22.500. A ascensão continua, em seguida, ininterruptamente. Isto se deve em parte, é verdade, à desvalorização da moeda, que em ouro, vai num contínuo declínio. Mesmo contudo, com esta desvalorização monetária, o progresso do intercâmbio exterior do Brasil é muito grande.”14 12.Cf. FRANCO, Maria Silvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. São Paulo: Editora Ática, São Paulo, 1974. 13.A respeito disso ver FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Fundo da Cultura, 1964. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB130 Se é verdade, no entanto, que o Brasil passava por uma época de euforia econômica, com uma verdadeira ânsia de comprar e vender, com as lojas abarrotadas de mercadorias estrangeiras, principalmente inglesas, também é verdade que, mesmo antes da separação definitiva de Portugal, o país sofreu uma séria de problemas econômicos e financeiros, que se prolongaram durante toda a primeira metade do século XIX. O economista Celso Furtado indica que a causa principal destes problemas econômicos, e da quase estagnação da economia brasileira nesta época foi a sensível diminuição do valor relativo das exportações diante das importações da nação. “As estatísticas das exportações, por produtos principais proporcionam uma visão mais clara da matéria. Entre 1821-1830 e 1841-1850, o valor em libras das exportações de açúcar cresceu em 24 por cento, vale dizer, com uma taxa média anual de 1,1 por cento; o das exportações de algodão se reduziu à metade; o das de couros e peles se reduziu em 12 por cento, e o das de fumo permaneceu estacionário. Desses produtos, o único cujos preços se mantiveram estáveis, foi o fumo. Os exportadores de açúcar, para receber 24 por cento a mais em valor, mais que dobraram a quantidade exportada; os de algodão receberam a metade do valor, exportando apenas 10 por cento menos, e os couros e peles mais que dobraram a quantidade para receber um valor em 12 por cento inferior.”15 Várias razões explicam a queda dos preços dos produtos de exportação brasileiros. No caso do açúcar, além da concorrência já antiga das Antilhas, surgiu também, no começo do século XIX, a competição do açúcar extraído de beterraba, produzido principalmente na França, a partir da época napoleônica, e que passou a ser utilizado largamente em toda a Europa, diminuindo ainda mais a já reduzida faixa de mercado que cabia ao açúcar de cana do Brasil. O aviltamento dos preços foi a conseqüência inevitável destes fatos. 14.PRADO JR.., Caio, op. cit., p. 135 15.FURTADO, Celso, op. cit., p. 199. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB131 O algodão, por outro lado, não tinha condições de concorrer com a enorme produção norte-americana, que abastecia quase completamente os maiores consumidores mundiais do produto: as indústrias têxteis britânicas. “Com efeito, a produção de algodão dos EUA, de 80 milhões de toneladas no qüinqüênio de 1811-1815, subiu para 209 milhões no qüinqüênio de 1821 a 1825, atingindo 398 milhões entre 1831-1835. Desses totais, as exportações norte-americanas foram de 52,83% no primeiro qüinqüênio antes mencionado, de 72,9% no segundo, e de 83,57% no terceiro.”16 Este notável incremento da produção ianque de algodão deveu-se principalmente à mecanização introduzida em suas áreas agrícolas. A saw-gin (máquina de descaroçar algodão) aumentou em cerca de 50 vezes a produtividade de suas lavouras algodoeiras; enquanto isso, o Brasil continuava a praticar o descaroçamento manual, pelo método milenar da churka indiana. A exportação de couros também encontrava sérias dificuldades, cuja origem se achava na concorrência de similares platinos (argentinos e uruguaios), que causou a redução dos preços acima referida. Finalmente, o próprio tabaco, cujos preços não haviam sofrido alterações sensíveis, começava a enfrentar problemas devido às restrições cada vez maiores ao tráfico negreiro, durante essa primeira metade do século XIX, as quais retiravam aos produtores brasileiros alguns de seus melhores fregueses: os traficantes de escravos. O café mesmo que em fase de expansão exportadora, não conseguia ainda cobrir os déficits da balança comercial, pois o Brasil importava quase todos os produtos manufaturados de consumo interno: tecidos, ferragens, louças, calçados, vidros, azeites, farinha de trigo, armas, brinquedos, ferramentas, etc. Dentro deste quadro, a balança comercial brasileira achava-se em uma situação problemática, com um déficit quase constante, já que o valor das exportações era permanentemente superado pelo das importações. A tabela abaixo, extraída do livro de Caio Prado Jr., 16. FURTADO, Celso, op. cit., p. 199. