Buscar

A interpretação médica para surdos: a atuação de intérpretes de LIBRAS/Português em contextos da saúde

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 61 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 61 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 61 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
 
 
 
Ringo Bez de Jesus 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A interpretação médica para surdos: a atuação de intérpretes de LIBRAS/Português em 
contextos da saúde 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2013 
Ringo Bez de Jesus 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A interpretação médica para surdos: a atuação de intérpretes de LIBRAS/Português em 
contextos da saúde 
 
 
 
 
Trabalho apresentado à Universidade Federal de Santa 
Catarina, como requisito para a conclusão do Curso de 
Graduação Bacharelado em Letras LIBRAS. 
 
Professora Orientadora: Dr. Audrei Gesser 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis 
2013 
	
  	
  
	
   	
  	
  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para minha amada mãe Rose. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço primeiramente a minha família, aos meus pais, Rosali (Rose) e Aguinaldo 
(Carioca) e aos meus irmãos, Rubens Bez, Rubia Bez, Cristiane Bez e Elizangela Bez, por me 
encorajar na aventura diante da vida, por acreditarem em meu sonho e por contribuírem 
significativamente na formação de meu caráter e na estabilidade emocional vivida em nosso 
lar. Queridos pais cada esforço não foi em vão para que seu primeiro filho pudesse se formar 
em uma Universidade Pública e ser orgulho de todos. 
A meus antigos e novos amigos, pelos maravilhosos momentos vividos e as marcas que 
serão deixadas eternamente em meu coração, em especial aos meus amigos Diego Martins, 
Michel Douglas, Tomaz Beche e Valdelucio Marques que carrego a minha vitória pessoal 
com muita gratidão pelos momentos de dor e alegria que passamos juntos. 
Ao Márcio Correia das Chagas, pelo apoio e pela dedicação que me sustentou durante a 
minha graduação, em especial ao carinho e amor dedicado ao nosso tempo vivido nessa etapa 
de minha vida. 
Aos Surdos, pelo maravilhoso caminho percorrido até hoje, pela paciência e pelo 
carinho que depositaram em mim. Em especial, a minha primeira e única professora de 
LIBRAS, Luciana Silva, pela dedicação e pelo esforço, que, aos meus 15 anos, depositou em 
minhas mãos e que me trouxe a este horizonte a comunidade surda brasileira. 
 Aos professores do Letras LIBRAS aqueles que contribuíram diretamente em minha 
formação acadêmica e como intérprete de LIBRAS. Com saudações especiais a minha 
orientadora Audrei Gesser pelo desempenho e pela dedicação destinada ao acompanhamento 
desse trabalho e à professora Silvana Aguiar pelos maravilhosos momentos vividos e trocas 
de figurinhas que contribuíram com muita ênfase para minha formação como intérprete. 
À equipe de Tradutores e Intérpretes de LIBRAS/Português da UFSC, onde com toda 
sua experiência e competência foi um dos pilares em minha vida de formação acadêmica e 
pessoal nessa Universidade, cujo papel foi fundamental para o meu desenvolvimento e 
aprimoramento profissional durante a minha graduação. 
Aos diretores da Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral, Valdo Cavallet e Vera 
Lúcia Israel, que diante de todos os impedimentos e barreiras puderam sempre me 
impulsionar a pensar na academia como um espaço social para humanização, onde os pilares 
que me rodeiam fazem parte do conhecer-compreender, compreender-propor e do propor-agir. 
Ao coletivo Gozze! de luta pela diversidade sexual, pelo apoio e por me fazer vivenciar 
uma Universidade mais plural pautada no reconhecimento e na visibilidade das diferenças. 
	
  	
  
	
   	
  	
  
Enfim, a todos que aqui não pude citar, e que se pudesse, com certeza seriam muitas 
páginas e nomes registrados, serei eternamente grato pelos momentos de alegria vividos e 
pelos incansáveis sorrisos que troquei com cada um de vocês. 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Este trabalho de conclusão de curso tem por finalidade, através de uma pesquisa de campo, de 
cunho exploratório, descrever a atuação de intérpretes de LIBRAS/Português em contextos 
médicos. Nesse sentido, os dados foram obtidos através da aplicação de questionários e 
entrevistas em vídeo, buscando informações de como se efetiva a interpretação para surdos na 
área da saúde. A interpretação em contextos médicos é um dos ramos da grande área 
emergente dos estudos da interpretação comunitária que merece uma atenção especial dos 
pesquisadores, visto a grande importância e o papel desempenhado na saúde pública dos 
cidadãos. No Brasil, estudos em interpretação médica em contextos de línguas orais também 
carecem de mais atenção, da mesma forma os contextos de línguas de sinais estão 
invisibilizadas, visto que a politica de acessibilidade destinada as ditas “pessoas com 
necessidades especiais”, é uma política mundial de respeito às diferenças e à pluralidade. 
Contudo, tanto a atenção dispensada à formação destes profissionais como também o 
desconhecimento das realidades de atuação por parte dos profissionais da saúde apresentam 
uma lacuna deficitária, e isto se percebe quando se examina a atuação dos intérpretes na área 
médica. 
 
Palavras-chave: intérprete de LIBRAS/português; interpretação médica; comunidade 
surda. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
	
  	
  
	
   	
  	
  
ABSTRACT 
 
This study aims at describing, through a field research of an exploratory nature, the role of 
LIBRAS/Portuguese interpreters in medical contexts. Accordingly, the data was collected 
through questionnaires and videos recordings, seeking information on how effective 
interpretations were for deaf people in healthcare settings. Interpretation in medical settings is 
one of the branches of a great emerging field in community interpreting studies that deserves 
special attention from researchers especially considering that the health is of great importance 
in citizens’ life. In Brazil, studies in medical interpretation in the context of oral languages 
also require more attention. In the same way are the contexts of sign languages, because the 
policy of accessibility for "people with disabilities" is a global policy acknowledging 
differences and diversity. However, both the focus regarding these professionals training as 
well as the lack of knowledge of working realms by the health professionals present a huge 
gap, and this is perceivable when one examines the performance of sign language interpreters 
in the medical field. 
 
 
Keywords: LIBRAS/Portuguese interpreters; medical interpretation; deaf community.
SUMÁRIO 
 	
  AGRADECIMENTOS	
  RESUMO	
  ABSTRACT	
  	
  
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9 
1 A COMUNIDADE SURDA BRASILEIRA E A LIBRAS .................................................. 12 
1.1 Os intérpretes de LIBRAS/Português e sua formação ........................................................ 15 
1.2 As legislações vigentes do Brasil ....................................................................................... 18 
 
2 O SUS E AS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL .......................................................... 20 
2.1 O atendimento dos surdos na saúde pública ....................................................................... 22 
2.2 A interpretação em contextos da saúde .............................................................................. 26 
2.3 O conceito de intérprete-médico ......................................................................................... 28 
 
3 A ABORDAGEM QUALITATIVA COMO PILAR METODOLÓGICO DE PESQUISA31 
3.1 Procedimentos para coleta e análise dos dados .................................................................. 33 
3.2 Descrição do contexto da pesquisa e dos participantes ...................................................... 34 
 
4 ENTRE O LEGAL E O REAL: PRÁTICAS E DESAFIOS DELINEADOS NOS 
DISCURSOS SOBRE A RELAÇÃO MÉDICO-INTÉRPRETE-PACIENTE SURDO ......... 36 
4.1 As relações de trabalho na interação médico-intérprete-paciente surdo ............................ 39 
4.2 A lei é Legal! Resistências e visibilidade das legislações nos espaços sociais .................. 48 
4.3 A formação do intérprete como o caminho frente às demandas no cenário brasileiro ....... 49 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 54 
 
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 56 
ANEXO 1 – Modelo de questionário aplicado com os intérpretes de LIBRAS ...................... 59 
ANEXO 2 – Modelo de questionário aplicado com os agentes da saúde ................................ 60 
ANEXO 3 – Modelo de questionário aplicado com os surdos ................................................. 61	
  	
  
9	
  	
  
	
   	
  	
