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1/10 FUNDO DE COMÉRCIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL C O N C E I T O O "fundo de comércio" pode ser definido como um conjunto de bens corpóreos e incorpóreos que organizados de forma racional são responsáveis pela lucratividade de uma empresa. Os bens corpóreos ou tangíveis encontram-se relacionados no Balanço Patrimonial, e são compostos principalmente por estoques, mercadorias, mobiliários, utensílios, maquinarias, instalações, veículos e outros bens visíveis utilizados na exploração econômica do negócio. Quanto aos bens incorpóreos ou intangíveis, esses geralmente não constam do Balanço Patrimonial, por serem invisíveis e de difícil mensuração, sendo compostos de marcas, patentes, ponto comercial, segredos de fabricação, experiência, tradição, valores humanos e diversos outros fatores que de alguma forma contribuem para a concretização dos objetivos sociais da empresa. Para uma perfeita compreensão do alcance do significado de fundo de comércio, se faz oportuno definir juridicamente o "estabelecimento empresarial", haja vista que o fundo de comércio é um sobrevalor do mesmo. Para tanto, passamos na seqüência a apresentar um conceito de estabelecimento empresarial, segundo a ótica do eminente jurista Fábio Ulhoa Coelho, conforme segue: "Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens que o empresário reúne para exploração de sua atividade econômica. Compreende os bens indispensáveis ou úteis ao desenvolvimento da empresa, como as mercadorias em estoque, máquinas, veículos, marca e outros sinais distintivos, tecnologia etc. Trata-se de elemento indissociável à empresa. Não existe como dar início à exploração de qualquer atividade empresarial, sem a organização de um estabelecimento. Pense-se a hipótese do empresário interessado no comércio varejista de medicamentos (farmácia). Ele deve adquirir, alugar, tomar emprestado, ou, de qualquer forma, reunir determinados bens, como por exemplo: os remédios e outros produtos normalmente comercializados em farmácia, as estantes, balcões e demais itens de mobiliários, a máquina registradora, balança e equipamentos. Além desses bens, o empresário deverá encontrar um ponto para o seu estabelecimento, isto é, um imóvel (normalmente alugado), em que exercerá o comércio. Ao organizar o estabelecimento, o empresário agrega aos bens reunidos um sobrevalor. Isto é, enquanto esses bens permanecem articulados em função da empresa, o conjunto alcança, no mercado, um valor superior à simples soma de cada um deles em separado. Aquele empresário interessado em se estabelecer no ramo farmacêutico tem, na verdade, duas opções: adquirir uma farmácia já pronta, ou todos os bens que devem existir numa farmácia. No primeiro caso, irá despender valor maior que no segundo. Isto porque, ao comprar o estabelecimento já organizado, o empresário paga não apenas os bens nele integrados, mas também a organização, um "serviço" que o mercado valoriza. As perspectivas de lucratividade da empresa abrigada no estabelecimento compõem, por outro lado, importante elemento de sua avaliação, ou seja, é algo por que também se paga. O estabelecimento é, assim, unia propriedade com características dinâmicas singulares. A desarticulação de um ou mais bens, por vezes, não compromete o valor do estabelecimento como um todo. O industrial, ao terceirizar a entrega de suas mercadorias, contratando serviço de uma transportadora, pode vender os caminhões que possuía. A venda desses bens não repercute necessariamente no valor da sua indústria. Claro que a desarticulação de bens essenciais - cuja identificação varia enormemente, de acordo com o tipo de atividade desenvolvida, e o seu porte - faz desaparecer o estabelecimento e o sobrevalor que gerava. Se o industrial desenvolveu uma tecnologia especial, responsável pelo sucesso do empreendimento, a cessão do know how pode significar a acentuada desvalorização do parque fabril. 