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB132 História Econômica do Brasil, fornece-nos o valor das exportações e importações brasileiras em contos de réis: DECÊNIOS EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO 1821-1830 243.263 265.164 1831-1840 348.258 385.742 1841-1850 487.540 540.944 1851-1860 900.534 1.016.686 Houve, durante este período, um ou outro ano em que as exportações superaram as importações (como em 1823, 1828, 1833, 1836, 1846, 1848, 1849, 1855 e 1856); mas, no conjunto, o saldo foi sempre negativo. O déficit global, entre 1821 e 1860, foi de 233.923 contos de réis . A solução evidentemente paliativa, e que geraria, a longo prazo, problemas ainda maiores, foi a de conseguir empréstimos no exterior, essencialmente na Inglaterra, além de desvalorizar a taxa cambial, para cobrir os déficits na balança comercial. Tais empréstimos, que resolveram os problemas em termos imediatos, provocavam novos aumentos da dívida externa do país, com o pagamento dos juros correspondentes e das taxas de serviços, que eram extremamente altas. O Brasil entrava num círculo vicioso, no qual novos empréstimos eram contraídos, para saldar os anteriores, e assim sucessivamente. Até à proclamação da República, o país havia pedido 17 empréstimos, no valor global de 32 milhões de libras, e pagando perto de um milhão e meio de libras por ano, de juros e amortizações; sendo que destes empréstimos, treze foram destinados à cobertura dos déficits orçamentários,e os demais para a compra de material ferroviário.18 Paulatinamente, o ouro e a prata foram sendo drenados para fora do país, a ponto de obrigar a adoção, primeiramente, de moedas de cobre e, mais tarde, de papel-moeda. Declinava violentamente o valor do mil-réis no 17.Cf. Prado Jr., Caio, op. cit., p. 136 18.Cf. CALÓGERAS, João Pandiá. Formação Histórica do Brasil. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1966, p. 157. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB133 mercado cambial: de 70 pence, que era o seu valor em 1808, ele caiu para 28 pence em 1850. A emissão descontrolada de papel-moeda provocava a inflação e, conseqüentemente, as altas do custo de vida.19 Ocorria, além do mais, a constante falsificação da moeda de cobre em circulação. “Calcula-se que durante o reinado de D. Pedro I a moeda falsa chegou a representar 30% da massa circulante. Essa situação ocorria porque uma libra custava no mercado 18 vinténs (360 réis) e dava para cunhar peças no valor de 2.000 réis, o que representava lucro fabuloso, remunerando de modo extraordinário os falsificadores. Realizava-se nessas condições uma competição muito forte entre a iniciativa privada e a Casa da Moeda, gerando uma confusão tremenda na política monetária. Data daí uma emissão descontrolada de papel inconversível, que os gastos crescentes dos governos não fizeram mais do que agravar, com o correr do tempo” 20 Os Déficits Orçamentários – Dentro do panorama econômico- financeiro da primeira metade do século XIX, outro aspecto que deve ser salientado é relativo aos constantes déficits a que estava sujeito o orçamento governamental. A receita dos governos da época provinha dos impostos e dependia, por isto, do funcionamento eficiente do sistema tributário. No Brasil, o sistema fiscal apresentava falhas das mais clamorosas, provocando uma receita que podia ser considerada íntima (de cunho particular). Em primeiro lugar, as formas de cobrança dos impostos eram as mais variadas e confusas possível, indo desde o arrendamento (ou contratação) até à cobrança por agentes do governo, o que dificultava não apenas a fiscalização, mas até mesmo uma previsão orçamentária. Em seguida, a própria situação política, a partir de 1821, até 1840, criava 19. Cf. Prado Jr., Caio, op. cit., p. 136 20.LIMA, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do Brasil, p. 215. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB134 obstáculos quase insuperáveis para carrear as taxas ao Tesouro Público. As constantes revoltas e sublevações das províncias e sua oposiçãoao governo central faziam muitas vezes com que os governos provinciais se recusassem a enviar ao Rio de Janeiro os impostos arrecadados. O imposto territorial, que poderia ser uma apreciável fonte de recursos para o governo, não era praticamente cobrado, por contrariar frontalmente os interesses da aristocracia agrária dominante. Os tributos alfandegários tornaram-se, desta forma, o principal elemento da receita orçamentária neste período. No entanto, devemos lembrar que, os impostos sobre a importação eram ridiculamente baixos. Desde os tratados de 1810, os produtos ingleses gozavam da tarifa preferencial de 15% ad valorem, enquanto as demais nações pagavam 24% de imposto. Em 1828, por iniciativa de Bernardo Pereira de Vasconcelos, a tarifa de 15% foi estendida a todos os demais países22, o que diminuiu ainda mais a já pequena arrecadação. A adoção de imposto de exportação de 8% (Lei Calmon, de 1836) pouco alívio trouxe às combalidas finanças imperiais, gerando, além do mais, manifestações de descontentamento dos exportadores. Em contraposição, os gastos de D. Pedro I e da regência eram bastante elevados. Durante o Primeiro Império, as despesas com a Guerra da Independência, o pagamento de mercenários ingleses, a aquisição de equipamento naval, os gastos com a repressão à Confederação do Equador, e com a Guerra da Cisplatina foram imensos. Da mesma forma, no período regencial, o esmagamento das revoltas provinciais, como Cabanagem, a Balaiada, a Farroupilha, entre outras, consumiu quantias muito consideráveis. A “Tarifa Alves Branco” - Essa política alfandegária livre-cambista iria manter-se em vigor até 1844, quando foi estipulada a famosa tarifa Alves Branco. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB135 Num ato de quase desespero, pela situação tremendamente difícil das finanças públicas, o governo adotou uma nova política com relação aos impostos alfandegários. Seu objetivo era essencialmente o de tentar solucionar o problemas do orçamento deficitário, mas a medida acabou tendo também um caráter protecionista, uma vez que favoreceu (ainda que timidamente) o crescimento de alguns setores econômicos nacionais. A nova política alfandegária teve no então Ministro da Fazenda, Manuel Alves Branco (1797-1855) o seu principal defensor. O futuro Visconde de Caravelas assinou, em 1844, um decreto que modificava as taxas aduaneiras referentes a quase três mil artigos importados. Alguns destes produtos tiveram seus impostos aumentados para 30% ad valorem, outros para 40, 50 e 60%. Esta variação dependia do fato de o artigo em questão poder ou não ser produzido no Brasil, e também de sua importância para o consumo interno do país. Como não podia deixar de ser, a medida suscitou violentos protestos da parte dos principais prejudicados: internamente, os comerciantes ligados à importação, geralmente estrangeiros; e externamente, as nações exportadoras, sobretudo a Inglaterra. Diga-se de passagem, aliás, que o Bill Aberdeen, além de corresponder à orientação da política inglesa desde o começo do século XIX foi provavelmente precipitado para servir como represália às novas taxas alfandegárias adotadas pelo Brasil, embora estas representassem apenas uma ainda tímida tentativa protecionista. De qualquer forma, embora muitos problemas persistissem nos anos posteriores, a tarifa Alves Branco aliviou sensivelmente a situação orçamentária do Segundo Império. Gestação da economia cafeeira Dificilmente, um observador, que estudasse a economia brasileira pela metade do século XIX, chegaria a perceber a amplitude das Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB136 transformações que nela se operariam no correr do meio século que se iniciava. Haviam decorrido três quartos de século em que a característica dominante fora a estagnação ou a decadência. Ao rápido crescimento demográfico de base migratória dos três primeiros quartéis do século XVIII, sucedera um crescimento vegetativo relativamente lento no período subseqüente. As fases de progresso, como a que conheceu o Maranhão, haviam sido de efeitos locais, sem chegar a afetar o panorama geral. A instalação de um rudimentar sistema administrativo, a criação de um banco nacional, e umas poucas outras iniciativas governamentais constituíam – ao lado da preservação da unidade nacional –, o resultado líquido deste longo período de dificuldades. As novas técnicas criadas pela revolução industrial escassamente haviam penetrado no país, e quando o fizeram foi sob a forma de bens ou serviços de consumo sem afetar a estrutura do sistema produtivo. Por último, o problema nacional básico – a expansão