  
INTRODUÇÃO	
  
 
A proposta para este trabalho de conclusão de curso é analisar a interpretação em 
contextos da saúde, com foco na interpretação médica. Segundo Queiroz (2011), os estudos 
voltados para interpretação médica são minimamente investigados no Brasil, e esses serviços, 
quando ofertados, têm se mostrado bastante despreparado para receber os estrangeiros e 
atender a comunidade brasileira não falante da língua portuguesa. Todavia, tais discussões e 
politicas públicas de acessibilidade estão mais avançadas se comparadas com os serviços que 
demandam a interpretação para a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). 
O foco atribuído a este objeto de estudo é instigado pela necessidade de se pensar como 
as comunidades linguísticas minoritárias que não falam a língua oficial do seu país são 
assistidas em contextos da saúde, via mediação do intérprete de LIBRAS. Sabe-se que o 
português não é a única língua falada no território brasileiro, e que tantas outras línguas 
(como é o caso das línguas indígenas1 e da língua de sinais) acabam sendo invisibilizadas no 
dia a dia mesmo asseguradas por políticas públicas de acesso à saúde e a promoção de 
serviços públicos essenciais para população num contexto geral. Então, como se efetiva a 
interpretação para surdos no contexto médico? 
No que tange à política voltada à comunidade surda brasileira, alguns instrumentos são 
ofertados, mas acabam mascarados diante de outros interesses em nome das políticas de 
inclusão social. Neste caso, pode-se destacar o serviço de intérpretes educacionais de 
LIBRAS/Português, garantido pela Lei nº 10.436/2002 e assegurada pelo decreto no 
5.626/2005, que institui a presença do profissional tradutor intérprete em todos os contextos 
privados e públicos, mas que na prática está longe de ser instituída, e na pior das hipóteses é 
um profissional pouco reconhecido e/ou valorizado. 
Diariamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) atende vários cidadãos surdos com 
diferentes diagnósticos, desde tratamentos complexos a consultas eletivas, deslocando-se 
regularmente às Unidades de Saúde ou até mesmo ao Programa de Saúde da Família sem 
qualquer atendimento de interpretação em sua língua materna nesses espaços públicos, 
quando são assistidos pelo intérprete ad hoc2, providenciado pelo próprio paciente, e muitas 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1 É importante ressaltar que no ano de 2005, o Ministro do Estado da Saúde, Senhor Humberto Costa, emitiu a portaria de 
número 1062/GM de 4 de julho de 2005 que institui a Criação do Selo Hospital Amigo do Índio e do Comitê de Certificação 
e Avaliação do Selo Hospital Amigo do Índio, que tem como objetivo principal a gestão da política nacional de atenção à 
saúde para os povos indígenas, respeitando as suas características étnico-culturais das comunidades. 
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/GM/GM-1062.htm 2	
   Segundo Queiroz (2011, p.50), a figura do intérprete ad hoc pode ser definida como um mediador bilíngue (membro 
familiar, amigo, profissional da saúde, voluntários e até mesmo crianças) que interpretam o diálogo entre paciente e provedor 
de saúde, sem um treinamento especifico. 
10	
  	
  
vezes sem competência para atuar no respectivo procedimento. 
Considerando-se que a LIBRAS foi reconhecida, via Decreto nº 5626, entendemos que 
é direito do cidadão brasileiro surdo acessar a saúde em sua integridade. Para tanto, as 
políticas públicas devem assegurar esse direito via atendimento mediado por um profissional 
intérprete. Se observarmos o artigo 25 do decreto acima citado podemos entender que muitas 
questões ainda estão descobertas pela prática diária da rede de atendimento do SUS: 
 
CAPÍTULO VII 
DA GARANTIA DO DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS SURDAS OU 
COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA 
 Art. 25. A partir de um ano da publicação deste Decreto, o Sistema Único de 
Saúde - SUS e as empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos 
de assistência à saúde, na perspectiva da inclusão plena das pessoas surdas ou com 
deficiência auditiva em todas as esferas da vida social, devem garantir, 
prioritariamente aos alunos matriculados nas redes de ensino da educação básica, a 
atenção integral à sua saúde, nos diversos níveis de complexidade e especialidades 
médicas, efetivando: 
 I - ações de prevenção e desenvolvimento de programas de saúde auditiva; 
 II - tratamento clínico e atendimento especializado, respeitando as 
especificidades de cada caso; 
 III - realização de diagnóstico, atendimento precoce e do encaminhamento para 
a área de educação; 
 IV - seleção, adaptação e fornecimento de prótese auditiva ou aparelho de 
amplificação sonora, quando indicado; 
 V - acompanhamento médico e fonoaudiológico e terapia fonoaudiológica; 
 VI - atendimento em reabilitação por equipe multiprofissional; 
 VII - atendimento fonoaudiológico às crianças, adolescentes e jovens 
matriculados na educação básica, por meio de ações integradas com a área da 
educação, de acordo com as necessidades terapêuticas do aluno; 
 VIII - orientações à família sobre as implicações da surdez e sobre a 
importância para a criança com perda auditiva ter, desde seu nascimento, acesso à 
Libras e à Língua Portuguesa; 
 IX - atendimento às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de 
serviços do SUS e das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços 
públicos de assistência à saúde, por profissionais capacitados para o uso de Libras 
ou para sua tradução e interpretação; e 
 X - apoio à capacitação e formação de profissionais da rede de serviços do SUS 
para o uso de Libras e sua tradução e interpretação. 
 § 1o O disposto neste artigo deve ser garantido também para os alunos surdos 
11	
  	
  
	
   	
  	
  
ou com deficiência auditiva não usuários da Libras. 
 § 2o O Poder Público, os órgãos da administração pública estadual, municipal, 
do Distrito Federal e as empresas privadas que detêm autorização, concessão ou 
permissão de serviços públicos de assistência à saúde buscarão implementar as 
medidas referidas no art. 3o da Lei no 10.436, de 2002, como meio de assegurar, 
prioritariamente, aos alunossurdos ou com deficiência auditiva matriculados nas 
redes de ensino da educação básica, a atenção integral à sua saúde, nos diversos 
níveis de complexidade e especialidades médicas. 
 
Diante deste cenário que por um lado conta com uma política em fase de 
implementação, cujas instituições da saúde ainda não contam com profissionais intérpretes 
contratados e/ou concursados em sua grande maioria, há, por outro, uma evidente lacuna na 
formação desses profissionais para atuar nesse contexto especial da saúde. Diante desta 
problemática, pretendemos, neste estudo, responder às seguintes perguntas: a) Quais as 
políticas atuais voltadas ao intérprete de LIBRAS/Português? Como elas estão sendo 
asseguradas na prática?; b) Como se dá a formação deste profissional para atuar em contextos 
da saúde?; e c) Quais os desafios do intérprete neste cenário? Como se dá a interação médico-
paciente-intérprete? 
Para alcançar esses objetivos, seguiremos a abordagem de pesquisa qualitativa, com 
enfoque especial na pesquisa de campo, de caráter exploratório-descritivo. Vale ressaltar que 
a pesquisa qualitativa tem se mostrado eficiente em analisar dados obtidos em um contexto 
delineado pelo pesquisador, além da confiabilidade nos dados originados in loco. Nessa 
abordagem, muitas vezes, as hipóteses fazem parte da vivência do próprio pesquisador com a 
realidade investigada. Os dados serão gerados por meio de questionários semiestruturados, 
gravações em áudio e vídeo e através de diários retrospectivos, aplicados aos sujeitos de 
pesquisa. Portanto, contarão com a participação de surdos pacientes, intérpretes, agentes da 
saúde e minhas próprias vivências com esse tipo de interpretação. Assim, entendemos que 
poderemos dar voz e compreender melhor os diferentes pontos de vista dessa interação no 
contexto médico. 
Para articular e tentar responder as perguntas dessa pesquisa, organizamos o trabalho da 
seguinte forma. Na seção 1 apresentaremos um panorama da comunidade surda e o papel da 
LIBRAS na vida dos cidadãos surdos, bem como os caminhos construídos para a formação 
dos intérpretes de LIBRAS/Português, todos esses temas relacionados nas legislações vigentes 
no Brasil. Em seguida, na seção 2, trataremos de alguns itens legais referentes ao Sistema 
Único de Saúde (SUS) para ancorar a discussão no que diz respeito ao atendimento do 
indivíduo surdo na saúde pública. Ainda nesta parte, faremos uma discussão teórica sobre a 
interpretação em contextos da saúde, tentando relacionar o arcabouço da área das línguas 
12	
  	
  
orais para o discussão voltada às línguas de sinais. Na seção 3, discorreremos sobre a 
abordagem de pesquisa, os procedimentos para coleta e análise dos dados, e apresentaremos 
uma breve descrição do contexto e dos participantes dessa pesquisa. A seção 4 apresentará 
reflexões com base nos dados coletados, e discutirá sobre as práticas e desafios observados 
nos discursos quanto a relação dos profissionais da saúde, intérprete e surdo. 	
  
