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TORTURA EM PRESÍDIOS BRASILEIROS
Resultados preliminares de uma inspeção feita pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) em presídios brasileiros, divulgados hoje (14), revelam que a prática de tortura nos estabelecimentos prisionais do país é algo “endêmico” e ocorre de forma frequente e constante, principalmente, nas primeiras horas após as detenções.
De acordo com o relator especial do conselho, Juan Méndez,  apesar de o Poder Público combater e condenar a tortura, o problema persiste no sistema carcerário, impulsionado pela impunidade e pela superlotação das cadeias. Entre os dias 3 e 14 deste mês, Méndez visitou instituições carcerárias de São Paulo, Sergipe, Alagoas, do Maranhão e do Distrito Federal, a convite do governo brasileiro. Segundo Méndez, que é argentino, o relatório final da visita deverá ser apresentado pela ONU em três meses.
“Não estou dizendo que todos os presos são submetidos [à tortura], mas o número de testemunhos e a contundência dos relatos que recebemos me levam a crer que não seja um fenômeno isolado. Não creio que qualquer pessoa no governo defenda esse método, mas, em termos estruturais, a tortura ocorre, e o torturador fica impune”, afirmou Méndez, que não antecipou números do relatório.
Segundo ele, é frequente nos presídios o uso de spray de pimenta, gás lacrimogêneo, bomba de ruído, bala de borracha, choques elétricos e sufocamentos. O representante da ONU disse que, durante as visitas, constatou a superlotação dos estabelecimentos prisionais, apesar da adoção de medidas como audiências de custódia, para evitar o crescimento da população carcerária.
Impunidade
De acordo com Méndez, apesar de os presos relatarem a organizações de direitos humanos os maus-tratos sofridos, dificilmente eles oficializam denúncias nos órgãos públicos. Segundo ele, isso ocorre por medo de represálias e também porque os detentos acreditam que os torturadores não serão punidos. “As pessoas relutam em oficializar as denúncias de tortura. Essa é uma cultura arraigada que, se não for combatida, tende a se tornar ainda pior.”
Segundo o relator, nas últimas duas décadas, a população carcerária brasileira cresceu de forma muito rápida, e hoje o país tem o quarto maior número de presos no mundo. Para Méndez, esse “abrupto” crescimento da população atrás das grades impactou também nos serviços de saúde oferecidos aos presos. 
Entre as principais causas apontadas pelo especialista para o rápido crescimento da população carcerária estão a demora na realização de audiências dos presos na Justiça, que, em média, ocorrem cinco meses após a detenção, e falhas na política de combate às drogas. “Cerca de 26% de todos os detentos foram presos com a acusação de tráfico de drogas e pouquíssimos grandes figurões do narcotráfico foram presos.”
Para Méndez, a redução da maioridade penal, em discussão no Congresso Nacional, agravaria ainda mais os problemas do sistema carcerário brasileiro. “Processar adolescentes infratores como adultos violaria as obrigações do Brasil no âmbito da Convenção sobre os Direitos da Criança”, disse.
O relator da Comissão de Direitos Humanos da ONU destacou a transparência dos governos federal e estadual e a liberdade que a comitiva da ONU teve para averiguar a situação dos presídios do país. Ele elogiou medidas já adotadas pelo Brasil, como o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura e a instalação da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.
Recomendações
Os dados preliminares do relatório já foram apresentados pelo relator a autoridades brasileiras, que também receberam recomendações. Entre elas estão a ampliação das audiências de custódia em todo o país, o encorajamento das vítimas para denunciar casos de tortura e a documentação eficaz desse tipo de violação. Méndez esclareceu que o objetivo da inspeção não é impor sanções ao país, mas identificar problemas e cobrar soluções.
Segundo o Ministério da Justiça, o Levantamento de Informações Penitenciárias (Infopen) de junho de 2014, último disponível, mostra que a população prisional brasileira é superior a 607 mil pessoas, e o déficit de vagas passa de 231 mil.
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) informou que verifica e encaminha aos órgãos competentes todas denúncias de tortura em unidades de privação de liberdade. Segundo a secretaria, para aprimorar esse trabalho, este ano foi colocado em prática o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, resultado de acordo com a ONU.
"O sistema é composto por dois órgãos: um Comitê, com 23 integrantes, e um Mecanismo, composto por 11 peritos. Esses peritos são capacitados para fiscalizar instituições de privação de liberdade, mesmo quando não há denúncia de tortura. Por fim, é importante ressaltar que, no início desse mês, foi publicada portaria ministerial da SDH/PR que recomenda adesão dos entes federados ao Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, para que que seja fortalecida a rede de combate à tortura nos estados e municípios", diz o texto enviado por e-mail pela secretaria.