da força de trabalho do país –, encontrava-se em verdadeiro impasse: estancara-se a tradicional fonte africana sem que se vislumbrasse uma solução alternativa. Ao observador de hoje, afigura-se perfeitamente claro que, para superar a etapa de estagnação, o Brasil necessitava reintegrar-se nas linhas em expansão do comércio internacional. Em um país sem técnica própria, e no qual praticamentenão se formavam capitais que pudessem ser desviados para novas atividades, a única saída que oferecia o século XIX para o desenvolvimento era o comércio internacional. Desenvolvimento com base em mercado interno só se torna possível quando o organismo econômico alcançou um determinado grau de complexidade, que se caracterizava por uma relativa autonomia tecnológica. Já assinalamos a importância que teve no desenvolvimento dos Estados Unidos, na primeira metade do século passado, o dinamismo do seu setor exportador. Tampouco seria possível contar com um influxo de capitais forâneos em uma economia estagnada. Os poucos empréstimos externos, contraídos na primeira metade do século, tiveram objetivos improdutivos e, como conseqüência, agravaram enormemente a precária situação Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB137 fiscal. Estagnadas as exportações e impossibilitado o governo de aumentar o imposto às importações, o serviço da dívida externa teria de criar sérias dificuldades fiscais, as quais, por seu lado, contribuíram para reduzir o crédito público. A corrente de capitais do século XIX era principalmente de inversões indiretas. Para levantar recursos nos mercados de capitais era necessário apresentar projetos com perspectivas muito atrativas ou oferecer garantias de juros subscritas por quem tivesse o necessário crédito. As possibilidades de apresentar projetos atrativos em uma economia estagnada teriam de ser praticamente nulas; por outro lado, que crédito poderia ter o governo de um país de economia em decadência, e cuja capacidade para arrecadar impostos estava cerceada? Para contar com cooperação do capital estrangeiro, a economia deveria primeiro retomar o crescimento com seus próprios meios.21 As possibilidades de que as exportações tradicionais do Brasil voltassem a recuperar o dinamismo necessário para que o país entrasse em nova etapa de desenvolvimento eram remotas na metade do século passado. Já nos referimos à tendência dos preços desses produtos. O mercado do açúcar tornara-se cada vez menos promissor. O açúcar de beterraba, cuja produção se desenvolvera no continente europeu na etapa das guerras napoleônicas, enraizara-se em interesses criados dentro de tradicionais mercados importadores. O mercado inglês continuava a ser abastecido pelas colônias antilhanas. Nos Estados Unidos, que constituíam o mercado importador em mais rápida expansão, se desenvolvia amplamente a produção da Luisiânia, comprada aos franceses em 1803. Por último, cabe referir que surgira no mercado do açúcar um novo supridor cujas possibilidades se 21. A idéia de que os capitais ingleses não vieram para o Brasil na primeira metade do século passado em razão do conflito com o governo britânico, decorrente da persistência do tráfico de escravos africanos, não parece ter grande fundamento. As más relações com o governo inglês continuaram por vários anos depois da suspensão do tráfico, sem que isto haja impedido a criação de uma corrente apreciável de capital. Quando em 1863 o governo inglês, prevalecendo-se de motivos fúteis, bloqueou o porto do Rio de Janeiro e aprisionou vários barcos brasileiros com o objetivo de intimidar e submeter o governo imperial, houve um forte movimento de protesto na Inglaterra, dirigido por grupos financeiros com interesses no Brasil. Num artigo do Daily News de 12 de fevereiro de 1863 se lê: “Who of us... can trade with Brazil or any other country, who can buy Brazilian or foreign bonds of any kind, who can with common prudence invest his money in the railways shares of small and defenceless sites… if mines like this are to be sprung under his feet by his own government?” Citado por A K. Manchester op. cit. p. 283 Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB138 definiam dia a dia como mais extraordinárias. Desfrutando de fretes extremamente baixos para os Estados Unidos, Cuba, que havia aberto os seus portos a todas as nações amigas, ainda como colônia espanhola, constituíra-se em principal supridor do mercado norte-americano. Suas