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Apostila Ergonomia Engenharia

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ERGONOMIA 
em uma abordagem prática e contemporânea 
 
 
 
Eduardo Breviglieri Pereira de Castro 
Universidade Federal de Juiz de Fora 
Departamento de Engenharia de Produção 
 
 2 
INTRODUÇÃO* 
 
*texto adaptado da Introdução do livro de Antoine Laville – “ERGONOMIA”, 1976. 
 
O termo Ergonomia é relativamente recente: criado e utilizado pela 
primeira vez pelo inglês Murrel, passa a ser adotado oficialmente em 
1949, quando da criação da primeira sociedade de ergonomia, a 
Ergonomic Research Society, que congregava psicólogos, 
fisiologistas e engenheiros ingleses, interessados nos problemas da 
adaptação do trabalho ao homem. 
 
A etimologia do vocábulo Ergonomia não especifica bem o objeto 
dessa disciplina. Junção dos vocábulos ERGO (trabalho) + NOMOS 
(leis, normas), uma tradução literal seria o estudo das leis “naturais” 
do trabalho. Podemos melhor defini-la, entretanto, como sendo o 
conjunto de conhecimentos a respeito do desempenho do homem 
em atividade, a fim de aplicá-los à concepção das tarefas, dos 
instrumentos, das máquinas e dos sistemas de produção. A 
Ergonomia nasceu de necessidades práticas: ligada à prática, já que 
sem aplicação perde a razão de ser, ela se apóia em dados 
sistemáticos, utilizando métodos científicos. 
 
 
UMA ANTIGA HISTÓRIA 
 
Ainda não existe uma história propriamente dita da Ergonomia, 
pelo menos uma história identificável. Se os conhecimentos 
relativos ao comportamento do homem no trabalho vêm sendo 
recolhidos de modo sistemático há trinta anos, provocando o 
aparecimento dessa disciplina, é certo que a aplicação dos 
conhecimentos parciais e empíricos aos problemas do trabalho é 
muito antiga. Poderíamos mesmo dizer que ela remonta à criação 
das primeiras ferramentas. Na verdade, tamanha é a importância da 
adaptação da ferramenta ao homem, que os paleontólogos 
discriminam as primeiras etapas deste último na terra segundo o 
grau da “ergonomia” da primeira, ou seja, fala-se de uma “Era da 
Pedra Lascada” e de uma “Era da Pedra Polida”. Importância que vai 
 
 3 
se revelando cadê vez mais, como pode ser observado pelo formato e 
o material de que são feitos os martelos de hoje (VER FIGURA A 
SEGUIR). Estes são escolhidos em função das características da 
matéria trabalhada (madeira, pedra, ferro, etc.) e do efeito 
procurado (precisão, força, etc.), além das características dos 
homens que os manejam (dimensão da mão, potência muscular 
utilizada, controle da massa que se movimenta, etc.). 
 
 
 
Na verdade, da maneira como entendemos hoje a disciplina, 
podemos considerar que as primeiras medidas e observações 
sistemáticas foram feitas seja por engenheiros e organizadores do 
trabalho, seja por pesquisadores, seja por médicos. 
 
1. Os engenheiros e organizadores do trabalho o fazem 
numa perspectiva do aperfeiçoamento do rendimento do 
homem no trabalho. 
 
Podemos citar Vauban, no século XVII, e Belidor, no século XVIII, 
que tentam medir a carga do trabalho físico diário nos próprios 
locais de trabalho. Sugerem que uma carga demasiado elevada 
acarreta esgotamento e doenças, preconizando uma melhor 
organização das tarefas para elevar o rendimento. Um pouco mais 
tarde, engenheiros como Vaucanson e Jacquard montariam os 
primeiros dispositivos automáticos para suprimir alguns postos 
particularmente penosos: os tecelões nas tecelagens, por exemplo. 
Depois, viriam os organizadores do trabalho, como Taylor e seus 
precursores, que analisariam o trabalho, tendo em vista definir as 
melhores condições de rendimento. O modelo de desempenho do 
 
 4 
homem sobre o qual eles se baseariam é análogo ao do 
funcionamento de uma máquina. 
 
2. Os pesquisadores, físicos e fisiologistas interessam-se 
pelo homem em atividade para compreender seu 
desempenho. 
 
Leonardo da Vinci estuda as dimensões e os movimentos dos 
segmentos corporais: é o começo da antropometria (VER FIGURA 
ABAIXO) e da biomecânica. Mais tarde, Lavoisier descobre os 
primeiros elementos da fisiologia respiratória e da calorimetria. Faz 
ainda as primeiras tentativas de avaliação do custo do trabalho 
muscular. Coulomb introduz a noção de duração do esforço, 
criticando as experiências e observações que não duram mais que 
alguns minutos. Estuda os ritmos de trabalho em inúmeras tarefas e 
procura determinar uma carga ótima que considere as diferentes 
condições de execução do trabalho. 
 
 
 
 
 
 5 
 
No século XIX, Chauveau define as primeiras leis do dispêndio 
energético no trabalho muscular. Marey desenvolve técnicas de 
medida (cápsulas manométricas que constituem os primeiros 
cardiógrafos e pneumógrafos) e as técnicas de registro (fusil 
fotográfico). Estuda os movimentos, bem como o andar. Finalmente, 
no início deste século, Jules Amar fornece as bases da Ergonomia do 
trabalho físico, estudando os diferentes tipos de contração muscular 
(dinâmica e estática). Interessa-se pelos problemas da fadiga, pelos 
efeitos do meio ambiente (temperatura, ruído, claridade). Multiplica 
os sistemas de registro (lima e plaina registradoras). Durante a 
Primeira Guerra Mundial, ocupar-se-á igualmente da reeducação 
dos feridos e da concepção de próteses. Seu livro “O motor 
humano”, publicado em 1914, é a primeira obra de Ergonomia, pois 
descreve os métodos de avaliação e as técnicas experimentais, 
fornecendo as bases fisiológicas do trabalho muscular e 
relacionando-as com as atividades profissionais. 
 
3. Os médicos situam-se em uma corrente higienista de 
proteção da saúde dos operários. 
 
A partir do século XVII, Ramazzini, "verdadeiro criador da medicina 
do trabalho", segundo o Dr. Valentin, interessa-se pelas 
conseqüências do trabalho, descrevendo as primeiras doenças 
profissionais em uma série de monografias que tratam de atividades 
as mais diversas (problemas oculares de pessoas que fabricam 
objetos pequenos, problemas devidos à má postura e ao 
carregamento de cargas pesadas, a surdez dos caldeireiros de 
Veneza, etc.). Tissot, no século XVIII, interessa-se pelos problemas 
de climatização dos locais e também pela organização da medicina, 
propondo a criação de serviços particulares nos hospitais para curar 
as moléstias dos artesãos. Patissier, no início do século XVIII, 
desenvolve os temas de Ramazzini e Tissot, já então preconizando a 
reunião de dados estatísticos sobre a mortalidade e a morbidade por 
moléstias e acidentes na população operária. Villermé, à mesma 
época, realiza estudos estatísticos, efetuando uma importante 
pesquisa sobre as condições de trabalho em inúmeras fábricas de 
 
 6 
todas as regiões da França, os quais culminam num relatório 
publicado em 1840 sobre o estado físico e moral dos operários. Tal 
relatório é considerado o ponto de partida para as primeiras 
medidas legais de limitação da duração do trabalho e da idade, de 
engajamento para as crianças. 
 
 
DESENVOLVIMENTO ATUAL 
 
Na primeira metade do século XX, o progresso dos conhecimentos 
em psicologia e fisiologia é considerável, mas as pesquisas sobre os 
problemas de trabalho ainda são raras. No início do século, na 
Alemanha, nos Estados Unidos e, depois, na Inglaterra, alguns 
psicólogos criam os primeiros institutos e centros de pesquisa 
orientados para o estudo desses problemas. 
 
Lahy, na França, participa desta corrente, pesquisando as condições 
de trabalho em algumas profissões. Mas a pressão do ambiente 
orienta a psicologia do trabalho para os problemas da seleção de 
pessoal. À parte algumas tentativas isoladas, somente na metade 
deste século é que ela sai do âmbito da psicologia diferencial para 
desenvolver pesquisas sobre a atividade do homem no trabalho). Na 
França, no início do século, Jules Amar cria o primeiro laboratório 
de pesquisas sobre o trabalho profissional, no Conservatório 
Nacional de Artes e Ofícios, e desse modo a fisiologiado trabalho 
encontra uma estrutura para se desenvolver. Mais tarde, os 
progressos da neurofisiologia e da psicofisiologia permitirão 
estender as pesquisas a domínios situados fora do âmbito muscular. 
 
Após seu aparecimento oficial, a Ergonomia tende a ampliar suas 
bases científicas: de um lado, em direção à Biometria, à Bioquímica 
e à Biomecânica; de outro, em direção à Psicologia Social e à 
Sociologia. Tal tendência levanta o problema de seus limites, 
questão ainda hoje atual. Sólidas bases científicas eram necessárias 
para a criação da disciplina, mas outros elementos, ligados à 
evolução dos problemas do trabalho, desempenharam na época um 
papel igualmente importante. 
 
 7 
 
1. Exigências técnicas. A concepção de máquinas complexas e 
sua utilização em situações extremas exigem que se considere 
sempre mais o modo de atuação do homem. Este problema 
manifestou-se de forma brutal durante a última guerra mundial, 
quando se encontrou dificuldade na utilização de material bélico 
complexo. Mas, atualmente, pode-se encontrar ainda numerosos 
exemplos: 
 
O aumento da velocidade dos aviões e as exigências de segurança a 
elas ligadas impõem a concepção de um posto de comando adaptado 
às possibilidades do piloto que, submetido a longos percursos e à 
mudança de fusos horários, verá modificações na sua capacidade de 
pilotar; a construção de sistemas de produção inteiramente 
automatizados, como na indústria química, cria situações de 
trabalho onde o operador encarregado do controle permanecerá 
isolado, devendo, a partir de tinia série de indicações, acompanhar o 
bom andamento do processo de fabricação e intervir com rapidez 
em caso de raros incidentes, e isto durante muitas horas, tanto de 
dia como de noite; a fabricação miniaturizada, principalmente no 
ramo eletrônico, exige uma precisão extrema no trabalho, que só 
pode ser feito corretamente se a concepção do posto respeitar de 
maneira quase perfeita as exigências fisiológicas e psicológicas. 
 
