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Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB278 Aula 15 Crise econômica de 1929 e a Revolução de 1930 Objetivos da Aula Os objetivos desta aula visam fornecer a você subsídios para a compreensão de elementos desencadeadores na Crise Econômica de 1929 (período da Grande Depressão), e que também culminar na chamada Revolução de 1930 no Brasil. Ao final desta aula, você deverá estar apto a obter a compreensão das transformações estruturais pelas quais passou a economia e a sociedade brasileira nos anos trinta do século passado, e a partir destes conhecimentos adquiridos ser capaz de interpretação certos fatores da atual conformação econômica brasileira. Esta aula é a última aula da disciplina Formação Econômica Brasileira, dentro deste módulo. Por isso, é de suma importância que façamos uma breve recapitulação do conteúdo das quatro aulas doravante apresentadas, nas quais, tivemos ocasião de ter uma convivência acadêmica, e de estudos da história do desenvolvimento econômico em nosso país. Buscamos a abordagem da história de nossa formação econômica por meio de um amplo processo em que ficou claro o seu caráter cíclico, ou seja, levando-se em consideração que sempre a determinado período histórico-econômico, correspondeu sobretudo a produção de um bem econômico em torno do qual convergiam todas as forças econômicas presentes naqueles instantes históricos descritos. Isto Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB279 pode ser claramente percebido desde o início da nossa colonização, e desde, portanto o período de extração do pau-brasil ao ciclo econômico do café. A economia brasileira teve sua origem no sistema colonial então implantado pelas potências marítimas européias do século XV e XVI: Espanha e Portugal. Diferentemente das colônias nascidas da imigração inglesa, francesa ou irlandesa no hemisfério norte, onde foram implantadas colônias de povoamento, a economia luso- brasileira foi, desde o início, uma colônia de exploração, da qual tudo se retirava em proveito do mercantilismo europeu então em plena vigência. Dada esta característica, poderíamos dizer, de uma forma muito simplificada, que a história da formação econômica brasileira é a história da sucessão de ciclos econômicos, permeados por auges de crescimento, reconfigurados por períodos de decadência, e sua conseqüente reconversão a economias de subsistência. Veremos a seguir uma síntese da história da formação econômica do Brasil, elencada a partir de certos traços bem significativos e que puderam ser analisados durante as aulas que doravante vimos. I- Ciclo do Pau-brasil Tratou-se da retirada e exportação, de forma ampla, de um produto natural e presente no espaço geográfico das terras então descobertas por Portugal, no século XVI. Este foi um produto muito bem aceito e absorvido pelo mercado europeu. Caracterizou-se por ser uma atividade eminentemente predatória. II- Ciclo da Cana-de-açúcar Suas características principais eram: a monocultura, ou seja, a economia baseada na produção de uma única mercadoria, e seu Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB280 produto econômico essencial: o açúcar, embora houvesse florescido também outras agroculturas, mas, que no entanto, estas somente tinham o papel de funcionar sempre como fontes subsidiárias da monocultura principal do ciclo. Outra característica principal era o plantio em larga escala, ou seja, uma cultura extensiva; como as plantations de tabaco norte-americanas que exigiam grandes extensões de terra para seu cultivo. A mão-de-obra era quase sempre escrava em grande quantidade, sendo abastecida pelo intenso e lucrativo tráfico negreiro. As grandes empresas produtoras constituíam-se em organizações de razoável porte para as circunstâncias exigidas na época. Quanto à iniciativa particular, as terras eram inicialmente doadas pela Coroa Portuguesa, mas o negócio era implementado e tocado por particulares ou empresas comerciais. III- Expansão Territorial nos séculos XVII e XVIII Já em relação à expansão territorial nos séculos XVII e XVIII, bem este tema foi bem tratado durante a Aula 05. E nela, puderam ser devidamente ressaltadas as seguintes correntes de expansão territorial: •A expansão da pecuária nordestina e sulina: no Nordeste abriram-se dois caminhos, os sertões de fora, que a partir de Salvador seguiam até Fortaleza; e os sertões de dentro, que seguiam o curso do Rio São Francisco rumo ao interior. Esta era uma atividade que também exigia grandes extensões de terra, o que levou conseqüentemente à sua concentração nas mãos de poucos afortunados, que as recebiam por meio das sesmarias. Algumas feiras surgiram, e, assim, a pecuária Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB281 pôde cumprir o seu papel integrador e formador com relação ao território nacional. No sul, houve também a expansão de gado, principalmente após as destruições de missões jesuíticas espanholas, por parte dos bandeirantes que para lá se deslocaram. No caso do sul, foram também organizadas várias feiras, sendo que a mais importante delas situou-se na região de Sorocaba (em São Paulo), que supriu, por meio de muares, o transporte do ouro provindo das Minas Gerais. •A ocupação das terras do Norte dá-se pela busca das chamadas “drogas do sertão”, na Amazônia. Esta ocupação teve como característica fundamental a utilização do índio como mão-de-obra no reconhecimento e coleta de plantas. Aliás, o nativo indígena era primordial no tocante a este tipo de expansão territorial, porque somente ele conhecia os segredos da floresta e, por isso, este período foi também duramente marcado por embates políticos entre missionários e colonos. •Finalmente, temos a expansão bandeirante a partir da Capitania de São Vicente. Esta expansão territorial teve várias fases importantes: (a) a exploração e garimpo do ouro de aluvião, em direção ao sul; (b) a caça ao índio; a qual foi sempre alternativa colonial desenvolvida em territórios onde a mão-de-obra era escassa, e a qual acabou sendo bastante estimulada durante este período, uma vez que Portugal veio a perder o monopólio do mercado de escravos negros durante esta época (1617-1641); (c) o mercado de preação indígena o qual era fortemente depreciado, e o não descobrimento ainda das minas de metais preciosos, que fazem com que os bandeirantes voltassem-se para o desenvolvimento de outras atividades, tais como: o sertanismo de contrato. Neste caso, os paulistas eram contratados por senhores de engenho do Nordeste com o objetivo de quebrar a resistência de tribos indígenas as quais se opunham à ocupação territorial, e Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB282 também com o objetivo de perseguir e recapturar escravos fugitivos ou aquilombados. •A conclusão desta expansão territorial é sem dúvida a constatação de que o velho Tratado de Tordesilhas, que demarcara as terras das duas potências marítimas ibéricas caducara em razão das forças circunstanciais