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Educação diversidade cultural - Ana Lucia Valente

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nC7~ ...... ~ ______________ __ 
.. ._---
Existem diferentes sentidos para a palavra paradoxo. 
Podemos entendê-la como a oposição irreversível de forças e 
tendências observáveis na realidade, ou, aproximando-nos do 
campo da lógica, como uma argumentação que nos leva fatal-
mente a conclusões contraditórias. Também é possível utilizá-
la para nos referirmos a argumentos que, parecendo verdadei-
ros e razoáveis, se mostram falsos quando tentamos submetê-
los à cxperiência, ou, ao contrário, a afirmações que. parecen-
do inicialmente absurdas, se mostram, na prática, absolutanlcnte 
apropriadas. Há ainda o sentido de círculo vicioso, ou seja, 
tendências que desembocam em sua própria negação. 
Qualquer que seja, no entanto, o sentido que se dê a 
essa palavra, o paradoxo parece expressar da forma mais ade-
quada possível a nossa realidade, na atual fase de nossa his-
tória em que transformações radicais nos obrigam a rever cren-
ças, posições e determinismos. 
E, se é verdade que os paradoxos sempre desperta-
ram o interesse dos homens - tendo sido estudados na Gré-
cia Antiga por Zenon e Aristóteles. na Idade Média pelos fi-
lósofos escolásticos, na Renascença por Leonardo da Vinci 
e, finalmente, por inúmeros pensadores da Modernidade-, 
na atualidade eles adquirem cada vez mais importância. Dci-
xaram o campo específico da matemática e da lógica para 
invadirem o pensamento econômico, político e social. 
E é justamente por contcr todos esscs sentidos, que 
envolvem incerteza, ambigüidade e contradição, que esco-
lhemos o paradoxo como característica principal desta cole-
ção, a qual pretende publicar ensaios sobre a sociedade con-
temporânea. Interdisciplinares. atuais, questionadores, estes 
textos pretendem trazer informações, levantar questões e es-
timular o debate entre todos aqueles que - com o cspírito 
inquietante desta Pós-modernidade - acreditam, como o 
matemático e artista plástico holandês M . C. Escher, que tudo 
pode ter pelo menos dois lados diferentes de se ver. 
Cristina Costa e João Carlos Agostini 
Coordenadores 
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o mundo, hoje, atravessa um período de mudancas aceleradas. 
Embora não tenhamos, por enquanto. a medida exata d~ssas transfor-
mações, elas se fazem sentir no dia-a-dia de grande parte das pessoas. 
Fala-se de uma revolução tecnológica que penTÚte a utilí7.a.ção de re-
cursos da infom1ática., das microciências, como a microfísíca e a mi-
crobiologia, para a produção em alta escala e até mesmo para a criação 
de uma segunda "natureza", artificial. Exemplo disso é o processo de 
clonagem que transformou a ovelha Dolly em estrela da mídia c desen-
cade~>u polêmicas em vários países preocupados com a possibilidade 
de a 100vação científica ser utilizada na reprodução humana. 
Tão profundas são as conseqüências desse conjunto de ino-
vações que se fala de uma nova revolução industrial. No entanto, este 
é apenas um componente, mesmo que decisivo, de um processo de 
maiores dimensões, que por sua vez vem sendo chamado de processo 
de globalização. Alguns dizem ter sido instaurada uma nova ordem 
mundial, sob a égide de um sistema apelidado de neoliberal. 
No Brasil, esse processo também esta em marcha e vem ga-
nhando visibilidade e fôlego desde o iníciO dos anos 1990. Assim, 
qUaildo vamos a um supermercado ou shopping, podemos ver inú-
meras mercadorias estrangeiras com as quais tempos atrás não pode-
ríamos sequer sonhar. Nas ruas, avenidas e rodovias, o desfile de carros 
de marcas importadas muda a paisagem. Mais luxuosa e exigente, 
transforma-se a demanda dos consumidores pelos meios de transporte. 