O que se constata, aliás, é que estas diversas atividades de trabalho 
devem se efetuar em ambientes extremos ou artificiais: isto ocorre 
com o desenvolvimento de atividades em zonas geográficas muito 
quentes ou muito frias e, principalmente, com a multiplicação dos 
postos de trabalho em que os operadores são submetidos a ruído 
intenso, vibrações e condições térmicas impostas pelas técnicas de 
fabricação (como nas indústrias têxtil e alimentar). 
 
2. Exigências econômicas. O desenvolvimento dos meios 
técnicos de produção se faz acompanhar de um aumento da 
complexidade das máquinas, mas também de seu custo: não se 
toleram sua má utilização ou algum incidente em sua manobra; 
necessidades técnicas e pressões econômicas exigem sua contínua 
 
 8 
utilização; o trabalho em equipes alternadas e o trabalho noturno 
abarcam número sempre maior de trabalhadores; o índice de 
ausência e o turn-over aumentam em muitos setores industriais, 
acarretando um elevado custo econômico para a sociedade. 
 
3. A pressão social dos trabalhadores. Submetidos a condições 
de trabalho que põem em risco sua saúde, a um ritmo acelerado de 
produção, à fragmentação das tarefas, a agressão do meio ambiente 
(ruído, poeira, vibrações), a alterações periódicas dos horários de 
trabalho, etc., os trabalhadores não toleram a diferença entre os 
imensos esforços exigidos por uma industrialização sempre mais 
aperfeiçoada e as raríssimas ações realizadas para mudar as 
condições de trabalho, salvo quando se trata de aumentar a 
produção. A noção de melhoria das condições de trabalho aparece 
muito cedo na história do movimento operário; mas, 
freqüentemente, ela só se traduz em reivindicações de medidas de 
proteção (limitação da jornada de trabalho, proteção contra o 
ruído), que são mais fáceis de serem alcançadas e generalizadas. 
 
Entretanto, a resistência para suportar condições de trabalho 
penosas aumenta nos países industrializados como se verifica pelo 
apelo a mão-de-obra estrangeira e por sua significativa presença em 
empregos onde as condições de trabalho são severas (trabalho em 
cadeia, construção civil, etc.). 
 
Esses três tipos de pressão impulsionaram o desenvolvimento de 
pesquisas sobre o desempenho do homem em atividade, 
particularmente em atividade profissional, levando a que se 
reunissem os conhecimentos já adquiridos a fim de torná-los úteis à 
organização e concepção dos meios de trabalho, sem, contudo 
provocar aplicações idênticas, na prática. A utilização de 
conhecimentos ergonômicos liga-se aos objetivos das empresas, das 
populações que as compõem e da sociedade a que pertencem. Tais 
conhecimentos servem tanto para aumentar a eficácia de um 
sistema de produção como para diminuir a carga de trabalho do 
operador. Mas esses objetivos muitas vezes são contraditórios, 
constatando-se freqüentemente que a melhoria de um posto de 
 
 9 
trabalho feita a partir de dados ergonômicos não se faz acompanhar 
simultaneamente por uma atenuação na carga de trabalho para o 
operário: um dispositivo mais aperfeiçoado no comando de uma 
máquina fará com que um mesmo operador conduza duas delas; o 
rendimento aumenta, mas também aumenta simultaneamente o 
trabalho do operário. A Ergonomia se aplica dentro de um 
determinado quadro político. Assim, não se constitui num fator de 
melhoria das condições de trabalho. Na maioria dos casos, foi 
através de pressões sociais, feitas principalmente pelos sindicatos e 
pelos operários, que as mudanças mais significativas foram 
alcançadas. 
 
 
QUADRO DA ERGONOMIA 
 
Definição 
 
Assim, a Ergonomia pode ser definida como "o conjunto de 
conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários à 
concepção de instrumentos, máquinas e dispositivos que possam ser 
utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficiência" (A. 
Wisner). Nesse caso, se a Ergonomia é, de início, uma tecnologia, 
isto é, um corpo de conhecimentos sobre o homem aplicável aos 
problemas levantados pelo conjunto homem-trabalho, ela tem, 
contudo, métodos específicos de estudo e pesquisa sobre a realidade 
do homem no trabalho que definem um tipo de pensamento que lhe 
é próprio, colocando questões às diversas ciências sobre as quais se 
apóia (principalmente à Fisiologia e à Psicologia) e suscitando 
pesquisas no terreno do homem em atividade. 
 
A Ergonomia pode ser considerada um conjunto de conhecimentos 
interdisciplinares. 
 
A Psicologia e a Fisiologia são as duas principais ciências onde a 
Ergonomia foi buscar raízes e continua a se edificar. Mas o 
desempenho do homem no trabalho é de grande complexidade, e a 
Ergonomia ampliou progressivamente o campo de suas bases 
 
 10 
científicas: assim, ela recorre a conhecimentos adquiridos em 
setores tão diversos como a Antropologia e a Sociologia para 
estabelecer suas normas de aplicação. Aliás, isso pode ocasionar um 
grave risco: carente de limites, esta disciplina estaria condenada ao 
desaparecimento. Entretanto, se a Ergonomia conserva seu objetivo 
principais qual seja, a concepção de situações e instrumentos de 
trabalho de acordo com o desempenho do homem, então ela é 
diretamente identificável. 
 
Disciplinas afins 
 
Estes objetivos diferenciam bem a Ergonomia de disciplinas como a 
Organização do Trabalho ou a Segurança do Trabalho. O objetivo da 
Organização do Trabalho é conceber sistemas de "produção" mais 
eficazes do ponto de vista econômico, técnico e social. O homem é 
apenas um dos elementos considerados, e sua atividade está 
diretamente subordinada à eficácia do conjunto do sistema. Na 
Medicina do Trabalho, o objetivo prioritário é a defesa da saúde do 
trabalhador, a conservação de sua integridade física e mental. 
Colocando-se, de início, em um plano preventivo, ela só se liga à 
tecnologia no nível do exame crítico do dispositivo de produção. Já a 
Segurançado Trabalho coloca-se num nível tecnológico para 
realizar seu próprio objetivo: conservação da integridade física do 
trabalhador. 
 
Tal diferenciação corresponde a uma realidade francesa. Ela pode 
evoluir, pois é grande o intercâmbio dessas disciplinas. Pode-se 
constatar que alguns médicos do trabalho, agentes e engenheiros de 
segurança e organizadores do trabalho realizam por vezes atividades 
especificamente ergonômicas. Em outros países, na prática, as 
diferenciações não são as mesmas. Cada um dos dois aspectos - 
tecnologia da concepção dos meios de produção adaptados ao 
desempenho do homem e higiene industrial para a proteção da 
saúde física e psíquica dos trabalhadores - pode ter uma 
importância diferente. 
 
 
 
 11 
Clientela 
 
Na prática atual, os conhecimentos sobre o homem no trabalho são 
utilizados por engenheiros na concepção ou correção dos meios de 
produção e de produtos, pelos organizadores do trabalho na 
organização de sistemas de produção em que o homem intervém, 
pelos serviços de higiene e segurança no estabelecimento de normas 
e limites que, uma vez ultrapassados, porão em risco a saúde dos 
trabalhadores, pelos departamentos de pessoal em seu papel de 
formação, pelos sindicalistas em seu papel de defesa das condições 
de trabalho. Entretanto, fora do âmbito estrito da empresa, certos 
dados ergonômicos são utilizados por arquitetos na concepção de 
locais de trabalho (oficinas, escritórios, centros comerciais, 
alojamentos, etc.), por designers, por criadores de uma profissão ou 
tarefa, por reeducadores. 
 
Classificação 
 
Distingue-se habitualmente uma ergonomia de correção de uma 
ergonomia de concepção. A primeira procura melhorar as condições 
de trabalho existentes e é freqüentemente parcial (modificação de 
um dos elementos do posto, claridade, dimensões) e de eficácia 
limitada, além de ser onerosa do ponto de vista econômico, pois o 
controle de ruído de uma máquina já fabricada, por exemplo, é mais 
difícil de fazer, menos eficaz e mais custoso do que quando a 
máquina ainda se encontra em fase de projeto. A ergonomia de 
concepção, ao contrário, tende a introduzir os conhecimentos sobre 
o homem desde o projeto do posto, do instrumento, da máquina ou 
dos sistemas de produção. 
 
Outras diferenciações são ainda estabelecidas: ergonomia dos meios 
de produção - isto é, dos componentes do trabalho - e ergonomia do 
produto. No último caso, trata-se de conceber o objeto fabricado 
considerando os dados ergonômicos correspondentes ao número de 
consumidores (carros, aparelhos eletrodomésticos, etc.). 
 
 
 12 
Além disso, já se começa a formular questões em outro nível: de que 
maneira conceber um produto, um objeto que possa ser fabricado 
considerando-se os dados ergonômicos dos postos de trabalho, isto 
é, conceber o objeto a ser fabricado considerando não apenas as 
limitações técnicas, econômicas e comerciais, mas também as 
limitações ergonômicas de fabricação. 
 
Podemos, enfim, distinguir uma ergonomia de proteção do homem 
que trabalha, para evitar o cansaço, a velhice precoce, os acidentes, 
etc., e uma ergonomia de desenvolvimento, que permitirá a 
concepção de tarefas de forma a elevar a capacidade e a competência 
dos Operadores. 
 
Desse modo, os problemas levantados pelo envelhecimento das 
aptidões e capacidades do homem no trabalho podem ser estudados 
apenas na perspectiva do homem envelhecendo no trabalho: quais 
são as condições nas quais o trabalhador idoso pode continuar a 
assumir sua tarefa sem cansaço nem aceleração dos processos de 
envelhecimento? Elas podem ainda ser estudadas também a partir 
de uma perspectiva dinâmica: quais são as condições nas quais o 
trabalhador mais velho pode aumentar sua competência? No 
primeiro caso, obedece-se a recomendações ergonômicas que 
permitem a conservação do posto no curso da vida profissional 
(dimensões do posto, limite dos esforços físicos, limites do ritmo de 
trabalho, sistema de auxílio aos trabalhadores, etc.). No segundo 
caso, tende-se a preconizar uma concepção do conteúdo do trabalho, 
de modo a permitir o aumento da capacidade profissional do 
trabalhador, com a idade. É claro que esta última perspectiva não 
pode se realizar quando as condições de conservação do posto não 
são respeitadas. 
 
