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IDP - INSTITUTO BRASILIENSE DE DIREITO PÚBLICO EDB - Escola de Direito de Brasília PROPOSTA DE GRUPO DE PESQUISA “DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL” E PROJETO DE PESQUISA PARA O BIÊNIO 2014-2015 EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS Prof. Dr. Fábio L. Quintas Brasília, DF - 2014 1. Do Grupo de Pesquisa: objetivos e composição Destaca Eduardo Ferrer MacCregor1 que, na perspectiva do Direito Constitucional, duas são as abordagens que têm se firmado para estudar as interconexões entre processo e constituição: i) a de matiz europeia, que se desenvolve ao redor do conceito de jurisdição constitucional; e ii) a de matiz latino-americana, que se forma a partir do conceito de direito processual constitucional. Sem desconsiderar a circunstância de, no Brasil, ter se difundido a denominação jurisdição constitucional para delimitar esse campo de pesquisa, constata-se hoje a crescente preocupação a respeito da necessidade de “uma aproximação maior entre os constitucionalistas e os cultivadores do processualismo científico, a fim de estudar mais profundamente e de maneira integral as matérias que correspondem às zonas de confluência entre ambas as disciplinas e que têm relação direta com a função do organismo judicial”2. Trabalhar sob a perspectiva do direito processual constitucional pode colaborar para enfrentar essa preocupação, aprofundando a reflexão sobre o exercício da jurisdição constitucional no âmbito do Poder Judiciário, os influxos aos quais estão submetidos os juízes e tribunais no controle judicial de constitucionalidade, voltado à garantia da Constituição e dos direitos fundamentais. Tendo como antecedente histórico e doutrinário o advento do controle de constitucionalidade nos Estados Unidos (com o julgamento paradigmático de Marbury x Madison, em 1803), os trabalhos de Hans Kelsen sobre o defensor da Constituição e a instituição do Tribunal Constitucional austríaco, entende-se que o direito processual constitucional encontra sua primeira expressão nos trabalhos do jurista espanhol Niceto Alcalá-Zamora y Castillo (1946) e sua primeira descrição conceitual nos trabalhos do jurista mexicano Hector Fix Zamudio, que buscará desenvolver e sistematizar o direito processual constitucional como disciplina jurídica a partir de 19553, identificando como seu objeto de estudo as garantias previstas na Constituição para sua defesa4. 1 MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Direito Processual Constitucional: ordem científica (1928-1956). Curitiba: Juruá, 2009. p. 19. 2 FIX-ZAMUDIO, Hector; e VALENCIA CARMONA, Salvador. Derecho constitucional mexicano y comparado. 5ª. Ed., México: Porrúa-UNAM, 2007, p. 227 apud MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Direito Processual Constitucional: ordem científica (1928-1956). Curitiba: Juruá, 2009. p. 23. 3 ALCALÁ, Humberto Nogueira. El Derecho Procesal Constitucional a inicios del siglo XXI en América Latina. In: Estudios Constitucionales, Año 7, nº 1, 2009, Centro de Estudios Constituionales de Chile, Universidad de Talca, pp. 13-58. 4 MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Direito Processual Constitucional: ordem científica (1928-1956). Curitiba: Juruá, 2009. pp. 100-101. Em linha semelhante, Humberto Nogueira Alcalá5, seguindo o entendimento de Néstor Sagües, sustenta que o direito processual constitucional é uma disciplina de caráter processual, que assume como temas centrais a magistratura constitucional e os processos constitucionais (no que se convencionou chamar de jurisdição constitucional). Para a disciplina, eis o programa sugerido por Humberto Nogueira Alcalá6: I. Parte Geral. Na qual se examinariam, dentre outros aspectos, o conceito de Constituição, a supremacia constitucional, as formas de defesa da Constituição, pressupostos de um sistema de jurisdição constitucional, modelos de controle de constitucionalidade, tipos de magistratura constitucional, as competências da magistratura constitucional (considerando a jurisdição constitucional orgânica e a de proteção dos direitos fundamentais); classificação