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Delação Premiada no Ordenamento Jurídico Brasileiro

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Origem da delação premiada e suas influências no ordenamento jurídico brasileiro
INTRODUÇÃO
A delação premiada é um instituto do Direito Penal que se desenvolveu diante das dificuldades enfrentadas ao longo do tempo para se punir os crimes praticados em concurso de agentes. O instituto apresenta registros desde a Idade Média, porém conquistou um lugar de maior destaque com o aumento e a sofisticação da criminalidade.
Diante da necessidade do Estado de conter o crime e da sua dificuldade em acompanhar a evolução das organizações criminosas, a delação premiada se apresenta como solução para suprir a ineficiência estatal e também como uma forma de apresentar resultados práticos à sociedade.
Trata-se de uma causa de diminuição de pena para o participe que entrega seus companheiros, contribuindo essa informação para fazer cessar a conduta criminosa. E que mostrou resultados eficientes em alguns países, como Itália, Estados Unidos da América, Alemanha, dentre outros; influenciando para que o modelo fosse adotado pela legislação brasileira.
Foi recepcionada pela primeira vez no Direito Penal brasileiro na Lei 8.072/90 (Lei dos crimes hediondos), sendo o benefício expandido para os crimes de extorsão mediante sequestro e naqueles assemelhados aos hediondos praticados por quadrilha ou bando.
Embora previsto em diversas leis e recentemente reforçado pela Lei 12.850/13, que regula sobre as organizações criminosas, a aplicação do instituto ainda gera controvérsias, havendo argumentos favoráveis e contrários.
Com base nesses argumentos, pretende-se analisar, através do método dedutivo, se a delação premiada fere algum princípio de maneira tão grave que não possa ser utilizada como uma modalidade de prova, ou se os resultados apresentados são positivos, dando respaldo para que continue sendo utilizada.
Para tanto, foram utilizadas pesquisa bibliográficas, e via internet, além de algumas análises jurisprudenciais; tendo por objetivo verificar se o instituto é um meio eficiente para se combater o crime organizado.
1 ORIGEM DA DELAÇÃO PREMIADA
1.1 Delação Premiada: conceito, origem, e suas influências no Brasil
A delação premiada ocorre quando o acusado ou indiciado, admitindo ter cometido prática criminosa, revela que contou com a participação de uma terceira pessoa, que de alguma forma contribuiu com a prática daquele ato. Vale destacar que a mera delação não dá ensejo a beneficiar o criminoso, haja vista que as informações prestadas devem efetivamente contribuir para fazer cessar a conduta criminosa.
Delação é a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou em outro ato). “Delação premiada” configura aquela incentivada pelo legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios (redução de pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário brando etc.) (JESUS, 2006, p.26-27)
Segundo Nestor Távora (2009), para que a delação premiada tenha força probatória, deve ser submetida ao crivo do contraditório, possibilitando ao advogado do delatado que faça perguntas durante o interrogatório, e se necessário, é possível a marcação de um novo interrogatório para que haja a participação do defensor.
Nos ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci (2011), é necessário que o acusado além de atribuir a conduta delituosa à outra pessoa, deve admitir também ter ele participado do ato, caso contrário não se configura.
O instituto se desenvolveu diante das dificuldades enfrentadas ao longo do tempo de se punir os crimes praticados em concurso de agentes, e especialmente de se acompanhar a sofisticação das organizações criminosas. É uma forma de o Estado suprir sua ineficiência, premiando o delator para que se possa dar celeridade à investigação criminal, conquistando, assim, a efetividade na persecução penal.
Os primeiros indícios da delação premiada podem ser encontrados na Idade Média, durante o período da Inquisição, no qual se costumava distinguir o valor da confissão de acordo com a forma em que ela acontecia. Se o co-réu confessava de forma espontânea, o entendimento era que ele estava inclinado a mentir em prejuízo de outra pessoa, diferentemente daquele que era torturado. Portanto, a confissão mediante tortura era mais bem valorizada.
