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FILOSOFIA E CIÊNCIA

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FILOSOFIA E CIÊNCIA: UMA RELAÇÃO INDISSOCIÁVEL NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
PEDAGOGIA
22/11/2014
INTRODUÇÃO
A Filosofia e a Ciência constituem áreas/campos de estudo que contribuem para o entendimento do processo de construção do conhecimento pelo homem em contextos e momentos históricos distintos. É necessário compreender as formas e os tipos de conhecimento desenvolvidos pelo homem em sua trajetória. Assim, esse estudo teórico compreende uma reflexão acerca das formas que a humanidade, no decorrer dos tempos se apropriou, explicou, sistematizou e socializou os conhecimentos construídos desde os tempos remotos aos dias atuais.
A construção do conhecimento, processo humano que está centrado na capacidade cognoscitiva do homem, é objeto de estudo da epistemologia que se ocupa em compreendê-lo sob a luz do desenvolvimento teórico-filosófico, científico, histórico e cultural. A trajetória dessa construção passou por períodos em que estava pautada inicialmente, no pensamento mitológico até o filosófico, no qual tinha como intuito a compreensão da realidade por meio do exercício da razão, da reflexão e da investigação a partir da aplicação de procedimentos e questionamentos pertinentes ao campo de atuação da Filosofia. Com a Revolução Científica ocorrida no século XVII, cada ciência delimitou sua área de atuação, objeto de estudo e método de investigação.
Diante do processo de construção do conhecimento e considerando a especificidade de cada ciência, não podemos perder a visão do todo, da rede complexa de relações que compõe a nossa realidade atual. Esse posicionamento possibilita a construção de uma postura ética diante da tessitura dos saberes pelos grupos sociais.
A construção do conhecimento pautado na perspectiva da totalidade prescinde do estudo da relação entre a Filosofia e a Ciência como processos interligados e inter-relacionados em todos os momentos históricos. Os estudos filosóficos contribuem, portanto, para o entendimento do processo de construção do conhecimento. Assim, os conhecimentos construídos necessitam de certa especulação filosófica, estudo teórico-prático e validação para que possa ser reconhecido como saber instituído na atualidade. 
A FILOSOFIA E OS VÁRIOS MODOS DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
“A mente humana é inquiridora, quer conhecer a razões das coisas” (Mondin, 1981, p. 9)
O nascimento da Filosofia na Grécia antiga marcou profundamente a longa ruptura do predomínio do pensamento mitológico de cerca de XXI ao século VI a.C. O pensamento Mitológico[1] caracterizava-se pelo conjunto de explicações sobrenaturais que serviram como fontes de conhecimento sobre os fenômenos e transmissão de valores de geração a geração. Esse paradigma, que não é apenas epistemológico, mas social também, contribuiu para a construção de estratégias mentais e instrumentos que tinham a função de afugentar os medos e explicar a realidade que estavam inseridos.
As explicações mitológicas alternavam realidade e fantasia. A alternância entre realidade e fantasia dava-se em decorrência da falta de elementos concretos e argumento críticos que os possibilitassem desvendar os fenômenos e objetos desconhecidos de forma que resultassem em conhecimento pautado em explicações puramente racionais. Neste contexto foi visível a presença de entidades sobrenaturais, do animismo e das manifestações culturais atreladas ao fantástico, ao exótico.
Segundo Souza (1995, p. 53)
A formação dos mitos obedece a uma espécie de necessidade inerente à cultura, de modo que podem ser considerados como supostos culturais. Eles reforçam a coesão social, sob a forma de relatos agradáveis e fáceis de entender, destinados a ser transmitidos de geração a geração.
As explicações pautadas no mundo dos mitos trouxeram a evidência da aceitação de verdades, constituídas por meio da cultura[2] do povo que viveu sob esta perspectiva de construção do conhecimento acerca da própria realidade. O conhecimento mitológico, dentre os demais fatores já enumerados, centrou-se na possibilidade de explicação dos fenômenos naturais e da própria realidade, como uma forma de desvendar e/ou desvelar o desconhecido. Desvendar e/ou desvelar o desconhecido é uma necessidade humana, pois o saber vivo pode contribuir para o entendimento sobre si próprio e a realidade em que está inserido.
