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Filtração Glomerular e Hemodinâmica Renal Introdução Os rins exercem importantes funções homeostáticas no organismo: excreção de substâncias, regulação do equilíbrio eletrolítico, regulação do equilíbrio ácido-básico, regulação do volume e da osmolaridade do líquido extracelular (LEC) e secreção de hormônios (renina, eritropoetina e 1,25- diidroxicolecalciferol). Os rins recebem normalmente 20% do débito cardíaco, o que representa, aproximadamente, um fluxo sangüíneo de 1000 a 1200 mL/min para um homem de 70-75 Kg. Este alto fluxo é ainda mais significativo se considerado pelo peso dos rins, cerca de 300 gramas. Assim, o fluxo sangüíneo por grama de rim é de cerca de 4 ml/min, um fluxo 5 a 50 vezes maior que em outros órgãos. Quando o fluxo sangüíneo renal entra nos capilares glomerulares, uma porção desse sangue é filtrada para o espaço de Bowman da seguinte forma: dos 600 mL de plasma que chegam aos rins por minuto, somente 120 mL são filtrados nos glomérulos. Este líquido filtrado (chamado de ultrafiltrado) contém água e pequenos solutos do sangue, mas não contém os elementos figurados do sangue (hemácias, leucócitos, plaquetas) nem proteínas ou macromoléculas. As forças responsáveis pela filtração glomerular são semelhantes às forças que operam nos capilares sistêmicos – as forças de Starling. Contudo, existem características físicas da parede glomerulocapilar que determinam tanto o ritmo de filtração glomerular como as características do ultrafiltrado. Assim, durante o processo de filtração glomerular, o plasma atravessa 3 camadas: 1. Endotélio: barreira formada pelas células endoteliais. Nessa camada, existem poros de 70 a 100 nanômetros de diâmetro. São poros relativamente grandes que deixam passar líquidos, solutos dissolvidos e proteínas plasmáticas. Contudo, os poros não são suficientemente grandes para passagem de células sangüíneas. 2. Membrana Basal: apresenta 3 camadas → a lâmina rara interna que é aderida ao endotélio; a lâmina densa, que se localiza na região central e é uma estrutura bastante compacta; e a lâmina rara externa que se encontra aderida às células epiteliais. A membrana basal tem uma estrutura complexa e ordenada, não deixando passar proteínas plasmáticas. 3. Epitélio ou podócitos: a camada de células epiteliais que consiste em células especializadas chamadas de podócitos e estão acopladas à membrana basal pelos processos pediculados (pedicelos). Entre os pedicelos adjacentes existem as fendas de filtração, constituindo uma importante barreira de filtração. Além dessas três barreiras impostas pelos espaços para filtração, existe a presença de glicoproteínas carregadas negativamente. Elas estão presentes no endotélio, na membrana basal e nas células epiteliais. Assim, macromoléculas carregadas negativamente são repelidas pelas cargas negativas das membranas. Para pequenos solutos, o efeito da carga na filtração não é importante. Forças de Starling e a Filtração Glomerular Como nos capilares sistêmicos, as pressões que comandam o movimento de líquidos através da parede capilar glomerular são as pressões de Starling ou forças de Starling. Tomando-se um determinado ponto do capilar glomerular, o ritmo de filtração glomerular (RFG) é definido pela seguinte relação: Então, sabendo-se que: ΔPh = PCG – PEB e Δπ = πCG - πEB Onde: PCG : Pressão hidrostática no capilar glomerular; PEB : Pressão hidrostática no espaço de Bowman; πCG : Pressão oncótica no capilar glomerular; πEB : Pressão oncótica no espaço de Bowman. A equação do ritmo de filtração glomerular pode ser Em virtude de a concentração de proteínas no ultrafiltrado glomerular ser extremamente baixa, o valor de πEB é considerado nulo. Assim: Onde, (PCG – PEB ) – πCG , é igual a pressão efetiva de ultrafiltração (PEUF). Esta é a força propulsora responsável pela ultrafiltração glomerular. RFG = Kf (ΔPh – Δπ) Onde: - RFG: ritmo de filtração glomerular - Kf: coeficiente de ultrafiltração - ΔPh: gradiente de pressão hidrostática