Incalcaterra disse que o clima de impunidade nas prisões do Brasil “alimenta a continuação de violações de direitos humanos nas prisões”. “A tortura é generalizada desde o momento da detenção, durante interrogatórios e em presídios”, disse o representante do ACNUDH.
Além disso, ele afirmou ainda que dados sobre a incidência de tortura e tratamento cruel de pessoas privadas de liberdade não estão disponíveis no Brasil. “A falta de esforços consistentes para documentar e investigar, processar e castigar delitos de tortura e mortes em presídios vão contra as disposições da Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, da qual o Brasil é parte”, disse Incalcaterra.
Ele fez duras críticas à forma como o Brasil vem historicamente tratando a questão e cobrou medidas das autoridades brasileiras que de fato tenham impacto para melhorar as prisões no país.“O Brasil precisa enfrentar a crise do sistema prisional, que vem de longa data, através de políticas públicas e legislação em linha com os padrões internacionais”, afirmou.
Em novembro do ano passado, o Subcomitê sobre a Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes (SPT), composto por especialistas da ONU, entregou ao governo brasileiro um relatóriosobre violações de direitos e tortura praticados em presídios brasileiros. O documento é resultado de uma visita realizada pelo SPT a 22 locais de detenção no Rio de Janeiro, Manaus, Recife e Brasília, entre 19 e 30 de outubro de 2015.
No relatório, os especialistas alertaram o Brasil sobre a gravidade dos casosviolência nos presídios e o risco de novas rebeliões. Entre as unidades visitadas, estava o Complexo Penitenciário Anísio Jobim, local onde ocorreu a primeira rebelião de presos neste ano, que culminou com a morte de 56 presos.
Segundo Incalcaterra, o Brasil tem até maio para dar uma resposta ao subcomitê explicando quais ações serão tomadas para implantar as recomendações do órgão. “A superlotação dos presídios, o déficit de vagas, casos de tortura e rebeliões, o controle feito pelo crime organizado e a política de encarceramento são alguns dos principais pontos que o Brasil precisa enfrentar neste contexto”, explicou.
Veja a entrevista completa com o representante regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos:
EXAME.COM: O Subcomitê sobre a Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes (SPT) da ONU entregou no fim do ano passado um relatório ao Ministério da Justiça do Brasil sobre o que foi apurado em 22 prisões do país. Em qual prazo o Brasil deve implementar as recomendações do documento?
Amerigo Incalcaterra: No dia 24 de novembro de 2016, o SPT entregou às autoridades brasileiras o relatório sobre sua última missão ao país. A partir desta data, o Brasil tem um prazo deseis meses para prestar contas das ações estatais levadas a cabo com vistas à implementação de suas recomendações, prazo que expira em maio. Embora não haja um prazo específico para a implementação das recomendações do Subcomitê, a resposta ao relatório também deverá incluir informação detalhada sobre como o país se compromete a implementar essas recomendações.
 O documento aponta que a prática de tortura é frequente dentro dos presídios visitados. A ONU considera a violência nos presídios brasileiros como endêmica e generalizada?
Membros do SPT, assim como o Relator Especial [o advogado e jurista Juan Mendez] sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, puderam observar em suas visitas aos presídios no Brasil que a tortura é generalizada desde o momento da detenção, durante interrogatórios e em presídios.
Os especialistas ressaltaram que a tortura afeta de modo desproporcional pessoas de estratos sociais mais baixos, negros e minorias. No entanto, o relatório do SPT faz uma ressalva de que, enquanto o Brasil coleta dados sobre diferentes aspectos da população e sistema carcerários, informações sobre a incidência de tortura e tratamento cruel de pessoas privadas de liberdade não estão disponíveis.  Os especialistas também alertam que, por medo a represálias, detentos são frequentemente persuadidos a não denunciar casos de tortura e tratamento cruel.
Outro aspecto importante ressaltado é que a impunidade em casos de tortura por agentes públicos no Brasil continua sendo a regra, e não a exceção, o que contribui para que se crie um clima de impunidade que alimenta a continuação de violações de direitos humanos.
Medidas tais como a pronta investigação de mortes por agentes estatais, capacitação profissional em direitos humanos, a adoção de protocolos oficiais sobre o uso da força da polícia, a revisão dos salários da força policial, garantir a independência dos Institutos Médicos Legais e um controle eficaz de empresas privadas envolvidas na administração de funções policiais são algumas das medidas propostas pelos especialistas para combater a prática da tortura no Brasil.
Quais foram as práticas de tortura e violações de direitos humanos encontradas pelo subcomitê nos presídios visitados?