 13 
CAPÍTULO 1 
 
TRABALHO, TECNOLOGIA E ERGONOMIA 
 
 
O TRABALHO AO LONGO DA HISTÓRIA* 
 
*Adaptação de trechos de Domenico de Masi, 2000 
 
Como já deve estar claro, a ergonomia não teria sentido se não 
existisse o trabalho humano. Desta forma, antes de partirmos para 
os problemas relacionados diretamente à disciplina, é necessário 
compreender e estabelecer uma base sólida do que já foi, o que é e o 
que pode vir a ser o trabalho humano. Em outras palavras, é 
prudente conhecer a evolução e um conceito para esta atividade do 
homem. 
 
O trabalho humano sofreu grandes transformações ao longo dos 
tempos, assim como seu conceito. Para os gregos, por exemplo, 
tinha uma conotação estritamente física: "trabalho" era tudo aquilo 
que fazia suar, com exceção do esporte. Quem trabalhava, isto é, 
suava, ou era um escravo ou era um cidadão de segunda classe. As 
atividades não-físicas (a política, o estudo, a poesia, a filosofia) eram 
"ociosas", ou seja, expressões mentais, dignas somente dos cidadãos 
de primeira classe. 
 
É interessante notar que, mesmo no século XIX, a concepção de 
trabalho era muito ligada à de sofrimento. No seu Tableau de l'état 
physique et moral des ouvriers dans les fabriques de coton, de laine 
et de soie, de 1840, Villarmé referia que naqueles tempos os 
escravos das Antilhas trabalhavam nove horas por dia, os 
condenados ao trabalho forçado nas instituições penais, dez, e os 
operados de algumas indústrias de manufaturas trabalhavam 
dezesseis horas por dia. Para os católicos, o trabalho era uma 
sentença condenatória, como reafirmará a Rerum Novarum, em 
1891. Para os liberais, era uma disputa mercantil. Para Marx, era a 
 
 14 
única possibilidade de redenção, junto com a revolução e, por isso, 
era um direito a ser conquistado. Nesta época, somente Taylor, no 
plano prático, e Lafargue, no plano teórico, consideram o trabalho 
um mal que deve ser reduzido ao mínimo ou evitado. Entre as visões 
do trabalho que se confrontavam naquele período, a de Taylor era a 
mais libertadora e cheia de vitalidade. 
 
A sociedade industrial permitiu que milhões de pessoas agissem 
somente com o corpo, mas não lhes deixou a liberdade para 
expressar-se com a mente. Na linha de montagem, os operários 
movimentavam mãos e pés, mas não usavam a cabeça. Depois de 
algum tempo, o movimento se tornava completamente automático. 
Na realidade, a sociedade industrial não só fez com que, para 
muitos, se tornasse inútil o cérebro como também fez com que 
somente algumas partes do corpo fossem utilizadas. Isto era 
diferente da sociedade rural na qual o camponês, para usar a enxada 
ou a pá, assim como o pescador para pescar, além de utilizar o corpo 
inteiro, usava talvez um pouco mais o cérebro. Mesmo no século XX, 
em uma fábrica automobilística, a Alfasud (Itália), uma pesquisa 
com cerca de dois mil operários mostrou que uma etapa de trabalho 
durava setenta e cinco segundos. Calcule-se quantas vezes se repetia 
esta tarefa ao longo de uma jornada de oito horas! Era um trabalho 
para macacos: basta-se observá-lo por poucos minutos para 
aprender a realizá-lo. 
 
Na nossa sociedade, definida como pós-industrial, o trabalho 
repetitivo, seja ele físico ou intelectual, vem sendo cada vez mais 
realizado pelas máquinas. Aos humanos, no trabalho ou no ócio, 
resta a interessante tarefa de serem criativos. Mas parece realmente 
difícil aceitar essa nova condição e dela usufruir, pois não se 
abandonam num segundo os hábitos adquiridos. Estamos 
habituados a desempenhar funções repetitivascomo se fôssemos 
máquinas e é necessário um grande esforço para aprender uma 
atividade criativa, digna de um ser humano. 
 
 
 
 15 
Qual o futuro do trabalho na nossa sociedade pós-
industrial?* 
 
*Resenha do Livro “O Fim dos Empregos” de Jeremy Rifkin 
 
Em "O Fim dos empregos", Jeremy Rifkin apresenta uma visão um 
tanto preocupante, e, ao mesmo tempo, esperançosa do futuro. O 
autor argumenta que o mundo está entrando em uma nova fase na 
história, com a sociedade caminhando para um declínio dos 
empregos. Esta nova fase, a “terceira revolução industrial”, é o 
resultado do surgimento de novas tecnologias, como o 
processamento de dados, a robótica, as telecomunicações e as 
demais tecnologias que aos poucos vão repondo máquinas nas 
atividades anteriormente efetuadas por seres humanos. De fato, o 
que vemos hoje, como um prenúncio das previsões de Rifkin é a 
automatização de escritórios, comércio e indústria a níveis nunca 
antes observados. Computadores fazem o trabalho de dezenas de 
seres humanos. Robôs, de milhares, e a custos infinitamente 
inferiores, sem férias, dores de cabeça, TPM ou benefícios. 
 
A mais sombria previsão de Rifkin é que os trabalhos perdidos pelo 
ser humano para as máquinas nunca mais serão feitos por homens. 
Ele afirma que a automatização proveniente de máquinas e 
computadores, oferece um ganho em produtividade e uma redução 
de custos, que a princípio oferece a falsa visão que mais pessoas 
poderão entrar no mercado de consumo e adquirir bens. A teoria é 
de que automatização gera maior produção e maior produção gera 
aumento da produtividade. A produtividade, por sua vez, gera 
preços baixos. Preços baixos aumentam a demanda, aumentando 
por sua vez a produção, que a seu turno aumenta o nível dos 
empregos. Ora, isto é rejeitado por Rifkin, já que a cadeia é correta a 
não ser na sua conclusão: a produção hoje não aumenta o nível dos 
empregos, mas sim, traz mais automatização reduzindo o trabalho 
dos seres humanos. 
 
O autor faz uma análise meticulosa de como a tecnologia afetou e 
continua afetando a forma em que as pessoas tem realizado suas 
 
 16 
tarefas na agricultura, produção e setores de serviço durante o final 
do século XX. No passado, afirma Rifkin, as "vítimas" do 
desemprego causado por novas tecnologias eram absorvidas por 
outros setores do ciclo laboral. Desempregados da indústria de alta 
tecnologia iam para a indústria de baixa, os de baixa para os 
serviços, os de serviços para a construção, os de construção para a 
agricultura e assim sucessivamente. Hoje em dia, com tecnologias 
de ponta até na agricultura, como as ceifadeiras e colheitadeiras 
automáticas, milhares de trabalhadores estão sendo substituídos por 
duas ou três máquinas que fazem o mesmo trabalho a um custo 
inferior, e em turnos ininterruptos. 
 
Uma realidade, no entanto, está prevista por Rifkin: por mais que o 
nível de empregos decline, nem todos estarão desempregados na 
nova sociedade baseada na informação. Para ele, um pequeno 
número de trabalhadores no setor da informação e do conhecimento 
irá prosperar, já que o seu "know-how" será cada vez mais 
necessário na criação, desenvolvimento e manutenção dos 
equipamentos necessários à automação. Os profissionais da 
tecnologia se constituirão em uma nova elite da sociedade. Outro 
segmento que irá sobreviver na nova economia global será o da alta 
administração. Dados afirmam que os altos executivos atuais são o 
segmento que mais tiveram os seus rendimentos aumentados nos 
últimos 50 anos. O mais preocupante é que o salário de um Chief 
Executive Officer, nos Estados Unidos pulou de 29 vezes o salário de 
um operário em 1979 para 93 vezes em 1988... 
 
Algumas conseqüências desta nova distribuição do trabalho na 
sociedade podem ser previstas: novas formas de distribuição dos 
frutos da implementação da automação terão que ser 
implementadas nos próximos anos. Primeiramente, os dramáticos 
avanços em produtividade terão que ser "casados" com a redução de 
horas trabalhadas e com o aumento de salários. Infelizmente, as 
tendências nos últimos anos mostraram o contrário: os americanos 
estão paradoxalmente trabalhando mais horas por dia do que faziam 
na década de 20 e recebendo cada vez menos participações nos 
lucros das empresas que trabalham. Este fenômeno é o resultado da 
 
 17 
introdução da tecnologia, que tem possibilitado às empresas demitir 
trabalhadores criando um verdadeiro exército de desempregados. 
Os que permanecem nos empregos, no entanto, se sentem 
compelidos a trabalhar cada vez mais, por salários cada vez 
menores. As empresas que se auto denominam "competitivas" tem 
optado por trabalhar com uma folha de pagamento cada vez menor, 
obrigando os trabalhadores a produzir mais. A Segunda solução 
proposta por Rifkin para contra atacar os impactos criados pela 
tecnologia cabe aos governos. Consiste em que eles criem um maior 
apoio para o Setor Social, onde diferentemente dos setores 
comerciais, as mudanças de ganhos e perdas são menos 
importantes, e o que importa, no fim, é o aspecto social. Um 
exemplo são as 1 milhão e quatrocentas mil organizações sem fins 
lucrativos americanas, que contribuem com aproximadamente 6% 
da economia e é responsável por 9% do nível de emprego total. 
 
O aspecto sombrio de Rifkin se reflete nos números que apresenta 
como fatos e previsões. O mais terrível é que 2020 é o ano em que 
virtualmente se esgotarão as possibilidades de emprego. Temos 
portanto 17 anos para nos preparar para um mundo que se 
automatizou aproveitando a mão de obra humana ou para 
literalmente chegarmos ao "fim dos empregos". 
 
