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Prova Memorial do Convento - Saramago

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1) De que forma o romance de Saramago se configura como uma metaficção historiográfica? Comente a partir de alguns excertos.
Do ponto de vista da metaficção historiográfica, podemos mesmo dizer que o texto de Saramago amplia o fato histórico, permitindo a consideração de elementos e aspectos que problematizam e complexificam as interpretações cristalizadas. Por meio do personagem, Saramago coloca em xeque o autoritarismo do discurso dogmático, preocupa-se com o ato fundador (e transformador) da escrita, com o peso das palavras e com o estatuto do saber histórico. Em Memorial do Convento temos a utilização de uma narrativa histórica entrelaçada por personagens e acontecimentos reais. O autor ao narrar o episódio em que Blimunda, deliberadamente, sai em jejum para a igreja no intuito de olhar para a hóstia consagrada do altar e investigar o que poderia, nela, ser encontrado, destaca a visão de Blimunda a respeito da mesma nuvem de vontades que encontra na maioria dos homens, ou seja, aquela nuvem escura vista por Blimunda, contida na hóstia e que denota a vontade é também o mesmo material encontrado no interior dos homens.
[…] E Blimunda disse, Esperava ver Cristo crucificado, ou ressurrecto em glória, e vi uma nuvem fechada, Não penses mais no que viste, Penso, como não hei-de pensar, se o que está dentro da hóstia é o que está dentro do homem, que é a religião, afinal, falta-nos aqui o padre Bartolomeu Lourenço, talvez ele soubesse explicar-nos este mistério, Talvez não soubesse, talvez nem tudo possa ser expicado […] (SARAMAGO, 1982).
O romance de José Saramago chama atenção para a existência de múltiplas narrativas sobre os fatos narrados pela história, o que torna por vezes necessário o estabelecimento de uma versão final, definitiva, tornando oficiosas as outras versões existentes sobre o evento. O autor lembra o tempo todo que um texto se escreve sempre a partir de muitos outros textos, o que paradoxalmente pode apontar para a existência, ainda que simbólica, de um gigantesco e infinito texto único, um edifício que se constrói infinitamente. Exemplo disso, na obra saramaguiana, na
 fase
 que
 antecede o
 relato
 do
 episódio
 jocoso
 do
 clérigo
 que
 foi
 apanhado
 na
 cama
 com
 mulheres.
 O
 narrador
 refere,
 de
 modo
 irônico,
que 









Bom
 prato
 somos
 para
 galhofas
 estrangeiras,
 que
 também
 as
 temos
excelentes
da
nossa
lavra,
é
bom
que
se diga, esta tão
claramente
vista à
luz
 do
dia
que
não
foram
precisos
os
olhos
de
Blimunda
(Saramago
1995: 64)
 
Neste
caso, a
intertextualidade
surge
pela
citação
explícita
que, apesar de ser
muito
breve,
é
reconhecível
por
ser
de
Camões.
Portanto, vejamos
o Canto
V, d’Os
Lusíadas,
quando
se
inicia
a
descrição
da
tromba
marítima:
 