 1	
  A	
  COMUNIDADE	
  SURDA	
  BRASILEIRA	
  E	
  A	
  LIBRAS	
  
 
A comunidade surda brasileira tem sua representatividade em população no Brasil. 
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo do ano de 
2000, entre os 5,7 milhões de brasileiros com algum grau de deficiência auditiva, um pouco 
menos de 170 mil se declararam surdos3. Esse dado é de extrema relevância para a 
visibilidade da comunidade surda e para o reconhecimento de políticas pautadas na diferença 
linguística desses sujeitos. Os números do censo no nosso País flagram o quantitativo em 
relação a uma perda auditiva dos indivíduos, mas a história mostra outras narrativas atingindo 
diretamente a vida dos surdos, pois, se observada de perto, enxergaremos as trajetórias árduas, 
tristes e cheias de conflitos. Ilustrativo a este respeito é o emblemático Congresso de Milão, 
ocorrido em 1880. Neste evento, muitos estudiosos, políticos e familiares discutiram a vida 
dos sujeitos surdos, e na ocasião a língua de sinais, no mundo, foi banida em prol da filosofia 
oralista na educação dos surdos. Desde então muitos fatos e eventos ocorreram em relação a 
essa comunidade, marcada sempre pelo descaso das políticas públicas do Estado e pelo não 
reconhecimento da sua diferença linguística. 
Se retomarmos um pouco da história da vida dos surdos, será possível observar que eles 
sempre se organizam em comunidades, as conhecidas Associações de Surdos, ou em 
Associações Desportivas para Surdos. Nesses espaços, os surdos interagem com seus pares e 
desenvolvem atividades de interação cultural, artística, esportiva, educativa e também 
política. Desde pequenos os surdos encontram nessas comunidades um local potencial para 
desenvolver e adquirir a língua de sinais, visto que a maioria desses sujeitos nascem em 
famílias que desconhecem a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Neste sentido, as 
associações de surdos desenvolvem um papel muito importante na luta por direitos e a 
garantia dos serviços de atenção básica para a população surda. Vale ressaltar que muitas 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
3 Dado coletado do site Oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: 
http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=438 
13	
  	
  
	
   	
  	
  
famílias que têm filhos ou parentes surdos têm seu primeiro contato com LIBRAS dentro 
dessas comunidades, estabelecendo, depois da primeira visita, encontros semanais regulares e 
por boa parte da vida. 
Além das associações de surdos, outra instituição que merece grande respeito e precisa 
ser lembrada é o Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), sediada no Rio de 
Janeiro. Esta instituição, fundada em meados do século XIX, teve como nome representante o 
surdo francês E. Huet (INES, 2013). O INES foi um marco para educação de surdos no Brasil, 
onde nos anais da história registra-se que Huet4, em junho de 1855, apresentou ao Imperador 
D. Pedro II um relatório com a intenção de fundar uma escola para surdos no Brasil. Assim, é 
notório que situação criada pela institucionalização do INES, no dia 1º de janeiro de 1856, 
também foi essencial para difusão da LIBRAS para a comunidade surda (e ouvinte) brasileira. 
Este local foi onde os primeiros surdos puderam ter sua escolarização, alfabetização, 
educação, profissionalização e socialização com as condições mínimas que atendessem suas 
especificidades linguísticas. 
Até o ano de 1908 era considerada a data de fundação do Instituto o dia 1º de Janeiro 
de 1856. A mudança deu-se através do artigo 7º do decreto nº. 6.892 de 19 de março 
de 1908, que transferiu a data de fundação para a da promulgação da Lei 939 de 26 
de setembro de 1857 que em seu artigo 16, inciso 10, consta que o Império passa a 
subvencionar o Instituto. Antes desse decreto, os alunos eram subvencionados por 
entidades particulares ou públicas e até mesmo pelo Imperador (INES, 2013). 
 
Desde então, movimentos de todas as ordens foram tomando corpo, e após muita luta e 
insistência da comunidade surda no ano de 2002, todos puderem celebrar a conquista do 
reconhecimento linguístico da língua de sinais pelo governo brasileiro. A lei nº 10.436/2002, 
conhecida como “Lei de LIBRAS”, em seu Art. 1o, é reconhecida como meio legal de 
comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e outros recursos de 
expressão a ela associados. Porém, muitos pontos ainda necessitam ser questionados na 
legislação, emboraa lei reconheça a LIBRAS como meio legal de comunicação dos surdos , 
em nenhum ponto ela menciona a oficialidade da língua no país, isso coloca em choque a 
compreensão e construção efetiva de politicas linguísticas no Brasil. 
A lei de LIBRAS foi um marco para o desenvolvimento de políticas públicas de atenção 
aos surdos no Brasil. A legislação trata de forma ampla vários aspectos, no nível educacional, 
social, político, jurídico e da assistência à saúde do cidadão surdo. 
A LIBRAS é uma língua. Ao contrário do que muitos pensam, ela não é uma linguagem 
ou uma forma de gesticulação pantomímica, como muitas vezes é definida. A este respeito, 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
4 Huet foi diretor da Escola para surdos na França: o Instituto dos Surdos-Mudos de Bourges. 
14	
  	
  
Gesser (2009, p. 09) reforça: 
Ainda é preciso afirmar que LIBRAS é língua? Essa pergunta me faz pensar: na 
década de 1960, foi conferido à língua de sinais o status linguístico, e, ainda hoje, 
mais de quarenta anos passados, continuamos a afirmar e reafirmar essa 
legitimidade. A sensação é mesmo a de um discurso repetitivo. 
 
Nota-se portanto que a comunidade surda brasileira convive com a descrença das 
pessoas em relação à sua língua, e portanto acaba tendo que se ocupar pela disseminação da 
LIBRAS, por que ao fazer isso está também lutando pelo reconhecimento das identidades 
surdas. Nessa direção, fala-nos Perlin (2004, p. 77) que “[...] as identidades surdas são 
construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo 
com a maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito”. No bojo da luta em prol 
da LIBRAS está também a questão da cultura surda, pois para esse grupo minoritário a língua 
é também um artefato cultural e tem sua representatividade na constituição dessas identidades, 
tornando-se assim grande propulsora para discussões mais amplas no nível social e político de 
inclusão dos surdos nas políticas linguísticas. Essas questões perpassam o trabalho com 
grupos minoritários. Conforme nos apontam Chaveiro, Barbosa e Porto (2008, p. 581): 
Estudos mostram que para trabalhar com grupos minoritários é essencial 
compreender sua cultura, a população surda que usa a língua de sinais, é linguística 
e culturalmente um grupo minoritário, mas a maioria dos cursos na área da saúde 
caracterizam a surdez apenas como condição patológica não compreendendo a 
população surda como um grupo minoritário. 
 
A cultura surda é um ponto muito discutido em todos os contextos que apresenta a 
realidade dessa comunidade, muitos ouvintes negam a existência dessa comunidade e outros 
ainda a localizam negativamente frente a essa discussão: isso se dá como forma de guetos e de 
não interação com a cultura ouvinte majoritária. A cultura surda é legítima e merece uma 
atenção especial na formulação de políticas públicas, pois não se deve ver uma comunidade, 
um povo e uma diferença sem pensar a cultura. “A cultura surda é o lugar para o sujeito surdo 
construir sua subjetividade de forma a assegurar sua sobrevivência e ter seu status quo diante 
das múltiplas identidades” (PERLIN, 2004, p. 78). 
Contudo, não podemos deixar de lembrar que a comunidade surda vem lutando 
insistentemente a favor do reconhecimento da diferença desses sujeitos, não em relação ao 
reconhecimento da “deficiência”, mas pelo olhar da diferença linguística minoritária. Ante 
mão, para a efetivação dos direitos e acesso a essas políticas, em muitos momentos essa 
comunidade é resumida a sua questão física e biológica, e não simplesmente a sua diferença 
linguística: 
15	
  	
  
	
   	
  	
  
A violência contra a cultura surda foi marcada através da historia. Constatamos, na 
história, a eliminação vital dos surdos, a proibição do uso de línguas de sinais, a 
ridicularizarão da língua, a imposição do oralismo, a inclusão do surdo entre os 
deficientes, a inclusão dos surdos entre os ouvintes. Tudo isso tem se constituído em 
trucidamento da identidade surda, surdocidio provocado pela presença do modelo de 
identidade ouvinte, em condescendência a automutilação ou ciborguização dos 
surdos. (PERLIN, 2004, p. 79) 
 
Não se pode negar que, historicamente, esses sujeitos foram alvos da intolerância e 
desprezo de uma sociedade desinformada e opressora. Muitos relatos e histórias de surdos são 
diariamente contados e recontados, e o teor desses acontecimentos revelam que muitos surdos 
se calaram durante anos, com muitos direitos negados, como o é o caso do tardio 
reconhecimento da sua língua e o direito de ter tradutor/ intérprete de LIBRAS/Português. 
Essas reivindicações fazem parte de uma gama de pautas da comunidade surda em sua 
história. Porém, diante das dificuldades, esse movimento surdo vem ganhando espaço e 
reconhecimento nas conquistas de igualdade, tanto pela sua língua quanto pela capacidade do 
exercício de cidadania, nos espaços sociais como na educação, no trabalho, na justiça e na 
saúde. 
No que concerne essa pesquisa, os pacientes surdos necessitam de uma atenção especial 
da equipe de saúde. Segundo Chaveiro, Barbosa e Porto (2008), assim como Munari, 
Medeiros e Duarte (2010), ao atender uma pessoa surda, os profissionais da saúde se deparam 
com dificuldades para estabelecer uma comunicação eficaz. É necessário discutir esse direito 
do acesso em língua de sinais nos contextos da saúde. Deve-se levar em consideração que 
esses sujeitos possuem, assim como nós, ouvintes, o seu direito à cidadania e o respeito pela 
diferença linguística da sua comunidade. Vejamos agora um pouco da história da formação 
dos intérpretes de LIBRAS e sua relação com a comunidade surda. 	
  1.1	
  Os	
  intérpretes	
  de	
  LIBRAS/Português	
  e	
  sua	
  formação	
  