das sentenças constitucionais e intepretação constitucional. II. A Magistratura constitucional, que cuidaria de investigar o estatuto jurídico dos juízes constitucionais, tipos de magistratura (juízes ordinários, salas especializadas, tribunais constitucionais), competências, as sentenças constitucionais, tipos, efeitos e sua execução. III. Os processos judiciais constitucionais, que estudaria o habeas corpus, as formas de proteção dos direitos fundamentais (amparo), o habeas data, os mecanismos de controle preventivo e repressivo de inconstitucionalidade, os controles das omissões inconstitucionais e os processos coletivos. Fix-Zamudio, propondo uma perspectiva mais abrangente para o direito processual constitucional, entende que a disciplina, além de investigar a jurisdição constitucional orgânica, a respeito das formas de defesa da Constituição (seja no controle de constitucionalidade das leis, seja nos conflitos entre órgãos estatais) e a jurisdição constitucional das liberdades, que se refere às garantias constitucionais dos direitos fundamentais, deve também examinar a jurisdição constitucional supranacional, em que se analisam os tribunais internacionais que tutelam os direitos humanos e as jurisdições supranacionais e internacionais de integração entre os Estados7. Domingo García Belaunde8 considera o direito processual constitucional como uma disciplina processual que estuda os mecanismos operativos e instrumentais para a defesa da Constituição, que pode ser desenvolvido a partir da trilogia estrutural do processo: ação, jurisdição e processo, para se estudar, como objeto da disciplina: 5 El Derecho Procesal Constitucional a inicios del siglo XXI en América Latina. In: Estudios Constitucionales, Año 7, nº 1, 2009, Centro de Estudios Constituionales de Chile, Universidad de Talca, pp. 13-58. 6 ALCALÁ, Humberto Nogueira, El Derecho Procesal Constitucional a inicios del siglo XXI en América Latina. In: Estudios Constitucionales, Año 7, nº 1, 2009, Centro de Estudios Constituionales de Chile, Universidad de Talca, pp. 33-34. 7 FIX-ZAMUDIO, Héctor. Introducción al Derecho Procesal Constitucional, Fundap-Colegio de Secretarios de la Suprema Corte de Justicia de la Nación A.C., Quéretaro, México, 2002, pp. 66-79. 8 BELAUNDE, Domingo García. Derecho Procesal Constitucional. Bogotá, Editorial TEMIS, 2001. i) a jurisdição constitucional – para investigar se é factível o questionamento, sob o prisma constitucional, da atividade estatal, em especial a atividade legislativa, pelo próprio Estado9; ii) os órgãos constitucionais (magistratura constitucional) – assumindo como factível o controle, para investigar qual o órgão incumbido de conhecer do conflito constitucional e de realizar esse controle10; iii) os processos (e ações) constitucionais, para investigar a legitimidade das partes para recorrer aos órgãos do Estado para realizar o controle de constitucionalidade, seja na perspectiva da defesa da liberdade individual e de outros direitos fundamentais (processo constitucional das liberdades), seja na perspectiva da proteção da Constituição em face das leis e demais normas que pretendam afrontá-la (processos constitucionais orgânicos)11. Belaunde propõe, então, o seguinte programa de estudos para o direito processual constitucional12: I. Jurisdição constitucional. Para estudar a capacidade de dizer o direito em matéria constitucional, apreciando os seguintes aspectos:i) o valor jurídico da Constituição; ii) o controle de constitucionalidade e seu alcance; iii) sistemas de controle de constitucionalidade (difuso, concentrado, misto); iv) a sentença constitucional; e v) interpretação constitucional. II. Processos constitucionais. Cabe aqui distinguir entre os processos que nascem na Constituição de forma expressa (para tutelar valores ou princípios constitucionais) daqueles outros mecanismos, de caráter incidental, que servem para proteger a constitucionalidade (capacidade, por exemplo, de o juiz afastar a aplicação da lei inconstitucional). A disciplina deveria cuidar apenas do primeiro aspecto. III. Magistratura constitucional. Esse tema desenvolve uma faceta da jurisdição, pertinente