2/10 Este fato econômico - a agregação de sobrevalor aos bens integrantes do estabelecimento empresarial - não é ignorado pelo direito. Quando o poder público desapropria imóvel, em que existia um estabelecimento empresarial, deve indenizar tanto o proprietário do imóvel como o locatário titular do estabelecimento (Barreto Filho, 1969). Por outro lado, o direito admite a reivindicação do estabelecimento, como um complexo organizado, além da reivindicação de cada um de seus bens componentes (Correia, 1973:139/141). Finalmente, a proteção desse sobrevalor pressupõe a disciplina jurídica dos negócios relacionados ao estabelecimento (a locação empresarial com direito a renovatória, a vedação do restabelecimento do alienante no trespasse etc.), de forma a garantir que o investimento realizado pelo empresário na organização do estabelecimento não seja indevidamente apropriado por concorrentes. Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens reunidos pelo empresário para a exploração de sua atividade econômica. “A proteção jurídica do estabelecimento empresarial visa à preservação do investimento realizado na organização da empresa”. (págs. 91 e 92 do Curso de Direito Comercial, Fábio Ulhoa Coelho, volume 1, ed. Saraiva 1999). VISÃO HISTÓRICA A concepção do "fundo de comércio" teve origem na França em meados do século XVIII, derivando do que se denominava de fonds de boutique, expressão definida por conjunto de mercadorias, compreendendo os bens tangíveis consistentes em mercadorias e demais materiais utilizados pelo comerciante na exploração da sua atividade, conforme se extraí do corpo do aresto do Parlamento de Bensançon de 31 de agosto da 1641, citado na obra de Luiz Autuori, que assim decidiu: "As mercadorias que compõe um fundo de botica e um fundo de caixa, composto de objetos puramente móveis, cuja natureza não pode ser mudada por disposição alguma". Essa idéia embora não se confunda com o fonds de commerce, deu origem ao mesmo. Em decorrência da evolução natural da liberdade do comércio e a concorrência, a terminologia fonds de boutique, passou a ser limitada para definir o estabelecimento comercial, pois nela não estava contido o valor do trabalho gradativo do comerciante fazendo com que a casa comercial gozasse de prestígio público, agregando-se aos valores materiais definidos pelo fundo de butique, outros bens incorpóreos suscetíveis de alienação por contribuírem de forma significativa para a obtenção de vantagens patrimoniais. No século XVIII, antecedendo a lei civil, surge a Lei fiscal francesa de 28 de fevereiro de 1872, atribuindo ao estabelecimento comercial a expressão designativa de Fundo de Comércio, surgindo assim à formalização do seu conceito jurídico, alastrando-se para a Itália onde esse conjunto de bens intangíveis recebeu o nome de azienda, sendo na Espanha conhecido por hacienda, enquanto na Alemanha e na Inglaterra foram-lhes atribuídas as respectivas denominações: geschaft ou handelsgeschaft e good-will . No Brasil, Luiz Autuori, escreveu em 1949, a principal obra a respeito deste assunto denominada oportunamente por "Fundo de Comércio", que além de trazer uma rica contribuição ao conhecimento da parte teórica, apresentou vários métodos práticos de cálculos que desde aquela época vem sendo utilizados para apuração dos valores dos bens intangíveis como um todo. No campo da contabilidade temos também registros remotos como a publicação de Willian Harris intitulada por "Goodwill", que cita como fonte de informação o artigo The contribution of P. D. Leake to The Theory of Goodwill Valuation, publicado por Brian V. Carsberg no periódico Journal of Accounting Research, edição spring 1966. 3/10 ASPECTOS RELEVANTESPARA O CÁLCULO DO AVIAMENTO NOTA INTRODUTÓRIA A avaliação do "fundo de comércio" é um assunto complexo e polêmico, que essencialmente trata de atribuir um valor para os bens intangíveis de uma empresa, entretanto, mensurar estes valores é uma tarefa que exige um grau considerável de estudos e investigações dos mais amplos fatores e circunstâncias que conduziram um negócio a obter lucro operacional nos períodos passados, bem como assegurar-se tecnicamente das probabilidades desses resultados positivos serem repetidos, ampliados ou reduzidos nos períodos por vir, pois a maior valia de um negócio está na sua possibilidade de gerar lucros nos períodos futuros. As afirmações acima são confirmadas em diversas matérias colacionadas sobre este extenso e delicado assunto, dentre elas selecionamos a opinião do Dr. Antônio Lopes de Sá, conceituado reitor do Centro de Estudos Superiores