Na Itália, a delação começou a ser adotada na década de 70 na tentativa de combater atos de terrorismo. Porém, recebe maior destaque após uma operação (operazione mani pulite) que tentou acabar com os criminosos da “máfia”. Os delatores ficaram conhecidos como pentiti, e desde então esse conteúdo passou a ser contemplado no Código Penal Italiano e em algumas outras legislações, como, por exemplo, a Lei nº 82 de 15 de março de 1991; resultado da conversão do Decreto-Lei nº 8, de 15 de janeiro de 1991. Estabeleceu-se assim uma penalização menor para os co-autores de crimes como extorsão mediante sequestro, subversão da ordem democrática e sequestro com finalidade terrorista; desde que atendidas às exigências legais.
Na Itália, quando o agente se arrepender, depois da prática de algum crime, sendo este em concurso com organizações criminosas, e se empenhar para diminuir as conseqüências desse crime, confessando-o ou impedindo o cometimento de crimes conexos, terá o benefício de diminuição especial de um terço da pena que for fixada na sentença condenatória, ou da substituição da pena de prisão perpétua pela reclusão de 15 a 21 anos. (GUIDI, 2006, p.102)
Existem no direito italiano três espécies de colaboradores: o arrependido, que abandona ou dissolve a organização criminosa e em seguida se entrega, fornece todas as informações sobre as atividades criminosas e impede a realização de crimes para os quais a organização se formou. O dissociado, aquele que confessa a prática dos crimes, se empenha para diminuir as conseqüências e impede a realização de novos crimes conexos. E o colaborador, que além dos atos descritos acima, ajuda no fornecimento de elementos de prova relevantes para o esclarecimento dos fatos e possíveis autores. Vale ressaltar que, em todos os casos descritos acima, a colaboração deve acontecer antes da sentença condenatória.
No sistema Norte Americano, a delação premiada existe como uma forma de apresentar resultados práticos à sua sociedade. Neste modelo, conhecido como plea bargaining, o representante do Ministério Público preside a coleta de provas no inquérito policial e faz a acusação perante o judiciário. Quando surge a possibilidade de acordo com o acusado, o Ministério Público tem total autonomia para negociar e decidir pelo prosseguimento ou não da acusação.
De acordo com alguns estudos realizados, de 80% a 95% dos crimes ocorridos nos Estados Unidos são solucionados pelo plea bargaining, e os promotores acreditam que a maioria dos casos são suscetíveis à aplicação deste sistema.
Na Alemanha, existe previsão legal para a diminuição ou até mesmo não aplicação da pena para aquele agente que voluntariamente denuncie ou impeça a prática de um crime por organizações criminosas. Neste caso, o kronzeugenregelung (regulação dos testemunhos), diferentemente do plea bargaining, o poder é discricionário ao Juiz, e a vantagem pode ser concedida ainda que o resultado não tenha se materializado por circunstâncias alheias a vontade do agente.
O direito colombiano também contemplou a delação premiada na sua legislação, como medidas processuais voltadas para o combate ao tráfico de drogas, procedimento conhecido como direito processual de emergência.
De acordo com o Código de Processo Penal colombiano, os acusados que de forma espontânea delatarem os co-partícipes e, além disso, fornecerem provas eficazes, poderão ser beneficiados com liberdade provisória; diminuição da pena; substituição de pena privativa de liberdade; ou ainda a inclusão no programa de proteção às vítimas e testemunhas.
Ao contrário do que acontece no direito brasileiro, a confissão não é requisito para que o co-autor seja beneficiado pelo instituto da delação premiada, portanto, existe a possibilidade de o acusadoser premiado apenas pelo fato de denunciar seu comparsa.
No Direito Brasileiro, os primeiros registros da delação premiada podem ser verificados nas Ordenações Filipinas (1603-1867), que trazia um livro específico sobre delação premiada, em se tratando de crimes de falsificação de moeda.
Ainda neste período de Ordenações Filipinas, é possível destacar um movimento histórico-político clássico da história do Brasil, que foi a Inconfidência Mineira, em que o Coronel Joaquim Silvério dos Reis obteve o perdão de suas dívidas com a Coroa Portuguesa em troca da delação de seus colegas, que foram presos e acusados do crime de lesa-majestade (traição cometida contra a pessoa do Rei). Dentre os participantes, Joaquim José da Silva Xavier foi tido como chefe do movimento e, consequentemente, condenado à morte por enforcamento. Depois de executado, teve sua cabeça exposta na cidade de Vila Rica, atualmente conhecida como Ouro Preto; a fim de dissuadir outras possíveis revoluções contra o governo.
