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(Resenha crítica) Bobók - Dostoievski

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CAROLINA BORGES BERTOLINI
BOBÓK: UMA RESENHA CRÍTICA
Resenha apresentada ao Curso de
Psicologia, Universidade Federal de
Santa Catarina, às Disciplinas de
História da Psicologia, Prática e
Pesquisa Orientada I e Psicologia:
Ciência e Profissão.
Professor: André Luiz Strappazzon
Professora: Dra. Andréa Zanella
Professor: Iúri Novaes
FLORIANÓPOLIS
2015
O conto Bobók foi publicado por Fiódor Dostoiévski no ano de 1973, como uma
resposta às críticas feitas ao seu romance anterior, Os demônios. Sensível as críticas,
Dostoiévski elaborou um conto imerso nos elementos psicológicos que foram tão criticados
em Os demônios, desenvolvendo uma narrativa que primeiramente apresenta uma grande
tensão, sentimentos contraditórios e uma escrita que o próprio personagem Ivan Ivánitch
caracteriza como “truncada”. Além disso, o conto dá uma grande ênfase no tema da loucura,
de forma a relativizá-lo e promover uma reflexão em torno do mesmo, que foi a estratégia que
Dostoiévski adotou para livrar o tema da vulgarização que sofrera ao ser absorvido pela
crítica e pelo senso comum. (BEZERRA, 2012)
Paulo Bezerra (2012) caracteriza o segundo segmento de Bobók como uma sátira
menipeia, gênero no qual não há barreiras de qualquer tipo, como hierárquicas e ideológicas, e
há entre os participantes uma total liberdade de expressão, caracterizada pelo riso e pela
familiarização. Dessa forma, o reino dos mortos se torna um modelo utópico de mundo ideal,
“onde cada indivíduo é dono de si mesmo e da sua palavra, que flui livre de qualquer
injunção, uma vez que não há leis para reger o comportamento dos homens” (BEZERRA,
2012, p. 28).
Por conseguinte, pode ser percebida no mundo dos mortos uma clara experiência da
subjetividade privatizada, elemento que, juntamente com sua posterior crise, foi indispensável
para o surgimento da Psicologia como ciência. De acordo com Figueiredo e Santi (2010), essa
experiência surge de uma necessidade do homem de construir referências internas após a
perda de referência coletivas, a qual nesse caso se dá por meio da morte. É a partir disso que o
homem percebe que é senhor de si mesmo, “capaz de tomar suas próprias decisões e que é
responsável por elas”. (FIGUEIREDO; SANTI, 2010, p. 21)
No início do conto foram feitos alguns comentários relacionados à loucura, como que
milhares de pessoas foram registradas como loucas na Rússia e a história dos franceses
construírem a primeira “casa de loucos” por volta de 1600. Em relação à essa temática, é
importante lembrar como tal discurso, o qual diz que todos aqueles que não se adaptarem à
sociedade devem ser considerados inaptos e devem perecer, ou, no caso, serem isolados da
sociedade, foi reforçado pela ideologia do darwinismo social, que influenciou fortemente o
Funcionalismo (SCHULTZ; SCHULTZ, 2014), que na época da publicação do conto já
estava sendo desenvolvido nos Estados Unidos.
Em certo momento do conto, o barão Kliniêvitch indaga o conselheiro da corte
Lebieziátnikov a respeito do modo como eles conseguem falar mesmo estando mortos. Em
seguida, Lebieziátnikov usa a explicação do filósofo da casa, Platon Nikoláievitch, de que “é
a vida que continua como que por inércia”, explicação que serve ao interesse de todos. Porém,
ao responder a questão de onde vem o fedor que todos sentem, o qual o filósofo observou que
seria um fedor moral proveniente da alma, os mortos tratam a questão como um “delírio
místico”, “absurdo”, proveniente de uma “zona nebulosa” (DOSTOIÉVSKI, 2012, p. 23).
Podemos aproximar o descaso feito à explicação acerca do fedor moral à questão da
distinção entre senso comum e ciência, feita por Alves (1993), que destaca o fato de que a
ciência não acredita em magia, enquanto o senso comum insiste em tal crença. Neste caso,
não se trata essencialmente de magia, mas sim de uma teoria de cunho filosófico feita por
Platon, a qual foi rejeitada pelos mortos como se não passasse de um delírio – apesar de que a
recusa foi convenientemente feita de modo que a questão da imoralidade fosse ignorada. Em
outras palavras, a observação filosófica de Platon foi descartada, colocada em um patamar
inferior ao da verdade científica ao ser taxada de “delírio místico”, assim como a posição
defendida por Dawkins (2005), de que a verdade científica é superior a todas as outras.
Ao fim do conto, o diálogo dos mortos é interrompido subitamente no momento em
que Ivan espirra, fato que permite ao leitor entender que a conversa cessou logo que os mortos
perceberam que estavam sendo observados. Na pesquisa em Psicologia Social, tal situação - a
mudança de um comportamento feita na medida em que pessoa tem a consciência de que está
sendo assistida - é uma das principais críticas à Psicologia Social tradicional. Em suma, é
implicada a “impossibilidade de gerar um conhecimento neutro ou um conhecimento do outro
que não interfira na sua existência” (STREY et al., p. 76, 1998), uma vez que, de acordo com
Lane (1985 apud STREY et al., 1998, p. 76), “conscientes ou não, sempre a pesquisa implica
em intervenção, ação de uns sobre os outros. ”.