As emissoras de televisão veiculam imagens e notícias de 
todo o planeta. Antenas parabólicas e a cabo captar~ a~ programa-
ções de redes internacionais. Em que pese a superficialidade decor-
rente também da neces-
sidade de rapidez na in-
fbrmação, o conhecimen-
to humano se realiza so-
bre temas e áreas até en-
tão inusitadas. O compu-
tador e redes de infonna-
ção como a Internet tran-
çam teias que se enlaçam 
por tudo, permeando esse 
conjunto de inovações. O 
país ressona as vibrações 
mundiais. 
Sfmbolo da modernidade e da integração no 
mundo da glolJalização. 
In;rOduçJo 
Contudo. ao lado de conquistas inestimáveis que facilitam a 
vida das pessoas, há o crescente aumento de problemas que penali-
zam a população. Se é verdade que o aumento da produção de mer-
cadorias pode vir a reduzir custos e, assim, promover o ingresso de 
amplas parcelas populacionais ao mercado consumidor. isso não 
explica tudo. Se do mesmo modo é verdade que os progressos da 
ciência. sobretudo nas áreas ligadas à química c à biologia, favore-
cem a descoberta da cura dc várias doenças, também aqui ternos um 
quadro parcial da situação. 
/ Os apologistas desse novo momento não parecem tcr se 
/ perguntado seriamente quem tem acesso às inovações, qual é a 
" clientela desses novos bens colocados no mercado. No entanto, 
\" com um mínimo de senso crítico, é possível relativizar toda~ as 
"-
conquistas das últimas décadas à luz dc uma evidência quc salta 
aos olhos. Mesmo que, como dissemos, essas transformações atin-
jam praticamente todas as pessoas, certamente não podemos falar 
de um acesso incondicional às "novidades". A clientela é ainda 
composta de pessoas pertencentes às camadas privilegiadas da 
população mundial. 
Parcela considerável dessa mesma população ainda não tem 
nem mesmo acesso ao telefone, instrumento que chega a ser consi-
derado obsoleto no conjunto da revolução tecnológica. 
De fato, para muitas pessoas falta de tudo, desde o que co-
mer. Em razão das inovações técnicas, uma grande massa de pes-
soas é sumariamente excluída do acesso aos meios de sobrevivência, 
ou seja, vê-se impedida de ingressar no mercado de trabalho e de 
reproduzir-se socialmente, assegurando seu próprio bem-estar e o 
de suas farru1ias. Assim, a exclusão, O aumento dos níveis de pobre-
za e a escalada da violência, que assume visibilidade assustadora 
com os atentados terroristas e guerras pipocando aqui e acolá, com-
põem também o balanço do final dó século XX. 
Essa parece ser a mais expressiva contradição de nossos tem-
pos. Ela nos faz lembrar que algo de conhecido e bastante familiar 
-1, permanece, mesmo com tantas transformações na situação mundial 
I i. e as mudanças dos nomes empregados para defini-las,~!1..()~~_~r.: 
i · dem mundial" é ailld-,!capitalísta. A gl9balização nada mais faz se-
'não âgUdiiár'ã' tendência'-geraldócàIiitatismo"de' concentrar os 
meios de produção nas mãos de poucos, implementando, em grande 
velocidade, a fase conhecida como monopólica ou imperialista. 
10 
Eoucaçiio e OiversidaOe cuICural 
Ainda podemos falar na existência de elasses sociais, em-
bora estas não tenham as características do passado. Desse modo, a 
luta que se estabelece entre elas não poderia ser a mesma ou se 
revestir dos velhos significados. Hoje, há interesses diferentes a plei-
tear e por isso existe a necessidade de serem buscadas novas formas 
de confroIlto. 
Por fim, as idéias de livre mercado que o liberalismo advo-
ga, com ou sem "neo", são uma grande falácia ao considerarmos a 
correlação de forças estabelecida entre os grandes monopólios e 
oligopólios. de um lado, e, de outro, as empresas que ainda não se 
submeteram à lógica desse movimento histórico. Não precisando ir 
tão longe, basta imaginar o tipo de competição que pode haver entre 
as indústrias de informática brasileira e americana. É fácil imaginar 
que a segunda incorpore, "engula" ou aniquile a pIimeira. 