O SPT constatou que a superlotação endêmica, as condições chocantes de detenção, os problemas de assistência médica aos presos, a falta de acesso à educação, a violência generalizada entre detentos e a falta de supervisão adequada dos presos (o que leva à impunidade) são alguns dos problemas principais ainda não resolvidos pelo Brasil para enfrentar a crise prisional e combater a tortura nos presídios.
Em suas visitas a diferentes delegacias, prisões, centros de detenção provisória, instalações para adolescentes e hospitais penitenciários, o Subcomitê encontrou uma atmosfera geral de intimidação e repressão.
Relatos de detentos sujeitando outros detentos à tortura e facções criminosas com significante controle de certos presídios são frequentes, segundo esses especialistas internacionais. O SPT e o relator especial receberam relatos de prática de tortura e tratamento degradante e cruel durante apreensões e em presídios que envolvem o uso de choques elétricos, balas de borracha, sufocamento, espancamento com barras de ferro e palmatória, técnicas conhecidas como telefone – que consiste em dar golpes na orelha da vítima – e o pau arara. Segundo ressaltou o relator especial, o objetivo desses atos seria obter uma confissão, pagamento de suborno, ou uma forma de castigo ou intimidação.
O relatório da ONU aponta ainda que metade dos 565 presos mortos em 2014 no Brasil foi assassinada. O Brasil tem fechado os olhos para os assassinatos dentro das prisões?
É importante notar que os dados de 2014 são seis vezes maiores que os dados de 2013 e que, como bem aponta o SPT em seu informe, aproximadamente metade dos 565 indivíduos que morrem enquanto privados de liberdade foram mortos intencionalmente.
A falta de esforços consistentes para documentar e investigar, processar e castigar delitos de tortura e mortes em presídios vão contra as disposições da Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, da qual o Brasil é parte.
De acordo com os artigos 12 e 13 de referida Convenção, o Estado deverá assegurar que suas autoridades competentes procederão imediatamente a uma investigação imparcial, sempre que houver motivos razoáveis para crer que um ato de tortura tenha sido cometido em qualquer território sob sua jurisdição.
Além disso, a falta de investigação no Brasil leva ao aumento da cultura da violência e da impunidade?
Exatamente, como já havia alertado o relator especial contra a tortura, o que institucionalizou a tortura é a continuidade do ciclo de impunidade em relação a essa prática.
Essas violações frequentes de direitos humanos nos presídios estimulam o crescimento das facções criminosas brasileiras dentro das cadeias?
As facções criminosas têm ganhado força pela falta de controle do Estado dentro das cadeias, tendo ramificações praticamente em todos os estados da federação.
Os altos níveis de superlotação e em geral as condições de detenção que relataram os especialistas alimentam a violência e as violações de direitos humanos no contexto penitenciário. O Sub-comitê comentou, por exemplo, que a superlotação exacerba os níveis de estresse nos detentos, o que resulta em comportamentos agressivos e um risco maior de violência entre detentos e também contra os funcionários.
Nesse sentido, o Sub-comitê recomendou ao Brasil aumentar a dotação de agentes penitenciários adequadamente treinados, além de profissionais médicos, para garantir a segurança dos detentos e dos funcionários, bem como para reduzir a influência do crime organizado no interior das prisões.
O que a ONU recomenda para as autoridades brasileiras? O que precisa ser feito?
A crise do sistema prisional no Brasil requer um forte compromisso político do mais alto nível de governança. O Brasil precisa enfrentar a crise do sistema prisional, que vem de longa data, através de políticas públicas e legislação em linha com os padrões  internacionais.
As recomendações do SPT, do relator especial, e de outros mecanismos de proteção regional e universal de direitos humanos oferecem um sólido guia para a formulação de tais políticas. A superlotação dos presídios, o déficit de vagas, casos de tortura e rebeliões, o controle feito pelo crime organizado e a política de encarceramento são alguns dos principais pontos que o Brasil precisa enfrentar neste contexto.
O Brasil conta com um sistema de combate e prevenção à tortura, que inclui o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o que foi reconhecido como um desenvolvimento positivo pelos peritos do Sub-comitê. Alguns estados do país já criaram mecanismos preventivos contra a tortura, e os governos estaduais que ainda não o fizeram também devem estabelecer esse tipo de mecanismo.
Mas não basta apenas com criar este tipo de órgão: eles devem ser implementados efetivamente e as autoridades devem garantir sua autonomia operacional e independência, bem como recursos adequados, para que seu trabalho de fiscalização possa ter um impacto verdadeiro para o melhoramento do sistema penitenciário do Brasil.

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