 
DA TECNOLOGIA AO CONCEITO DE TRABALHO* 
 
*Traduzido e adaptado de Christophe Dejours, 1995 
 
Quais são as relações de distinção entre técnica e trabalho? Podemos 
afirmar que não são sinônimos, face às disciplinas especificamente 
implicadas na conceitualização de trabalho, em especial a 
ergonomia. 
 
A primeira distinção refere-se à noção de ato. Sob a luz da 
investigação ergonômica, em especial a ergonomia de língua 
francesa, somo levados a atribuir um lugar primordial à análise da 
atividade, diferenciando-a da definição de tarefa. A tarefa é que 
deseja-se obter ou que deveria-se fazer. A atividade é, perante a 
 
 18 
tarefa, o que é feito realmente pelo operador para tentar atingir, o 
mais perto possível, os objetivos fixados pela tarefa. Em relação à 
técnica, o trabalho é caracterizado, por conseguinte, pelo quadro 
social de obrigações e de limitações que o precede. Por diferença 
com um ato não situado em relação a uma prescrição, ou seja, um 
ato referente a uma fabricação qualquer, o trabalho stricto sensu 
implica um contexto que contribui de maneira decisiva para defini-
lo. Também, no conceito de trabalho, substituir-se-á à noção de ato 
aquela de atividade mais precisa e mais específica. 
 
Por outro lado, a eficácia é certamente uma dimensão central 
comum à técnica e ao trabalho. Mas o trabalho sempre é situado 
num contexto econômico. O critério isolado da eficácia da atividade 
sobre o real é insuficiente para homologar uma atividade como um 
trabalho. É necessário ainda que esta eficácia seja útil. Esta utilidade 
pode ser uma utilidade técnica, social ou econômica. Mas o critério 
utilitário, ou mesmo utilitarista no sentido econômico do termo, é 
inexpugnável do conceito de trabalho. 
 
É sobre este critério que pode-se estabelecer a distinção entre um 
lazer e um trabalho, entre o trabalho e o não-trabalho. Jogar tênis, 
jogar cartas, etc., todas estas atividades implicam o uso de técnicas. 
Mas se a eficácia técnica dos atos não está sujeita aos critérios de 
utilidade, está no domínio do lazer ou do não-trabalho. É em relação 
a este critério utilitarista que se distingue a pessoa em férias do 
monitor. Para este último, trata-sede uma atividade julgada e 
reconhecida não somente para a sua eficácia técnica, mas pela a sua 
utilidade social e econômica (em proveito de um município ou um 
clube privado, por exemplo). 
 
 
O real como conceito (aporte da ergonomia) 
 
Devemos agora abordar de maneira mais precisa que o temos feito 
até agora o conceito de “real”, na teoria da técnica e no trabalho. 
Estivemos considerando equivalentes três termos: o ambiente físico, 
a realidade e o real. Mas não podemos progredir na crítica dos 
 
 19 
pressupostos teóricos próprios a cada uma das abordagens do fator 
humano, se não esclarecemos o conceito de real, que apresenta não 
somente um conteúdo teórico e enigmático, mas que tem também 
implicações epistemológicas essenciais à nossa discussão. 
 
Definiremos o real como “o que, no mundo, se ressalta pela sua 
resistência ao controle técnico e ao conhecimento científico”. 
 
Em outros termos, o real é aquilo sobre o qual fracassa a técnica, 
após todos os recursos técnicos terem sido utilizados corretamente. 
O real está, por conseguinte, substancialmente ligado ao fracasso. É 
o que no mundo nos escapa e se torna por sua vez um enigma a 
decifrar. O real se apresenta assim como um convite constante ao 
trabalho de investigação e de descoberta. Mas, assim que dominada 
pelo conhecimento, uma nova situação faz emergir novos limites de 
aplicação e de validade, assim como novos desafios ao conhecimento 
e o saber. Consequentemente, o real não é da competência do 
conhecimento, mas o que está para além do domínio de validade do 
conhecimento e o "know-how" atuais. O real apreende-se primeiro 
sob forma da experiência na acepção de experiência vivida. 
 
O real deve, por conseguinte, conceitualmente ser distinguido da 
realidade. A realidade é “o caráter daquilo que não se constitui tão 
somente um conceito” mas um estado de coisas. A dificuldade 
lexical vem que o adjetivo que corresponde à realidade é também: 
real. O que designamos por real aqui não é o caráter real de um 
estado de coisas - a sua realidade - mas o real como substantivo. O 
real é a parte da realidade que se opõe à simbolização, ou à 
prescrição do ergonomista. 
 
A contribuição decisiva da ergonomia à teoria do trabalho é ter 
indicado o caráter incontornável, inexorável, e sempre renovado do 
real no trabalho (A. Wisner, 1993). Trata-se, no plano conceitual, de 
um progresso cuja importância é incomensurável e do qual as 
consequências para a abordagem do fator humano não foram, até 
agora, corretamente assumidas, nem mesmo por certos 
 
 20 
ergonomistas que se encontraram em certa medida ultrapassados 
pelas incidências teóricas e práticas das suas próprias descobertas. 
 
Com efeito, “o real do trabalho” é uma dimensão essencial à 
inteligibilidade dos comportamentos e das condutas humanas numa 
situação concreta. A falibilidade humana perante a tarefa é 
inevitável, dado que o real não se faz compreender que sob a forma 
do fracasso. 
 
E é precisamente, parece, esta noção de fracasso que falta na teoria 
ergonômica e na teoria do trabalho, noção no entanto 
indefectivelmente ligada à do real. A prescrição, ou seja, aquilo que 
em ergonomia designa-se sob o nome de tarefa ou modos 
operacionais prescritos, se ela nunca pode ser respeitada 
integralmente quando o trabalhador se esforça para atingir os 
objetivos da tarefa, é precisamente devido ao real do trabalho. A 
tarefa, ou seja, aquilo que se deseja fazer, não pode nunca ser 
atingida exatamente. É necessário sempre nenovar os objetivos 
fixados no início. Tal é a demonstração feita pela análise ergonômica 
da atividade. Em outros termos, o real do trabalho, se aceitarmos 
assumir as consequências teóricas do conceito, conduz à conclusão 
que a atividade real contem sempre uma parte de fracasso face ao 
qual o operador ajusta os objetivos e a técnica. O fracasso, parcial, é 
por conseguinte incluído fundamentalmente nos conceitos de 
eficácia e de utilidade, fato ignorado pela a maior parte das 
concepções do fator humano. 
 
 
Em direção a uma outra definição de trabalho 
 
Perante o fracasso de uma técnica, de um "knowhow" ou um 
conhecimento, uma trabalhador pode se superar e ganhar 
experiência com a sua falha. E de fato, “a atividade” real contem já 
uma parte de reajuste, realinhamento dos modos operacionais 
perante a resistência do real, para chegar o mais perto possível dos 
objetivos fixados pela tarefa. A atividade condensa, portanto, em 
certa medida o sucesso do saber e o fracasso causado pelo real, num 
 
 21 
compromisso que contem uma dimensão de imaginação, de 
inovação, de invenção. 
 
Na perspectiva assim aberta, podemos dar ao trabalho uma nova 
definição: “atividade coordenada útil”. Esta nova definição enuncia-
se nos termos seguintes: “O trabalho é a atividade coordenada 
realizada pelos homens e as mulheres para fazer face ao que, numa 
tarefa utilitária, não pode ser obtido estritamente pela execução da 
organização prescrita.” Esta definição contem as noções 
inicialmente retidas para caracterizar o trabalho. Mas leva em conta 
de maneira mais precisa o real: aquilo que na tarefa não pode ser 
obtido pela execução prescrita de maneira rigorosa. E insiste na 
dimensão humana do trabalho: é o que deve ser ajustado, renovado, 
imaginado, inventado, acrescentado pelos homens e as mulheres 
para ter em conta o real do trabalho. 
 
 
A ERGONOMIA E O TRABALHO* 
 
*Tradução e Adaptação de Françoise Darses e Maurice de Montmollin, 2006 
 
Estabelecida uma definição adequado do trabalho humano, pode-se 
tentar, numa segunda etapa, estabelecer qual seria, por sua vez, a 
atividade realizada pelo ergonomista. Esta, é “compreender o 
trabalho para transformá-lo”, como indica o título da obra de 
Daniellou et al (1997). Em outras palavras, para compreender o 
trabalho, é necessário analisá-lo, apoiando-se sobre conceitos e 
métodos que exporemos inicialmente. Para transformar o trabalho, 
é necessário efetuar uma intervenção cuja execução explicaremos 
subseqüentemente. 
 
Estes dois eixos do trabalho do ergonomista (compreender e 
intervir) são designados geralmente “diagnóstico ergonômico” e 
“intervenção ergonômica”. A maneira de conduzir estas duas fases 
da ação ergonômica pode variar, de acordo com os contextos, mas 
também em função das escolhas metodológicas e teóricas que faz o 
ergonomista. 
 
 22 
 
 
A análise do trabalho 
 
A análise do trabalho, na sua acepção mais ampla e, por 
conseguinte, mais vaga, designa o conjunto das atitudes 
(sociológicas, econômicas, psicológicas, organizacionais, assim 
como ergonômicas) que permitem dizer algo sobre o trabalho 
humano. A ergonomia deve, por conseguinte, precisar o que 
entende, ela, por este vocábulo. Analisar o trabalho é, 
primeiramente, fazer a distinção entre trabalho prescrito e trabalho 
real. Mas isto não é totalmente específico à ergonomia: a 
organização do trabalho, sob todas as formas, sempre tratou do 
trabalho prescrito e também interessou-se pelo trabalho real - mas 
mais freqüentemente para reprimi-lo que para inspirar-se. A 
verdadeira especificidade da ergonomia (sobretudo a dita “da escola 
francesa”) aparece com a introdução da distinção tarefa/atividade. 
Então, o trabalho real reveste-se de certa “nobreza” e o trabalho 
prescrito vê-se às vezes acusado de “rústico”. 
 