transcapilar - Δπ: gradiente de pressão oncótica transcapilar RFG = Kf [(PCG – PEB ) – (πCG - πEB)] RFG = Kf [(PCG – PEB ) – πCG] Para saber mais... O néfron é a unidade funcional do rim. Ele é constituído pelo corpúsculo renal (glomérulo e cápsula de Bowman) e os túbulos renais que formam o túbulo proximal, alça de Henle, túbulo distal e ducto coletor. O trabalho de milhões de néfrons resulta na formação da urina. Cerca de 20 % do plasma que atinge o rim são ultrafiltrados pelos glomérulos, levando à formação de 100 a 120 mL/min de ultrafiltrado em média. Entretanto, apenas 1 a 2 mL por minuto são eliminados como urina, e o restante é reabsorvido da luz tubular para o espaço peritubular. Ao lado deste intenso processo de reabsorção temos outro, igualmente importante, o de secreção tubular. Este se caracteriza pelo transporte de substâncias do espaço peritubular (vasos e interstício) para a luz tubular. Este processo permite a excreção urinária de substâncias que não passaram pela barreira dos capilares glomerulares. Portanto, a formação da urina resulta de três processos: (1) filtração glomerular; (2) reabsorção tubular; (3) secreção tubular. Podemos observar, então, que a pressão hidrostática no capilar glomerular é uma força que favorece a filtração glomerular. Já a pressão hidrostática no espaço de Bowman e a pressão oncótica no capilar glomerular são forças que se opõem à filtração. Além disso, a filtração glomerular também depende do coeficiente de ultrafiltração (Kf). O coeficiente de ultrafiltração (Kf) está relacionado com a permeabilidade efetiva da parede capilar e com a superfície total disponível para filtração. Assim: Kf = A ∙ P A: área P: permeabilidade hidráulica. Medida da Filtração Glomerular A quantidade de plasma filtrado por minuto pode ser determinada pela depuração plasmática de um marcador que: (1) pode ser livremente filtrado através dos capilares glomerulares, sem restrições de tamanho ou de carga; (2) não pode ser reabsorvido nem secretado pelo túbulo renal; e (3) quando em infusão, não altere o RFG. A inulina é o marcador mais adequado para tais especificações. Ela é um polímero de frutose que não se liga às proteínas plasmáticas, não é modificada, é livremente filtrada e não é reabsorvida nem secretada pelas células tubulares. O clearance ou depuração de inulina é igual ao RFG, como é mostrado na seguinte equação: Onde: - RFG : ritmo de filtração glomerular (mL/min) - Cin : clearance de inulina (mL/min) - Uin : concentração urinária de inulina (mg/mL) - Pin : concentração plasmática de inulina (mg/mL) - V : fluxo urinário (mL/min) O clearance de inulina é muito utilizado para estudos experimentais e clínicos, porém, é pouco utilizado na prática médica diária, devido à necessidade de infusão plasmática contínua de inulina. Por esta razão, na avaliação médica rotineira, geralmente se utiliza o clearance de creatinina que é uma substância endógena, não precisa ser infundida, é livremente filtrada através dos capilares, contudo, também é secretada em pequenas quantidades. Fração de Filtração (FF) É um parâmetro freqüentemente utilizado para caracterizar a função renal. A FF é a fração do fluxo plasmático renal (FPR) que é filtrada através dos capilares glomerulares. O valor da FF normalmente é de 20 %, ou seja, 20% do plasma que chega aos rins são filtrados nos glomérulos. Regulação da Circulação Renal A constricção ou a dilatação arteriolarmanifesta-se dependendo de fatores intra-renais, humorais e neurogênicos agindo na arteríola aferente e/ou eferente. Este aumento ou diminuição da resistência vascular altera tanto a filtração glomerular (RFG) como o fluxo sangüíneo renal (FSR). Nas situações discutidas a seguir, considera-se que não há variação na pressão de perfusão renal. O FSR pode ser definido ou representado a partir da seguinte relação: RFG = Cin = [Uin] ∙ V [Pin] Assim, uma queda da resistência na arteríola aferente aumenta o FSR e também aumenta RFG, pois há aumento na PhCG (pressão hidrostática no capilar