 
A vida dos intérpretes de LIBRAS tem sido marcada e construída concomitantemente à 
vida dos surdos. Em muitos casos, essa trajetória nasce em contextos religiosos. Assim nos 
relata Peixoto e Peixoto (2012, p. 2) ao constatarem que “[...] na história é dado um grande 
destaque à atuação de religiosos na comunidade surda, enquanto existe uma história paralela 
que é a atuação da comunidade surdas nas religiões”. Os trabalhos realizados pelas pastorais 
dos surdos e movimentos religiosos protestantes mantiveram durante muito tempo a atuação 
desses intérpretes no contexto comunitário. Para Pereira (2012), em uma comunidade de 
Várzea Queimada, no Piauí, onde se concentra um número considerável de surdos no vilarejo, 
16	
  	
  
a ação da pastoral católica na vila induziu a comunidade a considerar uma espécie de “surdez 
genética” e incrementa outras relações morais, principalmente se tratando de parentesco e 
casamentos. 
Empiricamente, e por meio da minha própria formação como intérprete construída no 
mesmo contexto supracitado, posso dizer que a formação para atuar em níveis mais 
complexos, como conferências, universidades, contexto jurídico, educacional, área médica e 
em outros ambientes linguísticos desconhecidos, ficam a desejar na formação desses sujeitos 
que atuam exclusivamente em contextos religiosos. Na igreja, um sujeito que está aprendendo 
língua de sinais será estimulado a ter os seus primeiros contatos com a interpretação, é fato, e 
desde muito cedo, vivenciará o ato interpretativo para auxiliar as atividades no entorno da 
comunidade, digamos, religiosa. Mas, é também observável, que esta atuação não é suficiente 
para que o indivíduo atue em todos os âmbitos discursivos e áreas e contextos de 
interpretação,visto que cada uma delas necessita de formação especifica. 
Há uma validade nessa trajetória profissional religiosa como primeiro contato do 
intérprete, pois para além desse contexto, a formação deste foi sempre empírica ou quando 
muito, era feita em entidades como: FENEIS, Associações dos Surdos e os programas de 
capacitação promovidos pelas Secretarias Estaduais de Educação, em parceira com institutos 
e universidades. Não se configurava nesse cenário qualquer formação equivalente a formação 
de outros profissionais em nível superior. 
Com os avanços das discussões científicas, sobre a função do intérprete e, 
principalmente, com o reconhecimento da figura do tradutor intérprete de LIBRAS/Português, 
esse profissional galgou espaços em diferentes contextos, em parceria com a luta da 
comunidade surda. Um exemplo disso é a realização, no ano de 2006, pela parceria da 
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e do Ministério da Educação lançaram a 
primeira edição do Exame de Proficiência em LIBRAS (ProLIBRAS): “[o] exame 
ProLIBRAS é um exame de proficiência que objetiva certificar instrutores e professores de 
língua de sinais e tradutores e intérpretes de língua de sinais” (QUADROS; SZEMERATA; 
COSTA; FERRARO; FURTADO; SILVA, 2009, p. 09). 
Este exame foi um marco para a difusão e movimentação de intérpretes em todo 
território, pois, além de ser um exame de reconhecimento político e profissional, ele teve seu 
peso diante das conquistas reivindicadas pela comunidade surda. Lembro-me muito bem da 
época em que tanto surdos como ouvintes tinham a certificação do ProLIBRAS como grande 
referência para atuação de intérpretes credenciados pela UFSC. 
Vale ressaltar que diante deste exame, observando-se as suas diretrizes de criação, é 
17	
  	
  
	
   	
  	
  
perceptível que a habilitação não garante a legitimidade de atuação dos intérpretes em 
contextos comunitários. No que diz respeito à função e à utilização do exame, ele visa “[...] 
(2) certificar a proficiência em tradução e interpretação da LIBRAS/Língua 
Portuguesa/LIBRAS, para o exercício dessa função, prioritariamente, em ambientes 
educacionais” (Documento Básico do Exame ProLIBRAS, 2006, não publicado) 
(QUADROS; et alii, 2009, p. 26). 
Nos Estados Unidos, a forma de certificação para intérpretes ocorre de modo diferente 
“[...] não existe certificação de intérpretes médicos para ASL e a CCHI (Certification 
Commission for Healthcare Interpreters), indica o RDI (Registry of Interpreters for the Deaf) 
para interessados em certificação; no entanto, até o momento, essa instituição se limita à 
certificação generalista para intérpretes de ASL e outra especifica para contextos jurídicos” 
(QUEIROZ, 2011, p. 78). 
Retornando ao contexto brasileiro, é muito importante marcar que, logo após dois anos 
do lançamento do exame de proficiência em tradução e interpretação da LIBRAS/Língua 
Portuguesa/LIBRAS, foi lançado o bacharelado em Letras LIBRAS na modalidade a distância 
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Este curso foi, e ainda é, um dos mais 
importantes espaços de formação dos intérpretes de LIBRAS/Português no Brasil. No ano de 
2009, foi inaugurada a primeira turma do bacharelado na modalidade presencial, onde se 
percebe um marco para a própria universidade, enquanto comunidade acadêmica, pois 
visibiliza surdos e ouvintes, neste último caso, diante da grande exposição da figura do 
intérprete de LIBRAS/Português no âmbito científico.5 
O currículo do ano de 2009 do bacharelado em Letras Libras tem duração de quatro 
anos e habilita bacharéis para exercerem a função de tradutores/intérpretes de 
LIBRAS/Português para atuação de forma geral no contexto social. Sua formação contempla 
uma gama de disciplinas voltadas para linguística, estudos da tradução e educação dos surdos, 
além de proporcionar um ambiente prático de atuação para os futuros tradutores/intérpretes de 
LIBRAS. Em relação à atuação dos intérpretes em contextos médicos, o bacharelado ainda 
não apresenta uma disciplina transversal para áreas comunitárias, jurídica e política. Porém, 
alguns professores da área dos estudos da tradução e interpretação, como as professoras 
Audrei Gesser e Silvana Aguiar, têm desenvolvido atividades em torno de áreas carentes de 
atenção na formação dos tradutores/intérpretes. 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  5	
  Destaque-se também a realização do Congresso Nacional em Pesquisas em Tradução e Interpretação de LIBRAS e língua 
portuguesa, realizado no ano de 2012 pela Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Estudos 
da Tradução da UFSC e do Curso de Graduação em Letras Libras da UFSC. 	
  
18	
  	
  
O curso de graduação na UFSC desdobra-se em ações em outras localidades. Isso 
porque o bacharelado em Letras LIBRAS tem ganhado espaço em outras regiões do Brasil, 
que instauram seus cursos com suas próprias especificidades locais. Além da UFSC, sabe-se 
que em outras universidades, faculdades e instituições de ensino públicas ou privadas já se 
tem a oferta dessa habilitação, para construção desse sujeito tradutor/intérprete de 
LIBRAS/Português, e em outras ainda estão no âmbito do planejamento. No entanto, a 
discussão sobre a criação de disciplinas mesmo em cursos de curta duração para formação de 
intérpretes em contextos não educacionais ainda é pormenorizada e invisibilizada. 	
  1.2	
  As	
  legislações	
  vigentes	
  do	
  Brasil	
  
 
A conquista de direitos para comunidade surda vem ganhando força nos últimos anos 
tanto para o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais como para o direito ao acesso por 
meio de tradutor intérprete de LIBRAS/Português, e agora mais atualmente a discussão sobre 
a educação bilíngue para surdos. Essa atenção, hoje voltada aos surdos por parte das 
prerrogativas e das leis, desdobra-se a partir de um débito histórico de marginalização dos 
surdos perante o Poder Público, como nos aponta Júnior (2004, p. 36): “[o] portador de 
deficiência6 nunca foi respeitado em sua dignidade humana pelo Poder Público”. 
Abro um parêntese aqui, para registrar que minha ideia em relação aos surdos não 
condiz com a apresentada nas legislações. O sujeito surdo é um cidadão como qualquer outro, 
porém, com uma língua diferente da língua portuguesa, com sua cultura e identidade própria. 
A grande maioria dos documentos legais, os surdos ainda são considerados pessoas com 
“deficiência”, e os dados aqui apresentados servem de efeito para uma análise contrastiva 
histórica. Ainda em concordância com o que nos aponta Júnior (2004, p. 148), é interessante 
analisar que o código civil brasileiro considerava aquele sujeito surdo-mudo, que não 
conseguia se expressar, como sujeito incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, e 
que, portanto, “se a orientação didático-pedagógica não for adequada, a incapacidade nessa 
situação será a relativa, podendo o surdo-mudo realizar atos civis, desde que assistido”. 
Parece ser muito incoerente (e resistente?) a visão do Poder Público sobre o sujeito 
surdo, visto que historicamente somente no ano de 2012 o governo esteve aberto à discussão 
sobre a educação bilíngue, aquela que possivelmente poderia ser a orientação didático-
pedagógica adequada, conforme existia no código civil. Nos alerta Júnior (2004, p. 148):6 É importante justificar essa posição. A meu ver, os surdos não são “portadores de necessidades especiais”, porém, para o 
Poder Público brasileiro em suas prerrogativas e legislações, o surdo é citado em diferentes categorias como pessoas com 
deficiência, pessoas com necessidades especiais e portadores de necessidades especiais. 
19	
  	
  
	
   	
  	