As transformações aceleradas denunciam a existência de uma 
crise de inegável caráter econômico. Mesmo que essa cIise nem 
sempre se expresse como uma questão econômica, por trás de ma-
nifestações diferentes esTá presente a relação entre os homens defi-
nida pelo capitalismo. Mencionar
essa dimensão do problema não 
significa, ~ecessariamente, compreendê-lo de maneira simplista e 
redutora. E preciso exercitar urna visão de conjunto para que essas 
manifestações, que devem ser entendidas em suas características 
próprias, não pareçam ter surgido do acaso. 
Nesse contexto por si só explosivo, é previsível o surgimen-
to de tensões e contlitos de diversas ordens. Entre os conflitos, há a 
tendência de aqueles baseados na "diferença", sobretudo a diferen-
ça racial e/ou cultural, edodirem com maior freqíiência e intensida-
de. Afinal, muitos consideram que a diferença, por sua própria con-
dição, 6 um elemento importante para estimular movimentos de re-
ação. Reação a uma determinada situação da qual essa mesma rea-
ção é produto. 
Dito de outra maneira, o momento de crise que vivemos, de 
aceleração de mudanças, mas também de acirramento de contradi-
ções, produz um clima de tensão e instabilidade que, por sua vez, 
provoca episódios de conflitos. Não são conflitos exteriores à rela-
ção entre classes sociais, mas assumem características peculiares, 
como que sobrepostos uns aos outros. 
Na Europa, a situação tem apresentado contornos cada vez 
mais fortes. Contrariando a propOSl"a e o discurso de unidade, eví-
IntrOdUÇi,o 
denciados com a criação da União Européia, fragmentam-se c de-
sarticulam-se diversas solidariedades. Enquanto as fronteiras eco-
nômicas parecem cair, erguem-se outras fronteiras intransponíveis. 
-'7A diferença passa a ser sinônimo de desig.ualdade. 
. O fantasma do nazismo parece querer novamente nos as-
sombrar e, refuncionali;r.ado, também recebe o prefixo neo e passa a 
ser chamado de neonazismo. Várias formas de nacionalismo emer-
aem e cada vez mais, tanto no plano individual como no coletivo, 
~êm sido reivindicadas as diferenças e manifestada a intenção de 
oarantir a heteroaeneidade ante um processo que, pretendendo ho-
<=> '" 
mogeneizar, age corno um rolo compressor. Trata-se, como foi su-
oerido, de uma reação à extrema insegurança social que atinge a 
~odOS, mas que, de qualqut:r maneira, tem sido canalizada contra 
um sujeito preferencial. No caso europeu, contra o imigrante. 
Escolhidos como bodes expiatórios, os imigrantes também 
reagem defensivamente, muitas vezes utilizando os mesmos recur-
sos de seus agressores. Contra o racismo e a xenofobia, respondem 
com racismo e xenofobia, criando-se uma situação intolerável. 
/ 
Com o objetivo de enfrentar esse quadro social preocupan- ' .. 
te, várias instituições da sociedade.política e civil são chamadas a ' .. 
contribuir. Entre todas, cabe à escgla·cúmpnr um papel fundamen-
tai, sem o qual outras medidas[Jodenam se tomar frágeis. É a partir 
da educação escolar que se podem evitar as tensões entre grupoi--.-
étnicos e culmrais na Europa e quebrar o círculo vicioso da disni- / 
minação que se abate sobre os imigrantes, culturalmente diferentes. ·' 
Nos países europeus, o tal processo de globalização parece 
encontrar-se em est.ígio m~is desenvolvido, com lodos os seus av~n­
ços, recuos e contradições expostos. Mesmo que não partilhemos 
da tese evolutiva, de que todos os países passam pelas mesmas fases 
de desenvolvimento rumo ao "progresso", parece··nos difícil negar 
a existência de um pano de fundo comum, definido em última aná-
lise pelo capitalismo atual. É a partir dessa base que se podem en-
Contrar os caminhos singulares e específicos para a superação de 
problemas prenhes de singularidades e especificidades, mas que vêm 
sendo cada vez mais transformados cm probkmas nlobais. i . 