exportações, que apenas alcançavam 20.000 toneladas a fins do século anterior, pela metade do século XIX, já superavam as 300.000 22, triplicando as vendas do Brasil na mesma época. A situação do algodão, segundo produto das exportações brasileiras no começo do século, ainda era pior do que a do açúcar. A produção norte- americana, integrada aos interesses do grande mercado importador inglês, beneficiando-se do rápido crescimento da procura interna 23, desfrutando de fretes relativamente baixos, sendo organizada dentro do regime escravista com mão-de-obra relativamente abundante, e dispondo de grande oferta de terras de primeira qualidade (que usava de forma destrutiva), dominava totalmente o mercado internacional de algodão. A produção de algodão havia constituído um magnífico negócio para algumas regiões do Brasil, particularmente o Maranhão, numa época em que o produto se vendia a preços extremamente elevados. Ao iniciar- se a produção em grande escala nos Estados Unidos, e ao transformarem o algodão na principal matéria-prima do comércio mundial, os preços se reduziram a menos da terça parte, mantendo-se relativamente em torno deste nível, com flutuações, a partir do terceiro decênio do século passado. A este nível de preços, a rentabilidade do negócio algodoeiro era extremamente baixa no Brasil, constituindo para as regiões que o produziam um complemento da economia de subsistência. Será necessário que a guerra de secessão exclua temporariamente o algodão norte-americano do mercado mundial, para que a economia deste artigo conheça no século XIX uma nova etapa de prosperidade no Brasil . O fumo, os couros, o arroz e o cacau eram produtos menores, cujos mercados não admitiam grandes possibilidades de expansão. No 22. Para os dados sobre a exportação cubana ver GUERRA, Ramiro Y SANCHES, op. cit. Apêndice II. 23. O consumo de algodão nos Estados Unidos aumentou de uma média anual de 32,5 milhões de libras-peso em 1804-14, para 239,0 milhões em 1844-54; na Inglaterra o aumento foi de 89 milhões em 1811-19, para 640 milhões em 1845-54. Ver W. W. Rostow, op. cit. Appendix I. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB139 mercado dos couros pesava cada vez mais a produção do Rio da Prata, e na do arroz, a produção norte-americana que passara por fundamentais transformações nos métodos do cultivo. O fumo perdera o mercado africano, com a eliminação do tráfico de escravos, tendo sido necessário orientar o produto para outras regiões. Finalmente o cacau, cujo uso apenas começava a vulgarizar-se, constituía tão somente em uma esperança. O problema brasileiro consistia em encontrar produtos de exportação, em cuja produção entrasse como fator básico: a terra. Com efeito, a terra era o único fator de produção abundante no país. Capitais praticamente não existiam, e a mão-de-obra era basicamente constituída por um estoque de pouco mais de dois milhões de escravos, parte substancial dos quais permaneciam imobilizados na indústria açucareira, ou prestado a partir de serviços domésticos. Pela metade do século, entretanto, já se definira a predominância de um produto relativamente novo, cujas características de produção correspondiam exatamente às condições ecológicas do país. O café, se bem que fora introduzido no Brasil desde começos do século XVIII, e embora se cultivasse por todas as partes para fins de consumo local, assumia importância comercial no fim deste século, quando veio a ocorrer a alta de preços causada pela desorganização do grande produtor que era a colônia francesa do Haiti. No primeiro decênio da independência,o café já contribuía com 18 por cento do valor das exportações do Brasil, colocando-se em terceiro lugar depois do açúcar e do algodão. E nos dois decênios seguintes, já passara para o primeiro lugar, representando mais de quarenta por cento do valor das exportações. Conforme já observamos, todo o aumento que se constatou no valor das exportações brasileiras, no transcorrer da primeira metade do século passado, deveu-se estritamente à contribuição do café. Quando o café transformou-se em produto de exportação, o desenvolvimento de sua produção se concentrou na região Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB140 montanhosa próxima da capital do país. Nas proximidades desta região, existia relativa abundância de mão-de-obra, em conseqüência da desagregação da economia mineira. Por outro lado, a proximidade do porto permitia solucionar