que vieram a reger os interesses econômicos e políticos conflitantes naquela época de expansão territorial. Vale a pena aqui lembramos bem os versos do poeta paulista Guilherme de Almeida ao referir-se ao empenho dos bandeirantes na reconfiguração do território brasileiro: “Brandindo achas e empurrando quilhas vergaram a vertical de Tordesilhas”. IV- Ciclo do Ouro Neste ciclo, puderam ser ressaltados dois aspectos importantíssimos para efeito de estudo, e que foram bem elucidados nas aulas 07 e 08 de nosso curso, nas quais pudemos ver: (a) a questão da descobertae da exploração de metais preciosos que moveram sempre o imaginário do colonizador português como o grande atrativo que objetivara a colonização do Brasil; (b) e, conseqüentemente, a criação das minas de metais preciosos, que quando descobertas vieram a bem propósito no sentido de prover a capacidade se salvar a colônia e a metrópole da decadência ocasionada concorrência do açúcar brasileiro pelo açúcar produzido nas Antilhas, cuja produção os holandeses iniciaram após sua expulsão do Nordeste brasileiro. Grosso modo, pode-se dizer que o Ciclo do Ouro no Brasil teve como característica principal a predominância do velho pacto colonial, baseado no Mercantilismo. Isto levou a política metropolitana a se assentar em um forte cunho fiscal, predominante em todo este período de colonização. Em relação a este aspecto particular, podemos enunciar as seguintes características básicas: Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB283 •A exploração das minas estava regulamentada pelo Regimento das Minas; •As atividades subsidiárias eram restringidas em função de seus vínculos com a mineração; •A arrecadação de impostos da Real Fazenda recaia tanto sobre a produção aurífera, como sobre as mercadorias que entravam nas zonas mineiras. Por outro lado, o tipo do ouro brasileiro marcou a técnica de extração e, por conseqüência, a forma da organização de sua exploração; que pode ser caracterizada levando-se em consideração os seguintes aspectos básicos: •Não demandava grandes empresas; •Exigia sempre um capital fixo menor do que aquele exigido pela empresa açucareira; •Não demandava capital-terra, fundamental no ciclo anterior, como observamos; •Implicou em uma mobilidade das empresas, as quais se organizavam de tal forma a permitir com que o deslocamento espacial fosse realizado de modo mais rápido, ou seja, em curto prazo de tempo, principalmente se considerarmos o rápido esgotamento das jazidas devido à ação econômica de estrativismo predominantemente predatório. Dentre os efeitos do ciclo do ouro, podemos ressaltar os seguintes aspectos: •Embora continuasse a utilizar mão-de-obra escrava, ele possibilitou o surgimento de maior estratificação social, criou também condições satisfatórias para o desenvolvimento de Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB284 um incipiente mercado interno na colônia portuguesa; •Integrou regiões e pontos geográficos da colônia, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista político; •No entanto, a grande concentração de recursos proveniente da atividade de mineração trouxe graves conseqüências como: um rápido crescimento ao mesmo tempo que uma involução econômica vertiginosa, principalmente se considerarmos que ao passo que se esgotava o ciclo econômico, a região dedicada a ele passava a se tornar praticamente uma economia de subsistência. V- Crise do Antigo Sistema Colonial A Crise do Antigo Sistema Colonial fundamentou-se no fato de que a economia colonial era dividida a partir de dois grandes setores básicos: (a) o setor principal, ou seja, a produção de artigos destinados à exportação (açúcar, tabaco, algodão, etc); e, (b) as chamadas culturas de subsistência bem como a produção de bens que não eram importados, setor este que se caracterizava por ser totalmente dependente do setor principal e exportador, e dedicado exclusivamente a atender necessidades internas dos colonos portugueses. Podemos dizer que, a crise colonial que correspondeu à análise da Aula 09 pode ser resumida assim: a estrutura colonial, de mercado interno muito restrito, serviu enquanto a produção de bens pelas manufaturas européias era limitada, e a necessidade maior da metrópole era a de acumulação de capital. A partir do momento em que a produção se tornou mecanizada e de larga escala, surge então a necessidade de novos e maiores mercados que consumam essas mercadorias produzidas. Em detrimento disso, uma estrutura colonial rígida passa a ser superada e a incomodar a expansão de Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB285 todo o sistema. Eminentemente, são reflexos e conseqüência dessa crise tanto a independência das colônias americanas bem como o fim da escravidão. Tendo em vista o surgimento de um novo ciclo econômico que fizesse com que a colônia portuguesa pudesse retornar a um novo período de acentuado desenvolvimento, visando, assim, prover inegável acúmulo de capital à sua metrópole; este período de colonização, no entanto, é marcado por sucessivas crises que culminaram em grandes transformações no sistema capitalista internacional, e que teve, sem dúvida alguma, fortes repercussões internas importantes no Brasil colonial, como: a transição da ideologia mercantilista para a ideologia do liberalismo econômico. As condições internas na colônia favoreciam significativamente a superação do modelo mercantilista: situação econômica ao final do século XVIII, e declínio econômico nas primeiras décadas do século XIX. Os principais históricos marcos deste período colonial podem ser enunciados, da seguinte forma: •no âmbito internacional: a Revolução Francesa, e a Independência das colônias norte-americanas, além naturalmente da era napoleônica, marcado por inúmeras guerras expansionistas na Europa; •no ambiente interno, no que diz respeito ao Brasil: a abertura dos portos em 1808, a passagem efetiva do domínio colonial português para a predominância e hegemonia econômica britânica, e a Independência brasileira (1822). Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB286 VI- A Questão do Trabalho: trabalhador escravo versus trabalhador assalariado Este tópico foi particularmente estudado durante a aula 12 do curso. Nela, vimos vários elementos básicos que definiam as características do trabalho no período colonial, entre os quais podemos ressaltar: •O impacto que teve na economia brasileira o fim do tráfico de escravos e a abolição da escravatura; •O interesse crescente por parte da elite econômica brasileira na imigração de trabalhadores europeus; •Como ocorreu a vinda dos primeiros colonos europeus imigrantes; •O significado da transição do regime de trabalho escravo para o trabalho livre. VI- O Ciclo do Café O tema do ciclo do café e da industrialização foram vistos na aula 13, na qual estudamos os fatores que permitiram o aparecimento e o estabelecimento de um incipiente processo de industrialização, a partir das atividades mercantis do ciclo cafeeiro. Pudemos verificamos como a industrialização, especialmente, no Estado de São Paulo, dependeu sempre em grande parte da demanda do mercado estrangeiro de café. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB287 Podemos dizer, grosso modo, que a agricultura cafeeira teve os seguintes reflexos essenciais no desenvolvimento da economia brasileira: •O comércio do café não gerou apenas a demanda da produção industrial; atendeu também à parte de despesas gerais que foram necessárias à nascente indústria nacional; •A produção de café propiciou e induziu à construção de uma infra-estrutura complexa de desenvolvimento no país, tais como: estradas de ferro que foram implantadas em razão do crescimento da economia cafeeira, e que eram financiadas pelos próprios agricultores com seus lucros, ou ainda por estrangeiros interessados na perspectiva do transporte do produto; a instalação das primeiras indústrias que demandou serviços de energia elétrica (neste caso, também, muitas dessas indústrias foram inicialmente organizadas por cafeicultores ou por estrangeiros atentosaos futuros lucros gerados pelo café); e a criação do próprio Porto de Santos, que foi, desde sua origem, ligada ao desenvolvimento do comércio do café, servindo como principal fonte de escoamento da produção cafeeira de acesso aos mercados internacionais. Conclusivamente, estes foram, portanto, os pontos principais que estudamos na disciplina Formação Econômica Brasileira até a aula 14. Vamos, então agora, abordamos o objeto de nossa última aula: aula 15, que diz respeito à CRISE ECONÔMICA DE 1929 e a REVOLUÇÃO DE 1930. Para darmos prosseguimento ao conteúdo desta aula, sugiro que leia atentamente os textos sugeridos, a seguir. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB288 Texto 1 – A Revolução de 1930 e o Novo Estado Nos anos posteriores à Revolução de 1930, alteraram-se as funções e a própria estrutura do Estado brasileiro. Devido à derrota, ainda que parcial, das oligarquias dominantes até então, pelas novas classes sociais urbanas, a Revolução exprimiu as rupturas estruturais a partir das quais se tornou possível reelaborar as relações entre o Estado e a sociedade. Desde essa época, os desenvolvimentos do poder público revelam a acentuação dos seus conteúdos burgueses, em confronto com os elementos sociais, culturais e políticos de tipo oligárquico vigentes, nas décadas anteriores a 1930. Assim, poderíamos sintetizar, desde já, a idéia central deste estudo dizendo que o que caracteriza os anos posteriores à Revolução de 30 é o fato de que ela cria condições para o desenvolvimento do Estado burguês, como um sistema que engloba instituições políticas e econômicas, bem como padrões e valores sociais e culturais de tipo propriamente burguês. Enquanto manifestação e agente das rupturas estruturais internas e externas, a Revolução implicou na derrota (não se trata propriamente de liquidações) do Estado oligárquico .1 Isto significa que o poder público passou a funcionar – mais adequadamente –, segundo as exigências e as possibilidades estruturais estabelecidas pelo sistema capitalista vigente no Brasil; isto é, pelo subsistema brasileiro do capitalismo. Assim, os governantes passaram a reformular as condições de funcionamento do mercado de fatores de produção (ou forças produtivas), bem como as relações internas de produção, e as relações entre economia brasileira e a economia internacional. A evolução da legislação trabalhista, por exemplo, mostra, de modo bastante claro, esta transição. 1. É obvio que o Estado oligárquico foi uma modalidade de Estado burguês. Cabe a distinção, no entanto, na medida em que o Estado oligárquico implicou uma modalidade singular de organização do poder político-econômico, em termos de estrutura de dominação-subordinação. Note-se, por exemplo, que ele era bastante determinado pela economia primária exportadora. Outras peculiaridades serão mencionadas ao longo deste estudo. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB289 É que, a partir de 1930, foram estabelecidos, de modo formal, sob a responsabilidade do Estado, as condições e os limites básico de funcionamento do mercado de força de trabalho. Assim, estabeleceram- se, na mesma legislação trabalhista e sindical, as condições e os limites sociais e políticos da atuação dos assalariados. Em poucas palavras, o conjunto das atividades estatais, no período de 1930-45, assinala a agonia do Estado de tipo oligárquico e o desenvolvimento do Estado propriamente burguês. Vejamos agora, algumas particularidades desse processo de modificação do poder público, concebido de modo global, em seus componentes político-econômicos e sócio-culturais. Nos anos de 1930 e 1945, o governo brasileiro, sob Getúlio Vargas, adotou uma série de medidas econômicas e realizou inovações institucionais que assinalaram, de modo bastante claro, uma fase nova de relações entre o Estado e o sistema político-econômico. Todavia, as medidas econômico-financeiras adotadas, as reformas político- administrativas realizadas e a própria reestruturação do aparelho estatal, não foram o resultado de um plano preestabelecido. E, muito menos, foram o resultado de um estudo objetivo sistemático das reais condições preexistentes. O próprio desenrolar das soluções adotadas após 1930 mostra que o governo foi respondendo aos problemas e dilemas conforme eles apareciam, no seu horizonte político, por injunção de interesses e pressões econômicas, políticas, sociais e militares. Às vezes as pressões e os interesses – principalmente econômicos e financeiros –, eram de origem externa. 2 2. Ao referir-se a Otto E. Niemeyer, chefe da missão inglesa no Brasil, em 1931, o jornal New York Times escreveu o seguinte, em maio deste ano: “Contrariamente às noticias propaladas, ele (O.E. Niemeyer) não foi convidado pelo Governo Provisório, mas foi enviado ao Brasil para salvaguarda dos Rothschilds”. Citado por J.F. Normano, in: a Evolução Econômica do Brasil, tradução de T. Quartim Barbosa, R. Peake Rodrigues e L Brandão Teixeira, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1945, 2ª edição, p.263. Um resumo das recomendações feitas por Niemeyer ao governo brasileiro encontra-se em: Mário Wagner Vieira da Cunha, O Ssistema Administrativo Brasileiro, Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, Rio de Janeiro, 1963, pp.47-49 Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB290 Antes da Revolução, já se aprofundara bastante o debate sobre vários dentre os problemas com os quais deveria defrontar-se o governo, após a deposição do Presidente Washington Luis, em outubro de 1930. Haviam-se examinado e debatido problemas tais como os seguintes: democratização do sistema político em geral, particularmente o processo eleitoral e o exercício efetivo dos poderes; protecionismos alfandegários e a defesa da incipiente indústria brasileira; reforma e ampliação do sistema nacional de ensino, em seus níveis elementar, médio e superior; formalização das relações de trabalho e das atividades sindicais; as funções do poder público, na proteção e incentivo às atividades econômicas instaladas e a instalar- se; a importância e a necessidade de uma política governamental de defesa e aproveitamento das riquezas minerais. 