. _ .. _ _ ~. __ ~.o .. __ ..... _ ~ . , 
De certa maneira, a questão de uma educaç1ío que deve es- . 
tar atenta üs difercnc,~as está há muito tempo colocada no Brasil. No 
entanto, são ainda tímidas as propostas que visam discurir e imple-
mentar políticas adequada~ para lida.r com a questão. Dada a sua 
11 
Educação e diversidade CUltural 
complexidade, nem sem re . 
com os europeus os 'se p os cammhos são evidentes. Aprender 
, . us acertos e err pod , de não perdermos te os, era ser uma maneira 
zem a parte alou . mpo enveredando por atalhos que não condu-
'" ma. 
É importante refletir b 
educação em I 50 re esse papel que se reclama para a 
. d' gera, e para a escola, em particular. Como estamos 
vlven o em um mundo cad . . ' . 
, . fi' a vez maIS tnterhgado em que os vários palses se In uenclam m t . ' 
. ~ . u uamente. o conheCImento de outras expe-
nenClas pode ser muilo '. ' ~. . Importante para a compreensão de uma len-
dencla fundamental de nos é EI d' . 
'. sa poca. :', a tZ respeIto ao reconheci-
mento. da dIverSIdade das culturas existentes. como o caminho ne-
cess~o par~ a superação das tensões e conflitos ancorados na per-
cepçao das dIferenças étnkas, raciais, de gênero, nacionais etc., rumo 
à con~trução e consolidação de uma sociedade democrática. Nessa 
perspectiva, o processo educacional, enquanto formação humana 
- que inclui mecanismos de socialização, como a educação esco-
lar - ' , tem sido considerado um campo estratégico no qual tais pro-
postas devem ou deveriam ser estimuladas e desenvolvidas. Porém 
não basta partir de uma idéia para assegurar que as conseqüências 
sejam aquelas esperadas. 
O paradoxo de que vamos tratar aqui é que o reconheci-
mento da diversidade pode sustentar a intolerância e o acirramento 
de atitudes discricionárias, especialmente quando a diferença passa 
ajustificar um tratamento desigual. 
Conceitos fundamentais 
Antes de discutirmos a situação posta pelo paradoxo. faz-se 
necessário explorar alguns conceitos e idéias com os quais iremos 
lidar. É fundamental definir, aqui. os conceitos de educação, de cul-_. __ 
lura, de diversidade cultural e de globalizaçã~. OU-ifàs ídéias co~-~~ 
quaIs tambéni- pretendemos trabaihar praticamente derivam desses 
conceitos principais. 
Como se sabe, a construção de conceitos e idéias, ou seja, a 
definição ou a concepção sobre um objeto, um fato, uma situação 
ou sobre o conjunto deles jamais é neutra. Isso quer dizer que sem-
pre fazemos opções para compreender aquilo que desconhecemos 
ou que nunca paramos antes para considerar. Sempre definimos o 
trajeto que consideramos mais adequado para promover o nosso 
conhecimento. Mas essas esc,?!has-\mplicam certas conseqüências. 
Esses trajetos são as'(eorias; baseadas em observações e ex-
periências. Podem diferir entre si quanto ao grau de elaboração, de 
alcance, de sistematicidade, de cientificídade e, por isso, talvez nos 
conduzam a resultados diferentes, a reflexões que não são as mesmas 
do ponto de vista da elaboração, alcance c sistematização científica. 
Mas todas as teorias, sem exceção, agem como um roteiro para a 
nossa reflexão e são passíveis de sofrerem transformações. 
É como se estivéssemos diante de um mapa buscando o ca-
minho c/ou o meio mais ou menos fácil, mais ou menos seguro, 
mais ou menos rápido para alcançarmos um destino pretendido. Se, 
por exemplo, decidirmos viajar de carro ou de ônibus porque temos 
medo de avião, provavelmente vamos chegar muito depois daque-
les que fizeram a opção de viajar por via aérea. ., . 