à definição dos órgãos que têm a atribuição de resolver conflitos constitucionais. Como órgãos (ou magistrados) constitucionais, Belaunde fala de: i) magistratura ordinária (que pode ou não ser especializada), ii) Tribunais Constitucionais (autônomos ou não do Poder Judiciário); e iii) Salas Constitucionais (que operam no interior da Suprema Corte, dentro do Poder Judiciário). Belaunde considera, ainda, que não se deve integrar à disciplina os conteúdos processuais que se extraem da Constituição, naquilo que Fix-Zamudio chamou de direito constitucional processual, que englobaria as discussões pertinentes a: i) jurisdição; ii) garantias judiciais; e iii) garantias processuais das partes. Isso porque, para Belaunde, a questão da jurisdição integra o direito constitucional. As garantias judiciais constituem tema de direito constitucional ou de direito processual comum. As garantias processuais são estudadas no direito constitucional (direitos 9 BELAUNDE, Domingo García. Derecho Procesal Constitucional. Bogotá, Editorial TEMIS, 2001. pp. 16- 21. 10 BELAUNDE, Domingo García. Derecho Procesal Constitucional. Bogotá, Editorial TEMIS, 2001. pp. 16- 21. 11 BELAUNDE, Domingo García. Derecho Procesal Constitucional. Bogotá, Editorial TEMIS, 2001. pp. 21- 23. 12 BELAUNDE, Domingo García. Derecho Procesal Constitucional. Bogotá, Editorial TEMIS, 2001. pp. 185- 189. fundamentais) ou nos institutos do direito processual comum. Belaunde não identifica déficit de compreensão desses temas que justifique a sua inserção no âmbito de uma nova disciplina. Se assim fosse, conclui o autor, dever-se-ia falar do surgimento de outras disciplinas como direito constitucional civil, direito constitucional do trabalho e direito constitucional tributário etc.13 A realidade brasileira – considerando o nosso contexto constitucional, teórico, legislativo e jurisprudencial que cerca o tema do controle de constitucionalidade (que muito se desenvolveu, sob o pálio da Constituição de 1988) – admite pensar as formas definidas pela Constituição para proteger a si própria e os direitos fundamentais com maior especificidade. Gilmar Ferreira Mendes, por exemplo, apresenta o seguinte programa para a disciplina Jurisdição Constitucional14: I. Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade. Teoria da Jurisdição constitucional. Jurisdição Constitucional e Democracia. Tipos de inconstitucionalidade. Origens e fundamentos do Controle de Constitucionalidade. Sistemas de Jurisdição Constitucional no Direito Comparado. Sistema difuso anglo-americano. Sistema concentrado europeu-continental. Novas fronteiras da Jurisdição Constitucional: América Latina, Ásia, África e Europa oriental. Modelo brasileiro de controle da constitucionalidade. A superação da dualidade sistema americano/sistema europeu de controle da constitucionalidade. Jurisdição Constitucional no Direito Comparado. II. Controle de constitucionalidade difuso. Origens históricas do controle de constitucionalidade difuso. Evolução do controle de constitucionalidade nos Estados Unidos. Principais características do sistema difuso de controle da constitucionalidade. Evolução histórica do controle de constitucionalidade difuso no Brasil. O papel do stare decisis no sistema americano e as consequências de sua ausência no sistema brasileiro. Pressupostos objetivos e subjetivos do controle difuso na Constituição Federal de 1988. O controle incidental perante os juízes de primeiro grau. O controle incidental perante os Tribunais e perante o Superior Tribunal de Justiça. O controle incidental perante o Supremo Tribunal Federal. Instituto da Reserva de Plenário. A participação do Senado Federal: a mutação constitucional do art. 52, X/CF. III. Controle de constitucionalidade concentrado. Origem histórica do Controle Concentrado da Constitucionalidade: a doutrina de Hans Kelsen. Evolução no Direito brasileiro. Características do sistema concentrado de controle da constitucionalidade na Constituição Federal de 1988. Expansão da legitimidade ativa enquanto superação do monopólio do Procurador-Geral. Caráter plural do controle concentrado de constitucionalidade: amicus curiae e audiências públicas. Aspectos processuais e procedimentais do controle concentrado nas Leis 9.868/99 e 9.882/99. Ações constitucionalmente previstas no âmbito do controle concentrado. IV. Técnicas de decisão no controle de constitucionalidade perante as cortes constitucionais e no Supremo Tribunal Federal. O binômio inconstitucionalidade/nulidade. A declaração de nulidade da lei. Declaração de nulidade parcial. Declaração de nulidade sem redução de texto. A superação do binômio inconstitucionalidade/nulidade. Interpretação conforme a Constituição. 