Ainda em relação à Psicologia Social Contemporânea, há também no conto uma
grande valorização dos micro-lugares, dos encontros e desencontros que acontecem no
cotidiano, que são importantes para que os pesquisadores se conectem com o fluxo de
acontecimentos, de objetos e espaços ao seu redor, de assumir-se também como actante
(LATOUR, 2004 apud. SPINK, 2008, p. 71). Nessa visão de Psicologia Social, defendida por
Spink (2008), o pesquisador é apenas um entre tantos outros componentes de uma sociedade,
não alguém que realiza uma pesquisa de forma que esteja separado, distante da realidade a ser
pesquisada. Neste caso, Ivan Ivánitch, no decorrer da narrativa, mostra-se atento a elementos
corriqueiros e faz diversas observações em relação a eles, como o coveiro a retirar água das
sepulturas, a expressão das pessoas que compareceram ao enterro, até que, por fim, relata a
conversa que escuta ao estar sentado em uma das lápides do cemitério, que é o ponto central
de toda a narrativa.
Ademais, pode-se relacionar a observação e reflexão final de Ivan acerca do diálogo
dos mortos ao recurso do olhar do estrangeiro, tão frequentemente utilizado pois “aquele que
não é do lugar, que acabou de chegar, é capaz de ver aquilo que os que lá estão não podem
mais perceber” (NOVAES et al., 1988, p. 363). Ademais, tal ponto de vista, fruto do já
mencionado período de observação, pode ser visto pelo posicionamento que o pesquisador
tem ao falar do outro. De acordo com Zanella e Tittoni (2011), o ato de falar sobre um outro
implica em recriá-lo, de modo que seu olhar e seu modo de vida – nesse caso, sua conduta
moral – são apresentados ao leitor por meio da perspectiva do olhar do pesquisador.
Tal situação fica evidente no final do conto de Dostoievski, momento no qual Ivan
mostra sua indignação em relação à conduta dos mortos, que “sem poupar sequer os últimos
lampejos de consciência”1 decidem que irão utilizar o tempo que lhes restam para
desnudarem-se (de roupas e de princípios morais e éticos) e não se envergonharem de nada.
Para os mortos, a ideia de que essa consciência lhes foi dada a fim de refletirem acerca dos
atos imorais que cometeram em vida é um “delírio místico” e eles deveriam aproveitar que
não estão mais presos às regras da sociedade para viverem na “mais desavergonhada
verdade”2. Ivan, pelo contrário, por estar situado em uma realidade diferente – detentor do
olhar de um estrangeiro - vê tal conduta como um desperdício do presente que lhes foi dado,como uma sucessão do comportamento imoral que consegue ultrapassar a barreira da vida e
calar a única oposição, representada pelo general Piervoiêdov, que inclusive foi reduzido de
general a um nada.
Em suma, há em Bobók diversos aspectos interessantes à psicologia, que não se
esgotariam em uma obra tão curta. Dostoiévski foi um dos grandes gênios da literatura russa,
e grande parte de suas obras possui vasto conteúdo psicológico a ser explorado, especialmente
em Bobók, que como foi comentado por Bakhtin na seção Sobre Bobók, é um “microcosmo
de toda sua obra”. 
1 DOSTOIÉVSKI, 2012, p. 23
2 DOSTOIÉVSKI, 2012, p. 20
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. O senso comum e a ciência (I e II). In: ALVES, Rubem. Filosofia da
Ciência: introdução ao jogo e suas regras. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 10 – 34.
DAWKINS, R. O que é verdade? In: DAWKINS, R. O capelão do Diabo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005. p. 34 – 42.
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Bobók. Tradução e posfácio de Paulo Bezerra. 1ed. São Paulo: 
Editora 34, 2012.
FIGUEIREDO, L. C; SANTI, P. L. R. Precondições Socioculturais para o aparecimento da 
psicologia como ciência no século XIX. In: FIGUEIREDO, L. C; SANTI, P. L. R. Psicologia:
uma nova introdução. São Paulo: Educ, 2010, p. 19 – 53.
NOVAES, Adauto. et al. (Org). O Olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 361 -
365.
SPINK, Peter Kevin. O pesquisador conversador no cotidiano. Psicologia & Sociedade.
Porto Alegre, v. 20, Edição Especial, 2008, p. 70-77.
SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. História da psicologia moderna. 10ed. São Paulo:
Cengage Learning, 2014, p. 126 – 156.
STREY, Marlene Neves et al. Psicologia Social Contemporânea: livro-texto. Petrópolis:
Vozes, 1998, p. 73 – 85.
Zanella, A. V. Fotografia e pesquisa em psicologia: retratos de alguns (des)encontros. In: 
Zanella, A. V; Tittoni, Jaqueline. (Org). Imagens no Pesquisar: experimentações. 1ed. Porto 
Aletre: Dom Quixote, 2011, v.1, p. 15 – 35.

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