Deste modo, passa a ser imprescindível explrcltar o rolelro 
(li ou a teoria escolhida. Assim toma-se possível ao leitor aco.mpanhar I a linha de nosso raciocínio, O trajeto pelo qual optamos. DISSO tam-J bém dependem o desenvolvimento e o desdobramento de nossa ar-
gumentação, bem como de nossas possíveis conclusões. 
13 
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Educação e diversidade cultural 
o homem: ser social e histórico 
Vamos de início refletir sobre uma questão aparentemente 
óbvia, porque aparece como um problema acerca do qual não se 
tem qualquer dúvida: a diferença entre os homens e os animais. 
Afinal, por que o homem se distingue dos outros seres vivos? Mas 
logo se vê que aceitar uma idéia como
já conhecida não é absoluta-
mente a mesma coisa que tentar explicá-Ia. Nesse caso, há muita 
dificuldade para expriIIÚr o que se sabe e parece crescer o grau de 
complexidade do problema. . 
Depois de algumas tentativas fracassadas de pensar sobre o 
óbvio, a demonstrar que a questão não é tão óbvia assim. a primeira 
característica que poderíamos apontar é que o homem é um ser so-
cial, que vive em sociedade. Mas isso não basta, na medida em que 
todos os seres com estrutura biológica complexa têm vida social, 
pelo simples fato de não viverem e não se reproduzirem sozinhos. 
Em seguida, poderia ser dito que a diferença reside no fato 
de que os homens falam. Porém a fala humana é apenas uma das 
possibilidades existentes de comunicação entre os sereS vivos. Es-
tes podem comunicar-se através da emissão de sons, de cheiros ou 
visualmente. Não sendo apenas o seu caráter social ou a sua capaci-
dade comunicativa as características diferenciais do homem em re-
lação aos outros seres, quais seriam então? 
Na interação com 
outros homens, com o 
meio e na reflexão sobre 
a própria vida, o homem 
tem como condição e 
produto de sua "natureza 
humap.a" a capacidade de 
transformar-se, transfor-
mando o meio, de criar 
; símbolos e de transmitir 
. o conhecimento produzi-
'do e acumulado aos seus 
. descendentes. Vamos de-
A capacidade humana de criar símbolos e 
manipulá·los é fawr essencial na criação da cultura 
e na sua divulgação. 
talhar essa definição e 
oferecer alguns exemplos 
esclarecedores. 
" 14 '- '-i~ 
-\.- " 
p. ~.-iJ~ • .;. .~ 
concei(QS fundamentais 
. em sociedade e de-
Como outros seres vivos, o homem VIve , 
. por isso é utn eqUIVOCO 
P
ende de seus semelhantes para sobreViver. . . tual-
" . d"d (e aqullo que even 
P
ensar no "homem individual. O In IVI uO .' eferen-
. 'd de) 50 eXiste se r 
mente possa caracterizá-lo com excluSIVI a. t'-
. le Vive Afora a conS I 
ciado à forma de organização SOCial em_que e . 
tuição biológica dos sereS humanos, ~a? ••••• • • • • • • • • • • • 
há características natas, e sim caractenSU - Na interação com 
cas que vão sendo construídas n~ relação outros homens, com 
com outroS homens e com o ambiente. o meio e na reflexão 
Nessa relação, os homens apren-o sobre a própria vida, 
dem com a experiência de contato ~?m. 
meio circundante. Toda essa expenencla 
é realizada no sentido de dominar a natu-
reza, conhecendo-a, transformando-a ou 
mesmo destrUindo-a, para poder sobrevi-
ver. Ao conseguir o controle parcial da 
natureza, transformam-se as necessidades 
humanas e como conseqüência o próprio 
homem é modificado. 
o homem tem como 
condição e produto 
de sua "natureza 
humana" a 
capacidade de 
transformar-se, 
transformando o 
meio, de criar 
símbolos e de 
transmitir o 
conhecimento 
produzido e 
acumulado aos seus 
descendentes. 