 
O trabalho prescrito e o trabalho real 
 
 Trabalho prescrito. - É que a hierarquia especifica formalmente, 
oralmente ou por escrito (através instruções, de notas e 
regulamentos), em relação: 
 
• objetivos quantitativos: número de peças a produzir, número 
de processos a monitorar, de prazos a respeitar, de pacientes 
a tratar; 
 
• objetivos qualitativos: defeitos a evitar, apresentações a 
respeitar; 
 
• procedimentos a seguir (desde Taylor, sempre o aspecto mais 
importante dotrabalho prescrito): seqüências de montagem, 
 
 23 
modalidades de reparo, procedimentos de comunicações ar-
solo; 
 
• regras e normas: algumas, mesmo não sendo especificadas 
explicitamente, não por isso são menos prescritas, 
provocando freqüentemente sanções no caso de 
descumprimento. É o caso das convenções culturais e sociais 
das coletividades do trabalho. 
 
O trabalho prescrito supõe também que certas condições mínimas 
são preenchidas: locais adaptados, máquinas, ferramentas, 
dispositivos diversos em funcionamento e, de maneira mais geral, 
um ambiente físico tolerável. 
 
Trabalho real - é o que se passa certamente na oficina ou no 
escritório, ao fio dos dias e as noites, nas condições locais com as 
máquinas e os procedimentos como apresentam-se realmente, 
tendo em conta todos os riscos. É que os trabalhadores (operadores, 
agentes, empregados, etc.) realizam diariamente, em relação: 
 
• objetivos quantitativos e qualitativos: o trabalho real 
exprime-se aqui em termos de desempenhos, realizados ou 
não; 
 
• procedimentos: o trabalho real exprime-se aqui em termos de 
comportamentos (utiliza-se as vezes os termos ações ou 
modos operacionais) mais ou menos em conformidade com 
as prescrições. Os erros humanos geralmente são 
interpretados pelas hierarquias como resultantes do 
descumprimento dos procedimentos prescritos. 
 
Neste primeiro nível da análise do trabalho, o ergonomista sempre 
mostra que o trabalho real não é nunca exatamente conforme com o 
trabalho prescrito: os documentos impressos não estão atualizados, 
o computador está avariado e o pessoal de manutenção está de 
férias, a válvula é inacessível, o material entregue não está nos 
conformes, o circuito foi alterado, as instruções estão imcompletas, 
 
 24 
os preços aumentaram, a alternativa não estava prevista, o caso 
nunca produziu-se e a exceção é a regra. E, entretanto, tudo acabe se 
arranjando, porque adapta-se e os trabalhadores se adaptam 
ativamente, sem se incomodar demasiadamente com as prescrições 
oficiais. Mas, às vezes, também, não sem esforços dispendiosos, 
tanto em termos de cansaço como de dinheiro. E no entanto, 
impávidos, os “prescritores” do trabalho continuam a preferir a idéia 
imaginária que fazem do trabalho e da atividade dos trabalhadores, 
concebendo e organizando postos de trabalho que supõem um 
universo totalmente transparente, estável e previsível. Postos de 
trabalho que se revelam, com efeito, insuportáveis sem incessantes 
adaptações locais por parte dos seus ocupantes. 
 
 
Relações entre o trabalho prescrito e o trabalho real. 
 
A constatação repetida de uma diferença entre o prescrito e o real 
não está em contradição com o quadro teórico taylorista. Mas este 
subordina estritamente “o real” ao “prescrito”. É por isso que, sob a 
perspectiva ergonômica, convém distinguir quatro casos. O trabalho 
real não corresponde ao trabalho prescrito porque: 
 
• o trabalhador não apresenta “as capacidades”, “as aptidões” 
para realizá-lo. Propõe-se então selecionar outro trabalhador. 
Esta abordagem, que evita qualquer modificação do trabalho, 
é totalmente estranha à ergonomia; 
 
• as condições materiais não estão adaptadas: calor e barulho, 
iluminação, máquinas e instrumentos, assentos, estas 
condições do trabalho atrapalham, cansam, ferem o 
executante do trabalho e, por conseguinte, perturbam a 
execução do trabalho. Alguns acrescentam as condições 
sociais do trabalho (por exemplo, as remunerações 
insuficientes, as perspectivas de promção inexistentes) mas 
nesse caso é difícil traçar uma relação direta com os 
comportamentos. O papel do ergonomista aqui é clássico: é a 
adaptação da máquina ao homem; 
 
 25 
 
• os procedimentos prescritos são não-adaptados ao olhar dos 
objetivos prescritos: insuficientes, vagos, ou mesmo errados, 
ou ainda impossíveis de serem seguidos porque 
excessivamente detalhados. O papel do ergonomista aqui 
também é clássico (porém mais comtemporâneo): assinalar 
estas insuficiências. Pode ser menos clássico se não são os 
procedimentos, mas a sua transmissão aos operadores que é 
não-adaptada. Trata-se então de um caso de informação e/ou 
de formação insuficiente que pode ser assinalada; 
 
• o operador, a justo título, não seguiu os procedimentos 
prescritos e mesmo algumas vezes alterou os objetivos 
prescritos. Aqui, a especificidade da contribuição do 
ergonomista, ao contrário do organizador estritamente 
taylorista, é demonstrar que para ser um bom executor, ou 
seja, atingir os verdadeiros objetivos sem erros nem 
incidentes, o operador tem o direito e o dever de ser 
inteligente (em outros termos, adaptar-se e adaptar) e assim 
ser induzido a demonstrar iniciativa e autonomia (o que pode 
dar criar espaço para negociações, um termo totalmente 
excluído do vocabulário taylorista clássico). 
 
Nestes quatro casos, e no último muito claramente, uma análise do 
trabalho que se satisfaz com a comparação dos comportamentos 
reais com os comportamentos prescritos revela-se rapidamente 
insuficiente. O ergonomista é, assim, conduzido de aprofundar a sua 
análise para não somente descrever e avaliar mais precisamente os 
comportamentos, mas também explicá-los. É esta a sua “expertise” 
específica. 
 
A tarefa 
 
A distinção tarefa/atividade extende, ao precisá-la, a distinção 
trabalho prescrito/trabalho real. Ela tem um lugar central na análise 
do trabalho vista pela ergonomia “de língua francesa”. Os primeiros 
autores (Faverge, principalmente) caracterizaram a tarefa como 
 
 26 
aquela que responde à pergunta “o que fazer?” e a atividade à 
pergunta “como fazer?”. Mas nesta caracterização há ambigüidade, 
porque esta última pergunta, aquela do “como fazer”, pode referir-se 
igualmente tanto aos procedimentos prescritos (como é preciso 
fazer?) quanto às atividades (como deve ser feito?). 
 
A análise da tarefa pelo ergonomista retoma e precisa a descrição do 
trabalho prescrito: objetivos (por exemplo, hierarquizados em sub-
objetivos), procedimentos e restrições diversos (explicitados pelas 
instruções ou as ajudas on-line), condições de trabalho (físicos, 
organizacionais, cognitivos, etc.). A análise da tarefa não exige do 
ergonomista métodos que lhe sejam específicos. 
 
O objetivo aqui não é o de alterar o trabalho real, mas o de avaliar as 
tarefas do trabalho prescrito com o propósito de estabelecer escalas 
de remuneração ou critérios de recrutamento. 
 
A Atividade 
 
O conceito de atividade permite aprofundar o conceito do trabalho 
real. Mas este conceito muito popular em ergonomia de língua 
francesa (qualificada como “centrada na atividade”) nem sempre é 
definido muito claramente. É por isso que se propõe aqui introduzir 
algumas distinções. Nota-se que a distinção tarefa/atividade (no 
sentido ergonômico que entendemos neste texto) não existe na 
literatura de língua inglesa. O termo “tasks” é ali muitas vezes 
utilizado para descrever as atividades. Entretanto, a “task analysis” 
clássica não inclui a análise da atividade. 
 
A atividade apreendida através dos comportamentos. - é um 
aprofundamento do modelo do trabalho real, porque inclui na 
descrição o detalhe das seqüências de comportamentos: gestos, 
posturas, olhares, bem como as verbalizações dos operadores 
(comunicações com outros operadores, em especial). Esta análise da 
atividade permite a reconstituição fina das seqüências de ação que 
conduzem à realização das tarefas, levando em consideração os 
aspectos coletivos do trabalho (por meio da análise das interações). 
 
 27 
Historicamente, é o modelo “dos tempos e movimentos” de origem 
taylorista o modelo dos métodos de cronometragem 
correspondentes que inspiraram esta maneira de compreender a 
atividade. Do ponto de vista psicológico, é a atividade apreendida 
através do modelobehaviorista do início do XX. Esta descrição da 
atividade, conhece hoje uma forte renovação de interesse. Com 
efeito, certas atividades muito dinâmicas (condução de veículos, 
condução de aeronaves) não podem nem ser interrompidas nem 
comentadas pelo operador simultaneamente à sua realização, e 
devem, por conseguinte, ser estudadas por métodos de observação 
ditos não-invasivos, que não alteram a dinâmica da ação. 
 
A atividade como uma lógica de ações. - a restrição da análise 
apenas aos comportamentos revelou-se insuficiente para explicar as 
atividades onde os componentes mentais (ou “cognitivos”) são 
predominantes. Os deslocamentos das peças pelo jogador de xadrez 
não fazem sentido para o observador a não ser que se possa 
reconstituir as reflexões que os precederam. É por isso que a análise 
da atividade como lógicas de ações é sem dúvida hoje o domínio 
mais estudado, e também o mais difícil. Trata-se de procurar 
reconstituir os encadeamentos (“os cursos de ações”, “as histórias”), 
que preparam, desencadeiam, conduzem e, por conseguinte, 
explicam as ações dos operadores. Os modelos e os quadros teóricos 
que se impuseram provêm todos de trabalhos internacionais de 
psicologia cognitiva que foram efetuados nos anos 1960 sobre o 
tratamento cognitivo da informação. Diferentes tipos de raciocínios 
(inferências, deduções, analogias…) foram descritos. Diversos 
modos de resolução de problema foram identificados: diagnóstico, 
tomada de decisão, estratégias, heurísticas, planificações. Somam-
se ainda a análise das competências dos operadores, que 
compreendem os conhecimentos, "knowhow", metaconhecimentos, 
etc., mobilizados em relação a uma tarefa dada. Seria inútil procurar 
apreender estas competências antes de análise, por interrogação dos 
operadores, fora da atividade, e ainda mais por interrogação da 
hierarquia (seria então um caso de análise “das exigências da 
tarefa”). As competências favorecem a adaptação - ou provocam a 
inadaptação - às situações novas. Para designar estas competências, 
 
 28 
o termo “habilidade” apenas é utilizado na ergonomia de língua 
francesa (ao contrário do seu equivalente inglês skill) devido à sua 
imprecisão e o perigo de confusão com os termos “capacidades” ou - 
pior ainda “aptidões”. 
 
