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Alfabetização: uma questão política – 1ª parte Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Identifi car os desafi os enfrentados pelos educadores no momento atual, a partir dos estudos dos índices escolares e não-escolares da alfabetização no Brasil. Pré-requisito Para facilitar o entendimento desta aula, seria bom que você retomasse a relação entre concepções de alfabetização e momento histórico, trabalhada nas aulas anteriores. ob jet ivo Meta da aula Enfocar os principais desafi os enfrentados pela escola na alfabetização. 4AULA 42 C E D E R J Alfabetização: Conteúdo e Forma 1 | Alfabetização: uma questão política – 1ª parte INTRODUÇÃO Nesta aula, vamos analisar os principais desafi os que os(as) educadores(as) brasileiros(as) enfrentam para alfabetizar as crianças das classes populares e começar a apontar caminhos visando a assegurar para cada criança o direito de alfabetizar-se e participar do mundo da escrita. ALFABETIZAÇÃO: UMA QUESTÃO POLÍTICA Começamos nossa aula lembrando a afi rmação de uma importante pesquisadora, ao apontar um grande desafi o da alfabetização: Discutir alfabetização é discutir o projeto político que se pretende para este país, não apenas pelas conseqüências sociais do analfabe- tismo, mas também porque o modo como se direciona a prática pe- dagógica traz uma determinada concepção de mundo e de homem (GARCIA, 1998, p. 25). Esse alerta de Regina Leite Garcia reafi rma uma questão já discutida nas aulas anteriores: o desafi o da alfabetização é muito maior do que apenas uma questão metodológica. Vejamos por quê: Hoje, embora os dados do MEC apontem a quase universalização da educação básica na sociedade brasileira, os altos índices de fracasso escolar continuam revelando a face perversa do sistema educativo: recebe quase todos, mas não é capaz de ensinar-lhes. A democratização do acesso à escola – não representou uma real democratização do acesso ao saber e à cultura letrada – são cerca de 55 milhões de matrículas nas quase 218 mil escolas, distribuídas em 5.560 municípios brasileiros, segundo dados do censo escolar de 2001. A entrada da quase totalidade dos alunos nas classes de alfabetização não signifi ca ainda a permanência desse contingente na escola. Segundo dados do estudo “Geografi a da Educação Brasileira 2001”, divulgado somente em 2003 pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), do total de alunos que ingressam na série inicial do Ensino Fundamental, 60% não concluem o ensino médio. De cada 100 crianças que entram na 1ª série do Ensino Fundamental, 41 não terminam a 8ª série. Outro importante dado diz C E D E R J 43 A U LA 4 M Ó D U LO 1 O conceito de analfabeto funcional é utili zado pela Unesco para as pes soas que, embora dominem as habilidades básicas da leitura e da escrita, não são capazes de utilizá-las na própria vida cotidiana ou na escola, para expressar ou atender às exigências do processo ensino-aprendizagem. ! respeito à distorção série/idade. O mesmo estudo do Inep mostra que 39% dos alunos têm idade superior à regular, na série em que estão. E A ALFABETIZAÇÃO, COMO VAI? Em relação às habilidades de leitura e escrita das crianças e jovens brasileiros, os resultados também não são nada satisfatórios. De acordo com o Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), sobre a avaliação realizada em 2001, apenas 4,48% dos estudantes de 4ª série apresentam um nível adequado ou superior ao necessário para continuar seus estudos no segundo segmento do Ensino Fundamental. Uma parcela um pouco maior, 36,2%, está situada num nível intermediário; ou seja, começa a desenvolver as habilidades de leitura, porém ainda abaixo do nível esperado para a 4ª série. Nos estágios mais elementares de compreensão da leitura e da escrita estão, desse modo, a grande maioria dos alunos: 59%. Ainda segundo o Saeb, cerca de 37% desse total estão no estágio crítico de construção de habilidades de leitura, o que signifi ca que “lêem de forma truncada apenas frases simples”. Os outros 22% representam os que não sabem ler; encontram-se num estágio muito crítico e não desenvolveram habilidades de leitura e de escrita, embora estejam na escola. O diagnóstico de tal situação é claro: um grande contingente de crianças não aprende a ler e a escrever na escola brasileira. Quando conseguem, permanecem como analfabetos funcionais. Nossa escola não está garantindo às crianças o direito de se alfabetizarem e participarem do mundo da escrita. Contudo, esse direito não é negado a todas. Os dados do Saeb também mostram que o fracasso na alfabetização é maior entre as crianças pobres, trabalhadoras e negras. Todos esses dados confi rmam que o problema do analfabetismo tem suas raízes no modelo sociopolítico-econômico de nossa sociedade; ou seja, esse modelo não assegura a todos os brasileiros a igualdade de acesso a bens econômicos e culturais, incluindo o domínio da língua escrita. 