glomerular). O aumento da resistência na arteríola aferente diminui o FSR (como pode ser observado na equação anterior) e, como a PhCG cai, também diminui o RFG. Entretanto, quando a resistência é alterada predominantemente ou somente na arteríola eferente, ocorrem variações contrárias no FSR e RFG. Uma queda na resistência da arteríola eferente aumenta o FSR (observe a equação de FSR), porém agora, devido à queda simultânea da PhCG, o RFG será reduzido. Quando a resistência na arteríola eferente é elevada, o FSR cai, enquanto RFG aumenta devido à elevação da PhCG (isso ocorre num primeiro momento). Usualmente, as variações do FSR e RFG não são proporcionais. Então, alterações na resistência das arteríolas que afetam a relação entre o RFG e o FPR modificam a FF. → Sistema Nervoso Simpático É um dos mais importantes reguladores do FSR e do RFG. O sistema nervoso simpático inerva as arteríolas aferentes e eferentes, e sua estimulação causa constrição de ambas as arteríolas. Em geral, a estimulação simpática moderada causa uma diminuição do FSR (e, conseqüentemente do FPR) e uma queda relativamente menor do RFG, determinando um aumento da FF (lembrar que FF = RFG/FPR). Entretanto, uma forte estimulação simpática, como ocorre no trauma ou choque hemorrágico, pode aumentar a soma nas resistências nas duas arteríolas o suficiente para diminuir intensamente o FSR e cessar o RFG. → Auto-regulação do FSR e do RFG O fenômeno da auto-regulação no rim é demonstrado quando a pressão arterial renal varia entre 80 e 200 mmHg. Um aumento da pressão de perfusão é acompanhado por um quase equivalente aumento da resistência vascular, tornando-se o FSR quase que inalterado (lembrar que FSR = ΔP/R). Neste intervalo de pressão (entre 80 e 200 mmHg), o RFG também se mantém constante e isto sugere que a modificação da resistência ocorre predominantemente na arteríola aferente (FSR e RFG variam num mesmo sentido). A auto-regulação persiste nas seguintes situações: - após completa desnervação renal; - após retirada da medula adrenal (prevenindo a produção de catecolaminas); - no rim isolado in vitro e perfundido com plasma. Portanto, a auto-regulação é um fenômeno renal intrínseco que mantém constantes o FSR e RFG quando a pressão arterial renal varia entre 80 e 200 mmHg. Existem duas teorias que explicam essa auto-regulação: a teoria miogênica e o feedback túbulo-glomerular. Teoria Miogênica: aumentos na pressão de perfusão arterial renal estiram as paredes das arteríolas aferentes (aumento do raio do vaso) que respondem se contraindo. A contração arteriolar aferente leva a um aumento da resistência arteriolar aferente. O aumento na resistência equilibra o aumento na pressão de perfusão arterial, e o FSR é mantido relativamente constante. O contrário existe quando há uma queda na pressão de perfusão. O mecanismo de contração induzido pelo estiramento envolve a abertura dos canais de cálcio operados por voltagem (causada pela FSR = ΔP R FSR = fluxo sangüíneo renal ΔP = diferença entre as pressões hidrostáticas na artéria e na veia renal R = resistência vascular (preferencialmente a soma das resistências arteriolares aferente e eferente) despolarização da membrana da célula muscular lisa), ocorrendo entrada de cálcio do meio extra para o meio intracelular. A elevação deste íon no citosol deflagra a fosforilação da miosina, resultando em contração da célula muscular lisa. Feedback Túbulo-glomerular: quando ocorre uma elevação da pressão arterial renal, há aumento do FSR e da pressão hidrostática do capilar glomerular. Estas alterações causam um aumento no RFG, elevando-se o fluxo de fluido ao túbulo distal. O aumento da oferta de fluido a este segmento sensibiliza a mácula densa (uma parte do aparelho justaglomerular que detecta alteração do volume e composição do fluido tubular distal), que ativa mecanismos efetores, aumentando a resistência pré-glomerular, reduzindo o FSR, a pressão hidrostática do capilar glomerular (PhCG) e, por conseguinte, o RFG. Assim, estes parâmetros