  
“[i]nexistindo a orientação educacional referida, o surdo-mudo será considerado 
absolutamente incapaz, devendo ser representado na prática de todo e qualquer ato civil.” De 
acordo com o código civil revogado, se lê em seu Art. 5 que “são absolutamente incapazes de 
exercer pessoalmente os atos da vida civil” e em seu item “III - os surdos mudos, que não 
puderem exprimir a sua vontade”. 
Apesar de todo esse emaranhado e confusões do Poder Público, o sujeito surdo 
conquistou alguns direitos que não podem ser deixado de ser citado neste trabalho. A lei nº 
10.436/2002, de 24 de abril de 2002, em seu artigo 1o, afirma que é reconhecida como meio 
legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e outros recursos 
de expressão a ela associados. No que concede ao regulamento desta lei para efeito de 
consulta é o decreto 5.626 de 22 de dezembro de 2005. 
Ainda em relação à Lei de LIBRAS, para efeito desta pesquisa é importante mencionar 
o Art. 3o, em que se lê “[a]s instituições públicas e empresas concessionárias de serviços 
públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos 
portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor”. 
Podemos mencionar ainda outra legislação importante, a Lei nº 10.098, de 19 de 
dezembro de 2000, que garante o tradutor intérprete de LIBRAS/Português ao surdo, quando 
do acesso à saúde pública. Ela estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção 
da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá 
outras providências. No seu capítulo VII, do Art. 18, fala da acessibilidade nos sistemas de 
comunicação e sinalização. “O Poder Público implementará a formação de profissionais 
intérpretes de escrita em braile, linguagem de sinais, e de guias-intérpretes, para facilitar 
qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com 
dificuldade de comunicação.” Ao lermos os documentos legais fica claro e notório que o 
serviço de interpretação é um direito do cidadão surdo, em seus variados contextos, da saúde 
ao jurídico. A Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, conhecida popularmente como a lei 
do intérprete de LIBRAS, apresenta a formação profissional e as atribuições do tradutor 
intérprete, no exercício de suas competências. 
A nível internacional, Queiroz (2011, p. 73) nos fala que “[d]iferente do Brasil, as 
legislações estadunidenses de acessibilidade linguística são mais claras em relação aos 
instrumentos necessários para garantir a acessibilidade, como por exemplo o uso de 
intérpretes em hospitais. Ademais, há o favorecimento financeiro por parte de reembolso da 
administração pública.” Trata-se de uma realidade muito diferente da nossa que apenas 
assegura ao paciente uma consulta e um atendimento com mais qualidade: 
20	
  	
  
Segundo KELLY (2009), entre 15.000 a 17.000 pessoas praticam interpretação 
sinais[...] Não há registro dos primeiros cursos de treinamento em interpretação 
médica. De acordo com Izabel Arocha (2010), os primeiros cursos surgiram depois 
da constituição das associações e eram ministrados por intérpretes com alguma 
experiência. Atualmente existem inúmeros programas de treinamento nos Estados 
Unidos (QUEIROZ, 2011). 
 
Apesar das legislações vigentes no Brasil e no mundo, o cenário atual que se encontra 
à formação do intérprete-médico deixa a desejar. O grande avanço dos legisladores não se 
reflete na prática da atenção social para saúde dos cidadãos surdos. É necessário um despertar 
crítico das pessoas para conscientização dessas ações tanto para as questões competentes às 
legislações quanto para o acesso à saúde pública, com qualidade e respeito, que será tema do 
nosso capítulo seguinte. 
 
 2	
  O	
  SUS	
  E	
  AS	
  POLÍTICAS	
  DE	
  SAÚDE	
  NO	
  BRASIL	
  
 
O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos mais populares serviços de assistência à 
saúde dos cidadãos brasileiros. A sua principal característica é o acesso universal à saúde 
pública gratuita aos cidadãos. A política desse serviço tem como “[...] finalidade alterar a 
situação de desigualdade na assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o 
atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer 
pretexto.” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013). 
Do Sistema Único de Saúde fazem parte os centros e postos de saúde, hospitais – 
incluindo os universitários, laboratórios, hemocentros, bancos de sangue, além de 
fundações e institutos de pesquisa, como a FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz e o 
Instituto Vital Brasil. Através do Sistema Único de Saúde, todos os cidadãos têm 
direito a consultas, exames, internações e tratamentos nas Unidades de Saúde 
vinculadas ao SUS da esfera municipal, estadual e federal, sejam públicas ou 
privadas, contratadas pelo gestor público de saúde. (MINISTÉRIO DA SAUDE, 
2013). 
 
Dessa forma, a política nacional de atendimento do SUS conta com a participação de 
instituições privadas. Segundo o Ministério da Saúde, publicado no portal da saúde, (2013), 
“[o] setor privado participa do SUS de forma complementar, por meio de contratos e 
convênios de prestação de serviço ao Estado quando as unidades públicas de assistência à 
saúde não são suficientes para garantir o atendimento a toda a população de uma determinada 
região.” No entanto, quando as políticas de saúde se referem às políticas de acessibilidade, 
tanto o SUS quanto o programa saúde da família7, não apresentam plano de capacitação para 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
7 A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a 
21	
  	
  
	
   	
  	
  
o treinamento de seus agentes para o atendimento ao surdo ou deficiente auditivo. 
No manual intitulado “A pessoa com deficiência e o Sistema Único de Saúde”, do 
Ministério da Saúde, a política nacional reconhece que “[a] acessibilidade tem como objetivo 
permitir um ganho de autonomia e de mobilidade a uma gama maior de pessoas, inclusive 
àquelas que tenham […] dificuldade em se comunicar, para que usufruam os espaços com 
mais segurança, confiança e comodidade.” Todavia, ao se deparar com o atendimento na rede 
do SUS, o paciente surdo encontra inúmeras dificuldades, em especial as barreiras na 
comunicação. 
A sociedade se adapta para incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com 
necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus 
papéis na sociedade. A inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual 
as pessoas, ainda excluídas, e a sociedade buscam em parceria equacionar 
problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para 
todos”. (SASSAKI, 1997, p. 03). 
 
Essas discussões sobre a acessibilidade no SUS foram marcadas na discussão do manual 
supracitado. No que se refere ao capítulo da capacitação de recursos humanos, o governo 
aponta como prioritário, ofertando até mesmo cursos de qualificação e atualização. Em 
contrapartida, os agentes e gestores de saúde não têm recebido capacitação necessária paraatender os sujeitos que sinalizam (LIBRAS) nas unidades de saúde pública. É facilmente 
perceptível no manual como a LIBRAS e as questões relativas à comunidade surda não são 
apresentadas em nenhum tópico, apenas o sujeito deficiente auditivo é lembrado como forma 
de diagnóstico e reabilitação. Para Suzana Lakastos (2004), em uma reportagem divulgada no 
site8, “direitos especiais para pessoas especiais”, no ano de 2004, do Jornal do Advogado da 
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil): 
Se dependesse apenas da lei, o portador de deficiência física ou mental brasileiro 
seria um dos mais felizes do mundo. A legislação específica sobre o assunto no país 
é considerada uma das melhores. O assunto aparece na Constituição, já foi 
regulamentado por leis específicas federais, estaduais e municipais e conta com 
regras precisas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) para cada 
situação. Fora do papel, no entanto, falta fiscalização na implementação dessas 
regras, que acabam ignoradas pelo próprio Poder Público. Além disso, o maior 
desafio é o da mudança cultural, e esta não se realiza por decreto. 
 
Frente a toda essa discussão, o que nos resta é apresentar por meio de pesquisas aos 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo 
acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com 
ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes, e na manutenção da 
saúde desta comunidade. http://dab.saude.gov.br/atencaobasica.php.Conheça mais sobre as estratégias de atenção básica à 
saúde (PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013). Acessado em 10 de junho de 2013. No link 
http://dab.saude.gov.br/atencaobasica.php 
8 http://www.centromarianweiss.com.br/noticia.php?id=8 
22	
  	
  
órgãos e as autarquias a realizarem ações de fiscalização e implantação de serviços de 
assistência à saúde dos surdos. Recentemente, o governo federal, através da Secretaria de 
Direitos Humanos da Presidência da República, publicou em seu site oficial uma notícia9 
sobre a instalação de centrais de intérpretes gratuitos aos surdos. Dentre os serviços que serão 
oferecidos, a atuação em contextos médicos é uma das prioridades, o que nos resta saber é se 
a rede pública de saúde está preparada para receber esses profissionais e se os profissionais 
que atuarão nesse contexto são qualificados a contento para exercer o atendimento voltado à 
interpretação médica. 	
  2.1	
  O	
  atendimento	
  dos	
  surdos	
  na	
  saúde	
  pública	
  