Outro período que também merece destaque é o do Regime Militar, a partir de 1964, em que a delação premiada era muito utilizada para descobrir as pessoas que não concordavam com aquele modelo de governo e, portanto, eram consideradas criminosas.
Apesar de todos esses registros, a delação premiada propriamente dita passa a fazer parte do nosso ordenamento jurídico com a Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/90), que trouxe como pressuposto o efetivo desmantelamento da quadrilha ou bando que tenha sido formada para fins de praticar crimes considerados hediondos; possibilitando assim uma diminuição de pena.
A partir daí a delação premiada passou a integrar outras numerosas legislações, a saber:
- Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária (8.137/90), em seu artigo 16º, parágrafo único, in verbis: “Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através da confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços).”
-Lei de Lavagem de Dinheiro (12.683/12), artigo 2º que alterou o dispositivo do 1º, § 5º da lei anterior de Lavagem de Capitais (9.613/98), estabelecendo:
A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
- Lei de Extorsão Mediante Seqüestro (9.269/96) artigo 4º, in verbis: “Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços)”.
Também prevista na antiga Lei do Crime Organizado (9.034/95), que regula os meios de prevenção dos crimes praticados pelas organizações criminosas e as formas de reprimi-las.
Pode-se inferir que a Lei do Crime Organizado não teve a intenção de restringir a concessão da delação premiada somente para os casos de organização criminosa stricto sensu, mas se inclui também a associação criminosa e a quadrilha ou bando. Ainda, exige-se que a colaboração seja espontânea e não apenas voluntária, pois, conforme preceitua Fernando Capez, “não basta que o ato esteja na esfera de vontade do agente, exigindo-se também que ele tenha partido a iniciativa de colaborar, sem anterior sugestão ou conselho de terceiro.” Além disso, a colaboração deve ser eficaz, sendo exigido nexo causal entre ela e o efetivo esclarecimento de infrações penais e sua autoria. (GUIDI, 2006, p. 114/115)
Apesar de previsões legais esparsas, é possível estabelecer alguns requisitos específicos da delação premiada que são comuns a todas elas, e que poderiam fundir-se em uma só lei. São eles: colaboração espontânea; participação do delator na pratica da infração; relevância nas declarações; e efetividades das informações.
Discute Guidi (2006) a existência de duas classificações que distinguem a delação entre sistema aberto fechado. A primeira delas é a forma aberta, em que o delator confessa ter cometido o crime e imputa a conduta a terceiros. Atendidos os requisitos legais, poderá o delator ser beneficiado com a redução da pena até mesmo o perdão judicial. A segunda forma é a fechada, em que o delator colabora de forma anônima e sem interesse de benefício.
A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso IV, veda a possibilidade do anonimato:
IV - e livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
Acredita, portanto este autor, que a delação anônima em si não pode dar ensejo a persecução penal do Estado, tendo em vista a dificuldade de punição em caso de informações falsas. Não se descarta, porém, que tais informações sirvam para apuração de possível ocorrência do fato ilícito ou como forma de prevenção.
Diante da pesquisa realizada e exposta ao longo deste trabalho, acredita-se que foram atingidos os objetivos inicialmente propostos. Quais sejam, a análise da delação premiada como meio de prova no Processo Penal e a sua efetividade no tocante ao combate ao crime organizado.
Com base nos diversos conceitos de delação apresentados por diferentes autores, inferiu-se que o instituto é uma recompensa dada pelo Estado ao acusado, em troca de informações que auxiliem a persecução penal.
A criminalidade é um fenômeno de proporções cada vez maiores e que o Estado não consegue conter. As organizações criminosas estão cada dia mais modernas e organizadas, com mais tecnologias, e o Estado continua emperrado em um sistema penal que já não tem efetividade para combatê-las. Isso torna necessário a permanência da colaboração premiada em nosso ordenamento jurídico.