Na concepção de Souza (1995, p. 54), “o mito longe de ser uma tentativa fracassada de explicação da realidade, deve ser encarado como ponto de partida para a compreensão e inteligibilidade do homem, do mundo e de tudo que nele habita e vive”. A tentativa de compreensão e inteligibilidade do próprio homem e de suas circunstâncias, possibilita a construção de um conhecimento dialógico e relacional pelo homem com seus semelhantes ao se perceberem inseridos no movimento da totalidade da realidade.
Mesmo na Antiguidade, a construção do conhecimento dependeu do processo de exploração e ocupação territorial humana. Ao transitarem por regiões distintas e ao estabelecerem contato com os grupos sociais diversos foi possível tanto a interação quanto a divergência necessária à socialização, construção e reconstrução das formas de construção e institucionalização do próprio conhecimento[3].Outros fatores também interferiram no processo e contribuíram com a consolidação de outras formas de conhecer.
A partir do momento em que a intensificação das atividades marítimas como possibilidade de conhecimento de outras culturas, o surgimento da moeda como unidade de valor abstrata, o desenvolvimento da escrita como instrumento de comunicação, a formação da pólis – cidade-estado grega -, e do comércio como mediador das relações econômicas em meados do século IV, desenvolveu-se um contexto que viabilizou o distanciamento do pensamento mitológico e a (re)descoberta da autonomia racional para os povos que passaram por este processo de transformação. Tais acontecimentos possibilitaram o contato com culturas diversas, formas diferentes de conceber a realidade e de explorar o mundo em que os sujeitos estavam inseridos. Foi possível, por meio do diferente, perceber as possibilidades de construção do conhecimento ao utilizar-se de questionamentos, investigação e análise acerca da realidade. A problematização da própria realidade é fonte instigadora de construção de um saber que aos poucos foi se distanciando das verdades estabelecidas, ao buscarem a retomada, a modificação e a teorização do conhecimento.
Ainda na Antiguidade, a possibilidade de construção do conhecimento a partir da investigação filosófica oportunizara aos grupos sociais a compreensão e a construção de um sentido para as coisas que não estivessem centrados nas explicações fantasiosas, mas, em explicações racionais. Este processo de conhecimento por meio da especulação filosófica foi caracterizado como radical, pois busca entender a origem da questão, rigoroso porque se utilizava de métodos para proceder a investigação da realidade, não aceitando qualquer questionamento como indagação filosófica. Por fim, era também concebido como global, pois compreende o resultado da investigação como um produto que deve ser compreendido na sua totalidade.
Por outro lado, Hirschberger (apud Souza, 1995, p. 37) defende a ideia de que 
“A Filosofia é, ao lado do mito, realmente algo de novo. Já não se vive em uma crença cega, do patrimônio espiritual do vulgo, mas o indivíduo volta-se todo para si mesmo e deve agora, livre e sem tutela, elaborar por si, examinando e provando, o que pensa e quer considerar verdadeiro. É uma posição espiritual diferente da do mito. Contudo, não devemos perder de vista que as questões formuladas pelo mito, como suas instituições conceptuais, elaboradas nos obscuros e não críticos tempos anteriores, ainda sobreviveram na linguagem conceptual filosófica.”.
Ao compreender a investigação filosófica como um processo de descoberta que procura se desvincular do pensamento mitológico ao buscar a autonomia racional, constrói as primeiras indagações e investigações que pretendemconduzir a todos a um pensamento não dogmático e cético. Não dogmático, pois procura se desvincular de verdades absolutas, de correntes teóricas que não sejam passíveis de contestação e cética, pois mesmo tentando romper com os dogmas apoia-se em correntes teóricas que contribuem para a construção de um olhar consistente sobre a realidade, sobre o objeto e a situação em questão.
Diante desta questão, a Filosofia concebida como a fonte do conhecimento da totalidade, na qual investigava questões concernentes à Física, Química, Biologia, Medicina, Linguagens, História e Astronomia dentre outras, primava pela visão da totalidade, por um saber também total. Cada filósofo, cada pensador, voltava-se para a investigação de seu objeto de estudo mesmo não se desvinculando da totalidade e da sua realidade. O pensamento era estabelecido como uma teia de relações que estava pautada no engendramento dos aspectos relacionados ao objeto de estudo.