 
Como relatamos anteriormente, o atendimento dos surdos na saúde pública está em 
processo de construção e ainda apresenta sérias deficiências. Ainda assim queremos marcar 
que uma vez determinada essa atuação, compactuamos que conceito de saúde para o surdo 
“[...] merece um cuidado Humanizado, visão Holística, onde o cliente é assistido de uma 
forma global como indivíduo singular, respeitada as suas crenças, seus valores, seu contexto 
histórico e, seus limites físicos, intelectual, social e mental” (SANTOS; SHIRATORI, 2004, 
p. 70). Isto porque o efeito do não cumprimento das legislações estabelecidas pelo Poder 
Público para acessibilidade na Saúde já sofre um grande atraso em sua efetivação, e para a 
parte interessada (os surdos) esse atraso parece ser ainda maior e mais complexo, pois “[...] 
não há um Programa de Saúde eficaz que atendam as necessidades de saúde do surdo” 
(SANTOS; et alii, 2004, p. 76). 
Há também a pressão para o cumprimento de adequações arquitetônicas. Esta parece ser 
mais visível do que o cumprimento de ações significativas para acessibilidade na 
comunicação. Tipicamente, vivemos numa sociedade onde o “material” físico visível faz a 
grande diferença para a popularização de ações governamentais. Embora nossa preocupação 
esteja focada nos recursos humanos dessa prática, o atendimento de qualidade para o surdo 
requer que um cenário médico físico adequado, mas que sobretudo, entenda que esse sujeito 
necessita emergencialmente do uso de uma língua diferente da portuguesa para que seu direito 
de atendimento seja efetivado. Tal adaptação10 precisa ser relembrada e estudada pelas 
instituições de promoção dos serviços médicos, e não somente cobrada pelos pacientes 
surdos, essa realidade precisa ser questionada por todos os contextos. 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
9 http://www.sedh.gov.br/acessoainformacao/acoes-e-programas/pessoas-com-deficiencia/ acessado em 10 de junho de 2013. 
10 Vale ressaltar que em uma interação cujo par linguístico se dá entre língua orais, o intérprete pode se localizar em um local 
não visível durante a interação médico-paciente, apenas elevando o tom de voz. No passo que em se tratando de uma língua 
visual, como o caso da LIBRAS, o intérprete precisa ser visualizado pelo paciente. 
23	
  	
  
	
   	
  	
  
Chaveiro e Barbosa (2005, p. 421) enfatizam ao dizer que “[n]ão adaptar às 
necessidades dos grupos minoritários é um fator de exclusão social.”, e acrescentamos que ao 
se sentir excluído, ao surdo lhe é tirado todos os seus direitos de acessar os serviços públicos e 
essenciais à existência humana. O surdo não pode deixar de ter a qualidade e o atendimento 
por imprudência e falta de informação de uma massa majoritária, mas deve, sim, ser 
respeitado em sua singularidade linguística. O intérprete nesse contexto, portanto, é uma 
demanda urgente. Para o profissional intérprete de LIBRAS não lhe é possível chegar a esse 
patamar de cobrança social, resolvendo as lacunas existentes, como é o caso dos indivíduos 
que necessitam de barreiras arquitetônicas diferenciadas. Esse fato ocorre devido ao grande 
mito que muitas pessoas preservam de que o sujeito surdo pode escrever ou oralizar e que 
tudo estaria acessível a eles. Essa crença se dá pelo motivo de que muitos surdos oralizados 
ou deficientes auditivos usufruem dessa possibilidade para se comunicarem em muitas 
interações com ouvintes, mas quando se trata de um contexto do nível da formalidade e da 
seriedade que é o contexto da saúde; da vida de uma pessoa, esse mecanismo de comunicação 
nem sempre é suficiente e o mais adequado. Em relação à escrita e à oralidade da língua 
portuguesa do sujeito surdo, precisamos entender que “[t]anto o português escrito como o oral 
de que os surdos faz uso são estigmatizados, já que não atingem os ideais de língua impostos 
por uma maioria ouvintes” (GESSER, 2009, p. 57). Isso se dá ao fato, ainda segundo Gesser 
(2009, p.58), em relação à falta de oportunidades de uma escola que trabalhe 
especificadamente o acesso à língua padrão dessesujeito, “[...] no caso dos surdos, tenha 
professores proficientes na língua de sinais, que permita a alfabetização na língua primeira e 
natural dos surdos”. Essa escola deve ser um próximo passo para a efetivação da cidadania 
dos surdos, visto a necessidade emergente de escolarização e alfabetização dessa minoria 
linguística. 
O senso comum concebe a língua falada “do ponto de vista dos ouvintes, culturalmente 
conjugada ao som” (GESSER, 2009, p. 48), mas isto não exclui a possibilidade de o sujeito 
surdo falar. Ele fala porque utiliza a língua de sinais, e a diferença acontece porque a 
comunicação é por meio dos contatos dos olhos e das mãos. Portanto, a LIBRAS é uma língua 
vivenciada no campo espaço-visual dos falantes. Os agentes de saúde desconhecem ou não 
usam a LIBRAS em interações com surdos em contextos de consulta, atendimentos 
emergenciais, etc. Se pautam muitas vezes no usa da escrita. As dificuldades de estabelecer 
comunicação na escrita são cotidianas na vida do surdo. Este, ao se deparar com vocabulários 
rebuscados ou com escritas num nível complexo de compreensão acabam ficando à mercê da 
boa vontade das pessoas em serem flexíveis para se comunicar. Por outro lado, pautar um 
24	
  	
  
atendimento médico exclusivamente na interação via escrita pode ser limitante e desgastante 
para os dois lados: médicos e surdos. 
No trabalho de Santos e Shiratori (2004, p. 74), o depoimento de uma surda reflete em 
partes o que estamos discutindo aqui. Ela diz que apresenta muitas dificuldades quando vai ao 
médico, pois não domina muito bem o português padrão (escrito) e acaba não entendendo o 
que os médicos escrevem. Precisa recorrer a familiares para acompanhá-la na consulta. O 
surdo precisa de seu espaço e de sua vivência em sua língua, pois como afirma Gesser (2009, 
p. 60) ao fazer o contraponto de que o surdos não sobreviveriam sem o português na 
sociedade majoritariamente ouvinte, é justamente o contrário, afirma a autora: “[n]a verdade, 
o surdo não ‘sobrevive’ se lhe for tirado o direito de usar sua língua primeira em seus 
ambientes de convívio social”. Portanto, não se pode deslocar esses sujeitos sem ao menos 
entender as realidades impostas ou pensar mecanismos de convivência harmoniosa e plena, 
pensando sempre o papel e a importância das línguas em jogo. 
Na revisão de literatura para este estudo, sobre o atendimento de pacientes surdos na 
rede de saúde, uma pesquisa chamou atenção. O trabalho foi realizado pela acadêmica Érika 
Machado Santos, do 9º período da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP), da 
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), com funcionários do Instituto 
Nacional de Educação e Integração dos Surdos no Rio de Janeiro. No estudo apresentado, foi 
revelado por meio de uma tabela sucinta quais pontos relacionados à saúde os surdos tinham 
dúvidas e quantas vezes ele apareceram na somatória dos participantes, dos quais 
necessitavam de mais esclarecimentos em saúde. A seguir, uma cópia da tabela divulgada pela 
acadêmica na revista eletrônica de enfermagem da Universidade Federal de Goiás: 
Questões de saúde (dúvidas) Nº % 
Diabetes 7 64% 
Planejamento Familiar 7 64% 
Câncer (mama e colo do útero) 5 46% 
Questões relacionadas a sexo 2 18% 
Doenças sexualmente 
transmissíveis 5 46% 
Hipertensão 8 73% 
Hábitos Alimentares 2 18% 
Uso de medicações 2 18% 
 
 
Esses dados mostram que, diante de tantas informações que nos cercam pelos meios de 
comunicação, os surdos ainda apresentam muitas dúvidas que poderíamos considerar 
essenciais para informação e organização de uma vida saudável. Para a maioria dos ouvintes é 
25	
  	
  
	
   	
  	
  
muito possível que existam dúvidas em relação às doenças citadas, mas estamos numa 
posição bem mais confortável, pois vivemos num país cuja língua dominante de interação 
(oral ou escrita) é o português. 
Inúmeras indagações devem ser feitas, pois campanhas publicitárias que são realizadas 
pelo Ministério da Saúde em relação a tais fatos aqui apresentados. Porém, isso ressalta, ainda 
de acordo com um trabalho acadêmico que realizei na disciplina de Estudos da Tradução II no 
Curso Letras LIBRAS ministrada pela professora Audrei Gesser, quando analisei quais 
campanhas do Ministério da Saúde – em relação as campanhas de prevenção do HIV/AIDS – 
haviam sido legendadas ou teriam a interpretação de LIBRAS. Já esperava que não houvesse 
interpretação para a língua de sinais em vídeo, mas para minha surpresa nenhuma delas era de 
fato direcionada à compreensão e à educação em saúde para os surdos. 
Informar a população assuntos que dizem respeito à prevenção de doenças de elevado 
risco é uma obrigação das políticas públicas de saúde, e quando se trata de acessibilidade para 
as minorias é também de competência das políticas que tratam da inclusão social. 
Proporcionar dados concretos e orientações baseadas em princípios de cuidados com saúde é 
comprometimento de todos os gestores, sejam em quaisquer esferas das políticas públicas. E é 
neste viés que a educação tem também o seu papel: 
A educação em saúde exerce um papel fundamental na construção da autonomia de 
cada pessoa, preparando-as para se defender e fazer escolhas conscientes no que diz 
respeito ao seu modo de viver. Porque educar para a Saúde não significa o ensino de 
conteúdos de higiene pessoal e geral, mas também a adoção de posturas e 
comportamentos que levam o indivíduo e a comunidade a valorizar modelos 
adequados de qualidade de vida [...] (SILVEIRA, 1985, p.12 apud SANTOS; et alii, 
2004.) 
 