de Contabilidade do CRC/MG, publicada na REVISTA DE CONTABILIDADE DO CRC-SP, por considerá-la oportuna conforme adiante se poderá verificar. "FATORES IMPORTANTE NO CÁLCULO DO VALOR IMATERIAL DA EMPRESA" Quando surge a necessidade de determinar o valor imaterial de uma empresa, também surge a necessidade de avaliar o poder do lucro. O critério a ser empregado tem-se baseado em fórmulas singelas, mas, em verdade, necessita de exames aprofundados que se podem fazer valendo-se de recursos de indagação de maior amplitude. Tudo, entretanto, requer método específico que possa abranger todas as relações ambientais, dimensionais e essenciais da riqueza que é a geradora do lucro. O PODER DO LUCRO PARA DETERMINAÇÃO DO VALOR DO NEGÓCIO A capacidade de gerar lucros resulta de um complexo de muitos fatores. Quando a preocupação é, todavia, determinar o que uma empresa produziria de lucros em um determinado tempo, para fins de estabelecer o que podem valer suas ações ou suas quotas, a questão assume peculiaridades que entendo devam ser observadas com o máximo critério. O valor de negócio ou de remuneração de parcelas do capital é algo relativo e que depende de análise aprofundada de diversos fatores. Afirmar que uma empresa pode ganhar tanto, em tanto tempo, é temerário se não se investigam as origens dos lucros e os fatores circunstanciais que conduziram a empresa a lucrar. Sabemos que, na prática, as coisas se ajustam entre as partes quando se pretende negociar o total ou parte de uma empresa, mas também sabemos que existe um limite que é considerado razoável como valor de oferta e aceitação do negócio. FATORES AMBIENTAIS INTERNOS O capital de uma empresa sofre a ação de elementos ambientais, ou seja, dos diversos mundos que podemos denominar de "continentes da riqueza". O capital de uma empresa, sozinho, por si só, nada ou muito pouco pode render (a menos que seja especulativo ou só de renda). A riqueza empresarial depende dos fatores que vão acioná-la. 4/10 O primeiro exame, portanto, deve ser o do ambiente interno para que se possa ter noção de como se conduz o capital. Nesse particular possuem sérias influências a qualidade das pessoas e a dos métodos de trabalho. A qualidade das pessoas deve ser investigada nos três grandes organismos onde elas atuam: voltivo (que decide), diretivo (que comanda) e executivo (que cumpre). Como fatores de qualidade, consideram-se: a idade do pessoal, a sanidade física, o grau de escolaridade, a experiência, o comportamento ético e moral. A qualidade da gestão do capital depende da qualidade do pessoal e tudo isso influi na qualidade do crédito. No que tange aos métodos de trabalho, é preciso observar a qualidade em planejar, em controlar, em executar tecnicamente a produção, em estudar e comparecer no mercado, em manter boas relações humanas, em possuir critérios fáceis e eficazes de coordenação de pessoal e de informação contábil, em possuir boa assessoria etc. FATORES AMBIENTAIS EXTERNOS Influem, também, sobre o lucro, os fatores dos ambientes externos da empresa, ou seja, o mundo ecológico, social, político, científico, administrativo público etc. Fatores naturais adversos, greves, revoluções, violência urbana, mau nível de educação, problemas sanitários, insegurança política, alterações bruscas da tecnologia por efeito de progressos constantes na ciência, corrupção no Poder Público, impunidade, tudo isso influi sobre a produção do lucro, em variáveis de diferentes influências. Se o governo adota uma política que apóia a especulação e não a produção, os lucros de empresas que vivem de atividades de utilidade social tendem a declinar ou a não se garantirem. Juros altos, impostos asfixiantes, falta de apoio e incentivo à produção, abandono do zelo para com o mercado interno etc. são fatores altamente negativos para a rentabilidade de negócios que vivem honestamente da produção de utilidades e serviços. Se a empresa, por exemplo, também negocia mais com o Poder Público e este é corrupto, precisa organizar-se e despender maiores esforços, para não ser alijada do processo de concorrência. Quando a falta de ética nos negócios toma-se habitual em uma nação, todas as empresas que nela vivem sofrem o impacto dessa anormalidade. Se a empresa, por sua vez, vive de recursos naturais e esses se esgotam, ameaçado fica o destino dos resultados. Se, de outra parte, o local de trabalho torna-se insalubre e isso tende a agravar-se por apatia do Poder Público, perante a questão sanitária, perante a defesa do meio ambiente, a empresa ou assume a correção dos erros ou se vê ameaçada em sua capacidade lucrativa. Tais singelos exemplos mostram que o ambiente externo não pode ser alijado dos fatores de risco que ameaçam relações do lucro ou que, então, ao contrário, pode auxiliar a maior produção do resultado. O PASSADO DOS LUCROS A experiência do passado sempre foi um fator importante na previsão do futuro. 