13 BELAUNDE, Domingo García. Derecho Procesal Constitucional. Bogotá, Editorial TEMIS, 2001. pp. 190- 192. 14 Conforme programa da disciplina “Jurisdição Constitucional”, ministrada pelo Prof. Dr. Gilmar Ferreira Mendes no curso de mestrado em “Constituição e Sociedade” do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, em 2012. Declaração de constitucionalidade de lei ainda constitucional. Declaração de inconstitucionalidade de caráter restritivo ou limitativo. Aplicação da lei inconstitucional. Apelo ao legislador. Modulação de efeitos. Decisões manipulativas de eficácia aditiva e a superação do paradigma do legislador negativo. Sob o enfoque que se pretende conferir ao estudo do assunto, pensando o problema na perspectiva do direito processual constitucional, é possível pensar, em linhas gerais, o seguinte plano de estudo: I. Parte Geral: a jurisdição constitucional. O valor jurídico da Constituição. O controle de constitucionalidade, o controle judicial de constitucionalidade, seu objeto e alcance. Sistemas de controle de constitucionalidade (difuso, concentrado, misto). Interpretação constitucional. II. Magistratura constitucional. Definição dos órgãos que têm atribuição de resolver conflitos constitucionais. A natureza e a função do Supremo Tribunal Federal no exercício da jurisdição constitucional. A natureza e a função da magistratura ordinária (juízes e tribunais) no exercício da jurisdição constitucional. A inter-relação entre os órgãos incumbidos do exercício da jurisdição constitucional. A relação entre a magistratura constitucional e os demais Poderes. III. Processos Constitucionais. Análise dos processos previstos na Constituição para a sua defesa e para a tutela dos direitos fundamentais. Ação Direta de Inconstitucionalidade por ação e omissão. Ação Declaratória de Constitucionalidade. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Representação Interventiva. A defesa da constituição no controle difuso de constitucionalidade em gênero. Mandado de Segurança. Mandado de Injunção. Habeas Data. Habeas Corpus. Ação Popular. Recurso Extraordinário. Dentro desse plano, pretende-sedesenvolver no Grupo de Pesquisa, temas relacionados ao estudo dos limites constitucionais da jurisdição, naquilo que diga respeito ao que pode ser decidido pelo Poder Judiciário e a forma que deve ser seguida para a tomada de decisão. O foco do Grupo de Pesquisa se volta, portanto, à análise daquilo que se convencionou chamar de ativismo judicial15, prática do Poder Judiciário que busca se legitimar a partir de uma expansão da jurisdição constitucional. O Grupo de Pesquisa tem como pesquisador responsável o Prof. Dr. Fábio L. Quintas, contará também com a coordenação do Prof. Me. Lucas Daniel Chaves de Freitas e será formado por aproximadamente 20 pesquisadores. São elegíveis para participar do grupo de pesquisa alunos da graduação, da pós-graduação lato sensu e do mestrado da Escola de Direito de Brasília do IDP. Poderão ser também admitidos pesquisadores externos. Os interessados em participar do Grupo devem encaminhar currículo para o e- mail fabioquintas@idp.edu.br, indicando como assunto: Grupo de Pesquisa. 15 Elival da Silva Ramos define ativismo judicial como “o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos)” (Ativismo Judicial. Parâmetros Dogmáticos. São Paulo: Saraiva, 2010. pp. 129 e 308.) Em conformidade com as normas da EDB/IDP, as atividades do grupo exercidas por graduandos em Direito da instituição poderão ser computadas como atividades complementares e aquelas exercidas por mestrandos em Direito da instituição poderão ser computadas como estágio docente (nos termos em que for admitido pelo Professor Orientador). 