Vi,
claramente
visto,
o
lume
vivo
Que
a
marítima
gente
tem
por
santo,
 
Em
tempo
de
tormenta
e
vento
esquivo,

 De
tempestade
escura
e
triste
pranto
(Camões, 2001,
5:18).
Posteriormente, no romance de Saramago, surge um
episódio no qual o rei ordena
 que
as obras do convento de Mafra se apressem. O
propósito deste é o da elaboração da obra
num
prazo
de dois anos, pelo que as suas ordens deixam bem sublinhados o seu
 poder
 e
 a
 sua
 prepotência: “Então é nesse dia que se fará a sagração da basílica de
Mafra, assim
o
quero, ordeno
e
determino” (Saramago, 1995: 292).
A esta
afirmação
da
personagem, segue se um
comentário do
narrador,
que estabelece
o
diálogo com
o
texto
de Camões: “E quando
isto ouviram
foram
os
camaristas
beijar a
mão do
seu
senhor,
vós
me direis
qual
é mais
excelente,
se ser
do
mundo
rei,
se
desta gente” (Saramago, 1995, p. 292). N’Os Lusíadas de Camões, deparamos, no
Canto
I,
com
as seguintes
considerações do épico: “E julgareis qual é a mais excelente: Se ser do mundo Rei, se de tal gente.” (Camões, 2001, 1:10). 
2) É possível categorizar o romance saramaguiano como uma narrativa pós-moderna? Quais características sustentariam essa classificação?
	O termo pós-moderno, ainda que em geral vinculado à segunda metade do século XX, não deve ser usado como sinônimo de contemporâneo. Sua identidade poderia se resumir, segundo HUTCHEON (1991), em: “é fundamentalmente contraditório, deliberadamente histórico e inevitavelmente político”. Portanto, esse pós-moderno seria uma força que levanta dúvidas a respeito do senso comum e daquilo que já se naturalizou. Assim como faz Saramago ao por em pauta diversas vezes em suas obras as discussões acerca da religião, além de fazer referências a personagens e livros bíblicos. E, justamente por suplantar tanto a tensão antitética do modernismo como a historicidade iluminista e o sentido intrinsecamente futurante do neorrealismo é que a obra de Saramago pode, de facto, ser considerada pós-moderna. 
3) De que forma o erotismo é utilizado pelo narrador para problematizar a artificialidade dos dogmas religiosos? Para discutir o assunto, utilize a metáfora do ritual como um operador de análise. 
	Saramago dentro do Memorial do Convento usa do erotismo como uma forma de criticar a conduta imposta pelos dogmas religiosos e, assim fazer com que o leitor reflita sobre a entidade religiosa da época não somente como órgão de conforto da alma, mas como polícia e juiz dos desejos alheios. Forçando ao cidadão a manterem desejos e sexualidade reprimidos em nome da fé.
[...] D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. (...) que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente (...) (SARAMAGO, 2007, p. 11).
	No trecho é possível observar que a relação entre as personagens não é nada mais que o cumprimento de uma obrigação, não há entrega ou prazer apenas uma tarefa a ser desempenhada. Há que se ressaltar que a realeza aqui pode disfrutar dos maiores prazeres, tangíveis, mas amor e o sexo estão em último plano a manutenção do status quo é mais importante que a satisfação pessoal.
Ali se deitaram, numa cama de folhagem, servindo as próprias roupas de abrigo e enxerga. Em profunda escuridão se procuram, nus, sôfrego entrou ele nela, ela o recebeu ansiosa, depois a sofreguidão dela, a ânsia dele, enfim os corpos encontrados, os movimentos, a voz que vem do ser profundo, aquele que não tem voz, o grito nascido, prolongado, interrompido, o soluço seco, a lágrima inesperada, e a máquina a tremer, a vibrar, porventura já não está na terra, rasgou a cortina de silvas e enleios, pairou na alta noite, entre as nuvens, Blimunda, Baltasar, pesa o corpo dele sobre o dela, e ambos pesam sobre a terra, afinal estão aqui, foram e voltaram. (SARAMAGO, 2007, p. 262).
	Apesar de Blimunda e Baltazar serem personagem que estão dispostos na classe menos abastada na obra saramaguiana, vê-se que sua condição social está inversamente ligada à entrega dos dois. No trecho apresentado vemos uma entrega completa dos personagens, a quebra e subversão de dogmas ditos como adequados à época, bem como um confronto de religião versos desejo do indivíduo.
4) Comente a caracterização da personagem Blimunda, em termos de subversão dos modelos hegemônicos. Haveria uma proposta desconstrutora nessa caracterização?
	Blimunda é caracterizada como uma mulher quase mítica, a indefinição da cor de seus olhos e sua origem pode ser atribuída a um desejo de representar tantas mulheres que foram injustiçadas e perseguidas durante o período abordado na obra. Ao se deitar com Sete-Sóis, Blimunda reafirma o caráter independente e desvinculado de dogmas religiosos e reafirma dentro do contexto da obra o desejo de liberdade para seu corpo e a não submissão a entidades alheias a sua condição social e emocional.
	Há ainda um contraponto que a personagem faz com a Rainha Maria Ana Josefa. Blimunda é livre para lidar com a fé da maneira como sente que deve, é livre para amar e para escolher seu parceiro, parapensar e expressar seus pensamentos e aforismos, ao passo que a Rainha estava presa em uma vida de aparências e infelicidades, ciente de que não era amada e nem desejada pelo rei, ciente das traições reais e dos bastardos que nasciam; além de fantasiar paixões oníricas e impondo-se, depois, a culpa, encontrando na religião uma tábua de salvação para sua vida lastimosa.
 
5) Em que sentido o texto de Saramago estabelece um diálogo com a proposta neorrealista da primeira metade do século XX? Como o personagem Sete-Sóis exemplifica essa relação dialógica?
	Podemos concluir que o diálogo com o neorrealismo se faz na medida em que o autor nos mostra, em Memorial do Convento, as desigualdades sociais e os abusos das elites. Sete-sóis exemplifica a relação com o neorrealismo uma vez que ele é a personificação de trabalhadores inseridos no contexto da época: soldados que retornam da guerra, em grande parte mutilados e sem perspectiva de conseguir sobreviver dentro da sociedade devido a sua limitação física.
	Memorial do Convento é uma narrativa histórica que entrelaça personagens e acontecimentos verídicos com seres construídos pela ficção, um romance ̶ dentro da linha neorrealista ̶  preocupa-se com a realidade social, em que sobressai o operariado oprimido. Dentre os vários aspectos do estilo saramaguiano, apontamos: a problematização do ato de escrever (metalinguagem), e a observação da história com um distanciamento do discurso oficial e combina ensaio e romance, implodindo as  fronteiras entre ficção e não-ficção.
Referências:
CAMÕES, Luís. Os Lusíadas. 2ª ed. Cotia, SP: Ateliê, 2001.
HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Rio de Janeiro: Imago, 1991, p. 32.
SARAMAGO, José. Memorial do convento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.

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