5/10 Partir do raciocínio de que as coisas tendem a acontecer como antes foram verificadas, é um princípio em orçamento. A vocação dos acontecimentos futuros tende a seguir as diretrizes que se consolidaram no passado. Tal tendência não é irreversível, mas, conforme o resultado de análises contábeis pode chegar a uma conclusão bem aproximada da realidade sobre o destino do lucro. Recomenda-se, pois, analisar como a empresa se comporta perante a eficácia. A eficácia é a anulação da necessidade e esta é que gera o estabelecimento das metas ou finalidades dos negócios. A partir, pois, de como a empresa supre suas necessidades, é possível medir como pode chegar ao eficaz. Para isso é preciso que estejam equilibradas as funções da riqueza. É imprescindível que se examine como os negócios se comportam em face da capacidade de pagar (liquidez), de obter os lucros (rentabilidade), de bem dosar os elementos que estruturam a riqueza (estabilidade), de possuir giro ágil e perspectivas de continuidade (economicidade), de ter capacidade de não desperdiçar e de não manter custos desnecessários (produtividade), de proteger-se contra os riscos (invulnerabilidade) e de estar ampliando com a acumulação de seus próprios resultados ou de recursos de terceiros que acreditam no negócio (elasticidade). Tais exames devem ser realizados em relação ao tempo que as coisas acontecem (temporalidade), aos lugares onde sucedem (especialidade), à qualidade do que se usa e à quantidade de capital. Essa forma de analisar parece- me a mais correta, ou seja, a que possui abrangência científica. Representa tal método de indagação, o que utilizei para elaborar a minha Teoria das Funções Sistemáticas, ou ainda, partindo das relações lógicas essenciais, dimensionaise ambientais e as observando por sistemas de funções da riqueza. A QUALIDADE DO LUCRO Se um lucro não possui boa qualidade, a tendência é a de que decline no tempo. Para o cálculo do valor imaterial dos negócios, é preciso observar, como base, a qualidade do lucro. Se um lucro possui boa qualidade, sua tendência é a de crescer no tempo. Tais raciocínios, entendo, são imprescindíveis para que se consiga estabelecer o elemento básico de uma fórmula de cálculo de fundo de comércio imaterial, trespasse ou aviamento. Imaginar que o lucro seja algo imutável e que será sempre o mesmo ao longo do tempo, não me parece uma razão lógica aceitável, porque se evidencia na prática de forma diferente. O rédito tende a possuir tanto mais qualidade quanto maior for a qualidade dos fatores que o produzem. O teor da qualidade do rédito, em face do tempo, todavia, é uma relação lógica que não pode ser abandonada para que se estabeleça um valor conveniente ao trespasse, fundo de comércio imaterial ou aviamento. A análise dos fatores que produzem o resultado eficaz só tem valor científico se partir dos estudos das relações lógicas responsáveis pela produção do fenômeno patrimonial. 0s recursos para proceder tal estudo se encontram nas doutrinas da Contabilidade e da Administração, basicamente, ciência que se unem e que são indissociáveis quando se pretende uma realidade de valor para negócios. VALOR, TEMPO E RISCOS DO LUCRO 6/10 "Valor" e "tempo do lucro", a serem considerados nas fórmulas mais simples de apuração do valor de trespasse ou negocial, dependem de estudos que se baseiam em muitas coisas de expressão relativa. O valor do lucro deve ser inspirado naquele de sua qualidade. O tempo do lucro depende dos fatores ambientais e dos riscos internos que gravam a riqueza patrimonial. Uma empresa, mesmo produzindo bons lucros, mesmo estando em ambientes favoráveis, pode ter seu valor de negócio