2. Projeto de Pesquisa para o biênio 2014-2015 2.1. Introdução: a jurisdição constitucional na efetivação dos direitos sociais No Brasil, parte relevante da nossa prática constitucional é exercida pelos juízes e Tribunais ordinários, atuando no âmbito do controle difuso de constitucionalidade. No âmbito do arcabouço institucional oferecido pelo modelo difuso de controle de constitucionalidade, considerando o fortalecimento da Constituição na regulação da sociedade contemporânea e a incorporação aos estatutos constitucionais dos direitos sociais, e, por fim, a partir de uma leitura do paradigma do Estado Constitucional, o Poder Judiciário (juízes e Tribunais) tem ampliado sua atuação sobre os demais órgãos do Estado, assumindo protagonismo na concretização da Constituição, destacando-se, no particular, na implementação dos direitos sociais. Nessa leitura, que se popularizou no Brasil, o Poder Judiciário pode até mesmo assumir extraordinariamente a formulação e a implementação de políticas públicas “se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático” (STF, ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello, 29/4/2004, p. 2). Essa visão também impregna certa prática processual, como aquela defendida por Luiz Guilherme Marinoni, para quem a função jurisdicional, compreendida como aquela destinada à tutela dos direitos, impõe “o dever de aplicar a lei na dimensão dos direitos fundamentais, fazendo sempre o resgate dos valores substanciais neles contidos. Tutelar os direitos, em outros termos, é aplicar a lei, diante das situações concretas, a partir dos direitos fundamentais. É o atuar a lei na medida das normas constitucionais e dos valores nelas encerrados”16. 16 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 7ª ed. São Paulo: RT, 2013, p. 149. Para realizar uma reflexão crítica dessa prática constitucional dos juízes e Tribunais na concretização da Constituição e dos direitos (sociais) nela garantidos, duas perspectivas ainda pouco exploradas na literatura pátria podem trazer luzes para a matéria: a dos estudos empíricos acerca do desempenho do Poder Judiciário na efetivação dos direitos sociais e na implementação de políticas públicas; a advinda do direito comparado sobre esse problema constitucional atinente ao papel do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais. De um lado, examinar os efeitos concretos da intervenção do Poder Judiciário na efetivação dos direitos sociais, a partir de dados empíricos, constitui certamente um parâmetro relevante de análise. Para tanto, é relevante verificar os resultados que a intervenção judicial tem alcançado na tutela do direito individual reivindicado e na estruturação das políticas públicas. O direito constitucional comparado também pode permitir examinar diferentes perspectivas de enfrentamento da questão, considerando diversas possibilidades de engajamento do Poder Judiciário na promoção do Estado Constitucional. Pretende-se, assim, identificar padrões de julgamento dos juízes e tribunais em questões constitucionais que envolvam a implementação de políticas públicas destinadas a assegurar direitos sociais, em diversos Países. 2.2. Objetivos O projeto de pesquisa que se apresenta insere-se num objetivo mais amplo de compreender o significado do controle de constitucionalidade hoje praticado no Brasil pelos juízes e Tribunais. Assume-se que, para lidar com os desafios atuais da jurisdição constitucional, tem pouco valor explicativo a ideia de que os direitos fundamentais têm aplicação imediata (que conduz à conclusão apressada de que o Poder Judiciário teria capacidade de enunciá-los) se adota o sistema misto de controle de constitucionalidade (o que leva à conclusão de que todo juiz é uma pequena Suprema Corte, porque dotado de competência para apreciar questões de constitucionalidade). A pesquisa em destaque tem como objetivos acadêmicos específicos: i. fazer um exame crítico dos resultados alcançados com a intervenção judicial em políticas públicas para garantir direitos sociais no Brasil, com