retornam aos seus níveis normais (ocorre, então, a auto-regulação). Quando cai o fluxo na região da mácula densa, aumentam PhCG e RFG. Existem duas incógnitas referentes ao mecanismo de resposta túbulo- glomerular: 1ª Qual componente do líquido tubular é identificado pela mácula densa? Os candidatos mais prováveis são o Na+, Cl-, ou a quantidade de NaCl. 2ª Que substância vasoativa é liberada pelo aparelho justaglomerular para agir localmente na arteríola aferente? Podendo ser através do sistema renina-angiotensina, da adenosina, do ATP ou de algum prostanóide. Renina e Angiotensina O sistema renina-angiotensina-aldosterona tem papel central não só no balanço de Na+ e água, mas também através da angiotensina II, na regulação do FSR e do RFG. A renina, hormônio secretado pelo aparelho justaglomerular, está envolvida na formação da angiotensina II. Tanto a angiotensina II sistêmica quanto a produzida localmente influenciam a circulação renal. Ela é um potente vasoconstritor das arteríolas aferente e eferente; assim, ela diminui o FSR e, em altas concentrações, também o RFG. Fatores Endoteliais As células endoteliais são unidades metabólicas dinâmicas que possuem receptores e enzimas acopladas às suas membranas. Estas enzimas formam ou degradam substâncias vasoativas autócrinas ou parácrinas, na dependência de atuarem na mesma célula onde são produzidas ou em células adjacentes, respectivamente. Estes fatores endoteliais podem ser classificados em dois grupos: - Os fatores relaxantes derivados do endotélio: óxido nítrico e a prostaciclina que relaxam o músculo liso vascular. - Os fatores contráteis derivados do endotélio: endotelina, tromboxano e angiotensina II que contraem o músculo liso vascular. As prostaglandinas, particularmente a PGE2 e a PGI2 (prostaciclina) são vasodilatadores importantes que agem principalmente moderando os efeitos da forte estimulação vasoconstritora ao rim causada pelo aumento do tônus simpático ou pela angiotensina II. Células Mesangiais São células especializadas, localizadas no aparelho justaglomerular e no glomérulo. Contêm mecanismos contráteis que podem ser ativados pela maioria dos elementos que afetam a resistência das arteríolas, com conseqüente redução da área filtrante e do Kf. Dessa forma, o RFG pode ser regulado, em parte, por essas células. OBS.: O aparelho justaglomerular é constituído pelas células justaglomerulares, pela mácula densa (detectam variação de volume e composição do fluido tubular distal) e pelas células mesangiais. Questões dirigidas (utilize o texto acima e a bibliografia indicada para responder as seguintes questões): Fisiologia Renal: estrutura renal; hemodinâmica renal e filtração glomerular 1. Descreva as principais funções dos rins. 2. Identifique a unidade funcional do rim. 3. Caracterize as partes que constituem o néfron. 4. Reconheça as partes que constituemo glomérulo. 5. Reconheça e caracterize as barreiras de filtração. 6. Caracterize a formação do ultrafiltrado. 7. Reconheça o papel das forças ou pressões de Starling na filtração glomerular. 8. Caracterize a inulina. 9. Explique a relação entre o ritmo de filtração glomerular (RFG) e o clearance de inulina. 10. Reconheça a inulina como marcador ideal para determinação do ritmo de filtração glomerular. 11. Descreva o papel da resistência nas arteríolas aferentes e eferentes na regulação do fluxo sangüíneo renal e do ritmo de filtração glomerular. 12. Explique a ocorrência da auto-regulação do fluxo sangüíneo renal, caracterizando a hipótese ou teoria miogênica e a hipótese ou resposta túbulo-glomerular. 13. Descreva o papel do aparelho justaglomerular. BIBLIOGRAFIA GUYTON A.C., HALL J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 10. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2002. BERNE R.M., LEVY M.N. Fisiologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. AIRES M.M. Fisiologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2ª ed., São Paulo: Elsevier
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