Imaginemos a situação fictícia do 
"homem das cavernas" ao descobrir o 
fogo. De repente, ante seus olhos perple-
xos, durante uma tempestade, o céu pare-
ce rachar-se com uma fenda luminosa. 
Essa luminosidade, ao projetar-se sobre 
o tronco ressecado de uma árvore, faz com 
que dele sUIjam colorações avermelhadas 
t d nh 
•••••••••••••••• 
an es esco ecidas. O homem aproxima-
s~ curioso e logo aprende que "aquilo" esquenta e queima. Como 
nao se sente capaz de reproduzir a rachadura luminosa no céu con-~:ntr~ sua atenção no tronco ressecado da árvore. Depois de ~árias 
ntatJ~as, percebe que, ao esfregar um galho contra outro a mesma 
sensaçao de "q t" ,. ' co . uen ~ e prodUZida. Insistindo na fricção, finalmente 
nsegue r:produzlr ~m efeito semelhante àquele que presenciara_ 
fo ....• _A vld~ em SOCIedade desse homem primitivo sofre uma trans-
ra~a?ao radIcal com essa descoberta. Nos períodos de temperatu-
. 3.lXas, os membros do "rupo pod alinie t "'. em permanecer aquecidos, os 
em rna os crus ~ode~ ser COZIdos e vão sendo encontrados outros 
p e",os para aquilo que esquenta e queima". Os homens não se 
1S 
""1 I 
i' I, 
. : I 
I. I 
I 
I ! 
Educação e diversidade cullural 
imaginam mais sem essas criações, passam a ter novas necessida-
des e continuam em busca de aperfeiçoamento de suas descobertas 
e de scu próprio desenvolvimento. 
• A Milhõ~s .de anos depois, salvo se para reproduzir a suposta 
expenencla ongmal daquele "homem das cavernas" ou na lastima-
~a ~usência de uma caixa de fósforos ou de um isqueiro, não esfre-
o~namos um galh.o seco. contra outro para produzir fogo. Não pre-
cisamos reprodUZir_ou viver a mesma experiência porque, ao longo 
do tempo,.a p.:oduç~o do fogo pelo homem foi sofrendo um proces-
so de recna!ao, rea,)ustes, transfonnações, transmitido às gerações 
que se segUIram. Isso por meio de um sistema de símbolos como a 
linguagem, no qual essa experiência pode ser narrada e re;ivida no 
pensamento e na imaginação. 
À rachadura luminosa no céu deu-se o nome de "raio", e às 
colorações avermelhadas que emergiram do tronco seco da árvore, 
o nome de "fogo". Para não dizer que, afinal, todas as coisas que 
cercavam o homem foram nomeadas, permitindo a comunicação e 
O aprendizado mesmo sem a visualização das coisas referenciadas 
ou sem a experiência vivida. Trata-se então de uma experiência pen-
sada, de reflexão sobre a vida. 
Cultura e educação universais e a sua 
singularidade plural 
Esse processo ;~riação e transmissão contínuas do conhe-
cimento conforma aqui(o que chamamos de .processo cultural. Tal 
processo é inseparável da condição social do homem. Porque se 
transforma ao longo do tempo, é histórico, e, por ser comum a to-
dos é considerado uniy'er~aJ. Porql\~ implica o conhecimento e o 
apr~ndizado, é um~r6t6ss'oeducac;ional.~ . ,. 
, Assim, podemos definir a educaçao como proce~s~ hlston-
. . : co universal, como a ação que procura reafinnar a condiçao d? ho-
"'. . mem como um ser que se distingue de todos os outros no conJ~nto 
da natureza. Disso decorre que a educação é expressão do SOCIal e 
da cultura que caracteriza universalmente todos os seres humanos, 
uma expressão que, por ser histórica, transforma-s=. Nessa ~ers­
pectiva, processo educacional, pr.od~çãO cultural e natureza so-
cial humanos são experiências COinCidentes. 