alado e ameaçado se fatores internos de riscos gravam a produção e a colocação dos produtos. Qualidade do lucro, riscos sobre o lucro, tudo em relação ao tempo e à expressão quantitativa são fatores importantes para o cálculo. EXAGEROS NA DETERMINAÇÃO DO VALOR IMATERIAL Algumas fórmulas tendem a superestimar o lucro, e outras subavaliar o mesmo. Encontrar um "valor de conveniência" parece-me o caminho justo. Projetar, por exemplo, um prazo de cinco, de sete anos, como garantia de lucro, em uma economia que não oferece perspectivas de crescimento, é algo temerário e injusto. De outro modo, estimar um prazo apenas de dois anos, em períodos de alta prosperidade, esta tendendo a prevalecer, é deveras muito pouco. Admito que o prazo é um fator relativo, variável, que depende da solidez dos negócios, internamente e do que o mercado oferece como uma perspectiva concreta. As fórmulas que fixam prazos como padrões, parecem-me rigorosas em face da relatividade e da incerteza a que podem estar sujeitos os resultados, em relação aos ambientes em que formam. É preciso considerar que a mudança do poder da utilidade dos produtos tende a determinar mudanças nas perspectivas de vendas e estas a influírem sobre a produção dos lucros. Se quem calcula o valor imaterial preocupar-se apenas com fórmulas matemáticas inflexíveis, com padrões demasiadamente rígidos, sem observar a relatividade e as variáveis que existem no comportamento dos fenômenos das riquezas, tende a cometer sérios enganos, ou seja, a praticar equívocos, quer por insuficiência, quer por exageros de avaliação." (autor e publicação citada, ano III, nº 8, junho de 1999, pags. 44-47) Q U A N T O V A L E A S U A E M P R E S A ? Se for uma padaria, é fácil. Não é ? Aí, complicou. Eis algumas dicas para entender melhor o assunto. Por Maria Tereza Gomes. Sabe a padaria da esquina de sua casa? Pois bem, para calcular seu valor, multiplique seu faturamento mensal por um número entre cinco e sete. Pronto, esse é o preço do negócio. Depois, como manda a tradição, o antigo e o novo dono convivem no caixa durante trinta dias. É a forma de confirmar as informações sobre o faturamento. Simples, não? Sim, mas quando o negócio se afasta 7/10 do mundo do leite e dos pãezinhos, os cálculos tornam-se muito mais complexos. Tão complexos que provavelmente você não saberia responder à pergunta: quanto vale a empresa na qual você trabalha? Você não vai padecer na solidão. Segundo uma pesquisa da Simonsen Associados, uma consultoria de São Paulo, quase 60% dos executivos brasileiros também não consegue respondê-la. Às vezes, até os donos têm dificuldades. Adelino Colombo, dono das Lojas Colombo, uma das maiores redes de eletrodomésticos do país, não sabe. Salim Mattar, da Localiza, também não. Roni Argalji, vice- presidente da Du Loren, idem. Certo, pouca gente conhece o valor. Então, vamos a outra questão. Como calculá-lo? Isso depende de diversas variáveis. Primeira, o que ela tem que interessa ao possível comprador, por exemplo, uma multinacional disposta a desembarcar no Brasil? Opa esqueça os prédios, os terrenos, os escritórios. Os candidatos não procuram um negócio imobiliário. O importante é a sua marca, a rede de distribuição, a carteira de clientes, a modernidade do processo de produção, as pessoas. Agora, a pergunta definitiva: a empresa gera caixa? Se a resposta for positiva, parabéns. Você vai conseguir um bom dinheiro por ela. Caso contrário, é lamentável dizer, mas ela vale menos do que você pensa. Esse mix de variáveis foi condensado numa metodologia, batizada com o pomposo nome de fluxo de caixa descontado. Importado dos Estados Unidos, o discounted cash flow, DCF, analisa o futuro da empresa, num horizonte mínimo de cinco anos. Nessa cesta, entra as suas perspectivas de mercado, a evolução de seus custos e preços, a movimentação dos concorrentes, entre outros itens. Depois, calcula-se seu fluxo de caixa lá na frente, ano após ano. Ou seja, o dinheiro que sobra depois de todas as contas pagas. Nele, o acionista pode pôr a mão sem sangrar a empresa. Por fim, aplica-se uma taxa de desconto, para trazer para o presente os valores futuros. O resultado é o valor da empresa. Mesmo assim, a avaliação de uma companhia está longe de ser uma ciência exata. Dois fundos de pensão, o Previ e o Petros, pagou, em outubro de 1995, 96 milhões de reais por 29,17% da Riocell, fabricante de celulose. O preço foi uma pechincha. Azar do grupo Iochpe-Maxion, o vendedor. O Banco Patente, responsável pela intermediação, avaliou a empresa com base em quatro diferentes metodologias. Chegou a quatro diferentes valores: 1) Cotação das ações da Riocell no mercado. Nas bolsas, 100% da Riocell valiam 462 milhões de dólares. Nesse caso, 29,17% custariam quase 135 milhões de dólares. 