De uma forma geral, nota-se que o instituto da delação premiada no direito brasileiro não goza de tanta autonomia para negociação com o criminoso, tal como ocorre no direito americano, em que o Ministério Público tem ampla liberdade para isso, e ela se apresenta realmente como uma medida eficaz. Contudo, ainda que a idéia tenha sido importada dos Estados Unidos e outros países, a decisão do legislador parece cautelosa em não manter essa autonomia, em se tratando de níveis culturais e de desenvolvimento totalmente diferentes.
São muitas as críticas a respeito da aplicação da delação premiada, especialmente as de ordem ética, sobre o fato de o instituto premiar um traidor. Neste sentido, entendemos que as pessoas que mantém o crime no seu cotidiano estão totalmente à margem de um comportamento de acordo com preceitos éticos e morais. E, por esse motivo, falar que a delação incentiva a traição e comportamento antiético não é um argumento forte o suficiente para que o instituto deixe de ser utilizado.
No que concerne a sua aplicabilidade como instrumento probatório a confissão tem a sua importância e será avaliada de acordo com o livre convencimento do magistrado. Vale ressaltar que ela nunca poderá sozinha dar ensejo a uma condenação; deve contar com outros indícios e provas presentes nos autos.
Dessa forma, não tendo o Estado meios potentes para enfrentar esta batalha, acreditamos que a colaboração premiada traz um benefício maior do que os pontos negativos apresentados. Neste caso, os fins parecem justificar os meios em nome de um bem jurídico maior, e talvez assim o Estado consiga combater a impunidade que assola a nossa sociedade.
É chamada delação premiada uma espécie de barganha estabelecida entre juiz e réu. Este relata detalhes de um delito, e em reconhecimento pela contribuição na solução do caso, o juiz concede algum atenuante à pena do delator. Esse tipo de acordo com a justiça é considerado uma espécie de “prêmio” para o réu, sendo utilizada em muitos países como uma poderosa forma de combate ao crime e às organizações criminosas.
Um dos primeiros países a usar o recurso foi a Inglaterra,onde a figura do “colaborador” surgiu depois de uma decisão proferida em 1775, quando um juiz declarou admissível o testemunho do acusado contra seus cúmplices, em troca de sua impunidade. A delação premiada como instituto que conhecemos na atualidade, surgiu na década de 60, nos Estados Unidos, com o nome de plea bargaining. Na época, a justiça americana enfrentava problemas com a máfia, e seus integrantes presos se recusavam a colaborar com a polícia porque receavam que os bandidos que continuavam soltos pudessem se vingar. Surgiu então a ideia de oferecer um prêmio a quem delatasse os companheiros de crime. Em troca, a justiça oferecia ao réu redução de sua pena quando condenado, garantindo que ele seria levado para uma cadeia com regime especial. A tática deu certo, e a ideia acabou sendo adotada em outros países, inclusive na Itália, onde a delação premiada ajudou a colocar muitos mafiosos atrás das grades. Na Itália, a delação premiada também foi usada para o combate a atos terroristas.
No Brasil, a delação premiada já foi aplicada a milhares de casos desde 1999, ano de sua adoção. Ela está prevista no código penal brasileiro, no seu artigo 159, parágrafo quarto, e também na Lei número 9.807/99, nos artigos 13 e 14.
O próprio réu pode solicitar de forma espontânea as vantagens da delação premiada, através de seu advogado ou até pelo promotor, que sugere ao acusado que conte o que sabe. Quando o acusado vai a julgamento, o juiz avalia e decide se as informações prestadas ajudaram ou não nas investigações. Se considerar que as informações foram importantes, sua pena é reduzida de um a dois terços. Se o réu mentir ao juiz, ele será penalizado e processado por “delação caluniosa”, podendo ser condenado de dois a oito anos de prisão por ter faltado com a verdade em suas informações.
Uma vez incluído no serviço de delação premiada, o réu deverá informar à polícia e à justiça tudo o que sabe: nomes, dados, endereços, telefones, locais que os comparsas costumam frequentar e eventuais esconderijos. Ele não precisa apresentar provas, mas é necessário que no decorrer das investigações a polícia consiga confirmar que as informações são verdadeiras.

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