16 
Cone Nos run~JamentaJs 
Não se pode compreender o homem dissociado da socieda-
de. da cultura e da educação construídas historicamente por cle pró-
prio. Isso porque o homem uni versal é ele 
mesmo histórico e se transforma. . •••• s ••••••••••• 
A educação e Para além do universalismóe da 
historícidade do homem, um aspecto apa-
rentemente contraditório resgata uma 
perspectiva relativizadora de sua presen-
ça no mundo. A pluralidade de experiên-
cias interativas e reflexivas vividas pelos 
homens em diferentes meios e condições 
de sobrevivência faz com que a socieda-
expressão do social 
e da cultura que 
caracteriza 
, de, a cultura e a educação ganhem con-íl ~s sing.ulª.I:.G.~ . Na verdade. a singula-
\ ridade não deixará de ser expressão da 
universalmente 
todos os seres 
humanos, uma 
expressão que, por 
ser histórica, 
transforma-se. 
historicidade e universalidade humanas, •••••••••••••••• 
mas por vezes esses aspect(Js vão ap~e-
cer na História como se'esÚvessem dissociados. 
. . _ ..... . Considerando as di ferentes condições geográficas. geológi-
cas, climáticas, botânicas, zoológicas etc. dos continentes habita-
dos da Terra - Ásia, Europa. África. América e Oceania -, já 
seria impossível imaginar que da interação dos homens com o meio 
resultassem experiências iguais. Se não restam dúvidas de que essa 
interação é universal, a diferença dos meios vai condicionar expe-
riências diferenciadas e a 
produção de conheci-
mentos também diversos. 
baseados na vivência ef 
ou na reflexão. 
Por exemplo, a 
experiência do frio e da 
neve vivida nos países do
Hemisfério Norte pode 
ser apenas imaginada nos 
paíseJ da linha do Equa-
dor. E lógico deduzir que 
as Soluções para enfren-
tar as baixas temperatu-
rastenham sido buscadas 
o esquimó consegue identificar uma grande 
variedade de tipos de neve, ao passo que o homem 
urbano percebe. em geral, apenas um tipo. 
17 
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Educação e dr,lersidade culru~al 
nos primeiros. O viajante tropical pode até mesmo surpreender-se 
por sentir menos frio durante o inverno nos países europeus do que 
em sua terra de origem. Isso porque, na Europa, as construções dis-
põem de um sistema de aquecimento para tornar a temperatura su-
portável. Ali também há produtos têxteis que foram especificamen-
te pesquisados para a confecção de agasalhos próprios para enfren-
tar o clima invemal. 
Em resumo, o homem em diferentes meios tem necessida-
des diferenciadas e busca soluções diversas para atendê-las, que re-
sultam em experiências e conhecimento singulares. 
As perspectivas relativistas e 
anti-relativistas da cultura 
Ao afirmarmos que o homem em condições naturais dife-
rentes constrói o seu conhecimento a partir das imposições do meio, 
queremos crer que não estejamos caindo numa armadilha do evolu-
cionismo, perspectiva teórica que marcou o início da antropolooia. 
Essa ciência constitui-se com a preocupação de compre~n­
der as diferentes culturas humanas. Mas é, ela mesma, fruto de ne-
cessidades humanas, nascendo comprometida com o contexto his-
tórico que a originou e no qual se transformou. Embora o homem 
tenha sempre buscado interrogar a s.i mesmo, o projeto de fundação 
da antropologia enquanto ciência do homem é recente. Apenas no 
final do século XVilr é que o próprio homem começa a ser tomado 
como objeto do conhecimento. E, no século XIX, a antropologia 
define como objeto de estudo as populações não pertencentes à ci-
vilização ocidental, as chamadas "sociedades primitivas". 
Como mostraremos no próximo capítulo, no século XVI são 
descobertos e explorados espaços desconhecidos. Já no século XVIII, 
o movimento iluminista procura organizar o discurso, até então vei-
culado pelos viajantes, sobre os habitantes do Novo Mundo. O sé-
culo XIX, época em que a antropologia se constitui como disciplina 
autônoma, assiste a uma nova expansão colonial. 
