Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O COMBATE À MALÁRIA NAS PÁGINAS DA REVISTA UNESP CIÊNCIA: SINCRETISMO, IDENTIDADE E ESTILO Bruno Sampaio GARRIDO (Unesp/Bauru) bgarrido@fc.unesp.br Trabalho apresentado no GT Comunicação e Saúde, do PENSACOM BRASIL 2016. Introdução Objetivos: analisar a significação de reportagem publicada na revista Unesp Ciência (UC), cujo tema é o combate à malária, e a maneira como o enunciador constrói o simulacro de si mesmo e de seus leitores, com vistas a um estilo próprio. Corpus: capa e reportagem da edição 20 de UC (junho/2011). Metodologia: análise das linguagens sincréticas e das marcas enunciativas do sujeito da enunciação. Referencial teórico: A fundamentação teórica adotada é a semiótica discursiva proposta por Greimas e colaboradores – sobretudo a semiótica plástica (FLOCH, 1985; 1995; 2000) e abordagens semióticas da enunciação e do estilo (DISCINI, 2003). Fundamentos de Semiótica Discursiva Semiótica discursiva: descrever as relações de sentido que constituem qualquer tipo de texto, independentemente de sua natureza. Ela considera todas as linguagens como sistemas que se articulam um plano de expressão (matéria sensível) e um plano de conteúdo (matéria inteligível) para, assim, poderem produzir sentido. Percurso gerativo de sentido: modelo analítico que descreve como os significados se articulam por meio de operações sintáticas e semânticas que recobrem desde os elementos mais simples e abstratos até os mais complexos e concretos – nível fundamental, nível narrativo e nível discursivo (GREIMAS; COURTÉS, 2008; BERTRAND, 2003). Enunciação: procedimento que mobiliza as possibilidades estruturais e semânticas de uma língua e as converte em elementos concretos – a partir de dados abstratos, com finalidade explicativa (temas), ou dados concretos, com finalidade representativa (figuras). A enunciação instaura no discurso das categorias de pessoa (eu/tu – sujeito da enunciação), espaço e tempo – que irá regulá-lo (FIORIN, 2005; 2008). Fundamentos de Semiótica Discursiva Estilo: efeito de sentido produzido por uma totalidade sustentada por um corpo e depreensível a partir da recorrência de modos próprios de se enunciar. Essa corporeidade discursiva se constitui a partir de uma totalidade de discursos, mas cujos mecanismos linguísticos e enunciativos de algum modo se repetem, criando-se assim um efeito de individuação discursiva (DISCINI, 2003). Relações semissimbólicas: articulação entre os planos constituintes das linguagens a partir da relação entre categorias da expressão e do conteúdo (FLOCH, 1985; 1995; 2000). Sincretismo: ocorre duas ou mais linguagens têm suas peculiaridades suspensas ou mesmo anuladas em prol de uma totalidade de sentido (FIORIN, 2009). Análise dos textos sincréticos: verificar relações de consonância entre as categorias de expressão e as de conteúdo em uma determinada linguagem que torna possível analisá-los de maneira integrada a partir de categorias específicas e restritas que compõem a totalidade do objeto em estudo (FLOCH, 1985; 1995; 2000). Sincretismo, Identidade e Estilo em UC Sincretismo, Identidade e Estilo em UC Sincretismo, Identidade e Estilo em UC Os elementos da capa figurativizam o processo de transmissão da malária e colocam o mosquito em caráter disfórico (depreciativo) quando este entra em conjunção com a vida, já que ao mesmo tempo o inseto faz a vítima entrar em conjunção com a morte. O objetivo, nesse caso, é inverter essa lógica, mediante o controle a população de mosquitos e entender seus mecanismos de transmissão da doença. A totalidade da superfície alaranjada (metonímia do ser humano) está em uma situação de inferioridade nesse conjunto, ou seja, de submissão ao mosquito pousado sobre ele. O inseto é valorizado euforicamente (positivamente) nessa composição, ainda que ocupe uma porção menor da página, enquanto a superfície (o homem) é disforizada. “Decifra-me ou te devoro” (Enigma de Tebas): ou encontrar a cura para a malária, ou mais pessoas irão sucumbir a ela. Plano de Conteúdo (PC) Vida X Morte Natureza X Cultura Plano de Expressão (PE) Claro X Escuro (C) Centralidade X Lateralidade (T) Totalidade/Grande X Parcialidade/Pequeno (T) Sincretismo, Identidade e Estilo em UC As estimativas são de que até 2/3 dos infectados se encaixem nesse quadro. “A hipótese é que exista um grande reservatório de infecção” (p. 20). Essa é uma das muitas questões a que o projeto pretende responder. Tratando essas pessoas, qual impacto pode haver nos índices de transmissão da malária? Há também que se investigar por que alguns indivíduos simplesmente não se infectam (p. 20). Será feita também uma investigação genética dos insetos coletados. Além de servir para mostrar se eles estão ou não infectados com o plasmódio, o uso de marcadores genéticos vai permitir descobrir se a estrutura das populações muda durante o ano. (p. 22). Os cientistas examinaram quase 200 pessoas e quatro tiveram lâmina positiva para malária (P. vivax em todos os casos). Eles ainda fariam o diagnóstico molecular (para checar se passou algum parasita não visto na microscopia) (p. 26-27). “(...) Os dados parasitológicos e entomológicos podem juntos ajudar a entender melhor como se dá o desenvolvimento e a evolução da doença na população. Os pesquisadores da área de saúde suspeitam, por