A atividade como “o vivido”. – as emoções, os sentimentos, as 
manifestações de afetividade, a subjetividade e a psique têm sido 
consideradas por muito tempo como poluições que vêm perturbar a 
pureza das lógicas de ação, muito mais que como componentes 
integrantes da atividade. Contudo, a análise de situações de trabalho 
que envolvem riscos e as que comportam normalmente interações 
afetivas (cuidados médicos e guichês, por exemplo), restringem os 
ergonomistas a conceber modelos e métodos que levem em conta 
estes componentes da atividade. O perigo seria aqui satisfazer-se 
com aproximações clínicas procedentes da psicologia ou da 
psicopatologia. 
 
A atividade como processos biológicos. - Em paralelo às seqüências 
de comportamentos e as seqüências de lógicas de ação, e na medida 
em que se revelar necessário para a sua explicação (o que depende 
muito dos tipos de tarefas), o ergonomista pode analisar os ritmos 
cardíacos, o diâmetro da pupila, as secreções hormonais, etc. Por 
exemplo, a evolução do ritmo cardíaco do piloto durante uma 
manobra difícil pode ajudar a interpretar os seus comportamentos. 
 
 
Métodos de análise da tarefa e da atividade 
 
Ao observar sem preparação um empregado de escritório assentado 
frente ao seu terminal, um mecânico no ato de reparar uma 
máquina, um técnico em informática em frente ao seu terminal, há 
fortes possibilidades de que colhamos poucas informações úteis. É 
necessário um método de observação que permita saber como 
observar e, sobretudo, o que é necessário observar. Em seguida, é 
necessária uma técnica para recolher estes dados. E então, um 
método para interpretá-los, adequado aos modos de ação 
ergonômica. 
 
 29 
 
Os métodos de análise da tarefa são comuns, em princípio, à 
ergonomia centrada “nos fatores humanos” e à ergonomia centrada 
“na atividade humana”. Ambasdevem, com efeito, identificar os 
objetivos e as restrições impostas pela situação técnica, econômica e 
social na qual deverão funcionar as máquinas ou os procedimentos. 
As informações necessárias para a concepção de um produto 
“grand-public” apresentam, contudo, freqüentemente um caráter de 
generalidade superior àquele requerido para um trabalho mais 
“profissional”, devido à diversidade das utilizações potenciais dos 
dispositivos concebidos (RABARDEL, 1995). Assim, se as fronteiras 
da tarefa de um piloto de avião de linha são identificáveis com muita 
precisão, o mesmo não acontece para a condução de um automóvel 
de turismo. 
 
Os métodos de análise da atividade distinguem-se pela sua 
amplitude: pode-se querer apreender o caráter multifatorial de uma 
situação (em detrimento de uma possível generalização) mas, as 
vezes, é útil estudar em detalhe o efeito de um fator sobre uma 
situação de trabalho (em detrimento de uma visão global do 
trabalho real). 
 
Pedido de análise e pré-diagnóstico 
 
Quando um pedido de análise do trabalho chega ao ergonomista, 
sempre é impregnado pelos objetivos claros da pessoa que o emitiu. 
É por isso que o ergonomista deve, antes de qualquer outra coisa, 
iniciar uma fase “de pré-diagnostico” ao curso da qual o pedido será 
estudado, ou seja, examinado, discutido e melhorado. Serão então 
considerados os fatores não considerados pelo contratante. Os 
parceiros que devem ser associados à análise (seja como serviço, 
como sub-contratante, como grupo de operadores, etc.) poderão 
então ser identificados. Determinar-se-ão também as modalidades 
de observação mais adequadas. É neste momento que serão 
precisados os objetivos, o programa, as colaborações, as 
modalidades de análise do trabalho, as necessidades eventuais “de 
acompanhamento”, etc. 
 
 30 
 
A coleta de dados 
 
• análise documental 
• coleta de dados comportamentais por observação 
• produção de dados por verbalização 
• simulações 
• experimentação 
 
Tratamento dos dados e diagnóstico 
 
Uma vez coletados os dados, deve-se tratá-los e interpretá-los de 
modo a estabelecerum diagnóstico da situação de trabalho (e, mais 
precisamente, das disfunções da situação de trabalho). 
 
 
A intervenção ergonômica 
 
A ergonomia é uma engenharia de avaliação, de concepção e de 
melhoria do trabalho humano. Os seus métodos são, por 
conseguinte, inseparáveis das condições das suas intervenções. 
Assim, não há uma doutrina estabelecida que se impõe a outras. 
Além disso, apenas recentemente a classe dos ergonomistas se 
preocupa seriamente com a intervenção, fase esta, no entanto, 
essencial às suas atividades. Vejamos alguns de seus aspectos: 
 
Ergonomista : auditor, mediador ou co-conceptor ? 
 
Os diversos contextos nos quais a ação ergonômica opera, criam 
restrições que pesam sobre os modos possíveis de intervenção. Esta 
diferirá de acordo com o status do ergonomista (ergonomista de 
empresa, consultor, ergonomista institucional, etc.) e a sua 
especialização em domínios específicos (riscos industriais, 
concepção de produtos manufaturados, ergonomia informática, 
formação e gestão das competências, etc.). A ação ergonômica, por 
conseguinte, estará sujeitada a estes fatores e variará do ponto de 
vista da forma das suas intervenções (do diagnóstico simples à co-
 
 31 
concepção) e a sua duração (certas intervenções podem durar alguns 
dias, outras estender-se por vários anos). Os ergonomistas então 
serão levados a executar papéis diferentes, como ouvinte, mediador 
ou projetista: 
 
• quando responsável da auditoria de uma situação, o 
ergonomista efetua um diagnóstico que reflete o estado das 
condições de trabalho na empresa e levantaas causas das 
desfunções do trabalho. 
 
• em numerosos em casos, o ergonomista posiciona-se como 
um mediador, cuja função é apresentar os atores afetados 
pela transformação do trabalho e propor métodos de 
confrontação e integração dos seus pontos de vista (e, 
principalmente, os dos trabalhadores, utilizadores finais dos 
dispositivos). O ergonomista não contribui para a prescrição 
do trabalho, o seu papel estando restrito a estabelecer os 
espaços sociais para que os trabalhadores possam co-
construir as mudanças do trabalho; 
 
• cada vez mais freqüentemente, o ergonomista executa o papel 
de prescritor, participando na concepção do sistema de 
trabalho tanto quanto outros projetistas. Nesta situação, 
espera-se do ergonomista que forneça as especificações 
ergonômicas (físicas e cognitivas) a se levar em conta quando 
da concepção. 
 
 32 
CAPÍTULO 2 
 
AS ESCOLAS DA ERGONOMIA* 
 
*Tradução de texto de Françoise Darses e Maurice de Montmollin, 2006 
 
 
DUAS CORRENTES PRINCIPAIS EM ERGONOMIA 
 
A ergonomia se desenvolveu diferentemente na Europa e nos 
Estados Unidos. Isto levou ao surgimento de duas abordagens 
distintas na compreensão e na prática da disciplina. A primeira 
corrente, mais antiga e mais americana, considera a ergonomia 
como a descrição das capacidades dos seres humanos ao efetuar 
tarefas motoras e cognitivas. A anatomia e a fisiologia permitem 
conceber assentos, telas de computadores e horários mais adaptados 
ao organismo humano, e a psicologia, uma maneira melhor de 
apresentar as informações. A ergonomia é orientada aqui para a 
concepção dos dispositivos técnicos: máquinas, instrumentos, 
postos de trabalho, telas de computadores, "software", etc. 
 
A segunda corrente, mais recente e mais européia, considera a 
ergonomia como a análise global das situações de trabalho visando 
melhorá-lo. Sem pretender constituir-se em “uma ciência do 
trabalho” completamente autônoma, esta ergonomia reivindica a 
autonomia dos seus métodos. Por isso, constitui-se mais numa 
tecnologia que numa ciência. No exemplo descrito mais acima, ela 
se preocupará menos com o assento ou a tela do computador 
tomados separadamente, que do conjunto da situação de trabalho 
em questão. Nesta perspectiva, o cansaço e os erros do trabalhador 
só podem ser realmente explicados e, por conseguinte, diminuídos, 
apenas se a sua tarefa específica e a maneira específica de como 
realizar a sua atividade forem analisadas finamente nas suas 
especificidades locais. Pode-se descobrir assim, apenas citando um 
exemplo simples, que se permanecer assentado é penoso, não é 
(apenas) porque a cadeira é incômoda. É porque as informações que 
 
 33 
aparecem na tela do computador são tais que forçam o operador a 
fixar os olhos na tela por longos períodos, o que implica numa 
postura rígida… O ergonomista, por conseguinte, é orientado aqui 
para a melhoria global da situação de trabalho: quem deve fazer o 
quê e, sobretudo, como fazê-lo, e poderia melhor fazê-lo? Objetivos 
que podem ser atingidos não só através de uma melhor concepção 
do dispositivo técnico, mas também com procedimentos de 
trabalho, pela transformação da organização e pelo desenvolvimento 
das competências dos trabalhadores. 
 
Estas duas ergonomias não são contraditórias, mas 
complementares. Em princípio, o mesmo ergonomista pode ser 
chamado, em função das circunstâncias (ou seja, em função das 
restrições da situação, dos interlocutores e dos financiamentos), a 
analisar a atividade de operadores reais e, concomitantemente, a 
utilizar os seus conhecimentos sobre o ser humano a fim de alterar a 
organização do trabalho, de ajudar a conceber um dispositivo de 
auxílio (instrumento informatizado, máquina ou método) e a 
desenvolver competências. 
 