destaque para a área de saúde e acesso a medicamentos; ii. verificar padrões de julgamento de constitucionalidade em direitos sociais em outros sistemas jurídicos (em princípio, considerar EUA, Portugal, Espanha e África do Sul e países da América Latina), examinando-se a origem e a prática constitucional nos países selecionados relativas ao controle (difuso) de constitucionalidade (panorama histórico do controle de constitucionalidade, fundamentos teóricos para o controle judicial de constitucionalidade atos dos agentes dos Poderes dos diversos agentes de governo (em todas as esferas), os limites do poder de controle de constitucionalidade, a efetivação dos direitos sociais por meio do Poder Judiciário); 2.3. Roteiro de desenvolvimento Como já destacado, a pesquisa a ser desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa se realizará em dois eixos (que constituem, cada um deles, projetos de pesquisa autônomos): i) pesquisa empírica, que examinará processos judiciais em trâmite no Distrito Federal no qual se postula o acesso a medicamentos em face do Estado; e ii) pesquisa em direito comparado, que buscará identificar o papel desempenhado pelo Poder Judiciário em outras jurisdições na tutela dos direitos sociais. Essas duas etapas serão antecedidas de período de estudo voltado a nivelamento dos pesquisadores do grupo, para permitir que todos os pesquisadores tenham adequada compreensãodo objeto da pesquisa e dominem os conceitos e ferramentas teóricas básicos para o seu desenvolvimento. 2.3.1. A pesquisa empírica: a intervenção judicial em políticas públicas de saúde em números (Projeto de Pesquisa A) Sob a justificativa de realizar o controle de políticas públicas implementadas, o Poder Judiciário hoje tem atuado com a desenvoltura de um agente definidor e executor de políticas públicas, extraindo diretamente da Constituição o direito do autor da ação judicial de obter determinado medicamento, tratamento médico ou outra prestação específica. Ao assim agir, o Poder Judiciário fica sujeito a críticas a respeito de (i) seu déficit de conhecimento, pois os juízes não têm capacidade de traduzir as pretensões gerais dos direitos sociais em tutelas judiciais específicas, equivalentes àquelas que se derivam das liberdades constitucionais, em vista do seu conteúdo indeterminado), (ii) sua incapacidade de atuar no planejamento orçamentário e (iii) uma interferência indevida nas funções dos órgãos democraticamente eleitos ou tecnicamente mais preparados para tratar do assunto17. 17 DAVIS, D. M. Social-Economic Rights (Chapter 49). In: ROSENFELD, Michel. SAJÓ, András (org.). The Oxford Handbook of Comparative Constitutional Law (Oxford Handbooks in Law), Oxford University Press, USA, 2012. p. 1.023 Não obstante isso, a pergunta que hoje se impõe não é se o juiz pode ou não intervir na implementação de políticas públicas, mas sim como o juiz deve se conduzir nessa intervenção, estabelecendo condições, limites e possibilidades para tanto. Essa perspectiva se insere numa discussão mais ampla, a respeito da função que o Poder Judiciário deve desempenhar na ordem política democrática, haja vista que o problema da conformação dos direitos sociais se insere também na problemática da separação de Poderes. Não basta, dessa forma, condenar a judicialização dos direitos sociais, que, se bem direcionada, tem aptidão de incrementar a ação política e administrativa, identificando pontos de desenvolvimento e correção de políticas públicas, estabelecendo uma fiscalização. Serve também para proteger políticas sociais contra litigantes cujas pretensões calcadas em interesses comerciais ou direitos individuais18. Afastando-se desse dilema entre judicializar ou não os direitos sociais, é premente hoje a análise dos efeitos do modelo de prestação judicial praticado no Brasil na tutela dos direitos sociais. Para tanto, é útil investigar, empiricamente, o impacto da intervenção judicial nas políticas públicas e na proteção dos direitos fundamentais. No campo da saúde, se identificam com facilidade as condições e os desafios que se anunciaram para a intervenção judicial em políticas públicas para dar efetividade