Os surdos, assim como qualquer cidadão, também são acometidos de doenças, 
tragédias, riscos de saúde como vimos anteriormente. O Ministério da Saúde, no entanto, 
parece carecer de ferramentas que auxiliam o processo de compreensão e visibilidade das 
campanhas com este público em mente. Essa discussão é importante, pois, como nos alertam 
Chaveiro, Barbosa e Porto (2008, p. 581) “[a]s pessoas surdas têm pouco conhecimento da 
assistência em saúde, incluindo menor compreensão dos programas preventivos como 
HIV/AIDS e visitam com menor frequência os médicos, comparados com pessoas que 
ouvem.” 
O fato é que, na minha visão e de acordo com os relatos de ocorrências vivenciadas 
durante minha carreira de intérprete, os surdos não têm recebido atendimento adequado as 
suas necessidades e ficam à mercê das políticas não efetivadas pelo Poder Público. Toda essa 
26	
  	
  
problemática culmina no serviço prestado propriamente dito, isto é, “[...] as barreiras de 
comunicação entre paciente surdo e profissional da saúde podem colocar em risco a 
assistência prestada, podendo prejudicar o diagnóstico e tratamento” (CHAVEIRO; et alii, 
2008, p. 582). É necessário um despertar nas políticas de inclusão social sobre o real e 
verdadeiro papel da acessibilidade dos surdos, além dos espaços educacional, devendo eles 
ser estendidos a qualquer serviço público, considerado como essencial para a dignidade 
humana. 	
  2.2	
  A	
  interpretação	
  em	
  contextos	
  da	
  saúde	
  	
  
 
A discussão sobre interpretação em contextos da saúde é uma área recente e carente de 
pesquisas. Conforme Queiroz (2011), a pesquisa em interpretação comunitária é uma 
realidade não explorada no contexto dos estudos da tradução no Brasil. Como aponta Roberts 
(1994, p. 127), mesmo a interpretação comunitária (IC) – ou como é conhecida 
internacionalmente, community interpreting (CI) – sendo “[...] a forma de interpretação mais 
antiga do mundo, a atividade tem sido negligenciada tanto por profissionais como por 
pesquisadores (QUEIROZ, 2011, p. 24)”. Segundo Junior e Vasconcellos (2008, p. 8) a mais 
importante obra dos Estudos da Tradução no mundo ocidental,conseguimos localizar a 
interpretação comunitária e as línguas de sinais como constituidoras do campo disciplinar 
desse estudo, listada em seu item 18 na proposta. 
Sabe-se que aos poucos essa temática tem ganhado uma atenção progressiva em relação 
aos contextos em que se emergem nas realidades locais, mas devemos nos lembrar que ela 
ganha uma menor atenção em relação à interpretação educacional e de conferências no estado 
em que se encontram as políticas brasileiras. Estas duas áreas são contempladas em anos de 
formação por conta da demanda de mercado de trabalho. 
Em relação ao contexto da interpretação das línguas de sinais, nós, intérpretes de 
LIBRAS/Português, dialogamos em diferentes interfaces, porém nossa realidade mais 
recorrente diante da demanda sempre recaiu para o campo educacional. Não obstante, os 
sujeitos surdos têm conquistado seu espaço social na garantia de direitos, e os intérpretes têm 
sido protagonistas em mediar também essa nova realidade na comunidade surda. 
A busca por embasamento teórico que permeou essa pesquisa foi um tanto complexa, 
pois a maioria dos materiais sempre se referia aos contextos educacionais deixando a desejar 
contextos como o jurídico, da saúde e o intérprete atuante do contexto politico. Este trabalho 
foi norteado primeiramente pela leitura de uma investigação científica desenvolvida no 
27	
  	
  
	
   	
  	
  
programa de pós-graduação em Estudos da Tradução da UFSC. O estudo foi realizado pela 
pesquisadora Mylene Queiroz, intitulada, “Interpretação médica no Brasil”, orientada pelo Dr. 
Markus Weininger, no ano de 2011. Mas como se define o intérprete comunitário? De acordo 
com Queiroz (2011, p. 37) Roberts (1998, p. 2) afirma que: 
(...) um intérprete comunitário se diferencia dos demais tipos de intérpretes porque: 
I) intérpretes comunitários servem primeiramente para assegurar o acesso a serviços 
públicos, e é então provável que seu trabalho esteja ligado a contextos institucionais; 
II) eles estão mais aptos para interpretar interações de diálogos do que discursos; III) 
rotineiramente interpretam ‘de’ e ‘para’ ambas ou mais línguas faladas no âmbito de 
trabalho; IV) a presença do intérprete fica muito mais evidente no processo de 
comunicação do que as interpretações de conferência; V) um número de línguas, 
sendo muitas delas línguas minoritárias, que não são a língua do país, são 
interpretadas no nível comunitário, diferentemente do número limitado de línguas 
faladas em trâmites do comércio e diplomacia internacional feita por intermédio do 
intérprete acompanhante ou de conferência; e VI) o intérprete comunitário é 
frequentemente mencionado como um “advogado” ou “mediador” cultural, função 
esta que vai além do tradicional papel neutro do intérprete. 
 
Na academia científica esse tratamento é dado recentemente, e não poderia ser diferente 
na prática. Isso porque a prática de interpretação da LIBRAS/Português no contexto médico, 
mesmo instituída por lei no Brasil, não é uma prática recorrente exercida por profissionais. 
Segundo Queiroz (2011, p. 25), 
Austrália, Brasil, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos são exemplos de países 
que estabelecem o direito a um intérprete aos usuários de setores públicos que têm 
limitação para comunicar-se na língua oficial do país. 
 
É necessário um aprimoramento urgente e uma discussão ampla em nível político-social 
e acadêmico sobre a não oferta desse profissional, quais pistas e estratégias que o intérprete-
médico pode proporcionar ao indivíduo surdo que necessita de intepretação e as devidas 
providências que podem ser tomadas para a consolidação do serviço. 
Sabe-se que internacionalmente os intérpretes-médicos têm conseguido atenção, até 
mesmo porque um dado interessante, segundo Queiroz (2011), diz respeito ao fato de que “os 
intérpretes médicos que, no final dos anos 80, formaram a primeira organização profissional 
de intérpretes comunitários fora do domínio judicial (cf. POCHHACKER, 2004; 
POCHHACKER E SHLESINGER, 2007)”. Diante disso, é real e tão imprescindível a 
organização a nível nacional, como a da divisão da Internacional Medical Interpreters 
Association (IMIA), no desenvolvimento de discussões e organização dos profissionais que 
atuam nesse contexto. 
De qualquer modo, os pacientes falantes de outras línguas orais que são estrangeiros no 
Brasil não contam com serviços de interpretação nos hospitais. Esse é um dado retirado da 
minha leitura da dissertação de Queiroz (2011) e do meu conhecimento empírico diante das 
28	
  	
  
leituras de artigos e entrevistas da internet, onde parece ser muito popular essa reclamação em 
relação ao atendimento em línguas estrangeiras. 
Essa realidade é muito cruel para diversas pessoas independente de serem surdos ou de 
serem estrangeiros que residem no Brasil; ambos os casos não são falantes da Língua 
Portuguesa e precisam de uma atenção especial para o atendimento médico com interpretação 
em sua língua materna. Vejamos agora uma breve discussão em torno das definições da 
nomenclatura “intérprete-médico”. 	
  2.3	
  O	
  conceito	
  de	
  intérprete-­‐médico	
  
 
Em relação às línguas orais no campo dos Estudos da Tradução, o conceito de 
“intérprete-médico” é ainda pouco estudado. Queiroz (2011) e IMIA (p.10), nos materiais 
disponibilizados no seu site11 à divisão Brasil e em seu próprio código de ética, não se hesita 
em utilizar a nomenclatura “intérprete-médico” para se referenciar a este profissional que 
“[tem como] função principal [...] possibilitar a comunicação entre um profissional médico e 
um paciente que não fala a mesma língua”. Esse profissional é responsável por manter e 
estabelecer a comunicação de forma harmoniosa entre o paciente e a equipe de saúde, do qual 
esse sujeito consultará. Outros estudiosos problematizam essa nomenclatura, “[...] [n]a 
literatura, termos tais como intérprete de cuidados da saúde, intérprete de hospital e intérprete-
médico são encontrados. O termo intérprete-médico (medical interpreter) é o mais utilizado” 
(QUEIROZ, 2011, p. 41). De todo modo, o fato é que essa prática, mesmo no campo das 
línguas orais que têm mais tradição e visibilidade comparada ao contexto das línguas de 
sinais, é ainda uma realidade distante em ambientes da saúde no Brasil. No que diz respeito ao 
atendimento aos surdos via interpretação entre a LIBRAS e o Português, há alguns 
profissionais que vêm atuando empiricamente e se esforçando para manter e constituir essa 
prática: 
Os intérpretes da LS não têm ainda uma formação adequada para atuar na área de 
saúde. Espera-se que os cursos oferecidos em graduação e pós-graduação em todo o 
Brasil possam reverter este quadro, capacitando-os para atuar de modo mais 
profissional. Assim, as pessoas surdas poderão usufruir, sem constrangimento ou 
receio, da presença do profissional intérprete da Língua de Sinais. (CHAVEIRO, et 
alii, 2010, p. 643). 
 