3 De fato, antes de 1930 o sistema político e econômico brasileiro já se defrontara com problemas estruturais e conjunturais típicos de uma economia dependente, isto é, economia primária exportadora. Por exemplo, repetiam-se as crises na cafeicultura, que era o principal setor da economia do País. Note-se que na década de 20 o café perfaz mais de 80% do valor global das exportações brasileiras. Isto dá uma idéia de importância relativa da cafeicultura na criação de capacidade para importar.4 Aliás, mesmo quando as crises não eram graves, elas punham em evidência a vulnerabilidade do setor exportador e, por conseqüência, de outros segmentos da economia brasileira. Além disso, a política econômica externa, do tipo liberal (conforme era exigida pelas empresas comerciais e financeiras européias e norte-americanas, que controlavam o setor externo brasileiro) significava a maciça e sistemática exportação do excedente econômico nacional. 3 . CAIO PRADO JUNIOR. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 3ª edição, 1953, esp. pp. 213-302. 4 . Note-se que, que ainda nestas mesmas décadas as importações de café por parte dos Estados Unidos representavam mais de 50% das exportações brasileiras. Durante os anos da Segunda Guerra Mundial, a participação dos Estados Unidos chegou a mais de 80%. Cf. “ O Café na Economia Brasileira”, estudo publicado pela redação da Revista Brasileira de Estatística, ano XI, nº 44, Riode Janeiro, 1950, pp. 639- 643, esp. tabela VII. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB291 Tanto através da comercialização do café, controlada pelos centros dominantes (Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha e outros) como por meio da importação de manufaturados e artigos de consumo da classe dominante, boa parte do produto nacional encaminhava-se para o exterior. 5 Nessa época, pois, o governo atuava no sentido de proteger e incentivar as atividades produtivas ligadas ao setor externo, que era essencial à sustentação do sistema político-econômico então vigente. Simultaneamente, entretanto, formaram-se novos grupos sociais, com interesses distintos dos interesses da burguesia nacional e internacional (rural, comercial e financeira), vinculada à cafeicultura. Em conseqüência da incipiente industrialização havida nas décadas anteriores, do crescimento do setor terciário e da própria urbanização, surgiram novos grupos sociais, particularmente os primeiros núcleos proletários e os princípios da burguesia industrial; além de expandir- se bastante a classe média. Foi neste ambiente urbano mais complexo e parcialmente independente da cultura agrária que surgiram, na década de 20, vários movimentos políticos e artísticos novos: fundou- se o Partido Comunista do Brasil em 1922; surgiram as primeiras manifestações do tenentismo o qual exprimia os interesses, os ideais e as ambições políticas de alguns setores do Exército; fundou-se um partido político de inspiração fascista, com a Legião do Cruzeiro do Sul, em 1922; realizou-se a semana de Arte Moderna em São Paulo, também em 1922, quando se manifestaram alguns jovens artistas de vanguarda. Essas são algumas das principais expressões de uma sociedade urbana em franca transformação. 6 Ao mesmo tempo, cresce o mercado interno e abrem-se novas perspectivas para o incipiente setor manufatureiro. A abolição da escravatura e a intensa imigração de europeus (braços para lavoura, colonos, artesãos e operários) eram, a uma só vez, agentes e manifestações das mudanças econômico-sociais e culturais que então ocorriam. 5. CAIO PRADO JUNIOR, op. cit., esp. pp. 275-287. 6. CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Buriti, 1965. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB292 Em especial, expande-se o sistema econômico, inclusive qualitativamente. Assim, se observássemos a evolução da economia brasileira ao longo das décadas de 20 e 30, verificaríamos a seguinte tendência emergente: “O processo desta nova economia em germinação é condicionado pela constituição e ampliação de um mercado interno, isto é, pelo desenvolvimento do fator de consumo, praticamente imponderável no conjunto do sistema anterior, em que prevalece o elemento de produção. Concorre para isto, em primeiro lugar, o crescimento da população e elevação do seu padrão de vida, de suas exigências e necessidades. (...) Aos poucos, a produção interna, tanto agrícola como industrial, poderá ir fazendo frente a uma proporção cada vez maior às solicitações do consumo. (...) A indústria nacional vai progressivamente substituindo com seus produtos a importação anterior de quase tudo que diz respeito a artigos de consumo imediato, isto é, às manufaturas leves ”. 7 Neste contexto histórico, em que se revelam as pré-condições das rupturas políticas e econômicas que assinalam a Revolução de 1930, a Depressão Econômica Mundial de 1929-1933 desempenha um papel decisivo. Não só pelos efeitos “catastróficos” que ela provocou na cafeicultura e, por conseqüência, no sistema político-econômico brasileiro, em conjunto, mas também pelo fato de que “produziu” uma consciência mais clara dos problemas brasileiros. Todas as classes sociais, inclusive a própria burguesia associada à cafeicultura, foram obrigadas a tomar consciência – novamente e de modo mais completo –, das limitações econômico-financeiras inerentes a uma economia voltada fundamentalmente para o mercado externo. 7 . CAIO PRADO JUNIOR, op., cit., pp. 292-294. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB293 Portanto, a Revolução de 1930 (que depôs Washington Luis) representa uma ruptura política e, também, econômica, social e cultural como o Estado oligárquico vigente nas décadas anteriores. Aliás, é o próprio estado oligárquico que se rompe internamente, pela impossibilidade de acomodarem-se as tensões e conciliarem-se os contrários liberados pela crise política e econômica mundial e interna. 8 A partir deste momento, os grupos políticos no poder começaram a modificar seus órgãos governamentais e a inovar na esfera da política econômico-financeira. Os novos governantes tiveram de acomodar-se aos poderosos interesses econômicos e políticos ligados à cafeicultura. Entretanto, eles tiveram condições para encaminhar novas diretrizes governamentais. Conforme dizia Getúlio Vargas em 1931, ao esboçar a nova imagem das relações entre o poder público e as atividades produtivas: A partir deste momento, os grupos políticos no poder começaram a modificar seus órgãos governamentais e a inovar na esfera da política econômico-financeira. Os novos governantes tiveram de acomodar-se aos poderosos interesses econômicos e políticos ligados à cafeicultura. Entretanto, eles tiveram condições para encaminhar novas diretrizes governamentais. Conforme dizia Getúlio Vargas em 1931, ao esboçar a nova imagem das relações entre o poder público e as atividades produtivas: “Examinando detidamente o fator de maior predominância na evolução social, penso não errar afirmando que a causa de falharem todos os sistemas econômicos, experimentados para estabelecer o equilíbrio das forças produtoras, se encontra na livre atividade permitida à atuação das energias naturais, isto é, na falta de organização do capital e do trabalho, elementos dinâmicos preponderantes no fenômeno de produção, cuja atividade cumpre, antes de tudo, regular e disciplinar.” 