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Livro Digital Aula 02 – Realismo e Naturalismo + O alienista Literatura ITA 2020 Professora Celina Gil Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 2 86 Sumário Apresentação .................................................................................................................................... 3 1 – O Realismo ....................................................................................................................... 3 2 – Realismo no Brasil ............................................................................................................ 8 2.1 – Machado de Assis ..................................................................................................................... 9 3 - Naturalismo .................................................................................................................... 12 3.1 – Naturalismo no Brasil ............................................................................................................. 13 3.2 – Realismo X Naturalismo ......................................................................................................... 15 4 - O alienista ....................................................................................................................... 16 4.1 - Resumo por capítulo ............................................................................................................... 18 4.2 - Análise ..................................................................................................................................... 21 4.3 – Características do Realismo e de Machado de Assis na obra ................................................ 31 5 – Exercícios ........................................................................................................................ 32 5.1 – Lista de exercícios ................................................................................................................... 32 5.2 – Gabarito .................................................................................................................................. 53 5.3 – Exercícios comentados ........................................................................................................... 54 Referências .......................................................................................................................... 85 6.1 – Obras principais ...................................................................................................................... 85 6.2 - Imagens ................................................................................................................................... 85 Considerações finais ............................................................................................................. 86 Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 3 86 Apresentação Caro aluno, Na aula de hoje, vamos nos debruçar sobre o Realismo. Dos movimentos literários brasileiros, esse é um dos mais importantes, pois um dos nossos autores mais importantes pertence a esse movimento: Machado de Assis. Uma das obras de leitura obrigatória do vestibular do ITA está aqui: o conto O alienista, de Machado de Assis. Além disso, veremos também o Naturalismo, escola literária comumente associada ao Realismo, por serem contemporâneas e compartilharem de algumas referências. Nessa aula, então, você verá: ➢ As origens do Realismo e do Naturalismo da Europa e os principais autores; ➢ O Realismo e Naturalismo no Brasil; ➢ Análise de O alienista (Machado de Assis). Lembre-se que, para melhor aproveitamento dessa aula, o ideal é que você tenha lido o conto. Se você ainda não tiver lido O alienista, utilize esse material como guia para a leitura. Mas, atenção: NÃO DEIXE DE LER O CONTO! A prova do ITA cobra muitos detalhes da obra! O material não é capaz sozinho de dar conta de todos os detalhes do livro. O ideal é que você faça fichamentos da obra. Quando chegarmos na lista de exercícios você vai entender como são formuladas as questões e porque é tão importante ler o livro realmente. Vamos lá? 1 – O Realismo O Realismo é um movimento literário que ocorre na segunda metade do século XIX. Nessa época, a Europa se encontrava num momento de industrialização bastante consolidado. É um período marcado por alguns eventos: ➢ Com a Segunda Revolução Industrial, é preciso expandir mercados. Assim, as potências europeias investem numa segunda colonização, diferente da anterior. A nova colonização na África busca novos mercados e mão de obra barata para suprir uma produção muito acelerada. ➢ Eclodem conflitos de viés nacionalista, como a unificação da Alemanha e da Itália. ➢ Alguns pensamentos filosóficos se instauram, trazendo novas noções de classe e nação. O homem já havia compreendido que era possível se relacionar com o mundo a partir do conhecimento científico e, inclusive, que era possível dominar a natureza. Por isso, ele começa a deixar de lado o apego à emoção e à subjetividade e começa a se apoiar na noção de real. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 4 86 A busca por realismo nas artes é antiga. Desde o Renascimento, os artistas buscaram uma representação o mais fiel possível das imagens. Neste momento, porém, diferente dos anteriores, o homem começa a buscar uma imitação do mundo em que vive. Se antes os artistas se dedicavam à representação de mitos clássicos ou imagens religiosas da antiguidade, no Realismo os artistas começam a olhar para as classes trabalhadoras urbanas e rurais e para a burguesia. Nas artes plásticas, o principal artista foi Gustave Courbet. Seu trabalho buscava uma representação fiel do homem simples contemporâneo. Na Figura 1, vê-se um autorretrato do artista como exemplo de sua busca pelo maior grau de realismo possível. Figura 1 - O homem desesperado (1843 - 1845), Gustave Courbet É também no século XIX que surge uma inovação tecnológica que influencia a arte sobremaneira: a fotografia. Pela primeira vez era de fato possível captar a imagem do real. A fotógrafo, no início, não era considerado um artista, mas sim um técnico. A fotografia é um processo mecânico, mediado por um equipamento. Ela se materializa a partir de processos físico-químicos. A fotografia era capaz de colaborar com a ciência e, por isso, é muito valorizada no final do século XIX. Essa questão será decisiva para que, no início do século XX, as artes plásticas se comprometam mais fortemente com a criatividade do que com a representação mimética. Veremos isso melhor nas próximas aulas de Literatura para ITA. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 5 86 É também no século XIX que ocorre uma mudança radical no pensamento do homem. Uma série de descobertas científicas e teorias filosóficas começam a questionar a sociedade do modo como ela se dava até então. As noções de sagrado e de destino ficam comprometidas. Se antes o homem se sentia um ser completo e em harmonia, o homem moderno se sente fragmentado, sem lugar no mundo. Algumas das teorias da filosofia responsáveis por provocar grandes questionamentos no homem foram: Charles Darwin Darwin (1809 – 1882) conclui que as espécies não são imutáveis. Elas mudam ao longo do tempo por um processo de seleção natural: os indivíduos que melhor se adaptam a um determinado ambiente têm maior probabilidade de sobreviver, se reproduzir e passar suas características vantajosas para a descendência. Mas se o homem é resultado de um processo evolutivo biológico, entãonão foi criado à imagem e semelhança de Deus; não somos, portanto, divinos. Friedrich Nietzsche Nietzsche (1844 – 1900) acredita que alguns conceitos se tornaram indissociáveis: humanidade, Deus e moral. Para ele, os homens não alcançam seu potencial nem sua felicidade porque se impõem limitações ligadas à moral e a valores elevados (representados pelas religiões). As religiões limitam o presente do homem com promessas de paraíso. Consciente da finitude, o homem inventa religiões, ao invés de aproveitar o momento presente – único mundo real possível. Karl Marx Marx (1818 - 1883) propõe uma abordagem diferente para a história do homem em sociedade: para ele, são as condições materiais que determinam como cada um se encaixa no tecido social e mudanças nos meios de produção causam mudanças socioeconômicas (como o surgimento das classes burguesia e proletariado após a Revolução Industrial). Logo, as classes sociais não são naturais, mas sim parte de um sistema político e econômico em que o mundo se encontra. Sigmund Freud Freud (1856 – 1939) elabora sua teoria nos derradeiros anos do século XIX. Sua contribuição mais impactante foi a noção de inconsciente. Segundo Freud, há dois níveis da psique: o consciente, que temos acesso e controle; e o inconsciente, que não somos capazes de acessar. No entanto, o inconsciente é responsável por ditar nossas ações e comportamentos. Há algo dentro do homem que o controla ainda que ele não saiba disso. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 6 86 Independente de concordar ou não com as ideias, seu aparecimento provocou abalos no homem do séc. XIX que se via num momento de diminuição do poder das instituições até então consolidadas. O ser humano, até então muito seguro de si e de sua posição no mundo, começa a ver surgir uma série de questionamentos que se refletem na literatura. No movimento Realista, essas questões aparecem em muitos aspectos: Crítica social • Crítica às instituições que sustentam o modo de vida da sociedade burguesa: a família, o casamento, a Igreja e a burguesia econômica. Há preocupação com o tempo presente. • As promessas de liberdade - em diversas instâncias das revoluções burguesas não se concretizam. O desencantamento com a sociedade se apresenta na literatura na forma de ironia principalmente. • Os temas tendem a ser mais urbanos. Linguagem mais objetiva • A linguagem se torna mais direta, mais próxima do falar cotidiano – sem cair, no entanto, em usos distanciados da norma culta: a linguagem é descritiva e detalhada. • Faz-se mais uso da descrição do que das figuras de linguagem, tendo em vista a verossimilhança com a realidade. Combate à idealização • Se no Romantismo há uma visão idealizada do cotidiano, no Realismo há uma busca de retrato da realidade mais objetivo, com todas as imperfeições que ela possui. • A ideia de divino e metafísico estava sendo questionada e, portanto, os temas ligados ao real e ao cotidiano ganham força. • A maioria dos protagonistas são homens burgueses comuns e os conflitos que eles vivem no seu ambiente social. • A questão não é só reproduzir a realidade mais, mas sim compreendê-la. Personagens complexas • Há, no comportamento das personagens, a denúncia de mazelas sociais, como a hipocrisia, a corrupção, a pobreza e a exploração de um homem pelo outro. Os heróis são problemáticos, com diversas fraquezas e defeitos. • Análises psicológicas mais profundas, o que resulta muitas vezes em narrativas dedicadas ao tempo psicológico. Digressões e questionamentos das personagens são comuns dos textos. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 7 86 TEMPO PSICOLÓGICO? Algumas vezes na aula falaremos essa expressão. Mas o que ela significa em termos de narrativa? O tempo psicológico é como se fosse o tempo particular da personagem. Não é necessariamente igual ao tempo cronológico (que é igual para todos). Cada personagem sente a passagem do tempo de um modo. Normalmente, aparece através das memórias e digressões das personagens, já que a maneira como se percebe o tempo está ligada às emoções e pensamentos particulares. Os principais autores que constituíram o Realismo na Europa e serviram de inspiração para os escritores brasileiros são: • Considerado o fundador do realismo na literatura, ficou muito conhecido por escrever romances com análises e observações muito detalhadas acerca das situações e das personagens. • É uma das principais referências declaradas de Machado de Assis. • Principais obras: A mulher de trinta anos (1831), Pai Goriot (1834), As Ilusões Perdidas (1839) e A Comédia Humana (1820 – 1842). Honoré de Balzac • Escritor de estilo de escrita profundo, porém seco. • Se filia a um realismo psicológico, fazendo análises profundas da personalidade das personagens. Muito crítico da sociedade da época. • Principal obra: O vermelho e o negro (1830). Stendhal • Um dos escritores russos mais conhecidos e considerados mais importantes. • É um dos fundadores do realismo na Rússia. • Principais obras: Guerra e Paz (1869), Anna Karenina (1877), A morte de Ivan Ilitch (1886). Leon Tolstói • Se dedicava a uma profunda análise psicológica e da constituição da sociedade do século XIX. • Analisa a realidade e o cotidiano da burguesia com riqueza de detalhes. • Principais obras: Madame Bovary (1857) e A Educação sentimental (1862). Gustave Flaubert EU R O P A Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 8 86 2 – Realismo no Brasil O Brasil da segunda metade do século XIX é muito conturbado. Mudanças de governo, de estrutura de trabalho, chegada de novas ideias vindas principalmente da Europa e uma ascensão de um capitalismo industrial e urbano começam a modificar o pensamento da época. Se para os autores europeus a denúncia da hipocrisia das relações pessoais na sociedade era um tema importante, no Brasil essa preocupação se traduziu principalmente na análise da realidade da escravidão. Um país que se pretendia moderno e recentemente independente não poderia continuar aceitando um sistema que impedia a liberdade de outros seres humanos. O conjunto de ideias liberais que vinha ganhando espaço no Brasil se chocava com a escravidão. O problema é que o Brasil do século XIX ainda era majoritariamente agrário e, por isso, dependia da mão de obra escrava para manter a produção. Com a abolição da escravatura em 1888, duas questões se colocam no Brasil: a chegada de estrangeiros para substituir a mão de obra escrava e a condição social dos ex-escravos, que acaba culminando na formação dos morros, favelas e cortiços. Este tema será também bastante caro para os escritores do período. A segunda metade do século XIX também é pautada na política pelo que ficou conhecido como “parlamentarismo às avessas”, período em que D. Pedro II escolhia o primeiro-ministro a partir da concordância dos dois partidos existentes na época: o Partido Liberal e o Partido Conservador. Na prática, porém, ficavam mantidos os interesses da camada mais rica. Com a Proclamação da República em 1889 pouco muda a situação da política brasileira, pois se instaura a aliança conhecida como “Política do café com leite”, em que representantes de São Paulo e Minas Gerais predominavam no governo, mantendo o domínio das oligarquias intacto. As teorias acerca da ideia de classes sociais também alcançam o Brasil, provocando questionamentos nesta estrutura política brasileira. A negação do poder das oligarquias e os questionamentos acerca da religião serão também inspiração para muitas obras literárias do período. • Autor famoso pelo episódio da Questão Coimbrã (ou Questão do Bom senso e Bom gosto): polêmica entre autoresdo Romantismo e do Realismo portugueses. • Principal obra: Odes modernas (1865). Antero de Quental • Principal romancista realista português. • Linguagem objetiva, descritivismo, ironia e análise de caráter. • Critica a Igreja, a burguesia e a elite, em contraposição à exaltação da simplicidade portuguesa. • Principais obras: O crime do Padre Amaro (1875), O primo Basílio (1878), A relíquia (1887), Os Maias (1888), A ilustre casa de Ramires (1900) e A cidade e as Serras (1901). Eça de Queiroz P O R TU G A L Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 9 86 Os principais autores do período no Brasil são Machado de Assis e Raul Pompeia. Machado de Assis é, no entanto, o autor mais importante do período. Considerado um dos maiores escritores da literatura brasileira, Machado escreveu o conto que é obra obrigatória do vestibular do ITA, O alienista. Por isso, vamos nos dedicar mais profundamente a esse autor. Nos estudos de Literatura Brasileira, não há poesia realista, apenas prosa! Portanto, não gaste seu tempo buscando investigar poesia nesse momento! 2.1 – Machado de Assis Machado de Assis (1839 – 1908) nasceu no Rio de Janeiro, pouco antes do início do Segundo Reinado, período que compreende o tempo em que Dom Pedro II (1840-1889) estava no trono. Machado atuou como cronista ao longo desse período. Machado veio de uma família humilde: seu pai era operário pintor e os avós tinham sido escravos na chácara do Livramento – local que seu pai manteve uma ligação, tanto como trabalhador como quanto agregado da família dos proprietários. Era o que se chamava de filho de “pardos forros”, ou seja, de negros que tinham obtido alforria. Além da pele escura, Machado ainda era levemente gago. Na segunda metade do século XIX isso representava muitas dificuldades! Ainda assim, a família de Machado passou da escravidão a um espaço de relativa respeitabilidade na sociedade. Mesmo sendo de família de escravos, Machado era afilhado de uma senhora ilustre da sociedade e residia em uma boa casa. Seus pais sabiam ler e escrever, o que era raro. Sua juventude pautou-se na criação de vínculos rumo a uma via de ascensão social. Participava de conservatórios, arcádias, clubes, era poeta, dramaturgo e crítico. Aos 15 anos começa a trabalhar como aprendiz de tipógrafo (executor de serviços tipográficos de composição, paginação ou impressão). Posteriormente, atua como jornalista, profissão que lhe rendeu grandes contatos políticos e literários. Aos 27 anos, ingressa no serviço público, onde ficaria até o fim da vida. Machado de Assis produziu obras em diversos gêneros. Há publicações de teatro, poesia, crítica e contos. Segundo Roberto Schwarz (1987, p. 173), “foi possivelmente o maior escritor brasileiro, e com certeza o mais reconhecido e festejado em vida” Dentre seus contos mais conhecidos estão O alienista (1882), O espelho (1882) e A cartomante (1884), Missa do galo (1893), Pai contra mãe (1906). Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 10 86 É sua obra como romancista, no entanto, que se tornou a mais destacada. Apesar de escrever romances desde os anos 1870, é apenas em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) que o autor alcança maturidade literária. O primeiro romance de Machado de Assis, Ressurreição (1872), antecipa um traço que se tornará característico seu ao longo do tempo: um olhar irônico do narrador sobre as personagens. Neste romance, Machado também flerta com uma ideia que acompanha muito de suas obras: a morte. Em 1874, publica A mão e a Luva, numa estrutura de romance de folhetim. Neste romance, Machado já experimenta o traço realista de incluir passagens históricas na história. Em Helena (1876), Machado experimenta um estilo melodramático – gênero que já não era mais tão popular no fim do séc. XIX. Neste primeiro período, o autor ainda está construindo seu estilo. Em 1878 ele ainda escreve mais um romance, Iaiá Garcia, antes de chegar a sua fase mais conhecida em que se encontram os seguintes romances: 1881 1891 1899 1904 1908 Memórias póstumas de Brás Cubas Membro da elite, o defunto- autor é uma máscara, por meio da qual Machado irá destacar com cinismo e ironia os mecanismos sociais da época, sobretudo, a escravidão. Dom Casmurro O inseguro Bentinho desde muito jovem estava destinado a ser padre. Porém, ainda adolescente acaba por namorar sua amiga de infância, Capitu, quem irá lhe render eternos ciúmes. Quincas Borba A personagem Quincas Borba, que já aparece em Memórias póstumas, neste livro aqui morre, deixando toda a sua herança para o amigo Rubião e o seu “filho”, o cachorro de mesmo nome. Esaú e Jacó Os irmãos bíblicos do Gênesis aqui encaram seus pares míticos: o Abolicionismo contra o Monarquismo. Gêmeos, farinha nascida do mesmo saco, Natividade, apaixonam-se pela mesma mulher, Flora, e encarnam o destino nacional. Memorial de Aires Narrado pelo Conselheiro Aires, personagem que também está em Esaú e Jacó, contempla os diários que descrevem a sua fase de aposentadoria entre 1888 e 1889. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 11 86 Antes de entrarmos na análise do conto “O alienista” em si, se atente para as principais características de Machado de Assis como escritor: Narrativa sem compromisso com a linearidade: as obras de Machado nem sempre obedecem a uma ordem cronológica; muitas vezes, os fatos aparecem conforme são lembrados pelo narrador ou pelas personagens. Pessimismo: a obra de Machado flerta com o niilismo, com uma visão negativa do mundo e do homem. Muitos de seus personagens são cínicos ou hipócritas, porque é assim que é o mundo. As tendências filosóficas do cientificismo e do evolucionismo são muitas vezes questionadas por ele. Ironia: o riso é muitas vezes o modo de lidar com o mundo que encara negativamente. Ficou conhecido pelo Humor Machadiano, um humor irônico, que ri das desventuras. Despreocupação com filiação a um grupo específico: apesar de identificado como um autor realista, Machado bebe de diversas fontes. A questão da identidade: questionamentos centrais sobre a essência humana ocupam espaço nas obras de Machado. A noção de um homem cindido em mais de um sentimento, da relação da construção do eu a partir do olhar externo e a importância do pensamento são frequentes. Metalinguagem: Frequentemente as obras contém informações sobre os capítulos, o leitor, o estilo de escrita, etc. A relação com o leitor – muitas vezes jocosa – também é característica de sua obra. Psicologismo: analisar aspectos psicológicos e torna-los parte importante do enredo é uma de suas características. Basta lembrar de Dom Casmurro, sua obra mais famosa, cujo enredo gira em torno de uma suspeita de traição a partir de uma série de fatos interpretados segundo a mente do narrador. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 12 86 3 - Naturalismo Contemporaneamente ao Realismo, outra escola literária ganha corpo, interpretando o mundo e a nova relação do homem com a ciência: o Naturalismo. A Revolução Industrial havia mudado as relações de trabalho. A introdução de máquinas na produção industrial aumenta a produtividade. O maquinário, fruto de novas técnicas baseadas na racionalização dos processos de produção, aumenta a riqueza de forma exponencial. A ciência/tecnologia passa a fazer parte do cotidiano das pessoas. O conhecimento científico avança e impacta a saúde, a indústria, a agricultura e as comunicações. É no século XIX que surgem,por exemplo, a eletricidade e o telefone. O método científico mostra-se tão eficiente em diversas áreas que começa a ser encarado como possível solução de qualquer problema enfrentado pelos seres humanos. Muitos filósofos começam a flertar com a ideia de que a ciência seria capaz de resolver até mesmo problemas sociais e de relacionamentos. Entende-se que se fosse possível encontrar as causas da ação humana e analisá-las de maneira científica, seria possível organizar a sociedade de uma maneira mais eficiente. A esse otimismo exagerado com o método científico e à tentativa de submeter outras áreas da vida humana a essa mesma lógica, dá-se o nome de Cientificismo. É nessa fonte que bebe o movimento naturalista na literatura. A maior influência para o Naturalismo partiu certamente do filósofo Auguste Comte. Comte entende que o mundo se encontra num momento científico da história. A partir disso, desenvolve a ideia de Positivismo: uma corrente filosófica que defende que o pensamento científico é maior forma de conhecimento. Em 1865 Claude Bernard dá início aos estudos da medicina experimental, ou seja, de experimentos médicos induzidos para fins de observação, inspirado nos ideais positivistas. O século XIX é um momento de desenvolvimento científico como há muito não se via. A corrente Naturalista pretende, inspirada por esse momento, não só fazer uma observação acurada da realidade, como também embasar esta observação na ciência. O principal autor naturalista europeu é Émile Zola. • Principal autor Naturalista europeu, Zola quer, a partir de ideais positivistas, fundir a literatura com o estágio científico da sociedade • Para ele, é preciso que haja um senso do real ao escrever um romance. Um escritor precisa compreender seu objeto do modo mais profundo possível e disseca-lo – seja este objeto uma personagem ou a própria sociedade. • Sua principal obra é o romance Thérèse Raquin (1867), considerado o primeiro a concretizar a teoria Naturalista. Émile Zola Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 13 86 As principais características do movimento Naturalista são: 3.1 – Naturalismo no Brasil O principal representante do Naturalismo no Brasil foi Aluísio Azevedo. Ele é considerado o autor que dá início ao Naturalismo no Brasil. O livro considerado iniciador do movimento é O mulato (1881), obra de Azevedo que critica o racismo na sociedade brasileira do fim do século XIX. O cortiço (1890), no entanto, é sua obra mais significativa. Como escritor naturalista, Azevedo tinha um objetivo com sua obra: entender como o ser humano, com tudo aquilo que ele tem de inato e instintivo, natural, responde ao meio e momento histórico em que se encontra. Diferente dos românticos, um escritor naturalista não idealiza as personagens. Por isso, a obra de Azevedo é permeada por retrato crus, com defeitos e patologias das suas personagens. Em O alienista, muitas das características no Naturalismo serão abordadas de maneira crítica e irônica. Veremos isso mais para frente ainda nessa aula. Animalização • Comparações entre homens e animais (zoomorfismo). • Destacar aspectos fisiológicos que nos igualam aos animais, o cheiro, o hálito, o suor etc. As personagens são muitas vezes apresentadas como doentes. • Focalizar comportamentos movidos pelo instinto, abordando frequentemente temas como o erotismo e a sensualidade. Positivismo e Darwinismo • Inspiração nas filosofias Positivista e Darwinista, além de uma valorização do cientificismo e do determinismo, ou seja, da influência determinante do meio no homem, fazendo com que seu destino seja inescapável. • Descrição das personagens reconhecendo que o homem é formado por três variáveis: biologia (condicionamento da raça), momento histórico (condicionamento do momento) e relação social (condicionamento do meio). Embasamento científico • Embasamento científico para a escrita literária, incluindo termos que aparecem mais em textos técnicos do que literários. • Descrição minuciosa de eventos, ambientes, formas físicas, etc. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 14 86 Suas principais características são: O cortiço é o livro que Aluísio Azevedo acreditava ter mais se aproximado dos ideais naturalistas de literatura que buscava. Inspirado pelas técnicas do escritor Émile Zola, Azevedo promoveu uma investigação profunda na sociedade. Para a escrita do livro, o autor conversou com trabalhadores das cidades, visitou morros e cortiços, documentou a maneira que falavam e detalhes sensíveis sobre essas populações (cores, cheiros, texturas etc.). Azevedo também presenciou conflitos e manifestações, tanto no nível individual como social, entendendo o que movia essas pessoas e quais eram suas demandas enquanto classe. É importante se atentar, quanto à estrutura formal da obra, que O cortiço é uma obra com autor em 3ª pessoa, onisciente. Isso se dá porque dessa forma o autor pode analisar de fora o que está acontecendo, se comprometendo ainda mais com a observação isenta e científica da realidade. Como o narrador não participa da história, não faz julgamentos baseados na emoção, mas sim na razão e no que está vendo. Outros aspectos importantes da obra são: ➢ Caráter de formação: o livro tem papel inaugural e de formação do Naturalismo no Brasil. ➢ Ascenção social pelo entendimento do meio: as personagens que ascendem socialmente são aquelas que reconhecem o que há de incontrolável nos seres humanos e sabem usar disso no meio social em que se encontram. ➢ Animalização do homem: o homem age movido por instinto e pela pulsão sexual. ➢ Cortiço é personagem: O cortiço reconstruído após incêndio é uma alegoria da sociedade brasileira da época. A sociedade do fim do séc. XIX no Brasil acredita numa visão organizadora a partir de um sistema capitalista articulado, que colocaria uma ordem no ambiente. ➢ Questão étnico-racial: As personagens negras e brancas são descritas de maneira diferente, se filiando a uma ideia determinista de que há uma diferença natural entre negros e brancos. Composição baseada na ciência: a observação e o experimento são o modo como o autor crê que se deve entender a realidade. É observando como os seres humanos se comportam em seus meios e momentos que se é capaz de compreender a sociedade. Pessimismo: há uma visão crítica, pessimista, do homem e da sociedade. Suas personagens são frequentemente animalizadas ou cheias de vícios e a sociedade é hipócrita em todos os níveis, tanto as classes mais baixas quanto as mais altas. Para Azevedo, a crítica não é só às oligarquias, mas ao comportamento da população em geral. Estilo cru na escrita: sem o uso de metáforas ou muitos floreios, Azevedo escreve de maneira seca, crua, sobre a realidade. Tentativa de aproximação do real tanto quanto for possível. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 15 86 3.2 – Realismo X Naturalismo REALISMO NATURALISMO Representava desvios morais Representava desvios sociais e sexuais, mazelas. Romance documental, fotografa a realidade para dar impressão de vida real, psicologismo. Retrato da alta burguesia da segunda metade do século XIX. Romance experimental, que pretende apoiar- se na experimentação científica e numa tese, no determinismo, no evolucionismo, no homem é fruto do meio. Impassibilidade. Narrador em um ângulo neutro, não há interesse em agradar ao público, mas sim em retratar a realidade tal qual ela é. Arte engajada, preocupações políticas e sociais. Seleciona os temas, tem aspirações estéticas. Detém-se nos aspectos mais torpes e degradantes. Reproduz a realidade exterior bem como a interior, por meio da análise psicológica. Centra-senos aspectos externos: atos, gestos, ambientes, personagens e seus instintos, animalização, zoomorfismo. Volta-se para a psicologia, para o indivíduo. Nomes: Dom Casmurro, Quincas Borba, Brás Cubas. Volta-se para o coletivo, para a biologia, a patologia, centra-se mais no social. Retrata e critica as classes dominantes, a alta burguesia. Espelha camadas inferiores: o proletariado, os marginais, o povão. É indireto na interpretação, o leitor tira as suas conclusões: sutil, sugere. É direto na interpretação, expõe conclusões, cabendo ao leitor aceitá-las ou discuti-las: grotesco, mostra. Grande preocupação com o estilo. O estilo é relegado ao segundo plano; no primeiro, há denúncia. Principal autor brasileiro: Machado de Assis Principal autor brasileiro: Aluízio Azevedo Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 16 86 4 - O alienista O alienista foi publicado pela primeira vez no jornal A Estação, entre 15 de outubro de 1881 e 15 de março de 1882, um capítulo por vez. A publicação carioca possuía uma importante seção literária, tendo contado com colaborações não só de Machado de Assis, como de Olavo Bilac, Arthur de Azevedo e Júlia Lopes de Almeida. Ainda no ano de 1882, foi republicado integralmente no livro Papéis avulsos. Por conta disso, há uma discussão acerca do formato do livro: há dúvidas se ele deveria ser considerado um conto ou uma novela. Relembre a diferença entre eles: O alienista possui 13 capítulos e possui um bom número de conflitos, mas, por outro lado, foi publicado em meio a outros contos no livro Papéis Avulsos. Ao longo do tempo, a obra acabou sendo mais comumente conhecida como um conto e, portanto, vamos nos referir a ela nesse material dessa maneira. Alguns pontos devem ser levados em consideração ao longo da leitura desse conto: Conto: Histórias curtas, com apenas um conflito e poucas personagens. Novela: Histórias de tamanho intermediário, com diversos conflitos que se seguem e muitas personagens. • A história se passa no período monárquico brasileiro. Além das referências ao próprio momento brasileiro, há referências a outros momentos históricos. Atente-se principalmente ao entrelaçamento com a Revolução Francesa. Referências históricas • Não se esqueça que Machado de Assis convive com as teorias cientificistas, do século XIX. Há em O alienista uma crítica forte ao entendimento da ciência e da racionalidade como verdades absolutas. Crítica à ciência • O principal traço de estilo de Machado de Assis é a ironia, e ela nem sempre é fácil de identificar. Trata-se de uma figura de linguagem, de uma brincadeira: falar uma coisa e negá-la daqui a pouco. Ela joga com os sentidos contrários. Estilo machadiano • Claro, considerando-se a temática do conto, a loucura é um dado importante a ser analisado. O que torna alguém louco? Como o meio se interpõe nesse sentido? Qual nosso conceito e definição do que é a loucura? Loucura Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 17 86 Estrutura Divisão: 13 capítulos, de tamanhos irregulares. Tempo: descrito como “um tempo remoto”. Duas informações no texto sugerem que se passe no final do século XVIII: - Referências ao vice-rei, cargo semelhante ao de um governador geral, que foi instituído em 1640 e perdurou até a chegada da família real no Brasil, em 1808. - Referência a uma herança de “quatrocentos mil cruzados em boa moeda de El-rei Dom João V”. Dom João V (1689 – 1750) reinou entre 1706 e 1750. - Referência À Revolução Francesa e à queda da Bastilha, em 1789. Espaço: A história se passa na cidade de Itaguaí, no Rio de Janeiro, que fica a 70km da capital. Narrador: O narrador é em 3ª pessoa e onisciente. Personagens principais Dr. Simão Bacamarte Protagonista do conto. Um médico de 34 anos, escrito como “filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas”. Um homem que coloca a racionalidade e a ciência acima de todos os outros valores. Após se aprofundar no estudo da psique humana, retorna a sua cidade com o objetivo de criar um asilo de alienados: espaço em que se possam internar pessoas consideradas loucas. Cria a Casa Verde. D. Evarista Uma mulher de 25 anos, viúva, descrita como “não bonita nem simpática”. Bacamarte se casa com ela na esperança de que ela lhe dê filhos, já que ele a achava apta fisicamente. Isso, no entanto, não acontece. Ela sonhava em poder conhecer outros lugares que não Itaguaí e ter acesso a coisas que não possuía na pequena cidade. Crispim Soares Boticário da vila de Itaguaí. Se torna braço direito de Bacamarte na administração da Casa Verde. É um homem vaidoso, que se orgulha em ser conhecido como amigo de alguém tão importante quanto o médico. É também uma pessoa de pouca coragem, que diante das adversidades deixa a defesa de Bacamarte de lado. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 18 86 Padre Lopes É o vigário da cidade. Tem desconfiança com muitas das ações de Bacamarte. É internado justamente por ser um homem correto demais e com muitas virtudes. Porfírio (barbeiro) Organizador da revolta contra Bacamarte e o asilo. Suas ações não são apenas motivadas por um senso de justiça, mas sim por interesse em ingressar na vida pública como político. É um negociador, que reproduz os modos corruptos do governo assim que chega ao poder. Costa Dentre os internos da Casa Verde é o que representa mais significativamente a mudança na personagem Bacamarte. Um homem que ganhou uma grande herança, mas a desperdiçou rapidamente de maneira perdulária. Por isso, é considerado louco por Bacamarte que acaba por interná-lo com a justificativa que “esse digno homem não estava no perfeito equilíbrio das faculdades mentais, à vista do modo como dissipara os cabedais [que herdara]”. Câmara de vereadores Representam a corrupção e a burocracia que assolava a esfera pública. Os vereadores, que nunca haviam se preocupado com a questão dos loucos, fecham os olhos aos desmandos nas internações porque a Casa Verde não custava dinheiro ao Estado; entrega-se sem resistência quando Porfírio toma o poder; posteriormente, quando voltam ao poder, entregam a Bacamarte o próprio presidente, para livrar-se da possibilidade de internação na Casa Verde. 4.1 - Resumo por capítulo CAPÍTULO I DE COMO ITAGUAÍ GANHOU UMA CASA DE ORATES Dr. Simão Bacamarte retorna ao Brasil após estudo em Coimbra e casa-se com D. Evarista. Bacamarte é interessado no estudo da psique humana e, por isso, propõe a criação do primeiro asilo de alienados da vila de Itaguaí. Ele consegue apoio da Câmara de Vereadores e inaugura a Casa Verde: um hospício, localizado numa bela mansão de janelas verdes. CAPÍTULO II TORRENTES DE LOUCOS Bacamarte, junto a Crispim Soares, passam a administrar o asilo que a cada dia recebe mais loucos, de diferentes lugares. Bacamarte começa a se dedicar a estudar e classificar os tipos de transtornos e seus possíveis tratamentos. CAPÍTULO III DEUS SABE O QUE FAZ D. Evarista está se sentido abandonada pelo marido. Para compensá-la, Bacamarte sugere que ela vá ao Rio de Janeiro. Ela descobre, assim, que o marido estava ganhando muito dinheiro com o asilo e deixa de reclamar da dedicação do marido aos loucos. A esposa de Crispim também vai ao Rio de Janeiro com D. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 19 86 Evarista e a diferença entre os relacionamentos fica clara: enquanto Crispim sofre de saudade de sua esposa, Bacamarte só pensa nos internos do asilo. CAPÍTULO IV UMA TEORIA NOVA Bacamarte formula sua primeira teoria: apenaspodem ser considerados lúcidos aqueles que não possuem desvio algum de comportamento. Apesar de achar a teoria muito radical, Crispim o apoia, chegando a sugerir que a notícia da descoberta deveria ser passada a todos (“caso de matraca”). Ao invés disso, Bacamarte prefere ir direto para a prática. CAPÍTULO V O TERROR Um homem aparentemente saudável é internado no asilo: Costa, considerado louco por ter perdido sua fortuna herdada. A prima de Costa tenta libertá-lo, dizendo que o homem perdera a fortuna por conta de uma maldição. Entendendo que isso também era um sinal de loucura, Bacamarte a enterra também. A população começa a se colocar contra a Casa Verde, chamando-a de cárcere privado. D. Evarista retorna do Rio de Janeiro e Padre Lopes a questiona sobre a superlotação do asilo, na esperança que ela possa interceder junto ao marido. Porfírio, o barbeiro, começa uma sua insurreição contra Bacamarte e o asilo. CAPÍTULO VI A REBELIÃO Porfírio, junto a um grupo de pessoas – que se autodenominam Os Canjicas –, solicita à Câmara de Vereadores que a Casa Verde seja fechada. Somente um vereador, Sebastião Freitas, fica ao lado do barbeiro, que chama o asilo de “Bastilha da razão humana”. Os demais políticos defendem a manutenção do asilo, principalmente porque Bacamarte renunciou ao auxílio financeiro do Estado e agora sustenta a casa com recursos próprios. Porfírio, inflamado pela população, decide derrubar a Casa Verde e vai em manifestação até Bacamarte, que defende o asilo, sem sucesso. Chegam os soldados do vice-rei (referidos como “dragões”) para defender o local. CAPÍTULO VII O INESPERADO Há um confronto entre os dragões e os manifestantes, gerando uma grande confusão. Em determinado momento, uma parte do exército muda de lado e passa a lutar pelos manifestantes. Os demais dragões ficam intimidados em atacar os antigos companheiros e, no meio da briga, Porfírio invade a Câmara e toma o poder para si, nomeando-se “O protetor da vila em nome de Sua Majestade e do povo”. CAPÍTULO VIII AS ANGÚSTIAS DO BOTICÁRIO Crispim, temendo que sua associação com Bacamarte o fizesse ser preso como muitos dos vereadores, se apresenta à Câmara (referida como “Palácio do Governo”) para declarar seu apoio a Porfírio. CAPÍTULO IX DOIS LINDOS CASOS Quando Bacamarte estava pronto para se entregar, Porfírio vem a seu encontro. Ele propõe a continuidade da Casa Verde, pedindo apenas que Bacamarte libertasse algumas pessoas, a fim de acalmar os ânimos da população, revoltada com o conflito que levara à morte de 11 pessoas e deixara 25 pessoas feridas. Bacamarte aceita a proposta, fascinado com os dois casos de insanidade: Porfírio, Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 20 86 que muda de convicções rapidamente; e as pessoas que matam umas às outras tão facilmente, deixando-se levar pelo discurso de outrem. Porfírio garante à população que a ordem será reestabelecida. CAPÍTULO X RESTAURAÇÃO Ignorando o acordo, em cinco dias são levados à Casa Verde cinquenta novos internos, apoiadores do novo governo. João Pina, um barbeiro rival, apoiado pela população que perdera a confiança em Porfírio, dá um golpe e se torna o novo governante da vila. O vice-rei envia uma comitiva para reestabelecer a ordem em Itajaí. A Câmara volta a funcionar e apoia Bacamarte em suas ações. São internadas cada vez mais pessoas, até mesmo Porfírio e Crispim. A própria D. Evarista é internada pelo marido, após ele acreditar que seu interesse demasiado por sua aparência, trajes e tecidos é um sinal de loucura. CAPÍTULO XI O ASSOMBRO DE ITAGUAÍ Inesperadamente, Bacamarte envia um ofício à Câmara comunicando que libertará todos os loucos. Ele chaga à conclusão que sua teoria inicial estava errada: na verdade, a loucura está em ser absolutamente estável e sem desvio algum de comportamento. Há comemoração pela libertação dos loucos. CAPÍTULO XII O FINAL DO § 4º. A Câmara decide analisar o novo ofício de Bacamarte para evitar que haja abuso novamente. No final do parágrafo 4º se encontra a definição do novo conceito de loucura: “perfeito equilíbrio das faculdades mentais”. A Câmara então autoriza vigência de um ano para o ofício, com uma nova cláusula que impedia que os políticos fossem internados. O vereador Galvão se opõe à ideia e, por ter argumentos sensatos e equilibrados, acaba sendo o primeiro a ser internado na nova fase da Casa Verde. Também são internados Padre Lopes e a esposa de Crispim. Ao saber que sua esposa foi levada, Crispim ameaça Bacamarte que o interna também por ser muito sensato. Em cinco meses, apenas 18 pessoas são internadas, o que para Bacamarte demonstra que sua teoria estava correta. Para garantir que só levava os verdadeiramente loucos, Bacamarte bolava testes para medir a racionalidade das ações das pessoas. A população busca apoio a Porfírio para uma nova revolta, mas este se recusa a criar novo conflito – o que faz com que seja internado também por ser um homem equilibrado. CAPÍTULO XIII PLUS ULTRA! Bacamarte se dedica a terapias para curar os desequilíbrios mentais. Seu objetivo era desenvolver nas pessoas sentimento oposto àquilo que fosse sua maior virtude: o vereador Galvão, fez defender um homem desonesto; Padre Lopes, fez traduzir um trecho da Bíblia em grego, mesmo esse não sabendo a língua; e a esposa do boticário, fez perder a fidelidade ao marido, xingando-o e revelando seus segredos. Quando o asilo ficou vazio, chegou a uma conclusão: talvez aquelas pessoas não fossem verdadeiramente loucas e nem ele as tivesse curado, pois isso era pretensão demais. A única pessoa verdadeiramente lúcida e racional naquele local era ele mesmo. Ele pede autorização para a Câmara e ela permite que ele seja internado no asilo. Ele se isola na Casa Verde, sem dar atenção aos pedidos da esposa e do Padre. Ele morreu dezessete meses depois de se internar e foi enterrado com toda a pompa e solenidade. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 21 86 4.2 - Análise Alguns pontos são fundamentais para a análise de O alienista: ➢ A ideia de ciência ➢ A questão da corrupção ➢ A concepção de loucura ➢ O Brasil da época do conto X O Brasil da época em que ele foi escrito Vamos analisar um por um desses aspectos. A ideia de ciência Como você viu anteriormente na aula, o século XIX é um momento de grande empolgação com a ideia de ciência e o pensamento científico. Lembre-se que o fim do século XIX é um momento de surgimento dos estudos das ciências humanas, ou seja, a compreensão do ser humano a partir de uma perspectiva sistematizada. O método científico consiste em: Quadro elaborado pela Profa. Bruna Klassa É exatamente isso que Bacamarte procura fazer: ➢ Estudo sobre a mente humana na faculdade de medicina (Pesquisa sobre o assunto). ➢ Hipótese 1: quem age sem racionalidade é louco (Elaboração da hipótese). ➢ Cria a Casa Verde onde estuda os tipos de loucos (Teste com experimento). Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 22 86 ➢ Não funciona: se todos forem loucos, então ninguém é louco. ➢ Nova teoria: é louco quem sempre age com equilíbrio. ➢ Poucas pessoas se enquadram, portanto a hipótese estava correta. (Resultados apoiam a hipótese). Perceba que três das personagens mais importantes exercem profissões ligadas de algum modo ao exercício da medicina ou à cura de doenças: O embate do pensamento científico, portanto, fica ainda mais evidente: Bacamarte é o único profissional formado em medicina a exercer função ligada à cura. Lembre-se que ele retornou ao Brasil após estudar na faculdade de Coimbra. O fato de ter se formado médico automaticamente lhe garanteautoridade, devido a uma supervalorização do conhecimento científico. Muitos dos tratamentos propostos por um boticário, por exemplo, são fruto de conhecimentos ancestrais, advindos de diferentes povos. Esse conhecimento empírico se torna hierarquicamente inferior ao conhecimento acadêmico. Em nome da ciência e do conhecimento científico justificam-se ações absurdas. Bacamarte começa a prender pessoas que não se enquadram na nossa definição tradicional de loucura. Costa é preso por ser perdulário com suas finanças; Mateus, o albardeiro (pessoa que produz selas para animais), por admirar demais sua casa; Martim Brito, porque fez um poema elogiando D. Evarista, que era considerada feia; sua própria esposa, por gostar demais de vestidos e tecidos. É a crença de que a ciência é uma instância acima das outras que justifica a decisão dos vereadores de não coibir os desmandos de Bacamarte no asilo de alienados. A Câmara recusou aceitá-la, declarando que a Casa Verde era uma instituição pública, e que a ciência não podia ser emendada por votação administrativa, menos ainda por movimentos de rua. (Capítulo VI) Alienista • Na época em que se passa o conto, a profissão psiquiatra - ou mesmo psicólogo - ainda não existe. • O alienista era aquele que tratava dos "alienados", pessoas que por algum motivo eram consideradas inaptas para viver dessassitidas em sociedade: os chamados loucos. Barbeiro • No Brasil, assim como em muitos lugares do mundo, por muito tempo não havia médicos formados em exercício. Quem executava funções ligadas à cura eram os chamados cirurgiões-barbeiros. • No conto, fica claro que esses profissionais ainda atuavam no trecho em que Porfírio hesita em atacar Bacamarte, pois ele lucra com o fornecimento de sangue-sugas para tratamento dos alienados. Boticário • Uma espécie de farmacêutico. São profissionais que conhecem o uso dos medicamentos - inclusive partidos de origem natural - como utilizá-los e quais as consequências do uso. • Assim como o barbeiro, são aquilo que se chamam "práticos": não possuem formação acadêmica para tal, mas exercem alguma profissão. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 23 86 Machado de Assis promove uma crítica ao cientificismo nesse conto. Há um processo em curso na época de sacralização da ciência, ou seja, uma ideia de que a ciência é a única que pode explicar a vida. As principais correntes de pensamento ligadas à valorização da ciência no século XIX são: Bacamarte se casa com D. Evarista porque, segundo ele, ela “reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes”. Ele também afirma que como ela era “mal composta de feições”, ou seja, era feia, não iria distraí-lo dos interesses da ciência. Apesar de escolher sua esposa com base em critérios puramente científicos, eles não conseguem ter filhos, provando que nem sempre a ciência pode explicar ou prever tudo. Esse é um dos elementos que demonstra, já no primeiro capítulo, que a ideia de ciência como verdade absoluta será questionada nesse conto. Positivismo Sistema criado por Auguste Comte (1798- 1857). Considera a ciência como modelo por excelência do conhecimento humano em detrimento das especulações metafísicas ou teológicas. Tudo deveria ser explicado e organizado pelo conhecimento científico. É uma visão positiva, de uma evolução sempre para o melhor na sociedade. Darwinismo social Aplicação não justificada cientificamente do conceito de seleção natural de Charles Darwin (1809-1882) na compreensão das relações humanas. A análise social é feita pelo ótica da luta e da lei do mais forte ou do mais apto. Assim, não só na natureza como na sociedade, o mais forte venceria e o mais fraco pereceria. Determinismo Princípio segundo o qual todos os fenômenos, inclusive sociais, estão ligados entre si por rígidas relações de causalidade e leis universais que excluem o acaso, a indeterminação e a liberdade. Segundo essa ideia, o homem é determinado pela raça, pela história e pelo ambiente. Racismo científico ou biológico Crença pseudocientífica de que existem evidências que justificam a superioridade de uma raça sobre outra. Usando como critério o desenvolvimento da escrita e da ciência, os europeus acreditavam que os brancos eram superiores; e os negros e indígenas, inferiores por não terem nem escrita nem técnicas ditas "sofisticadas". Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 24 86 A questão da corrupção Outra questão importante para o desenvolvimento da história em O alienista é a postura dos trabalhadores, tanto do serviço público quanto privado. A Câmara dos Vereadores se mostra, em diversos momentos, menos preocupada com o bem comum e mais preocupada com sua própria manutenção. Isso fica particularmente claro no capítulo “O final do § 4º”. Quando Bacamarte apresenta novo ofício para a modificação da definição de loucura para os futuros internos da Casa Verde, é tomada uma decisão que salvaguarda os políticos de serem encarcerados: O vereador Freitas propôs também a declaração de que, em nenhum caso, fossem os vereadores recolhidos ao asilo dos alienados: cláusula que foi aceita, votada e incluída na postura apesar das reclamações do vereador Galvão. (Capítulo XII) Essa postura demonstra que os vereadores tinham a consciência de que a Casa Verde poderia extrapolar suas funções novamente, tornando-se um lugar de expressão autoritária. Para garantir que eles não passassem pela situação de ser internados ou mantidos, como muitos falam ao longo do conto, “em cárcere privado”, eles criam uma cláusula que os protege. O restante da população, porém, fica à mercê da decisão de Bacamarte. Outra situação que demonstra bem a questão da corrupção na esfera pública é a postura de Porfírio ao chegar ao poder. Se antes de dar o golpe que o transforma no autointitulado “Protetor da vila em nome de Sua Majestade e do povo”, Porfírio era a favor do fechamento do asilo, depois que chega ao poder, muda de postura, considerando enganar o povo: — Engana-se Vossa Senhoria, disse o barbeiro depois de alguma pausa, engana-se em atribuir ao governo intenções vandálicas. Com razão ou sem ela, a opinião crê que a maior parte dos doidos ali metidos estão em seu perfeito juízo, mas o governo reconhece que a questão é puramente científica e não cogita em resolver com posturas as questões científicas.. Demais, a Casa Verde é uma instituição pública; tal a aceitamos das mãos da Câmara dissolvida. Há entretanto—por força que há de haver um alvitre intermédio que restitua o sossego ao espírito público. (...) —O pasmo de Vossa Senhoria, atalhou gravemente o barbeiro, vem de não atender à grave responsabilidade do governo. O povo, tomado de uma cega piedade que lhe dá em tal caso legítima indignação, pode exigir do governo certa ordem de atos; mas este, com a responsabilidade que lhe incumbe, não os deve praticar, ao menos integralmente, e tal é a nossa situação. A generosa revolução que ontem derrubou uma Câmara vilipendiada e corrupta, pediu em altos brados o arrasamento da Casa Verde; mas pode entrar no ânimo do governo eliminar a loucura? Não. (Capítulo IX) Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 25 86 Porfírio derruba a antiga Câmara com o discurso de que ela era corrupta e vil, porém ao chegar ao governo, se comporta do mesmo modo que os antecessores que tanto criticava: com negociações e discursos para enganar o povo. Ao invés de fechar a Casa Verde, como prometera na revolução, Porfírio negocia com Bacamarte a manutenção do local. Ele nãodesagrada aquele que entende-se ser uma pessoa com poder e influência. Aqueles que se colocam como os grandes opositores da corrupção são os mesmos que a praticam na primeira oportunidade. Não é só na esfera pública, porém, que se encontra o comportamento desonesto. O comportamento de Crispim também demonstra a volatilidade moral, ou seja, a facilidade com que muda de opinião e postura de acordo com as conveniências. Em dois momentos principalmente vemos essa postura em Crispim: ➢ Quando Crispim deixa de lado seu apoio a Bacamarte, que até então tinha sua admiração incondicional, receando que sua associação pudesse trazer-lhe malefícios após a revolução. Uma ideia traz outra; o boticário imaginou que, uma vez preso o alienista, viriam também buscá-lo a ele na qualidade de cúmplice. Esta ideia foi o melhor dos vesicatórios. Crispim Soares ergueu-se, disse que estava bom, que ia sair; e, apesar de todos os esforços e protestos da consorte, vestiu- se e saiu. Os velhos cronistas são unânimes em dizer que a certeza de que o marido ia colocar-se nobremente ao lado do alienista consolou grandemente a esposa do boticário; e notam com muita perspicácia o imenso poder moral de uma ilusão; porquanto, o boticário caminhou resolutamente ao palácio do governo e não à casa do alienista. Ali chegando, mostrou-se admirado de não ver o barbeiro, a quem ia apresentar os seus protestos de adesão, não o tendo feito desde a véspera por enfermo. (Capítulo VIII) ➢ Quando sua esposa é levada ao asilo e Crispim, mesmo aparentando amá-la muito, não a visita por medo de ser internado junto. Queria viver com a mulher, mas temia voltar à Casa Verde; e nessa luta esteve algum tempo, até que D. Evarista o tirou da dificuldade, prometendo que se incumbiria de ver a amiga e transmitiria os recados de um para outro. Crispim Soares beijou-lhe as mãos agradecido. Este último rasgo de egoísmo pusilânime pareceu sublime ao alienista. (Capítulo XII) Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 26 86 A concepção de loucura O primeiro asilo de alienados no Brasil foi inaugurado em 1852. Denominado Hospício de Pedro II, em homenagem ao imperador brasileiro na época, ele era ligado à Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, local onde até então ficavam os considerados loucos ou inaptos para a conivência social. Machado de Assis, portanto, dialoga com esse momento histórico: quando O alienista foi escrito, fazia apenas 30 anos que o hospício havia sido fundado. Preste atenção a esses sinônimos utilizados no texto: Esses termos aparecem ao longo do texto sempre representando a Casa Verde. O verde é uma cor comum na literatura fantástica e no sobrenatural. No século XIX, havia ainda um comoção em torno da ideia de que a composição do pigmento verde podia ser letal ao ser humano por conter Tálio e Arsênio, metais pesados, “marcados principalmente por conduzirem à morte depois de longo período de delírios, loucuras, sonhos e outros sintomas que combinam com as diversas temáticas do Fantástico. Nevroses famosas estiveram ligadas a estes cinco