exemplo, que a imunidade pode estar relacionada com algumas cepas específicas do plasmódio” (p. 26-27). Sincretismo, Identidade e Estilo em UC Ênfase em terminologias e na metodologia: essas informações invocam um enunciatário com o mínimo de conhecimentos sobre ciências biológicas e sobre metodologia científica (correlação de variáveis, vetor, cepa). Sincretismo entre o discurso jornalístico e o científico: os elementos referenciais ligados à pesquisa entremearem-se a uma construção narrativa que contextualiza e amplia o cenário retratado, colocando em cena um número maior de agentes e de elementos espaço-temporais. Narrativa e informações de pesquisa formam aqui uma totalidade própria. Sincretismo, Identidade e Estilo em UC (..) A metodologia de captura dá um certo arrepio à primeira vista: assim que sentem que o mosquito pousou, ou começou a picá-los, eles sugam o bicho com uma mangueira adaptada com uma redinha dentro, para impedir que ele vá parar goela abaixo, e o colocam num pote de plástico. (...) Tivemos um vislumbre do projeto em abril, quando acompanhamos os trabalhos de alguns dos participantes por uma semana na região. O Remansinho é parte do município de Lábrea (AM), o centro urbano dista cerca de 400 km do assentamento, mas não há um caminho direto por terra entre eles. (...) Apesar das mais de sete horas de viagem de São Paulo até lá, assim que chegamos já saímos para a primeira noite junto aos mosquitos. O plano era fazer coleta das 18 h às 21h. Para compreender melhor as condições de transmissão da malária no Remansinho, os pesquisadores decidiram compará-las com a situação de outro assentamento, no chamado ramal do Granada, que também foi palco de anos de estudos de saúde por parte de Ferreira e colaboradores. Ele foi aberto no início dos anos 1980 e já tem uma paisagem bem mais alterada. Lá, por exemplo, há luz elétrica, na localidade amazonense, não (UC20, p. 21). Sincretismo, Identidade e Estilo em UC Marcas passionais, sensíveis: percebemos o envolvimento do repórter com a narrativa construída no enunciado. As impressões pessoais registradas pelo narrador/interlocutor-repórter são dados importantes na construçãodo ritmo do texto, impingindo na narrativa certas cargas passionais – fadiga e enfado. Predicados modais: dever-fazer (concluir a reportagem) e o dever-ser (resistência e perseverança por parte dos jornalistas), em conflito constante com o não-saber-ser (desconhecimento do ambiente), o não- poder-ser (hesitação e fraqueza frente aos desafios) e o querer não-fazer (resistência frente a situações desconhecidas ou desconfortáveis. Uso da primeira pessoa e do discurso direto: cria a simulação de um diálogo entre os interlocutores e reforçam o envolvimento do repórter na integridade desse cenário, em que ele é parte do acontecimento – em vez de ser um observador distante. Imersão e presentificação: o enunciador “chama” o enunciatário para o interior daquele cenário e o faz estar presente naquele mesmo espaço. Há ênfase da linguagem descritiva sobre o contexto do enunciado e sobre as impressões demonstradas pelos sujeitos envolvidos. Uso do pronome “nós”: exclusivo ou inclusivo, a depender do caso. Tal uso pode demarcar as posições das instâncias enunciativas ou “chamar” o enunciatário para dentro da enunciação. Considerações Finais As narrativas visuais e a configuração da identidade do enunciador em UC são decisivas para criar um estilo que valoriza a empatia com o enunciatário e a experiência sensível com o enunciado, criando-se efeitos de presentificação e de imersão. A enunciação de UC deveria se configurar como uma experiência sensível do fazer científico, em que aqueles contextos construídos no discurso avançam os próprios limites e se atualizam perante o enunciatário, tornando-os presentes, intensos e vivos esses mesmos contextos. A ênfase em terminologias e em metodologia de pesquisa invoca um enunciatário com o mínimo de conhecimentos sobre ciências biológicas e sobre metodologia científica para que a reportagem seja compreendida. Tal característica é resultado da conjugação de elementos da comunicação científica e do discurso jornalístico, em que se busca contemplar um mínimo de rigor com uma linguagem mais acessível e orientada para o fato. Referências BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. Trad. Ignácio Assis Silva et al. Bauru: Edusc, 2003. DISCINI, N. O estilo nos textos: história em quadrinhos, mídia, literatura. São Paulo: Contexto, 2003. FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. 2. ed. São Paulo: Ática, 2005. ______. Em busca do sentido: estudos discursivos. São Paulo: Contexto, 2008. ______. Para uma definição das linguagens sincréticas. In: OLIVEIRA, A. C.; TEIXEIRA, L. (Orgs.). Linguagens na comunicação: desenvolvimentos de semiótica sincrética. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009. p. 15-40. FLOCH, J. M. Petites mythologies de l'oeil et de l'esprit: pour une sémiotique plastique. Paris: Hàdes; Amsterdam: Benjamins, 1985. ______. Sémiotique, marketing et communication: sous les signes, les stratégies. 2. ed. Paris: PUF, 1995. ______. Visual identities. London: Continuum, 2000. GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Trad. Alceu Dias Lima et al. São Paulo: Contexto, 2008. UNESP Ciência, n. 20, p. 18-27, jun. 2011.
Compartilhar