9 8 IANNI, Octavio. A Grande Depressão Econômico Mundial e o Brasil: 1929-33. São Paulo: agosto de 1969. Alguns das principais características do Estado Oligárquico, que entra em colapso em 1930, foram examinados por: CUNHA, Mário Wagner Vieira da, op. cit., esp. pp. 22-23 In: CARONE, Edgar. A República Velha, Difusão Européia do livro. São Paulo, 1970, esp. pp. 267-271. 9 GETÚLIO VARGAS. As Diretrizes da Nova Política do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1942, 9.117. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB294 Em conseqüência, liquidaram-se as poucas e frágeis instituições democráticas, a despeito de exclusivamente urbanas. Ao mesmo tempo, acelerou-se o processo de distribuição dos remanescentes do Estado oligárquico. Além disto, os setores burgueses mais fortes, apoiados na força militar e em aliança com setores da classe média, passaram a controlar o poder político e a opinar sobre as decisões de política econômica. E, assim, consolidou-se uma vitória importante, ainda que parcial, da cidade sobre o campo. Pouco a pouco, as classes sociais de mentalidade e interesses caracteristicamente urbanos impuseram-se sobre uma mentalidade e interesses enraizados na economia primária exportadora. Para os partidos e movimentos políticos que haviam lutado por instituições democráticas, a vitória sobre as oligarquias havia sido um malogro. Passava-se do regime oligárquico à ditadura do tipo burguês, depois de um entreato de grande fermentação política e cultural. Texto 2 : Esforços de industrialização anteriores à II Guerra Mundial Foi somente depois da Segunda Guerra Mundial que o Brasil empenhou- se em um surto de industrializaçãodeliberado, geral e continuado, que alterou acentuadamente a estrutura de sua economia. Isto não significa, todavia, que a industrialização se tenha iniciado “do nada”. A partir dos fins do século XIX, surgiram diversos tipos de indústria, freqüentemente em conseqüência da interrupção dos suprimentos de além-mar, mas, até a segunda década do século XX, poucas delas se tinham estabelecido solidamente. A Primeira Guerra Mundial e a grande depressão dos anos 30, porém, representaram um impacto poderoso para estabelecer uma base industrial duradoura, embora diminuta. Não obstante, como veremos, ao se iniciar a segunda guerra, o Brasil era ainda, predominantemente, um país produtor de artigos primários. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB295 A industrialização Anterior ao Século XX Até a segunda década do século XX, a economia brasileira dependia basicamente da exportação de certos produtos-chave de natureza primária, que predominaram, por ciclos sucessivos, na estrutura de suas exportações: pau-brasil, açúcar, ouro e diamantes, borracha, algodão e cacau. Até a independência do país, importavam-se virtualmente todos os bens manufaturados. Devia-se isso a uma deliberada política mercantilista portuguesa, que proibia qualquer tipo de desenvolvimento industrial na colônia. O mercado brasileiro para artigos manufaturados constituía reserva exclusiva dos fabricantes portugueses e britânicos. A estes últimos haviam sido outorgados privilégios especiais através de tratados negociados com Portugal, e conservados após a independência do país, até 1844. Durante a maior parte da existência do Império Britânico (1822-1889), a política comercial baseava-se no livre-cambismo, o que tornava extremamente difícil o estabelecimento de indústrias no país, em face de concorrência externa. Os senhores de terra e os comerciantes de cidades litorâneas, sem qualquer interesse de promover a industrialização, constituíam a classe dominante. Em meados do século não ocorreu qualquer desenvolvimento industrial digno de menção. Por exemplo, de acordo com o censo industrial de 1920, de 13.336 estabelecimentos existentes, somente 35 eram anteriores a 1850 e apenas 240 tinham sido fundados antes de 1880. 1 As poucas e pequenas fábricas e oficinas que existiam produziam chapéus, rapé, sabão, ferro fundido e alguns outros artigos de importância secundária. 1. G.F. LOEB. Industrialization and Balanced Growth: With Special Reference to Brazil. Groningen, Netherlands, 1957, p 87. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB296 Na segunda metade do século XIX tornaram-se mais digna de nota as tentativas de criar indústrias. As décadas de 60 e 70 presenciaram a construção da primeira estrada-de-ferro no Brasil, a inauguração da navegação a vapor, a construção de novos portos, a expansão das indústrias têxteis e de alimentação. Muitas destas realizações estão ligadas ao nome do Barão de Mauá, o primeiro grande banqueiro e empreendedor brasileiro. As novas empresas foram ajudadas, em parte, pelas relações de troca favoráveis naqueles anos e, também, pela casual proteção tarifária provocada pelas necessidades governamentais de ampliar suas receitas, cuja principal fonte era as tarifas alfandegárias. O maior crescimento teve lugar na indústria têxtil. Havia duas fábricas têxteis em 1850; esse número crescera para 44 em 1881. Ainda assim, foi um desenvolvimento de proporções relativamente reduzidas, quando se leva em conta que apenas 3000 trabalhadores eram empregados por estas fábricas por volta de 1880 2, e que o Brasil continuava a importar considerável parcela de tecidos utilizados no país. Considerável impulso à expansão industrial foi dado com a abolição da escravatura em 1888 e com a proclamação da República no ano seguinte. A abolição acarretou substancial desorganização de algumas tradicionais regiões agrícolas, provocando o êxodo de grande número de fazendeiros para as cidades, onde passaram a se dedicar à indústria e ao comércio. Todavia, na década de 1890, expandiram- se rapidamente as exportações de café, cacau e borracha, trazendo prosperidade a algumas das novas regiões de produção agrícola, especialmente ao estado de São Paulo. Esta prosperidade e o afluxo de imigrantes europeus no mesmo período (muitos dos quais encontraram emprego nas novas áreas cafeicultoras) proporcionaram consideráveis mercados para os bens industriais, tanto importados como fabricados no país. 2. DORIVAL TEIXEIRA VIEIRA. “The industrialization or Brazil” in Brazil: portrait of Half a Continent. New York: The Dryden Press, 1951, p 57. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB297 A criação de empresas industriais no país foi, em parte financiada pelo capital oriundo do setor exportador em expansão. Por outro lado, grande número de imigrantes que entraram no país nos fins do século XIX, trouxe consigo o Know how indispensável a estes novos empreendimentos. Deve-se fixar, porém, que este surto industrial foi bem diminuído em confronto com o crescimento geral da economia observado em fins do século passado. Nos primeiros anos da República foi adquirindo autoridade cada vez maior uma escola de pensamento favorável à industrialização. Proclamava ela que o Brasil precisava completar sua independência política adquirindo a independência econômica e que esta só seria alcançada através de novas indústrias cuja produção substituísse grande número de importação. Essa propaganda teve como resultado maior proteção tarifária e a concessão de assistência financeira governamental às novas indústrias. 3 Durante a última década do século XIX, o Brasil realizou também sucessivas desvalorizações de sua moeda, para atender a problemas de seu balanço de pagamentos. Isto também proporcionou certo grau de proteção às novas empresas industriais. Desse modo, defendidos por uma muralha protecionista, o número de estabelecimentos industriais no Brasil aumentou de 636, em 1889, para 1088, em 18954. 5 Durante a última década do século XIX fizeram sua aparição indústrias dedicadas a suprir o setor exportador em expansão e o setor de consumo interno. Por exemplo, instalou-se em São Paulo uma empresa de juta para atender a crescente demanda de sacos para café e outros artigos em grão; abriram-se pequenas fábricas para produzir tecidos de algodão, seda e linho; moinhos, fábrica de enlatados, biscoitos, macarrão, de diversos tipos de bebidas etc. Tudo isto, porém, continuava a representar uma pequena parcela do total da atividade econômica.5 3. Estudo interessante do despertar do sentimento nacionalista, favorável a industrialização em grande escala é o de LUZ, Nicia Vilela. A luta pela industrialização no Brasil. São Paulo: Corpo e Alma do Brasil, Difusão Européia do Livro, 1961. 4. VIEIRA, op. cit. p. 248. 5. WHYTE, George. Brazil: Trends in Industrial Development. In: Economic Growth: Brazil, India, Japan. SIMON KUZNETS et alli; Durhan: N.C. p 39. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB298 Antes da Primeira Guerra Mundial verificou-se considerável incremento na produção industrial. Este fato, em parte, resultou da influência de um maior protecionismo, especialmente através “... da instituição de tarifas aduaneiras parcialmente recolhidas em ouro (que) constituiu um fator acentuadamente protecionista a dificultar a competição estrangeira”.6 O acelerado ritmo de crescimento entre 1910 e 1914 deve-se, também, à Caixa de Conversão “... que proporcionou maior saldo de divisas para a aquisição de maquinaria, instrumental e até matérias-primas para o desenvolvimento industrial”.7Trata-se de interessante antecedente do tipo de medidas a serem amplamente aplicadas na década de 50 com o objetivo de promover a industrialização. Outros fatores favoráveis eram a falta de emprego nas fazendas, reforçando o quociente de mão-de-obra disponível para as fábricas, e os imigrantes que, quando não tinham passagem paga pelo governo, e que permaneciam em sua maioria nas cidades. A instalação de usinas de eletricidade e o desenvolvimento das ferrovias, conjugados ao substancial afluxo de capital estrangeiro, serviam para manter o acelerado ritmo de industrialização antes da guerra. O advento da Primeira Guerra Mundial representou uma grande oportunidade para as nascentes indústrias brasileiras. A interrupção dos suprimentos do além-mar eliminou a competição estrangeira, e muitas novas indústrias foram instaladas para preencher o hiato, e mesmo para suprir mercados externos. Outros elementos adicionais que vieram a fortalecer a disseminação de empresas industriais foram o efeito inflacionário das finanças no período da guerra, ampliando o poder aquisitivo, e os lucros – obtidos, durante a guerra, pela navegação, e comércio de manufaturas –, aplicadas na criação e expansão de empresas industriais. 6. VIEIRA, op. cit. p. 249. 7. Ibidem Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB299 Criaram-se, durante a guerra, 5936 novos estabelecimentos industriais, e o valor da produção industrial cresceu de 212 por cento entre 1914 e 1919. 8 O tipo de estrutura industrial que se formou durante a prosperidade de guerra tornou-se evidente com a publicação do Recenseamento de 1920. Revelou até a existência de 13356 estabelecimentos industriais empregando um pouco mais de 300.000 trabalhadores. O maior crescimento verificou-se na indústria alimentar, cuja produção, em 1907, representava 26,7 por cento do valor total da produção industrial, passando sua parte a 40,6 por cento e, em 1920 (inclui ela alimentos, bebidas e fumo)9. A indústria têxtil também avançou a grandes passos e alcançou 28,6 por cento em 1920 (desconhece-se sua participação exata em 1907). Resulta óbvio do quadro 2-1 que o surto industrial ocorrido durante a Guerra foi de pouca valia para o desenvolvimento da indústria pesada, e que a atividade industrial continuou a depender amplamente da importação de máquinas e peças. Quadro 2-1 DISTRIBUIÇÃO POR SETORES DA ATIVIDADE INSDUSTRIAL (Percentagem do valor total adicionado) INDÚSTRIAS 1920 1940 1950 Minerais não Metálicos 4,7 5,3 7,4 Metalurgia 4,3 7,7 7,4 8.Ibidem, p 249. Este aumento se refere ao valor nominal de produção. Em termos reais deve ter representado aproximadamente 150 a 160 por cento. 9. Deve-se observar que a parcela de 40,6% para a indústria de produtos alimentares em 1920 representa sua participação no valor total da produção (e não deve ser comparada com os dados da tabela 2-1, que apresenta relações em termo de valor adicionado). A razão disto é permitir a comparação da situação em 1920 com a de 1907, ano para o qual não se dispõe de dados relativos ao valor adicionado. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB300 Mecânica 2,0 5,8 2,2 Material Elétrico 1,7 Material de Transportes 2,3 Madeira 5,8 5,1 3,4 Mobiliário 2,0 2,2 Papel e correlatos 1,5 1,4 2,1 Artefatos de borracha 0,2 0,7 2,1 Couro e artefatos de couro 2,4 1,7 1,3 Química e farmacêutica 6,0 10,4 9,4 Têxtil 28,6 22,7 20,1 Vestuário, calçados e artefatos de tecido 8,6 4,9 4,3 Produtos alimentares 22,2 22,9 19,6 Bebidas 5,9 4,5 4,3 Fumo 3,9 2,2 1,6 Editorial e gráfica 3,6 4,2 Diversos 1,9 1,5 4,4 Fonte: Censos industriais de 1920,1940 e 1950. Preparado e tornado comparável (a preços correntes) por Jayme Fuks, da Fundação Getúlio Vargas. Visto em perspectiva, o surto industrial provocado pela guerra não transformou basicamente a estrutura econômica brasileira. De vez que não se dispõe de estimativas das contas nacionais para este período, a única indicação existente a respeito da distribuição da atividade econômica na sociedade brasileira repousa na distribuição da população por setores de atividade (ver quadro 2-2). Embora em 1920 13% da população ativa estivesse