44 C E D E R J Alfabetização: Conteúdo e Forma 1 | Alfabetização: uma questão política – 1ª parte Faça um diagnóstico sobre a competência da escola a partir deste quadro. FRACASSO ESCOLAR OU INTERDIÇÃO AO ATO DE LER? O fracasso escolar das crianças pobres, trabalhadoras e negras de- senhado pelos números do Saeb nos permite questionar a própria noção de fracasso. Será fracasso o que essas crianças vivenciam na escola, ou trata-se, na verdade, de uma interdição à leitura e à escrita e, por con- seguinte, ao conhecimento letrado? Se olharmos para as condições que são oferecidas à população para garantir o acesso à leitura e à escrita, o processo de interdição fi ca claro: há ausência de uma política educacional que garanta uma escola de qualidade; falta de bibliotecas não só nas escolas como nas cidades; difi culdades de aquisição, por parte da população, de livros, jornais, revistas; exclusão digital, entre outras... Nem sempre, porém, a não apropriação da leitura e da escrita é reco- nhecida como um processo de interdição produzido no âmbito da própria sociedade. Na escola, por exemplo, ela tem sido traduzida como fracasso escolar, escamoteando dessa forma a verdadeira raiz do problema. Complete o quadro abaixo com os dados que representam os níveis de desempenho de leitura e de escrita das crianças da 4ª série, avaliadas pelo Saeb. Níveis Porcentual Habilidade de leitura e escrita Faça um diagnóstico sobre a competência da escola a partir deste quadro. ATIVIDADE 1 C d p RESPOSTA Os dados constam no próprio texto e o diagnóstico deve apontar para a dificuldade da escola em possibilitar aos alunos o domínio da leitura e da escrita. C E D E R J 45 A U LA 4 M Ó D U LO 1 Viver o processo de interdição não signifi ca, porém, que as classes populares o aceitem passivamente. Pelo contrário, a história da educação brasileira é rica em exemplos que apontam as formas de resistência encontradas pela população na busca de direito ao saber. Oliveira (2000) lista alguns movimentos de luta, deixando claro que os embates pela educação de qualidade para todos não se constituem em uma bandeira recente, mas representam uma luta histórica: desde as associações operárias do século XIX, passando pelas escolas anarquistas do início do século XX, por toda a riqueza dos movimentos de cultura popular e de educação de base, nos anos 50 e 60 e, mais recentemente, pelo movimento das escolas comunitárias que se espalhou por várias regiões do Brasil. CONCLUSÃO Os dados estatísticos têm comprovado que, defato, o fracasso escolar se concentra nas camadas das crianças economicamente mais desfavorecidas, caracterizando, dessa forma, o processo de interdição. Uma das explicações dadas para o fracasso escolar no Brasil é que, a partir da década de 1970, quando as classes populares começaram a freqüentar em massa a escola, apareceram com mais intensidade as difi culdades no processo ensino-aprendizagem. Oriundas das classes populares, em razão de suas condições de vida, as crianças teriam difi culdades de adaptação à escola, mostrando-se indisciplinadas e apresentando sérias defi ciências culturais e lingüísticas. Além disso, em seu cotidiano, essas crianças não tinham a oportunidade de presenciar e vivenciar situações de uso da escrita. Contudo, estudos mais recentes têm revelado que as crianças das classes populares não apresentam carência do ponto de vista cultural e lingüístico. A questão central é a grande difi culdade de a escola trabalhar com a diversidade cultural e lingüística da população brasileira. Esse tema vai ser aprofundado na próxima aula, quando preten- demos desmistifi car as diferentes explicações para o fracasso escolar e mostrar que a escola continua a ser desafi ada a oferecer um ensino a essas crianças, que tome como ponto de partida as múltiplas experiências, que elas vivem em seu cotidiano, inclusive com a leitu ra e a escrita. 46 C E D E R J Alfabetização: Conteúdo e Forma 1 | Alfabetização: uma questão política – 1ª parte R E S U M O Os indicadores que medem o desempenho escolar, no que diz respeito à alfabetização, têm mostrado que são as crianças pobres, trabalhadoras e negras as que mais fracassam na escola. Falar em fracasso escolar, entretanto, é uma forma de escamotear o processo de interdição à leitura e a escrita que as classes populares sofrem, historicamente. ATIVIDADE 2 Entrevistar de 2 a 5 professoras alfabetizadoras indagando as causas do fracasso escolar: trata-se de uma questão de método? De questão cultural? De questão da estrutura social? Elabore um pequeno texto comentando as respostas das professoras e se nelas a questão política é destacada, ou se a responsabilidade do fracasso ainda é atribuída ao próprio sujeito que não se alfabetiza. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ __________________________________________________________________ A f a _ _ RESPOSTA Espera-se que você faça uma análise das respostas das professoras, buscando a relação entre o fracasso escolar e o contexto sócio- histórico. C E D E R J 47 A U LA 4 M Ó D U LO 1 AVALIAÇÃO Releia a sua resposta para a Atividade de número 2 e avalie se a mesma contempla a discussão política da alfabetização. Converse com o/a monitor/a a respeito disso. AUTO-AVALIAÇÃO Após a conversa com o tutor, como você se sentiu em relação à aula? Suas conclusões estavam na direção correta? Em caso positivo, vamos em frente... INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA Na próxima aula, vamos desmitifi car as diferentes explicações para o fracasso escolar e mostrar que o desafi o da escola é alfabetizar as crianças, tomando como ponto de partida as múltiplas experiências, que elas vivem em seu cotidiano, inclusive com a leitura e a escrita.
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