A investigação filosófica se ocupou do ser, do conhecer e do agir utilizando procedimentos, instrumentos do filosofar como o silogismo, as falácias formais e não formais, a indução, dedução e a dialética até o século XVII. A partir do século XVII, com o desencadeamento da Revolução Científica promovida por teóricos com Galileu, Kepler e outros, houve o desvencilhar das diversas áreas do conhecimento e a constituição de ciências específicas. Neste momento ocorreu a constituição do método científico, do objeto de estudo e procedimentos de investigação próprios de cada ciência. O processo de construção do saber científico foi subsidiado pelo Racionalismo e Empirismo que por meio da razão e experiência, respectivamente, procuraram conceber a realidade sob a ótica antropocêntrica em detrimento do teocentrismo, do heliocentrismo e do geocentrismo.
Segundo Aranha (2003, p. 86)
“O renascimento científico de ser compreendido, portanto, como a expressão da nova ordem burguesa. Os inventos e descobertas são indispensáveis da nova ciência, já que, para o desenvolvimento da indústria, a burguesia necessita de um saber que investigue as forças da natureza a fim de usá-las em seu benefício. A ciência não é mais a serva da Teologia; deixa de ser um saber contemplativo, formal e finalista, para que, indissoluvelmente ligada à técnica, possa servir à nova classe.”.
Por meio do processo de construção do conhecimento científico, do renascimento da necessidade e práticas de investigação científica houve a necessidade de especialização de cada ciência, em detrimento da visão da totalidade, do saber construído via delimitação de um objeto de estudo e recorte em detrimento do saber construído através da visão do todo, do ser integral.
Diante da realidade atual, a ciência atua na construção do saber a serviço da humanidade no sentido de contribuir para o entendimento das tramas e problemas que permeiam o contexto, e por outro lado há a construção do saber que serve também à manipulação, ao domínio social e controle das massas.
Segundo Naquet (apud MORIN, 2004, p. 29), “os pesquisadores devem tomar consciência de suas responsabilidades diante das próprias descobertas, diante da regulamentação em vigor e de sua ética”. Neste sentido, deve haver ocorrer o processo de conhecimento atrelado à consciência política e responsabilidade ética que é construída por meio do desenvolvimento da atividade filosófica que possibilita a reflexão e o olhar crítico sobre o saber instituído pela investigação científica.
A ciência desenvolvida até os dias atuais necessita de certa retomada de ações reflexivas no sentido de analisar criticamente os resultados desse processo a partir do contexto em que se encontra inserido. As possibilidades de associações e estudos sobre o objeto não eliminam e muito menos desconsideram o processo de especialização, pois o que se pretende sustentar é a necessidade de relacionar cada área de estudo que também trata de um mesmo objeto.
A especialização é necessária e fundamental nos processos investigativos na contemporaneidade, mas a reflexão filosófica sobre os resultados e efeitos produzidos é atitude permanente na vida de todos, e não apenas do pesquisador, do cientista. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do momento em que a Filosofia desenvolveu-se, foi possível destacar a longa ruptura entre o pensamento mitológico e a edificação de práticas científicas mais específicas. O estabelecimento de práticas científicas não neutralizou a Filosofia e muito menos retirou, ou mesmo, anulou seu papel na construção do conhecimento.
Uma vez que os sujeitos empreendem no processo de construção do conhecimento, seja de maneira informal, formal ou não formal, há que considerarmos que este deve pautar-se na relação dialógica com o contexto em que está inserido.
A troca de informações e a socialização do saber construído prescindem de um processo interrelacional que se centra não apenas na ciência, mas na reflexão filosófica acerca dos resultados e impactos dessa para humanidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
ARANHA, Maria Lúcia Arruda e MARTIN, Maria Helena Pires. Filosofando. Introdução ao Filosofar. 3º ed. São Paulo: Moderna, 2003.
MORIN, Edgar. A religação dos saberes. O desfio do século XXI. 4º ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
SOUZA, Sonia Maria Ribeiro. Um outro olhar. Filosofia. São Paulo: FTD, 1995.
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[1] Aqui, esse termo é empregado à luz do entendimento de Durozoi e Roussel, Dicionário de Filosofia, Campinas, SP: Papirus, 1993. Mitologia é entendida como o conjunto dos mitos de uma determinada sociedade, como também o estudo científico dos quais os mitos são objeto. (p. 326)
[2] O entendimento de cultura extrapola os conceitos pautados apenas nas evidências materiais e compreende a construção imaterial, o conhecimento e as tradições transmitidas de geração a geração
[3] A expressão “institucionalização do conhecimento” foi empregada no sentido de reconhecer os saberes instituídos pelos grupos sociais em determinado contexto geográfico e social.

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