elementos como as de Mozart, Henrique VIII e Napoleão Bonaparte” (PAULA JÚNIOR, 2011, p. 135). Diante do contexto em que Machado de Assis escreve a obra, não é gratuito, portanto, que as janelas do hospício sejam verdes. Ironicamente, a própria cor das janelas poderia ser a responsável por enlouquecer as pessoas. Denota a ideia de que o encarceramento na casa pode ser responsável por enlouquecer alguém são. A própria concepção do que é loucura varia ao longo do conto. Se num primeiro momento, Bacamarte crê que são loucos todos aqueles que cometerem algum ato desequilibrado, posteriormente ele crê o oposto: que os loucos são aqueles que nunca cometem nenhum ato de loucura. Não se sabia já quem estava são, nem quem estava doido. (Capítulo V) Casa de Orates Asilo de alienados Hospício Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 27 86 SAÚDE MENTAL O termo “saúde mental” tem entrado no nosso vocabulário e se tornou popular entre as pessoas mais jovens devido a uma série de acontecimentos. Segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade1. Para a ONU, a saúde mental é mais do que a ausência de transtornos mentais, como ansiedade (também chamado de transtorno de ansiedade generalizado), depressão, transtorno bipolar etc. É o bem-estar físico, mental e social. Não é apenas uma questão clínica: fatores socioeconômicos podem influenciar numa perda da saúde mental. Esse assunto dialoga com O alienista e pode ser um possível tema de redação este ano. Veja alguns tópicos que podem ajudar você a se aprofundar nesse assunto: Atualidades - Tiroteio na escola em Suzano: debate sobre a saúde mental entre os jovens. - Abuso de medicação como ansiolíticos e antidepressivos. - Relação com as drogas: a discussão da internação compulsória a dependentes químicos. Filmes Bicho Sete cabeças Nise, o coração da loucura Método perigoso (2000) (2015) (2011) Livro - Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex, sobre o Hospital Colônia de Barbacena, em MG. Clipe - AmarElo, de Emicida com Majur e Pabllo Vittar. 1 Disponível em: <https://pensesus.fiocruz.br/saude-mental> Acesso em 02 jul.2019. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 28 86 Veja o que diz o crítico Antonio Cândido sobre a questão da loucura em O alienista: Quanto ao problema da loucura, podemos citar o conto O ALIENISTA, elaborado segundo uma estrutura chamada de “ampulheta”. Um médico funda um hospício para os loucos da cidade e vai diagnosticando todas as manifestações de anormalidade mental que observa. Aos poucos o hospício se enche; dali a tempos já tem a metade da população; depois quase toda ela, até que o alienista sente que a verdade, em consequência, está no contrário da sua teoria. Manda então soltar os internados e recolher a pequena minoria de pessoas equilibradas, porque, sendo exceção, esta é que é realmente anormal. A minoria é submetida a um tratamento de segunda alma: cada um é tentado por uma fraqueza, acaba cedendo e se equipara deste modo à maioria, sendo libertado, até que o hospício se esvazia de novo. O alienista percebe então que os germes de desequilíbrio prosperaram tão facilmente porque já estavam latentes em todos; portanto, o mérito não é da sua terapia. Não haveria um só homem normal, imune às solicitações das manias, das vaidades, da falta de ponderação? Analisando-se bem, vê que é o seu caso; e resolve internar-se, só no casarão vazio, onde morre meses depois. E nós percebemos: quem era louco? Ou seriam todos loucos, caso em que ninguém o é? CANDIDO, 2017, p. 24-25 (adaptado) O problema é que aquilo que parece desequilibrado para uma pessoa não é necessariamente para outra. O modo mais fácil de perceber isso é quando se analisam as diferenças culturais. No Japão é muito comum que se comam gafanhotos, enquanto no Brasil isso é considerado um hábito estranho. O normal e o anormal nem sempre são tão facilmente diferenciados. Além disso, é importante perceber que as intenções de Bacamarte não estão ligadas a um ideal humanitário, ou seja, a um desejo de ajudar o próximo. Sua intenção é a realização de uma análise científica e a criação de algo que ainda nãohavia no Brasil: Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção,— o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada, ou quase inexplorada. (Capítulo I) (...) menos por caridade do que por interesse científico. (Capítulo II) No seu afã de compreender a mente humana, catalogar e descobrir os “tipos de loucura”, Bacamarte acaba sendo ele próprio internado. Bacamarte morre sozinho na Casa Verde. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 29 86 O Brasil da época do conto X O Brasil da época em que ele foi escrito Ao ler O alienista é preciso que se atente ao fato de que ainda que produza uma crítica ao pensamento do século XIX, o conto se passa no século XVIII. A principal demonstração do pensamento do século XVIII no conto é a referência à Revolução Francesa. A Revolução Francesa representa uma transformação da política e das relações de poder, tornando a burguesia a protagonista dos governos. Inspirada pelo Iluminismo, movimento cultural e filosófico nascido na Europa ligado à burguesia crescente na época, a Revolução Francesa culminou no fim da monarquia absolutista francesa. Sua principal característica era a defesa dos direitos naturais e humanos, principalmente o direito à vida, liberdade e propriedade privada, além da crença na igualdade entre os homens e nas leis da natureza mais do que nas religiões. Essa referência aparece explicitamente no seguinte trecho: Seguramente o alienista podia estar em erro, mas nenhum interesse alheio à ciência o instigava; e para demonstrar o erro, era preciso alguma coisa mais do que arruaças e clamores. Isto disse o presidente, com aplauso de toda a Câmara. O barbeiro, depois de alguns instantes de concentração, declarou que estava investido de um mandato público e não restituiria a paz a Itaguaí antes de ver por terra a Casa Verde—"essa Bastilha da razão humana"—expressão que ouvira a um poeta local e que ele repetiu com muita ênfase. (Capítulo VI) A queda da Bastilha é um dos símbolos mais importantes da Revolução Francesa: ela marca, em 14 de julho, o início da revolução em si. A Bastilha era uma prisão política. Além de conter arsenal militar necessário aos revolucionários, ela também personificava as arbitrariedades do poder absolutista em Paris. À porta da prisão, o prefeito de Paris tentou negociar com a população, porém, foi morto e decapitado ali mesmo. Figura 2 - A queda da Bastilha em 14 de Julho de 1789, Charles Thévenin (1793), Metropolitan Museum, Nova Iorque. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 30 86 No conto, a população faz um movimento semelhante: organiza uma revolta popular para derrubar aquilo que entende é um símbolo do autoritarismo, a Casa Verde. Assim como o prefeito de Paris, Bacamarte tenta negociar com a população à porta da “prisão”. Diferente do prefeito, porém, Bacamarte não perde a cabeça (literalmente): os dragões do exército vêm para salvá-lo. Outra referência histórica é o próprio nome dado à revolta popular: Revolta dos Canjicas. Entretanto a arruaça crescia. Já não eram trinta mas trezentas pessoas que acompanhavam o barbeiro, cuja alcunha familiar deve ser mencionada, porque ela deu o nome à revolta; chamavam-lhe o Canjica—e o movimento ficou célebre com o nome de revolta dos Canjicas. A ação podia ser restrita—visto que muita gente, ou por medo, ou por hábitos de educação, não descia à rua; mas o sentimento era unânime, ou quase unânime, e os trezentos que caminhavam para a Casa Verde,—dada a diferença de Paris a Itaguaí,—podiam ser comparados aos que tomaram a Bastilha. (Capítulo VI) O Brasil durante os século XVIII e XIX passa por uma série de insurgências locais. Algumas são mais conhecidas, como a Inconfidência Mineira, outras menos. Ficaram mais populares as revoltas cujos objetivos eram a separação do Brasil da coroa portuguesa. No entanto, houve muitas outras revoltas de menor expressão e atuação local. Essas pequenas revoltas não tinham o objetivo de separar-se de Portugal, mas sim de propor uma melhor administração à colônia. Isso ocorreu, muitas vezes, porque as determinações legais nem sempre dialogavam com os desejos da população, ou seja, as leis nem sempre estavam alinhadas com os desejos da população. Isso também ocorre em O alienista. Apesar das demandas populares pelo fechamento do asilo de alienados, a Câmara não dá atenção. A população entende, então, que para que possa ser atendida deve ela própria resolver o assunto. Ela, no entanto, é coibida pelos soldados do vice-rei. Apesar de possivelmente se passar na virada do século XVIII para o século XIX, a obra apresenta mais fortemente os questionamentos do final do século XIX. Lembre-se que a crítica ao cientificismo é característica dessa época. Machado de Assis, possivelmente, opta por colocar a história mais longe do presente para manter seu ar fantástico, de caso presente nas crônicas históricas. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 31 86 4.3 – Características do Realismo e de Machado de Assis na obra • Há uma análise dos aspectos psicológicos que guiam as personagens. • A preocupação com a mente humana e sua constituição aparece no conto também de maneira crítica. Aspectos psicológicos das personagens • Diferente do Romantismo, as personagens não são idealizadas, mas apresentadas em seus defeitos e falhas. • Perceba que o poeta que produziu uma figura idealizada de D. Evarista é considerado louco e internado na Casa Verde. Ausência da idelização • Machado de Assis costuma fazer capítulos curtos, muitas vezes contendo apenas um parágrafo ou uma frase. Percebe-se no conto que não há regularidade no tamanho dos capítulos. Capítulos curtos • Há uma crítica à hipocrisia das classes abastadas do Brasil da época, materializada na falsidade com que os mais políticos realizam ações de cunho social: seu objetivo é apenas se mostrar socialmente, não promover o bem do próximo. O hospício não é criado para ajudar as pessoas, mas sim para mostrar que eles faziam algo pelos loucos. • O próprio Bacamarte cria o hospício para fins de estudo e pesquisa, não para promover o bem. Crítica social • O narrador machadiano dialoga com o leitor, muitas vezes adivinhando-lhe os pensamentos ou buscando seu favor, dizendo coisas que ele crê que o leitor quer ouvir, para mantê-lo favorável a si. Inferências do narrador • Principal característica das narrativas de Machado de Assis. • Não é tão fácil de identificar. Exige leitura atenta. Ironia • A linguagem do realismo, apesar de comprometida com a norma culta, é simplificada. • Há interesse em reproduzir a linguagem das pessoas do dia a dia de modo a retratá-las melhor. Linguagem clara Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 32 86 5 – Exercícios Antes de começar nossas questões, alguns avisos: ➢ Esse livro nunca foi pedido numa prova do ITA antes. Por isso, buscamos questões de outros vestibulares que tenham modelo semelhante ao das questões cobradas pelo ITA. ➢ Lembre-se que as provas do ITA cobram muita verificação de leitura, portanto saber detalhes da obra é fundamental para responder às questões. ➢ Há questões de repertório sobre Romantismo e Naturalismo, envolvendo outras obras, para ajudar você a fixar as características dos movimentos literários. Vamos lá? 5.1 – Lista de exercícios 1. (FUVEST – 2019) I. Cinquenta anos! Não era preciso confessá‐lo. Já se vai sentindo que o meu estilo não é tão lesto*como nos primeiros dias. Naquela ocasião, cessado o diálogo com o oficial da marinha, que enfiou a capa e saiu, confesso que fiquei um pouco triste. Voltei à sala, lembrou‐me dançar uma polca, embriagar-me das luzes, das flores, dos cristais, dos olhos bonitos, e do burburinho surdo e ligeiro das conversas particulares. E não me arrependo; remocei. Mas, meia hora depois, quando me retirei do baile, às quatro da manhã, o que é que fui achar no fundo do carro? Os meus cinquenta anos. *ágil II. Meu caro crítico, Algumas páginas atrás, dizendo eu que tinha cinquenta anos, acrescentei: “Já se vai sentindo que o meu estilo não é tão lesto como nos primeiros dias”. Talvez aches esta frase incompreensível, sabendo‐se o meu atual estado; mas eu chamo a tua atenção para a sutileza daquele pensamento. O que eu quero dizer não é que esteja agora mais velho do que quando comecei o livro. A morte não envelhece. Quero dizer, sim, que em cada fase da narração da minha vida experimento a sensação correspondente. Valha‐me Deus! É preciso explicar tudo. Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas. A passagem final do texto II – “Valha‐me Deus! é preciso explicar tudo.” – denota um elemento presente no estilo do romance, ou seja, a) o realismo, visto no rigor explicativo dos fatos. b) a religiosidade, que se socorre do auxílio divino. c) o humor, capaz de relativizar as ideias. Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 33 86 d) a metalinguagem, que imprime linearidade à narração. e) a ironia, própria do discurso positivo. 2. (UERJ - 2019) Violência e psiquiatria O tipo de violência que aqui considerarei pouco tem a ver com pessoas que utilizam martelos para golpear a cabeça de outras, nem se aproximará muito do que se supõe façam os doentes mentais. Se se quer falar de violência em psiquiatria, a violência que brada, que se proclama em tão alta voz que raramente é ouvida, é a sutil, tortuosa violência perpetrada pelos outros, pelos “sadios”, contra os rotulados de “loucos”. Na medida em que a psiquiatria representa os interesses ou pretensos interesses dos sadios, podemos descobrir que, de fato, a violência em psiquiatria é sobretudo a violência da psiquiatria. Quem são porém as pessoas sadias? Como se definem a si próprias? As definições de saúde mental propostas pelos especialistas ou estabelecem a necessidade do conformismo a um conjunto de normas sociais arbitrariamente pressupostas, ou são tão convenientemente gerais – como, por exemplo, “a capacidade de tolerar conflitos” – que deixam de fazer sentido. Fica- se com a lamentável reflexão de que os sadios serão, talvez, todos aqueles que não seriam admitidos na enfermaria de observação psiquiátrica. Ou seja, eles se definem pela ausência de certa experiência. Sabe-se, porém, que os nazistas asfixiaram com gás dezenas de milhares de doentes mentais, assim como dezenas de milhares de outros tiveram seus cérebros mutilados ou danificados por sucessivas séries de choques elétricos: suas personalidades foram deformadas, de modo sistemático, pela institucionalização psiquiátrica. Como podem fatos tão concretos emergir na base de uma ausência, de uma negatividade – a compulsiva não loucura dos sadios? De fato, toda a área de definição de sanidade mental e loucura é tão confusa, e os que se arriscam dentro dela são tão aterrorizados pela ideia do que possam encontrar, não só nos “outros” como também em si mesmos, que se deve considerar seriamente a renúncia ao projeto. DAVID COOPER Adaptado de Psiquiatria e antipsiquiatria. São Paulo: Perspectiva, 1967. O ensaio do médico David Cooper, publicado em 1967, e “O alienista”, de 1882, questionam a psiquiatria com argumentos semelhantes, embora com tipos de textos distintos. Esses textos possuem os seguintes traços que os distinguem, respectivamente: a) descrição e teorização b) argumentação e narração c) ambiguidade e causalidade d) particularização e generalização Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 34 86 3. (UERJ - 2019) Ao final do texto “Violência e psiquiatria”, David Cooper introduz um comentário a respeito da fronteira entre sanidade e loucura. Esse comentário dialoga com questão fundamental de “O alienista”, apresentada no seguinte trecho: a) Os loucos por amor eram três ou quatro, mas só dois espantavam pelo curioso do delírio. (capítulo II) b) a vila inteira ficou abalada com a notícia de que a própria esposa do alienista fora metida na Casa Verde. (capítulo X) c) Não só findaram as queixas contra o alienista, mas até nenhum ressentimento ficou dos atos que ele praticara; (capítulo XII) d) Alguns chegam ao ponto de conjecturar que nunca houve outro louco, além dele, em Itaguaí; (capítulo XIII) 4. (UERJ - 2019) O texto literário recorre com frequência a “índices” que anunciam reviravoltas posteriores no enredo, preparando os leitores para o que ainda vai acontecer. O índice que melhor anuncia e prepara o final de “O alienista” está presente em: a) Ao cabo daqueles cinco anos, pessoas que levavam o chapéu ao chão, logo que ele assomava no fim da rua, agora batiam-lhe no ombro, (capítulo V) b) D. Evarista era a esperança de Itaguaí; contava-se com ela para minorar o flagelo da Casa Verde. Daí as aclamações públicas, a imensa gente que atulhava as ruas, (capítulo V) c) Nada tenho que ver com a ciência; mas se tantos homens em quem supomos juízo são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é o alienista? (capítulo VI) d) Morra o Dr. Bacamarte! Morra o tirano!, uivaram fora trezentas vozes. Era a rebelião que desembocava na Rua Nova. (capítulo VI) 5. (UERJ - 2019) Em 1879, Machado de Assis escreve o artigo “A nova geração”, no qual sustenta a tese de que o Realismo “não presta para nada”. “O alienista” expõe essa mesma tese sob a forma ficcional, já que o personagem Dr. Bacamarte pode ser compreendido, em relação ao Realismo, como: a) resgate b) exaltação c) caricatura d) divulgação Profa. Celina Gil Aula 02 Literatura ITA Aula 01 – Realismo e Naturalismo + O alienista www.estrategiaconcursos.com.br 35 86 6. (FUVEST - 2018) O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não estacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se* discussões e rezingas**; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra. Da porta da venda que dava para o cortiço iam e vinham como formigas; fazendo compras. Duas janelas do Miranda abriram-se. Apareceu numa a Isaura, que se dispunha a começar a limpeza da casa. – Nhá Dunga! gritou ela para baixo, a sacudir um pano de mesa; se você tem cuscuz de milho hoje, bata na porta, ouviu? Aluísio Azevedo, O cortiço. * ensarilhar-se: emaranhar-se. ** rezinga: resmungo. Uma característica do Naturalismo presente no texto é: a) forte apelo aos sentidos. b) idealização do espaço. c) exaltação da natureza. d) realce de aspectos raciais. e) ênfase nas individualidades. Leia o trecho do conto “Pai contra mãe”, de Machado de Assis (1839-1908), para responder às questões 7 a 9: A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha de flandres. A máscara fazia perder
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