2) Pelo "custo de reposição", os compradores precisariam investir 468 milhões de dólares para montar uma empresa igualzinha à Riocell. Ou seja, 29,17% do capital atingiriam 136 milhões de dólares. 3) Pelo valor patrimonial, em outubro, a Riocell custaria 420 milhões de dólares. A fatia do Iochpe valeria 122 milhões de dólares. 4) O último dos métodos é conhecido como múltiplos de EBTDI, sigla em inglês para lucros antes dos impostos, da depreciação do capital e das despesas financeiras. Nesse caso, o valor seria de 574 milhões de dólares para a Riocell. O pedaço do Iochpe valeria 167 milhões de dólares. A diferença entre o menor e o maior valor encontrado pelo Patente superou os 100 milhões de dólares. Por que, então, o Iochpe concordou em vender por 96 milhões o que valeria, pelo menos, 30% a mais? "Perdemos dinheiroporque o mercado sabia da nossa intenção de abandonar essa atividade", diz um executivo do Iochpe que acompanhou as negociações. Ou seja, vender no afogadilho é uma péssima estratégia. "O CAIXA É REI" - O caso da Riocell ilustra a evolução dos sistemas de avaliação. Hoje, o que menos se olha numa empresa são seus ativos fixos, como máquinas e equipamentos. Nem sua história. "O passado da empresa é só o ponto de partida da avaliação", diz Orfeu Trivelli, sócio da Strategía, empresa de avaliação de São Paulo. "O que nos interessa é o seu futuro." Não é o caso de procurar a mãe Dinah. A bola de cristal dos avaliadores tem sido o DCF. O objetivo do sistema é avaliar a capacidade de geração de caixa da empresa. Ela faz dinheiro hoje e demonstra condições de continuar fazê-lo no futuro? Então, tem produtos, marcas, custos baixos, gestão eficiente, talentos, tecnologia. Compre-a."O caixa é rei", diz o 8/10 americano Thomas Copeland, sócio da McKinsey, uma das mais conceituadas consultorias do mundo. Copeland é autor de Valuation, a bíblia dos avaliadores nos Estados Unidos. Ainda sem tradução para o português, o livro e seu conceito têm adeptos por aqui. "É o meu livro de cabeceira", diz Fábio Castanheira Ribeiro, analista de investimento do Banco Real. Ribeiro não avalia empresas para operações de compra e venda. Ele recomenda suas ações ao mercado. "O modelo tradicional de avaliação embaça a visão do investidor", diz Ribeiro. "Todo mundo sabe que os números dos balanços podem ser manipulados ou não revelar a real situação da empresa." Aí está a fragilidade da avaliação apenas pelo valor patrimonial estampado nos balanços.É o caso da Brahma. A cervejaria tem sido a vedete das análises de Ribeiro nos últimos meses. A empresa é a mais valorizada das bolsas brasileiras. Os investidores compram suas ações por 3,26 vezes o seu valor patrimonial. Nos últimos doze meses, o índice Bovespa valorizou-se 37%. As ações da Brahma, 96%. "É uma empresa cuja gestão se preocupa em criar valor para o acionista", diz Ribeiro (veja matéria a seguir). Por isso, vive uma situação singular. No balanço, ela vale 705 milhões de dólares. Mas se alguém se aventurasse num eventual takeover teria de desembolsar 3,4 bilhões de dólares por 100% de suas ações. O balanço da Brahma está errado? Não necessariamente. O balanço é um retrato da situação da empresa em determinado momento. Para a avaliação, interessa justamente o futuro. Entretanto, dois terços dos executivos ouvidos pela Simonsen ainda acham que os ativos fixos são seus bens mais preciosos. "Se você tem um empresa que não gera caixa, então você não tem um negócio", diz Antônio Cordeiro, da Simonsen. "Você só tem patrimônio." Os prédios e equipamentos da Pão Americano, dona da marca Pullmann, não valem 85 milhões de dólares, o valor pago pela Santista Alimentos, do grupo Bunge, para ficar com a empresa. "Nós compramos uma rede de distribuição, uma marca forte e seu potencial para