o problema do transporte lançando mão do veículo que existia em abundância: a mula. Desta forma, a primeira fase da expansão cafeeira se realizou com base no aproveitamento de recursos preexistentes e subutilizados. A elevação dos preços, a partir do último decênio do século XVIII, determina a expansão da produção em várias partes da América e da Ásia. Esta expansão foi sucedida por um período de preços declinantes que se estende pelos anos trinta e quarenta. A baixa de preços, entretanto, não desencorajou os produtores brasileiros, que encontravam no café uma oportunidade para utilizar recursos produtivos semi-ociosos, desde a decadência da mineração. Com efeito, a quantidade exportada mais que quintuplicou entre 1821-30 e entre 1841-50, se bem que os preços médios tenham sido reduzidos em cerca de quarenta por cento, durante este período. O segundo e principalmente o terceiro quartel do século passado foram basicamente a fase de gestação da economia cafeeira. A empresa cafeeira permitiu a utilização intensiva da mão-de-obra escrava, e nisto se assemelhou à açucareira. Entretanto, apresentou também um grau de capitalização muito mais baixo do que esta última, porquanto se baseava mais amplamente na utilização do fator terra. Se bem que seu capital também tenha sido imobilizado – o cafezal era uma cultura permanente -, pois suas necessidades monetárias de reposição eram muito menores, uma vez que o equipamento era mais simples e quase sempre de fabricação local. Organizada com base no trabalho escravo, a empresa cafeeira se caracterizava por custos monetários ainda menores que os da empresa açucareira. Por conseguinte, somente uma forte alta nos preços da mão-de-obra poderia interromper o seu crescimento, no caso de haver abundância de terras. Como em sua primeira etapa, a economia cafeeira dispôs do estoque de mão-de- obra escrava subtilizada da região da antiga mineração, isto explica porque o seu desenvolvimento tenha sido tão intenso, não obstante Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB141 a tendência pouco favorável dos preços. No terceiro quarto do século, os preços do café se recuperaram amplamente, enquanto os do açúcar permaneceram deprimidos, criando-se uma forte pressão no sentido da transferência de mão-de-obra do norte para o sul do país. A etapa de gestação da economia cafeeira foi também a de formação de uma nova classe empresária que desempenharia papel fundamental no desenvolvimento subseqüente do país. Esta classe se formou inicialmente com homens da região. A cidade do Rio representava o principal mercado de consumo do país, e os hábitos de consumo de seus habitantes se haviam transformado substancialmente a partir da chegada da corte portuguesa. O abastecimento deste mercado passou a constituir-se na principal atividade econômica dos núcleos de população rural, que se haviam localizado no sul da província de Minas, como reflexo da expansão da mineração. O comércio de gêneros e de animais para o transporte destes iria constituir-se também nesta parte do país a base de uma atividade econômica de certa importância, a qual dera origem à formação de um grupo de empresários comerciais locais. Muitos desses homens, que haviam acumulado alguns capitais no comércio e transporte de gêneros e de café, passaram a interessar- se pela produção de café, vindo a constituir-se na vanguarda da expansão cafeeira no Brasil.24 Se compararmos o processo de formação das classes dirigentes das economias açucareiras com a da economia cafeeira, percebe-se facilmente algumas diferenças fundamentais. Na época de formação da classe dirigente açucareira, as atividades comerciais eram monopólio de grupos situados em Portugal ou Holanda. As fases produtiva e comercial eram rigorosamente isoladas, pois os faltava aos homens responsáveis pela sua produção, qualquer 24. A dificuldade de competir com o algodão norte-americano não era somente enfrentada pelo Brasil colonial. É sabido que o governo inglês, preocupado com a excessiva dependência da fonte norte-americana, nomeou mais de uma comissão para estudar as possibilidades de desenvolver a produção algodoeira dentro do Império, sendo medíocres os resultados. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB142 perspectiva de conjunto da economia açucareira. As decisões fundamentais eram todas tomadas a partir da fase comercial. Assim isolados, os homens que dirigiam a produção não puderam, de forma alguma, desenvolver uma consciência clara de seus próprios interesses. Com o tempo, foram perdendo sua verdadeira função econômica, e as tarefas diretivas passaram a constituir-se em simples rotina executada por feitores e outros empregados. Compreende-se, portanto, porque os antigos empresários hajam involuído em uma classe de rentistas ociosos, fechados em um pequeno ambiente rural, cuja expressão final viria a se tornar no patriarca bonachão que tanto espaço ocupou nos ensaios dos sociólogos nordestinos do século XX. A separação de Portugal não trouxe modificações fundamentais, permanecendo, portanto, a etapa produtiva isolada por homens de espírito puramente ruralista. Explica-se, assim, também a facilidade com que os interesses ingleses vieram a dominar tão completamente as atividades comerciais do nordeste açucareiro. Ao encontrarem-se debilitados os grupos portugueses, criou-se um vazio que foi facilmente preenchido pelos novos dominadores da economia açucareira. A economia cafeeira formou-se em condições bem distintas. Desde o começo, sua vanguarda esteve formada por homens com experiência comercial. Em toda a etapa de gestação, os interesses da produção e do comércio estiveram entrelaçados. A nova classe dirigente formou- se a partir de uma luta que se estendeu em uma frente ampla: aquisição de terras, recrutamento de mão-de-obra, organização e direção da produção, transporte interno, comercialização nos portos, contatos oficiais, interferência na política financeira e econômica. A proximidade da capital do país constituía, evidentemente, em uma grande vantagem para os dirigentes da economia cafeeira. Desde cedo, eles compreenderam a enorme importância que podia ter o governo como instrumento de ação econômica. Esta tendência à subordinação do instrumento político aos interesses de um grupo econômico alcançara sua plenitude com a conquista da autonomia Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB143 estadual, ao proclamar-se a República. O governo central estava submetido a interesses demasiadamente heterogêneos para responder com a necessária prontidão e eficiência aos chamados interesses locais. A descentralização do poder permitiu uma integração ainda mais completa dos grupos que dirigiam a empresa cafeeiracom a maquinaria político-administrativa. Mas, não é o fato de que hajam controlado o governo, o que singularizou os homens do café. E sim, o fato de que eles hajam utilizado este controle para alcançar objetivos perfeitamente definidos dentro de uma política de interesses mercantis. É por esta consciência clara de seus próprios interesses que eles se diferenciaram de outros grupos dominantes anteriores ou contemporâneos. Ao concluir-se o terceiro quarto do século XIX, os termos do problema econômico brasileiro se haviam modificado basicamente. Surgira o produto que permitiria ao país reintegrar-se nas correntes em expansão do comércio mundial: o café. Encerrada sua etapa de gestação, a economia cafeeira encontrava-se em condições de autofinanciar sua extraordinária expansão subseqüente; e então estavam aí formados os quadros da nova classe dirigente que lideraria a grande expansão cafeeira. Restava por resolver, entretanto, o problema latente da mão- de-obra adequada. Vimos na aula de hoje a formação e o funcionamento da economia cafeeira, isto é, o processo do aparecimento deste ciclo econômico, nos primórdios do Brasil independente. Resumidamente, o que deve ser ressaltado no aparecimento e consolidação da produção do café é a sua importância para a economia brasileira, pois este ciclo de expansão possibilitará ao Brasil a constituição de uma economia capitalista, fundamentada na mão-de-obra assalariada de trabalhadores imigrantes, e na acumulação de capitais pela burguesia agrária, que, posteriormente, irá investir em bancos, ferrovias, comércio e indústrias brasileiras. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB144 Na próxima aula, iremos abordar a questão da mão-de-obra para o ciclo cefeeiro: escravatura e trabalho do imigrante europeu. Até lá! Referência Bibliográfica FURTADO, Celso: Formação Econômica do Brasil. Capítulo XX: Gestação Da Economia Cafeeira. Brasil/Portugal: Editora Fundo de Cultura, 1959, pp. 133-140. MENDES JR., Antonio et alii. BRASIL HISTÓRIA-Texto & Consulta, volume 2: Império. Capítulo XLIX, Expansão do Café e Problemas Econômico- Financeiros. São Paulo: Editora Brasiliense, 1976, pp. 287-292.
Compartilhar