a direito social por meio de tutela judicial que visa a obter determinado tratamento terapêutico ou acesso a algum medicamento. A favor da ampla intervenção judicial na realização do direito à saúde, argumenta- se que os processos judiciais servem para corrigir falhas no sistema público de saúde. Defende-se, ainda, que as demandas judiciais refletem a maturação de um amplo movimento cívico para realizar o direito à saúde no Brasil. Questionando a legitimidade dessa intervenção, afirma-se que a intervenção judicial mina os esforços governamentais de distribuição farmacêutica, aumentando a desigualdade no acesso e incentivando o uso irracional de medicamentos, no âmbito do sistema público de saúde. Sustenta-se, igualmente, uma associação delicada entre as demandas judiciais e a indústria farmacêutica, que se vale do Judiciário como veículo para vender medicamentos de alto custo, cuja eficácia pode ser questionável e a prescrição generalizada injustificada19. 18 KING, Jeff. Judging social rights. New York: Cambridge University Press, 2012, pp. 51-55. 19 BIEHL, João; AMON, Joseph J.; SOCAL, Mariana P.; PETRYNA, Adriana. Between the court and the clinic: Lawsuits for medicines and the right to health in Brazil. In: Health and Human Rights, volume 14, n. 1, June 2012. São esses argumentos que se pretendem confrontar com estudos empíricos a serem realizados a partir de dados detidos pela Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal – SES/DF. A parte da pesquisa relacionada ao estudo empírico será desenvolvida em conjunto com o Grupo de Pesquisa liderado pelo pesquisador doutor Einstein Francisco de Camargos, do Centro de Medicina do Idoso do Hospital Universitário de Brasília e por até 12 pesquisadores da graduação, da pós-graduação e do mestrado e, eventualmente, pesquisadores externos. 2.3.2. A pesquisa em direito comparado: a efetivação de direitos sociais pelo Poder Judiciário (Projeto de Pesquisa B) A expansão das democracias constitucionais a partir da década de 1990, no modelo da jurisdição constitucional, e a internacionalização dos direitos humanos iniciada após a II Guerra Mundial são fatores que colaboraram para ampliar a importância do direito constitucional no mundo. Além disso, o desenvolvimento da comunicação global, o reconhecimento de que há problemas constitucionais comuns a vários países e o incremento do intercâmbio entre juízes, profissionais e acadêmicos para a troca de experiências constitucionais indicam a importância do engajamento em estudos comparativos a respeito do constitucionalismo, sem olvidar os desafios desse projeto, como, por exemplo, a necessidade de ligar cada contexto constitucional às instituições políticas e às práticas constitucionais de cada país20. No âmbito da jurisdição constitucional, é comum que os estudos estejam concentrados nas práticas constitucionais dos Tribunais Constitucionais, identificando a composição das Cortes, as formas de acesso a esses Tribunais e as suas técnicas decisórias, havendo atualidade e relevância, por isso, na pesquisa que se volta a examinar especificamente a função dos Juízes e Tribunais no exercício da jurisdição constitucional, em geral, e na efetivação dos direitos sociais, em específico. A partir da análise das práticas judiciais estrangeiras, pode-se assumir como possível a judicialização das políticas públicas para a concretização dos direitos sociais, fugindo no entanto do ideal do juiz como um provedor primário de direitos sociais, para pensar o Judiciário exercendo uma função de provedor secundário, assegurando que procedimentos justos foram adotados tanto na alocação quanto na prestação de quaisquer benefícios decorrentes de direitos sociais21. Exemplo dessa perspectiva de atuação judicial é 20 DORSEN, Norman; ROSENFELD, Michel; SAJÓ, András; BAER, Susanne. Comparative Constitutionalism: cases and materials. 2nd edition. USA: West, 2010, pp. 1-6. 