estimular nossos negócios atuais", diz Roberto de Azevedo, diretor da Santista para as operações de massas e pães. Em outras palavras, a Santista não comprou a fábrica. O grupo já era dono da Plus Vita, no Rio de Janeiro, e queria crescer nesse setor. Com a Pullmann, tornou-se o maior fabricante de pães industriais no país. LUVAS - Para chegar ao valor pago, a Santista utilizou o método do fluxo de caixa descontado. Por ele, a empresa acabou pagando 1,2 vez o faturamento da Pão Americano. Trata-se de um valor acima da média para empresas de alimentos. A Gessy Lever pagou pela Cica o equivalente às suas vendas anuais, que eram de 282 milhões de dólares em 1993. A Santista não se importa com a comparação. A empresa entrou no mercado paulista com um negócio pronto, funcionando. Mais que isso, com uma rede de distribuição eficiente. Para um produto como o pão, altamente perecível, a distribuição vale ouro. Se fosse criar uma empresa nova, a Santista perderia tempo e dinheiro incalculáveis. "A aquisição é estratégica para nós", diz Azevedo.As aquisições estratégicas tornaram-se mais comuns a partir da abertura do mercado brasileiro. Nelas, o comprador aceita pagar mais do que o negócio valeria se fosse calculado pelas metodologias tradicionais - uma espécie de luvas para ficar com a empresa. Esse tipo de investidor em geral está de olho no mercado, não em lucros rápidos. As multinacionais dispostas a desembarcar no Brasil são um bom exemplo de investidor estratégico. Outro exemplo: empresas com planos de expansão rápida. A mais famosa dessas aquisições envolveu 1,04 bilhão de dólares no começo de 1995. Foi o preço pago pela Colgate-Palmolive para ficar com a Kolynos. O valor é 3,6 vezes o faturamento anual da Kolynos. A Procter & Gamble, candidata à compra da Kolynos, contestou o negócio no Cade. Uma de suas argumentações é que a Colgate pagou mais do que a Kolynos valia. A Colgate não contesta com números. "Kolynos é uma marca pronta, líder do mercado brasileiro e pode virar um nome mundial", diz Carlos Eduardo Toro, vice-presidente jurídico e de assuntos corporativos da Colgate-Palmolive. "Pagamos pelo que podemos fazer com a Kolynos no futuro. "Os argumentos da Colgate são conhecidos pelos especialistas como bens intangíveis ou goodwill, no inglês. Exemplo: marca, tecnologia, clientes, qualidade da gestão, entre outros. Quanto vale uma equipe de gerentes afinada com as estratégias da empresa? Vale tanto quanto a empresa perderia se não a tivesse. "O goodwill é a diferença entre o patrimônio líquido, registrado no balanço, e o valor efetivamente pago", diz Alberto Camões, diretor do Banco Pactual. "Se uma empresa gera caixa é porque tem bens intangíveis. "Eu não vendo a minha empresa por menos do que 15 milhões de dólares", diz George Waddel, sócio da Mercosul Assistência. Na verdade, Waddel, um inglês radicado há três anos no Brasil, acredita que pode cobrar até 20 milhões. Seus ativos (microcomputadores, sistemas de telefonia, entre outros) valem um quarto desse valor, 5 milhões de dólares. Detalhe: Waddel e seu sócio, Keith Westmacott, compraram a Mercosul do grupo francês 9/10 GM&F, em 1993, por 3,8 milhões de dólares. A empresa atua num setor em expansão, o de assistência mecânica a clientes de seguradoras, cartões de crédito e montadoras. No ano passado, o crescimento chegou a 20%. Além disso, tem uma lucratividade alta. Para um faturamento de 23 milhões de dólares em 1995, a Mercosul lucrou 3,4 milhões. Sua carteira de clientes inclui General Motors e Bradesco Seguros. É por conta desses bens intangíveis que Waddel quer no mínimo 15 milhões de dólares. "Só vendo se pagarem isso", diz ele. "Caso contrário, continuarei ganhando dinheiro com ela."Empresas de serviços, como a Mercosul, valorizaram-se muito nestes tempos de reinado do cliente. As de alta tecnologia, também. A Sisco, indústria americana de softwares, vale cinqüenta vezes o seu lucro ou onze vezes suas vendas anuais. Já as empresas de commodities, como as químicas e alguns setores da agroindústria, estão em declínio. Seu preço no mercado internacional é inferior a cinco vezes o lucro. "Os valores das empresas estão cada vez menos relacionados com o que os livros dizem", diz Hans Apostel, da Apostel & Co, empresa de intermediação de negócios, de