A ergonomia é uma disciplina recente; é a razão pela qual o 
ergonomista tem ainda alguns problemas de identidade. 
Essencialmente, seu trabalho (sobretudo se é europeu) consiste em 
utilizar os instrumentos e os métodos de análise do trabalho. 
Contudo, analisar o trabalho não é um fim em si. É por isso que são 
evocados seguidamente problemas que exigem intervenções. 
 
 
Primeira corrente: o homem como máquina e a adaptação 
da máquina ao homem 
 
A ergonomia mais antiga, mas ainda hoje mais utilizada, consiste 
em levar em conta as características gerais do homem em geral, “a 
máquina humana”, para melhor adaptar-lhe as máquinas e os 
dispositivos técnicos. Podemos chamá-la de “ergonomia dos fatores 
humanos”, designada “human factors” pelos ergonomistas 
anglófonos. É a concepção clássica do sistema homem-máquina, 
 
 34 
onde a análise ergonômica privilegia a interface entre os 
componentes materiais e os componentes (ou “fatores”) humanos. É 
uma ergonomia tipicamente americana. 
 
As características “da máquina humana” 
 
Características antropométricas. - Altura, dimensão dos diferentes 
segmentos corporais, pesos… Distingue-se evidentemente sub-
populações: homens e mulheres inicialmente, mas às vezes grupos 
étnicos, e mesmo crianças caso tratar-se de dispositivos de uso geral 
(transportes, em particular). 
 
Características ligadas ao esforço muscular. – As contrações 
musculares são estudadas diretamente (por eletromiografia), bem 
como o consumo de oxigênio e o ritmo cardíaco que são utilizados 
como índices dos gastos energéticos. 
 
Características ligadas à influência do ambiente físico. – Estudam-se 
os efeitos do calor e o frio, as poeiras, os agentes tóxicos, o barulho, 
as vibrações e, mais recentemente, as acelerações bruscas. É o 
domínio onde a ergonomia associa-se à medicina do trabalho. 
 
Características psico-fisiológicas. – Estudam-se o olho e os 
desempenhos visuais, a orelha e os desempenhos auditivos, em 
primeiro lugar (e sob diversas condições) a visão noturna, a audição 
diante do barulho, por exemplo, mas também a olfato, o tato, os 
tempos de reação. Acrescentam-se as características vinculadas não 
só à sensação, mas a fenômenos centrais como a percepção visual 
(limiar de discriminação de diferentes formas, por exemplo) ou, nos 
anos 1950 e 1960, a atenção e a inspeção (detecção de sinais raros e 
aleatórios). 
 
Características dos ritmos circadianos. - Eles regulam a atividade 
biológica durante vinte e quatro horas, em especial a alternância 
vigília-sono. Estuda-se a influência das suas perturbações (devidos 
ao trabalho em turnos alternados, por exemplo) sobre o sono, e mais 
geralmente sobre a saúde. 
 
 35 
 
Transversalmente ao estudo das características acima citadas, foram 
estudados os efeitos do envelhecimento, notadamente os seus 
efeitos fisiológicos e psico-fisiológicos. 
 
Os ergonomistas assim reuniram, em primeira ou segunda mão, 
uma massa considerável de dados sobre “a máquina humana” e, em 
particular, sobre os seus limites. No início, e sem dúvida sob a 
influência da ergonomia militar, o homem estudado foi 
exclusivamente quase o jovem macho branco em excelente saúde, e 
corpulento. Desde então diversificou-se felizmente as fontes. Não 
somente levando em conta o envelhecimento, mas considerando-se 
por fim que as mulheres hoje trabalham tanto quanto os homens, 
que nem todos estão sempre em perfeita saúde, e que os deficientes 
constituem não somente uma categoria de usuários, mas também de 
trabalhadores. Assim, o homem “médio” tende a desaparecer, em 
proveito de um homem “estatístico” descrito por numerosos 
parâmetros. 
 
A adaptação da máquina ao homem 
 
De posse da sua documentação sobre as capacidades e os limites “do 
homem estatístico”, os ergonomistas empenharam-se em persuadir 
os responsáveis pela concepção de dispositivos técnicos (de 
instrumentos manuais até os sistemas mais complexos) a levar em 
conta os dados acumulados, inicialmente a fim de evitar aos 
utilizadores acidentes e cansaço excessivo, e maisrecentemente a 
fim de tornar o manejo destas máquinas mais eficaz, mais 
confortável e mais convivial. 
 
Para atingir este objetivo, o ergonomista pode participar ele mesmo 
da concepção. Algumas firmas conhecidas de aviação, 
automobilísticas e de novas tecnologias (por exemplo, na França, 
Airbus, PSA, Renault, Michelin, SNCF, France Telecom, etc.), 
dispõem de um serviço de ergonomia que opera ao seio mesmo da 
empresa. Para convencer os projetistas que levem em conta “os 
fatores humanos”, os ergonomistas utilizam-se de vias diretas (sob a 
 
 36 
forma de métodos ergonômicos, grelhas de análise e cotação dos 
postos de trabalho, instrumentos de avaliação ou de testes de 
utilizadores) ou vias indiretas: publicações e normas. As publicações 
são constituídas, essencialmente, por manuais que recapitulam as 
diversas características “da máquina humana” e que mostram com 
exemplos significativos, o que pode ser feito para adaptar o melhor 
possível os dispositivos técnicos. 
 
Existem igualmente diversas normas ergonômicas que são 
elaboradas e difundidas pela ISO e outras Associações Nacionais de 
Normas Técnicas. Estas tentativas para se fixar oficialmente (e às 
vezes legalmente) os valores ótimos e os limites além dos quais 
considera-se que há perigo ou cansaço excessivo para o trabalhador, 
encontram, a bem da verdade, certa reserva por parte de muitos 
ergonomistas, que temem que tal prática incite os projetistas a 
contentar-se com esses poucos limites fixados, e renunciar a uma 
análise mais completa e mais específica. Porque a ergonomia não se 
preocupa tão somente em evitar aos trabalhadores os postos de 
trabalho fatigantes e perigosos ao excesso, incomoda-se também de 
pô-los nas melhores condições de trabalho possíveis. É por isso que 
a otimização dessas “condições de trabalho” visa tanto melhorar o 
desempenho quanto evitar o acidente ou o cansaço excessivo. É 
nesta dupla perspectiva que se situam os manuais clássicos: 
 
- características antropométricas conduzem a propostas relativas ao 
espaço de trabalho: altura das cadeiras e das mesas, inclinação dos 
consoles, dimensões das cabines; posturas às quais obrigam certos 
dispositivos; 
 
- características no que diz respeito ao esforço muscular permitem 
propor melhores instrumentos (por exemplo, das pás às pinças 
manuais); 
 
- estudos sobre o barulho e o calor deram lugar a numerosas 
prescrições para diminuir os ruídos ainda na fonte ou, na 
impossibilidade, através de dispositivos de proteção (capacetes, 
vestimentas especiais, cabines isolantes, etc.); 
 
 37 
 
- o conhecimento das características psico-fisiológicas permitiu 
melhor adaptar a iluminação, evitando igualmente as luminosidades 
insuficientes, os contrastes que ofuscam ou os reflexos incômodos 
(sobre as telas de terminais, por exemplo). Os dados sobre a 
percepção visual forneceram uma abundante literatura sobre a 
concepção dos instrumentos de medida (os mostradores, os 
registradores, os alarmes visuais ou sonoros, em especial na aviação, 
seguidos pelos das salas de controle), a legibilidade das interfaces 
informatizadas, a discriminação dos símbolos pictográficos, etc. ; 
 
- estudos sobre o envelhecimento e, de maneira mais geral, sobre a 
diversidade das populações de trabalhadores permitiram inibir a 
concepção de dispositivos reservados a uma única categoria de 
trabalhadores “normais”, na realidade bastante excepcionais. 
 
 
Segunda corrente: o homem como ator num sistema de 
trabalho 
 
A segunda abordagem da ergonomia, mais européia, concebe a 
ergonomia menos como a aplicação de conhecimentos gerais sobre o 
organismo humano e mais como a análise da atividade de 
operadores específicos confrontados com tarefas específicas. Não se 
procura mais melhorar o trabalho de utilizadores abstratos e 
anônimos, mas o de operadores reais e identificados. 
 
Esta abordagem privilegia a dinâmica da atividade humana no 
trabalho muito mais que a permanência das características físicas e 
fisiológicas. O trabalho é analisado como um processo onde 
interagem o operador, ator capaz de iniciativas e de reações, e o seu 
ambiente sócio-técnico, ele também evolutivo e passível de 
alteração. O trabalho toma um sentido, em todas as acepções deste 
termo. 
 
A dimensão temporal é, por conseguinte, essencial. Sem ela, o 
ergonomista não poderia levar em conta aquilo sobre o que ele se 
 
 38 
debruça hoje: as estratégias do operador para adaptar-se e para 
adaptar, os diagnósticos que elabora progressivamente e os 
problemas que resolve, os incidentes dos quais participa e o 
histórico de suas “soluções”. 
 
Tal ergonomia, tanto cognitiva que antropométrica ou fisiológica, 
não resolve, repetimos, os mesmos problemas que a ergonomia dos 
“fatores humanos”. Ela visa tanto a intervenção sobre lugares de 
produção quanto aqueles que têm lugar num escritório de estudos. É 
no atelier, na sala de comando e no escritório do setor terciário que 
intervem o ergonomista, a fim de melhorar localmente o trabalho, 
ou seja, incrementar a interação entre o operador e a sua tarefa, 
quer seja para melhorar o presente ou para conceber o futuro. 
 
Esta ergonomia do operador-ator é essencialmente uma ergonomia 
“das novas tecnologias”. Os desenvolvimentos da automatização e 
da informática exigem cada vez mais dos operadores conhecimentos 
e "knowhow" que lhes permitam adaptar-se à situações novas. Os 
casos dos operadores de salas de comando centralizadas das 
indústrias de processo contínuo (refinarias, usinas nucleares, por 
exemplo) são conhecidos hoje. Mas é necessário também citar os 
estudos que se referem ao universo da concepção de produtos 
manufaturados (automóveis e aeronaves) e, naturalmente, todo o 
domínio das atividades de serviço (da ergonomia hospitalar à 
ergonomia dos sites Web). 
 