21 D. M. Davis. Social-Economic Rights (Chapter 49). In: ROSENFELD, Michel. SAJÓ, András (org.). The Oxford Handbook of Comparative Constitutional Law (Oxford Handbooks in Law), Oxoford University Press, USA, 2012. p. 1.026. encontrado na Suprema Corte da República da África do Sul, que, ao lidar com o grande desafio de dar concretude aos direitos sócio-econômicos estabelecidos em sua Constituição de 1996, conformou jurisprudência que se tornou uma referência mundial para essa discussão. Modelos da espécie podem ter a virtude de evitar uma alocação seletiva de benefícios, fortalecer a responsabilidade política e garantir a implementação dos direitos sociais de forma ampla22. De todo modo, é certo que efetivação dos direitos sociais é um problema global do constitucionalismo e a investigação em direito comparado tem o condão deiluminar a reflexão sobre as práticas judiciais brasileiras na efetivação dos direitos sociais. A parte da pesquisa relacionada ao direito comparado terá como pesquisadores responsáveis o Prof. Dr. Fábio Lima Quintas e o Prof. Me. Lucas Daniel Chaves de Freitase será desenvolvida por até 12 pesquisadores da graduação, da pós-graduação e do mestrado e, eventualmente, pesquisadores externos. 3. Estratégia de ação, metas e cronograma de atividades As duas pesquisas do Grupo DPC se desenvolverão, inicialmente, com a realização de discussões de textos da bibliografia básica. Um pesquisador do grupo será responsável por elaborar uma resenha do texto e realizar uma apresentação. Poderão ser desenvolvidos seminários e conferências. Finalizada a etapa de nivelamento, serão desenvolvidas em separado as duas pesquisas, com leituras iniciais obrigatórias, sucedidas pela elaboração de textos pelos pesquisadores e apresentações. Ao final desse ciclo, os subgrupos responsáveis pelo desenvolvimento das duas pesquisas serão reunidos para apresentação dos resultados. Cada integrante do Grupo DPC deverá elaborar um artigo científico sobre um dos temas desenvolvidos. Os textos deverão ser debatidos com os demais integrantes do grupo. Os artigos serão, posteriormente, publicados em revista eletrônica do IDP. 3.1. Subgrupo A – Pesquisa “direito à saúde em números” 22 QUINTAS, Fábio Lima. Efetividade dos direitos sociais sem assistencialismo judicial, CONJUR, Observatório Constitucional, 8 de fevereiro de 2014, disponível em http://www.conjur.com.br/2014-fev- 08/observatorio-constitucional-direitos-sociais-assistencialismo-judicial (último acesso em 14 de setembro de 2014). A parte da pesquisa relacionada ao estudo empírico será desenvolvida em conjunto com o Grupo de Pesquisa liderado pelo pesquisador doutor Einstein Francisco de Camargos, do Centro de Medicina do Idoso do Hospital Universitário de Brasília e por até 20 pesquisadores da graduação, da pós-graduação e do mestrado e, eventualmente, pesquisadores externos. No âmbito do IDP, esse (sub)Grupo de Pesquisa será liderado pelo Prof. Dr. Fábio L. Quintas, com o auxílio dos Pesquisadores-mestrandos Lara Corrêa e Thiago Tajra. 3.2. Subgrupo B –Pesquisa “efetivação dos direitos sociais pelo Poder Judiciário no direito comparado” No âmbito do IDP, esse (sub)Grupo de Pesquisa será liderado pelo Prof. Dr. Fábio L. Quintas, contará com a coordenação compartilhada com o Prof. Me. Lucas Daniel Chaves de Freitas e terá o auxílio dos Pesquisadores-mestrandos Tagore Fróes e Regis Leite. A pesquisa será desenvolvida por até 12 pesquisadores da graduação, da pós- graduação e do mestrado e, eventualmente, pesquisadores externos. 4. Cronograma O cronograma pode ser assim expresso, considerando a carga horária associada a cada atividade programada (para o 2ºsemestre de 2014): Data Grupo Atividade Carga Horária (preparação + reunião) 1ª etapa – nivelamento 25/10 (sábado) 9h às 11h Geral Apresentação: juízes- administradores? Uma reflexão sobre a efetivação dos direitos sociais no Estado Democrático de Direito (Fábio Quintas) 4h/a 8/11 (sábado) 9h às 11h Geral Discussão texto 1: Cappelletti, Juízes legisladores? 4h/a 22/11 (sábado) 9h às 11h Geral Discussão texto 2: ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid: Editorial Trotta, 2002. Cap.1 4h/a 6/12 (sábado) Geral Discussão texto 2: 4h/a 9h às 11h ABRAMOVICH; COURTIS, 2002. Cap.2 13/12 (sábado) 9h às 11h Geral Discussão texto 2: ABRAMOVICH; COURTIS, 2002. Cap.3 4h/a
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