São Paulo. Apostel freqüentou os bastidores de negociações como a da venda de parte da Bombril para a Henkel e da Mallory, pela Black & Decker, a um fundo de investidores irlandeses, em 1991. Com sua experiência, desenvolveu uma técnica curiosa de intermediar negócios. Quando representa o vendedor, sempre seleciona os compradores pelo que eles podem ganhar com a empresa. "Aquele com capacidade de ganhar dinheiro, de fazer o negócio prosperar, pagará mais porela", diz. O segundo colocado da lista de Apostel certamente vai pechinchar no preço. Em 1993, a Quaker foi muito criticada nos Estados Unidos. Na ocasião, pagou 240 milhões de dólares pela Gatorade, cujo fauramento era de apenas 100 milhões. Hoje, a Gatorade fatura 1 bilhão de dólares por ano. "Nas mãos da Quaker, a Gatorade pôde crescer", diz Apostel. "Nas da Volkswagen não valeria nada hoje." A Mallory, sob o comando da Black & Decker, era uma divisão que fabricava pequenos componentes para eletrodomésticos. O negócio corria o risco de desaparecer. A B&D decidira concentrar-se em ferramentas e eletrodomésticos. Por isso, venderam a Mallory. Os novos donos, um grupo de investidores irlandeses do Cent Investiments associado ao executivo belga Marcel Vanden Bussche, transformaram-na em fabricante de eletrodomésticos. Desde então, a empresa multiplicou por quatro seu tamanho. O negócio de timers foi passado adiante no ano passado. Com a empresa valorizada, os irlandeses a venderam, no final de 1995, a um novo grupo de investidores. POTENCIAL DE CRESCIMENTO - Não é fácil avaliar as empresas brasileiras. A metodologia do fluxo de caixa descontado exige uma economia estável. O amontoado de índices inflacionários e impostos, associados a uma contabilidade capenga, distorce as estimativas de fluxo de caixa. "Essas dificuldades afetam quase todos os mercados emergentes", diz Copeland, da McKinsey. Ah, por isso você faz parte dos 60% que não sabem o valor da empresa? Valeu a tentativa, mas isso não pode servir de desculpas. "O valor da empresa é uma informação estratégica na tomada de decisões", diz Cordeiro, da Simonsen. Segundo ele, o dado não é valioso apenas em processos de venda ou fusão. "Ele é necessário na obtenção de recursos financeiros adequados em quantidade e custos", diz."Nunca me preocupei com o assunto até o momento em que sentei numa mesa de negociação", diz Nelson Cury, presidente da Panex. Cury esteve no centro de duas complexas operações, concluídas em abril. Na primeira, a Panex adquiriu 100% da Rochedo, controlada pela Alcan. Noutra, Cury comprou uma parte da Penedo, sua maior rival no mercado de panelas. Os antigos donos da Penedo agora são sócios da nova empresa. A Panex dobrou de tamanho em vendas (180 milhões de reais este ano) e participação de mercado (cerca de 30%). Somadas, as duas operações envolveram 40 milhões de dólares. O dinheiro será captado com a abertura de capital da Panex. Cerca de 25% das ações serão colocados à venda. Durante essas operações, a Panex passou por dois tipos de avaliação, a do fluxo de caixa e a de múltiplos do lucro, conhecida como P/L. A primeira foi feita na tentativa de atrair investidores institucionais, como fundos de pensão. "É a metodologia preferida por eles porque olha o longo prazo", diz Paulo de Tarso, diretor da Proinvest, de São Paulo, intermediário do negócio. Ao se decidir pela abertura do capital para obter recursos, a Panex usou o índice P/L, mais utilizado nas bolsas brasileiras. "O investidor de bolsa está preocupado com seus dividendos no final do ano", diz Tarso. Não foi uma troca lucrativa para a Panex. O método de fluxo de caixa encontrou um valor 50% maior para a empresa. É que o P/L olha só o balanço. Já o fluxo de caixa revela o potencial de crescimento para os próximos anos. A fusão permitirá um corte de 40% nos custos administrativos. Custos menores são sinônimos de mais dinheiro em caixa. "O caixa é importante porque dele vem o dinheiro para investimentos, pagamento de fornecedores e de impostos", diz Copeland. E mais 10/10 importante: é com o tal fluxo de caixa que o acionista é remunerado - e ninguém compra uma empresa por outro motivo. (Resumo da Publicação da Revista Exame de 03/07/1996 Edição nº 613 págs.52-56)
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