Compreende-se, por conseguinte, que não se pode elaborar uma 
lista das “características gerais” das atividades dos operadores 
humanos. O olho é sempre o mesmo, mas não o olhar. O centro de 
gravidade das investigações em ergonomia desloca-se: não é mais a 
coleta em laboratório de dados confiáveis sobre “os fatores 
humanos”, mas é a análise sobre o terreno das modalidades 
específicas da atividade do operador em ação. Estudam-se as 
interações entre o humano e os seus dispositivos de trabalho (fala-se 
de um “sistema homem-máquina”). As publicações e os manuais 
não tratam mais da natureza humana, mas dos métodos de análise 
do trabalho, bem como sobre os modelos e as teorias que justificam-
 
 39 
no. O contraste é sensível: enquanto que a literatura em língua 
francesa trata essencialmente da análise do trabalho, os manuais de 
inspiração “fatores humanos” (em sua maior parte, anglo-saxões) 
consagram-lhe não mais que uma ou duas páginas sobre o tema. 
 
Esta abordagem clínica da atividade humana torna mais difícil a 
generalização dos resultados adquiridos pelos estudos. Mas ela 
também não a impede, na medida em que as observações 
ergonômicas são hoje suficientemente numerosas para que 
regularidades possam ser identificadas, em relação às restrições da 
situação de trabalho e às estratégias utilizadas pelos operadores. 
Somos capazes de determinar classes de situações de trabalho a 
partir das quais pode-se analisar uma situação nova. Por exemplo, 
sabe-se que, numa sala de comando de um processo contínuo, os 
operadores responsáveis pela supervisão têm tendência, no caso de 
um incidente, a buscar referência em uma situação familiar. A 
análise do trabalho inscreve-se, por conseguinte, ao mesmo tempo 
numa visão clínica (é a situação que é o objeto da análise) e numa 
visão geral (esta situação deve fazer parte de um conjunto de 
situações do mesmo modo tipo). O ergonomista deve, 
conseqüentemente, saber tirar partido destas duas perspectivas. 
 
 
Complementaridade entre ergonomia “dosfatores 
humanos” e ergonomia “da atividade humana” 
 
A ergonomia “da atividade humana” apresenta uma fraqueza, se 
encarada do ponto de vista da ergonomia “dos fatores humanos”: ela 
não permite estabelecer facilmente catálogos de dados gerais 
utilizáveis diretamente para a concepção de dispositivos técnicos. 
Ela é mais freqüêntemente centrada na singularidade dos episódios 
de trabalho que sobre a construção de conhecimentos transferíveis a 
outras situações similares. Em contrapartida, ela pode responder à 
“ergonomia dos fatores humanos” que esta última cessa de ser útil 
onde precisamente os responsáveis pela produção têm hoje a maior 
necessidade de conselhos: as situações críticas, em que são as 
competências dos operadores (e não somente o seu conforto 
 
 40 
postural ou visual) que permitem evitar as catástrofes. A ergonomia 
contemporânea não pode mais satisfazer-se em propor mostradores 
mais legíveis. Deve também forjar instrumentos que permitam - 
mais localmente, mais individualmente e, por conseguinte, mais 
lentamente e mais dispendiosamente - analisar os processos de 
interação entre os operadores e o seu ambiente, a fim de alterar os 
próprios processos, agindo igualmente tanto sobre as competências 
dos operadores quanto sobre a organização do trabalho ou ainda 
sobre as características dos sistemas técnicos. É a este preço que a 
informação legível torna-se significativa para o operador. 
 
A atividade essencial de um operador é a de receber a informação 
relevante do ambiente, adaptar as regras e tomar decisões; numa 
palavra, de resolver problemas. Certamente, o desejo de certos 
“prescritores” do trabalho é que os dispositivos (principalmente 
computadores) tomem para si este raciocínio, de tal modo que os 
operadores fiquem apenas com a tarefa de escolher entre um 
conjunto de alternativas pré-selecionadas. Assim, pensam com 
otimismo que as falhas de raciocínio como as que conduziram os 
operadores da central nuclear de Three Mile Island à beira da 
catástrofe não poderiam produzir-se. 
 
Isso é esquecer que os auxílios automatizados, sejam eles tão 
potentes quanto possível, encontram rapidamente os seus limites 
diante da complexidade das situações industriais, particularmente 
no caso da gestão dos mal-funcionamentos. É irreal pensar que 
modelos completos de incidentes possam ser previstos e as suas 
respostas programadas. É raro que todos os parâmetros de uma 
decisão possam ser identificados e integrados em ferramentas de 
auxílio à decisão. Sem excluir uma melhoria destes instrumentos e 
destas interfaces, o crescimento das competências, a melhoria dos 
fluxos de informação, a coesão do coletivo, continuam a ser ainda as 
melhores das precauções. Pode-se afirmar que problema do 
compromisso entre a redação dos procedimentos e o 
desenvolvimento das competências está hoje no meio das 
investigações em ergonomia. 
 
 
 41 
Esta oposição entre uma ergonomia dos fatores humanos e uma 
ergonomia da atividade humana não é uma oposição estéril. Se uma 
síntese é improvável, uma articulação é possível e necessária. Não é 
contraditório conceber para o operador sentado frente ao seu 
terminal de computador um assento confortável e uma tela com 
bom contraste, e então procurar saber como este operador 
compreende as mensagens que aparecem sobre esta tela e quais 
tratamentos ele lhes aplica. Também não é contraditório propor um 
desenho de mostrador que permita a percepção exata de uma 
medida, e depois tentar apreender porque, num tal momento no 
desenrolar das operações em curso, é este mostrador que é olhado e 
como suas informações são tratadas. E se é exigido do operador de 
computador que saiba desenvolver estratégias de programação de 
"software", deve-se simultaneamente preocupar-se em saber se as 
características de ruído, iluminação e postura do seu posto de 
trabalho autorizam uma atividade mental continuada. Não é 
necessário estabelecer hierarquias entre estas duas abordagens 
ergonômicas. É verdade que as 2500 vítimas Bhopal resultaram de 
uma cascata de ações inadaptadas devido a uma organização falha, 
dos dispositivos de controle mal concebidos e dos operadores 
incompetentes, mas isso não é uma razão para se negligenciar os 
sofrimentos dorsais de dezenas de milhares de caixas de 
supermercado cujos postos de trabalho foram mal concebidos. 
 
 
 42 
CAPÍTULO 3 
 
SISTEMAS EM ERGONOMIA* 
*Adaptado de Itiro Iida, 2005 
 
O enfoque ergonômico é baseado na teoria de sistemas. A palavra 
sistema geralmente é utilizada com muitos sentidos: sistema de 
governo, sistema fluvial, sistema de refrigeração. Entretanto, para o 
nosso caso será adotado um conceito que vem da biologia: "sistema 
é um conjunto de elementos (ou subsistemas) que se interagem 
entre si, com um objetivo comum e que evoluem no tempo". Assim, 
existem três aspectos que caracterizam um sistema: os seus 
componentes (elementos ou subsistemas); as relações (interações) 
entre os subsistemas; e a sua permanente evolução. 
 
 
COMPONENTES DE UM SISTEMA 
 
Um sistema pode ser tão amplo quanto um país, região ou uma 
grande empresa, ou ser focalizado em algum detalhe como uma 
célula (biologia) ou posto de trabalho. Em qualquer um desses 
casos, é composto pelos seguintes elementos: 
 
� Fronteira - são os limites do sistema, que pode tanto ter uma 
existência física, como a membrana de uma célula ou parede 
de uma fábrica, como pode ser urna delimitação imaginária 
para efeito de estudo, como a fronteira de um posto de 
trabalho. 
 
� Subsistemas - são os elementos que compõem o sistema, e 
estão contidos dentro da fronteira. 
 
� Interações - são as relações entre os subsistemas. 
 
� Entradas (inputs) - representam os insumos ou variáveis 
independentes do sistema. 
 
 43 
 
� Saídas (outputs) - representam os produtos ou variáveis 
dependentes do sistema. 
 
� Processamento - são as atividades desenvolvidas pelos 
subsistemas que interagem. entre si para converter as 
entradas em saídas. 
 
� Ambiente - são variáveis que se situam dentro ou fora da 
fronteira e podem influir no desempenho do sistema. 
 
Um exemplo de sistema poderia ser uma fábrica onde entra 
matéria-prima (entrada) que, após uma série de transformações 
(processamento), em diversas operações (subsistemas), resulta no 
produto final (saída). O ambiente interno é representado por 
variáveis como a iluminação, temperatura e ruídos dentro da 
fábrica. O ambiente externo é o ruído da rua, o clima seco ou 
chuvoso, a luz solar e assim por diante. As fronteiras desse sistema 
coincidem com as paredes da própria fábrica. 
 
Se desejarmos estudar uma operação em particular, por exemplo, a 
solda, podemos restringir o sistema colocando a fronteira em torno 
dessa operação. Assim, esse novo sistema seria composto dos 
subsistemas soldador e o aparelho de solda. As entradas desse novo 
sistema seriam as peças a serem soldadas e as saídas, as peças já 
soldadas. O processamento seria representado pela operação de 
soldagem. Inversamente, se desejarmos estudar mais amplamente 
as atividades da fábrica, podemos ampliar a fronteira do sistema. 
Por exemplo, incluindo-se dentro da fronteira os transportes para a 
chegada dos materiais e os de saída para a distribuição dos 
produtos. 
 
 
O SISTEMA HOMEM-MÁQUINA-AMBIENTE 
 
O sistema homem-máquina-ambiente é a unidade básica de estudo 
da ergonomia. Em comparação com a biologia, seria a célula, que 
 
 44 
compõe os órgãos. No nosso caso, órgãos seriam os departamentos, 
empresas ou organizações produtivas. 
 
O sistema homem-máquina-ambiente é constituído basicamente de 
um homem e uma máquina que interagem entre si para a realização 
de um trabalho. Pode abranger também mais homens e mais 
máquinas, como no caso de uma linha de produção. 
 
O conceito de máquina

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