Em minha prática interpretativa para surdos, vivenciei muitas situações em contextos 
médicos, e a partir de diários retrospectivos lembro-me que a minha primeira atuação como 	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
11 http://www.imiaweb.org/countries/Brazil.asp 
29	
  	
  
	
   	
  	
  
“intérprete-médico” ocorreu quando tinha 16 anos e foi muito significativa. Eu era ainda 
muito jovem, e não me considerava “pronto” para entrar num consultório médico para atuar 
no campo da interpretação. Lembro-me que o consultório era no Centro Cívico de Curitiba, e 
a surda que atendi chamava-seJosiane, que na ocasião parecia estar muito aflita. Ela era uma 
surda muito gentil, e mesmo inseguro em interpretá-la eu não poderia deixá-la de lado, pois 
ela foi uma das pessoas com as quais convivi e tive a oportunidade de aprender a LIBRAS. 
Josiane um dia me encontrou me informou que necessitava de um intérprete para consulta 
médica que era de extrema importância para um diagnóstico. Até então eu realmente não 
imaginava a dificuldade que estava por enfrentar, pois nunca havia tido tal experiência com a 
interpretação médica. 
Recordo que ao entrar na sala do médico ele estava muito surpreso como a minha 
presença, talvez pela idade ou talvez por não ter esse procedimento tão recorrente em sua vida 
profissional. Arrisco-me a dizer que a maioria dos surdos não tem acesso à saúde privada. No 
entanto, essa surda era quase que uma exceção. Josiane entregou os exames ao médico, muito 
ansiosa e logo disse que gostaria de saber de tudo, sem rodeios. O médico olhou para Josi e 
pra mim e disse: “Seus filhos têm Talassemia”. Por certo momento, eu realmente fiquei 
paralisado, justamente pela expressão facial que ela fez e pela forma com que o médico vinha 
a dar o diagnóstico. Por falta de competência referencial não conseguia transladar nas línguas 
envolvidas para promover o nível de compreensão desejado. Eu, em primeiro momento, como 
a maioria dos intérpretes optei por soletrar a palavras, mas Josiane parecia que estava não 
entendendo a situação. Então resolvi perguntar ao médico, o que era tal doença. Quando lhe 
fiz pergunta, o médico pareceu não entender, então questionou à Josiane se realmente ela não 
sabia, pois aquela era uma doença hereditária, ela disse que sabia que tinha a doença, porém o 
rosto dela estava a me dizer que se sentia perdida. Ela perguntou ao médico “E o que fazer?”. 
Ele disse que não existia algo naquele momento a fazer, mas deveria fazer o controle dos 
filhos sempre. Eu me senti num momento de muita tensão, mas a situação exigia de mim um 
autocontrole sobre minhas próprias emoções. Josiane queria saber muitas informações sobre o 
estado de saúde dos filhos. Quando perguntei ao médico a origem daquela doença, as 
consequências, e o tratamento, eu não lembro de sua reação, mas o que me resta na memória é 
que ele explicou algumas coisas para Josiane, e ela parecia estar um pouco confusa ainda com 
a situação. Depois desse fato nunca mais pude acompanhá-la nas consultas, pois não tinha 
mais tempo disponível e acabamos nos distanciando. 
Esse episódio me ensinou que muitas questões estão em jogo numa relação como esta, e 
que “compreender o relacionamento entre profissional da saúde e a pessoa surda é condição 
30	
  	
  
necessária para qualificar os serviços prestados à população surda” (CHAVEIRO, 
BARBOSA, PORTO, MUNARI, MEDEIROS, DUARTE, 2010, p. 640). 
Não se pode negar que qualquer profissional necessita estar em harmonia com o 
ambiente do qual faz parte essa realidade. Especialmente em relação ao intérprete de 
contextos médicos, estar num hospital ou num atendimento requer um equilíbrio emocional 
muito grande, em especial para nós, intérpretes de LIBRAS, que conhecemos a realidade de 
tais sujeitos surdos e a grande dificuldade que eles têm em acessar a saúde com qualidade. 
Estar envolvido com alguém que apresenta problemas de saúde (ou até mesmo familiares que 
tenham algum problema), exige um controle afetivo muito forte por parte desse profissional, 
visto que algumas realidades podem refletir extremamente em nosso convívio social, afinal, 
os seres humanos adocem e esse é o ciclo natural de vida. 
O intérprete naturalmente se torna um membro muito presente desse vínculo com o 
paciente e deve tratá-lo com muita dignidade e profissionalismo. Queiroz (2011, p. 41) 
constata: 
O intérprete precisa estar seguro, para interpretar desde questões que envolvem 
terminologia médica (científicas e técnicas) em suas diversas especificidades, até 
questões de ordem administrativa, que envolvem padrões de atendimento de um 
sistema de saúde, até as questões pessoais que envolvem a confidencialidade do 
atendimento. 
 
O intérprete, além de toda essa bagagem de responsabilidades, ainda é participante ativo 
do contexto geral de onde ocorre o atendimento, pois “[a] presença do intérprete faz com que 
se torne possível para o paciente e o profissional médico alcançar os objetivos do encontro 
como se estivessem comunicando-­‐se diretamente um com o outro” (IMIA, 1995, p. 10). Para 
que tudo isso ocorra harmoniosamente, é necessário um desempenho de toda equipe de saúde 
e a compreensão da realidade em que o profissional intérprete-médico esteja inserido. Deve-se 
entender que o paciente muitas vezes coloca toda sua confiança na expectativa de ser bem 
atendido mediado pela interpretação: 
A grande maioria das pesquisas realizadas sobre o tema concorda que a prática da 
interpretação comunitária em cenários médico-hospitalares vai além da mera função 
de tradução linguística para auxiliar profissionais da saúde e pacientes a lidar com 
diversas questões de diferenças culturais e institucionais (ANGELELLI, 2004). 
Dados empíricos resultantes de uma investigação liderada por Pochhacker e Kadric 
(1999) apontam que profissionais da saúde de alguns hospitais de Viena esperam 
que o intérprete faça mais do que traduzir. A expectativa de que o intérprete auxilie 
para além das palavras surge tanto do lado do paciente quanto do provedor de saúde. 
Ambos os lados esperam que o intérprete explicite, por exemplo, questões culturais 
e de políticas institucionais. Destarte, o processo de comunicação faz uso não 
somente de componentes orais, escritos e visuais, como também sociais e culturais 
(crenças e valores) QUEIROZ (2011, p. 42). 
31	
  	
  
	
   	
  	
  
 
Essas questões aqui levantadas fazem parte de uma construção histórica e simbólica 
pelo reconhecimento da figura do intérprete-médico e devem ser problematizadas por todas as 
equipes que dispõem desse profissional, ainda mais no que tange sua função e 
responsabilidades. Portanto, o código de ética da IMIA publicado em 1995 pode ser um 
grande auxiliador na tarefa de compreensão e avaliação do atendimento desse profissional. 
Nele temos: 
O Conselho Nacional de Interpretação de Saúde analisou o Código de Ética e 
Conduta Profissional para Intérpretes Médicos e votou em defesa do uso deste 
documento como sendo a melhor declaração de códigos para intérpretes atualmente 
disponível. O Conselho felicita a Associação Internacional de Intérpretes Médicos a 
o Centro de Desenvolvimento Educacional, Inc., coautores do documento, por seus 
valorosos esforços em seu desenvolvimento e encorajar outras organizações a 
afiliarem-se oferecendo avaliação neste trabalho em desenvolvimento. (IMIA, 1995, 
p. 08) 
 
Compete, portanto, a nós, intérpretes, equipe da saúde e pacientes que utilizam os 
serviços de interpretação, dialogar e sensibilizar a sociedade, mostrando e visibilizando a 
nossa atuação no contexto. Além de protagonizar a luta pela efetivação dos intérpretes-
médicos na saúde pública, estaríamos atendendo um público que há tempo tem sido deixado 
de lado por conta de uma diferença linguística. 
 
 3	
  A	
  ABORDAGEM	
  QUALITATIVA	
  COMO	
  PILAR	
  METODOLÓGICO	
  DE	
  PESQUISA	
  
 
A abordagem metodológica é uma peça-chave para o desenvolvimento e condução de 
uma boa pesquisa. Não há pesquisas sem método e sem um problema. Eles são embriões de 
um desenvolvimento científico de qualidade. Muitos pesquisadores enfrentam dificuldades 
em desenhar o problema de suas pesquisas, por conta disso o andamento delas pode sair 
prejudicado ou sem grande valia para comunidade científica. A abordagem do problema que 
minha pesquisa será de

Outros materiais