engajada em indústrias manufatureiras, muitas das empresas incluídas na categoria, eram antes pequenas oficinas do que empresas industriais de certo porte, e muitas não passavam mesmo de instalações artesanais do tipo rural (freqüentemente funcionando a tempo parcial), que não seriam agrupadas no setor secundário pelos recenseamentos em 1940, e nos anos seguintes. (Até mesmo a costura doméstica foi incluída na classificação de 1920). Na década de 20, muitas das indústrias instaladas durante a guerra sofreram sério retrocesso. Os bens produzidos no país eram caros e Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB301 de qualidade inferior, se comparados com os americanos e europeus. Estes últimos começaram a se tornar novamente disponíveis no início do período, logo que inteiramente reconstruídas as indústrias européias. A recuperação européia também exerceu grande pressão sobre a indústria norte-americana, a qual subitamente se deu conta do excesso de capacidade de algumas de suas instalações, voltando- se então, com crescente vigor, para os mercados latino-americanos. Desse modo: “... produtos industriais estrangeiros, principalmente tecidos, perfumes, louça, porcelana e cristal e mesmo certos gêneros alimentícios chegavam ao mercado brasileiro a preços muito inferiores aos bens produzidos no país.”10 Outro fator a influenciar a produção na década de 1920 era a política governamental do café. O consumo de café não diminuiu durante a guerra e chegou mesmo a aumentar substancialmente depois dela. Durante o decênio, todavia, o governo brasileiro manteve um pesado sistema de sustentação desse setor da economia, apesar da diminuição das exportações. Assim, em virtude da considerável expansão da área de plantio efetuada no inicio da década de 20, a produção exportável aumentou em quase 100% entre 1925 e 1929, enquanto permaneciam praticamente estagnadas as quantidades exportadas. Entre 1927 e 1929 as exportações mal absorveram dois terços da produção total. Internamente, porém, o café atravessara um período de prosperidade inaudita, dificilmente justificada em face da situação do mercado externo. De acordo com destacada autoridade, não foi “... estranho que reaparecessem com grande força os velhos preconceitos contrários à indústria e que a literatura econômica brasileira atacasse duramente a indústria nacional em nome do bem estar do povo”. 11 10. VIEIRA, op. cit. p. 251. 11. Ibidem, p. 251. De acordo com Vieira, os argumentos avançados contra a indústria eram o de que ela era artificial, onerosa, e por vezes extorsiva. Foi um período, também em que os autores votaram a defesa do livre-cambismo e combateram as medidas protecionistas, porque suscitavam dificuldades ao livre ingresso do café nos países consumidores. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB302 Não é surpreendente, dada a influência dos grupos sócio-econômicos tradicionais, que o governo deixasse de vir em socorro das indústrias em dificuldades. QUADRO 2-2 DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA ATIVA POR SETOR DE ATIVIDADE 1920 1940 Setor Primário 69,7 67,0 Agricultura, pesca e atividade Florestal 69,0 65,1 Produtos Vegetais 1,3 Caça e Pesca Setor Secundário 13,8 14,88 Indústrias extrativas minerais 0,8 0,8 Indústrias manufatureiras 13,0 14,0 Setor Terciário 16,5 18,2 Comércio 5,4 5,5 Transportes e comunicações 2,8 3,4 Governo 2,0 2,8 Profissionais Liberais 2,3 2,1 Serviços domésticos remunerados 4,0 4,4 TOTAL100% 100% Fonte: BORGES, T. Accily Pompeu & LOEB, Gustaff. Desenvolvimento Econômico e distribuição da população ativa. Rio de Janeiro: Livraria Ativa, 1947 p. 40. Estes dados foram levantados a partir dos censos realizados nestes anos. O resultado final dessa evolução foi uma sensível queda na produção industrial, em 1924-25, seguida de uma lenta retomada nos cinco anos que se seguiram. De vez que o único índice disponível para o conjunto da produção industrial só remonte a 1924, alguns outros indicadores são utilizados no quadro 2-3. Mostram eles um declínio e/ou uma redução no ritmo de crescimento da produção a partir dos últimos Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB303 anos da década de 20. Concomitantemente, houve considerável crescimento das importações. Resumamos então o quadro que se apresenta nos últimos anos daquela década. A Primeira Guerra Mundial representa substancial estimulo para as indústrias do país, mas, ao findar a guerra as incipientes indústrias viram-se sufocadas pela livre competição dos países industriais. O governo não dispunha de política para proteger ativamente e muito menos para estimular ulteriormente a diminuta base industrial. Sua única preocupação volta-se para a defesa da produção cafeeira. Como vimos, isto acarretava um resultado parcialmente depressivo sobre o processo de industrialização, pois excluía um mínimo que fosse de proteção e de subsídio para a indústria. Veremos, porém, que a política de defesa do café teve efeito mais positivo para o crescimento ulterior da indústria na década de 30. O período da Depressão Mundial A depressão dos anos 30 teve severo efeito negativo sobre as exportações brasileiras, cujo valor cai de U$ 445,9 milhões em 1929, para U$ 180,6 milhões em 1932. O Brasil foi o primeiro país latino- americano a lançar mão do controle de câmbio e de outros controles diretos. Estes controles combinando-se com a depreciação da moeda brasileira que encarecia o preço interno dos bens importados provocaram a queda das importações do nível de U$ 416,6 milhões11, em 1929, para U$ 108,1 milhões em 1932.12 Uma vez que, ao se iniciar a depressão, o café representa 71% das exportações, a principal preocupação do governo era defender o setor cafeeiro. Isto foi feito através da compra dos excedentes e da distribuição da grande parte dos mesmos. Assim, a renda do setor 12. CARLSON, REYNALDO E. CARLSON. “Brazil´s Role in International Trade”, in: SMITH and MARCHANT, op. cit. p. 274-81. O preço do café caiu de 15,75 centavos por libra em 1929 para 8,06 em 1932, e 5,25 em 1938. Enquanto o volume do café exportado caiu de 873 mil toneladas em 1929 para 718 mil em 1932, e elevou-se para 1033 em 1938. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB304 café foi artificialmente defendida contra o impacto da depressão. Inexiste, até agora, estudo que trate do mecanismo exato dessa proteção. Constitui ela não só na compra de estoques, para socorrer os produtores agrícolas esmagados pelas dividas, especialmente no estado de São Paulo, responsabilizando-se o governo pelos débitos, criando desse modo, moeda adicional e permitindo que os devedores postergassem o pagamento. Essa medida, denominada de Reajustamento Econômico, foi posta em prática nos primeiros anos da década de 30, no início da administração Vargas13. A limitação imposta pelas autoridades brasileiras sobre a quantidade de bens importados, que se seguiu à diminuição da receita de exportação, provocou carências no mercado interno. No entanto, a sustentação da renda do setor do café conservara no mesmo nível a demanda de bens importados. Esta situação de oferta reduzida e demanda inalterada (alguns argumentariam até que a demanda global cresceu em virtude dos efeitos multiplicadores do Reajustamento Econômico) acarretou sensível elevação nos preços relativos daqueles bens. Criavam-se, assim, incentivos para aumentar a produção interna das indústrias brasileiras que competiam com as importações. Não demorou muito para que parte do capital líquido oriundo do programa de valorização do café e do programa geral de Reajustamento Econômico encontrasse o caminho para aplicar-se, direta ou indiretamente, em novas empresas brasileiras. Como resultado disto, a produção industrial, que se reduzira a 10% nos primeiros anos da depressão, já em 1933 recuperava o nível de 1929, (por essa época, a produção agrícola destinada ao mercado interno também recuperava seu nível de antes da depressão). Como o aumento da produção industrial não se podia efetivar através do crescimento da importação de maquinaria, dada a carência de divisas e o preço amais elevado das exportações devida à 13. Deve-se repetir aqui que a expansão de créditos pelo Governo, com a finalidade de preservar a renda do setor do café, foi a única fonte de fundos para o Reajustamento Econômico. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB305 desvalorização da moeda, a fase inicial dessa expansão industrial dos anos 30 caracterizava-se pela maior utilização da capacidade ociosa existente. Isto foi possível, particularmente, em indústrias como as têxteis, que já operavam abaixo de sua capacidade mesmo antes de desencadear-se a depressão. De acordo com Furtado, tal utilização mais intensa da capacidade ociosa aumentou a rentabilidade das indústrias, criando fundos necessários para sua expansão subseqüente. Tornou- se possível, também, importar a preço muito baixo, equipamentos de segunda mão, em muitos casos provenientes de fábricas estrangeiras mais duramente atingidas pela crise.14 Os dados disponíveis parecem confirmar a analise acima. O índice de produção industrial atingiu seu ponto mais baixo em 1932, e, em 1934, já tinha superado o auge anterior à crise. Os índices de produção de artefatos de algodão e de camisas mostram claramente estarem estes setores trabalhando abaixo de sua capacidade na década de 20, e a rápida mobilização desta capacidade nos primeiros anos da década de 30, sendo que o ponto mais baixo foi atingido em ambos os setores em 1930. Evidencia-se também notável aumento na produção de bens de capital. Embora o consumo interno de cimento só retornasse ao nível de antes da depressão na segunda metade do decênio, observa-se um surto de produção interna depois de 1930, tornando o país praticamente auto-suficiente à medida que avançavam os anos. Embora em menor medida, tendência semelhante se observa na produção de ferro gusa. Deve-se notar, porém, que os dados de consumo incluem importações não somente de ferro gusa, como de barras de aço, enquanto a produção interna cingia-se ao ferro gusa, resultando ligeira subestimação da produção interna nas proporções registradas. Os dados parecem, pois, confirmar a observação de Furtado, no sentido de que a economia brasileira não só encontrou em si mesma os estímulos necessários para contrabalançar as influências depressivas externas, como também foi bem sucedida no desenvolvimento da 14. FURTADO, op. cit. pp. 221-222. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB306 produção de alguns bens de capital indispensáveis à manutenção de sua capacidade produtiva. 15 Durante os anos 30, a produção industrial continuou a crescer, alcançando, no fim da década, níveis mais de 60% acima de 1929. Isto foi possível graças à proteção proporcionada pelas persistentes dificuldades no comércio exterior de vez que os preços de produtos exportáveis só se recuperaram com extrema lentidão. Ao findar a década, as importações permaneciam bem abaixo do nível anterior à crise. O impulso recebido pelas atividades industriaisnos anos 30 não foi de molde a modificar drasticamente a estrutura da sociedade brasileira. Isto resulta claro no Quadro 2-2, no qual se verifica que entre 1920 e 1940, a parcela da população ocupada pela indústria manufatureira passou apenas de 13 para 14%, enquanto a proporção dos que trabalhavam no setor primário apenas se reduziu de 69,7% em 1920, para 67,0% em 1940. Estes dados evidentemente minimizam a importância da indústria em termos de valor adicionado, especialmente se levarmos em conta o grande aumento havido nos índices da produção industrial. É forçoso admitir que, entre 1920 e 1940, se tenha elevado substancialmente a produtividade na indústria. Isso parece lógico quando se considera que, em muitos casos, o acréscimo de produção industrial, no período, decorreu da utilização mais intensa da capacidade ociosa existente e, ainda, que a produtividade por unidade de insumo tende a crescer rapidamente nos primeiros anos de operação de novas instalações industriais. Entre 1920 e 1940 houve algumas mudanças na estrutura da produção industrial, embora não muito profundas, (ver Quadro 2-1). A indústria têxtil e os produtos alimentares continuavam a ser predominantes em 1940, mas os setores metalúrgico, mecânico, químico e farmacêutico aumentaram bastante seu peso relativo na estrutura industrial, embora basicamente sem alterar o quadro geral. 15. Ibidem p. 225. Formação Econômica Brasileira - UVB Faculdade On-line UVB307 Nesta nossa última aula, fizemos, em primeiro lugar, uma síntese geral da disciplina Formação Econômica Brasileira. Sendo que o objeto real da aula de hoje foi o estudo do esgotamento da política de valorização do café, que vigorou durante as três primeiras décadas do século XIX. O sinal para a queda e a queima dos estoques de café foi dado pela crise internacional, a partir da crise da bolsa de Nova Iorque. E a conseqüência política interna em nosso país foi a Revolução de 1930 e a paralisação da República Velha. Estava então inaugurada, no Brasil, uma nova fase marcada por novos traços históricos: nacionalismo e intensificação da industrialização, através de um processo de substituição de importações. Espero que você tenha absorvido não somente o proposto pela aula de hoje, mas também, tenha tido a oportunidade de assimilar os conhecimentos que aqui foram repassados em relação à História Econômica do Brasil, em geral. Por fim, desejo-lhe sucesso na continuação de seus estudos e em sua vida profissional. Referência Bibliográfica IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970), capítulo II, item 1. In: A Revolução de 1930 e o Novo Estado. São Paulo: Civilização Brasileira, 2ª edição, 1977, pp. 13-22. BAER, Werner. A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico no Brasil, capítulo 2. In: Esforços de Industrialização anteriores à II Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, pp. 13-26.
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