Nesse movimento de conquista, os passos do antropólogo 
vão acompanhar os do colonizador. portadores de culturas diferen-
tes, os colonizados passam a ser vistos como "primitivos", ou seja, 
ancestrais dos civilizados e indissociavelmente ligados à origem da 
'- -:Jr.( t'1(OS r l Jr 1damo2f",l;,1f'~ 
civilização. Assim, todas as formas de organização soc ial teriam 
evoluído de formas mais simples em direção às mais complexas, 
rumo ao "progresso". 
O pensamento evolucionista, ao defender a existência de 
uma espécie humana idêntica que se desenvolveria em ritmos dife-
rentes, passando pelas mesmas etapas até alcançar a "civilização", 
aparece, hoje, como etnocêntrico - tendenre a considerar a própria 
cultura como a medidá de todas as demais - e colonialista. Isso 
porque se procurou medir o suposto atraso das "sociedades primiri-
vas" em relação aos critérios ocidentais, com o progresso técnico e 
econômico sendo considerado "prova" da evolução histórica. Des-
sa maneira, o evolucionismo aparece como justificativa teórica do 
colonialismo. Associam-se a ele a defesa de determinações do meio 
físico e determinações raciais para explicar o maior ou menor "avan-
ço", a inferioridade e superioridade das culturas existentes. 
· . Pelo menos três razões nos afastariam das concepções evo-
I~clomstas d~ século XIX, ~uando afirmamos que o homem em 
dIferentes meIOs tem neceSSIdades diferenciadas e b 1-d." usca so ucoes 
Iversas para atende-Ias, que resultam em experiên .. • . 
mento singulares. Não se podendo neo-ar a eXistênci~I~: e ~onhecl­
expressões da mesma natureza dl·fi .':I~ dIferentes 
, lCI mente poder- 'e· d·· 
os homens respondem da mesma forma aos d fi :; -Ia Izer que 
· C . esa lOS colocad 1 
melO. onslderando a universalidade humana _ . os pe o 
as transformacões produzl·das . _' nao acredItamos que 
. na mteraçao ho mf . 
sofrer qualquer tipo de medição c . d . me melO possam 
· . apaz e avalIar s penondade. Essas transformaço-es - d fi. eu avanço ou su-
d h 
sao e mIdas na • . 
os omens com meios diferenc· d pwpna relação 
particularizadas. la os que resultam em respostas 
Por outro lado, se atribuímos a ca . 
aos homens, não se pode pensar em dete ~acl~ade tran~formadora 
em determinacões humanas no at d. rmlllaçao do melO, mas sim 
Do mesmo m;do defendida a u . en lml.ento de suas necessidades 
. . ' m versa Idade hum . . 
rem, uma espeCle humana ide"ntl·ca _ ana, ou, se qUlse-
. _ ' nao se pOdeJ·ust"fi 
ml!laçoes raciais biolóoicas pos . . 1 Icar que deter-
. d ' '" , saro mtervlr no pro . 
"'(la o de transformação do meio. cesso dlferen-
•.... Por fim, se, como dissemos anteriormente a ." . 
ne-se mes . ' ClenCla redefi-
..' mo que compromeuda com o contexto hl·sto' . d Justlficari Ih. fiCO, na a 
.. a que o o ar sobre a dIversidade cultural de nosso t 
10sse mold d . . . empo 
. a o com a perspecu va teonca elaborada no século XIX. 
19 
41-00576
Realce
Educação c diversidade CUltural 
Como já foi afinnado o conhe . 
se transfonna porque' e . clment~ produzido sobre a realidade 
mana. Por isso a nossa ~~a ~eah~a?e e transformada pela açao hu-
processada co' b . pçao leonca deve ser compreendida como 
m ase no conheci t luz da hist'· d ,. men .0 acumulado. Nesse caso, à 
ona a propna antropologia. 
~ . Representando um avanço em relação às perspectivas etno-
centncas e evolucionistas da" antropolooia, no início do século a 
corrente de pensame t ltu 1· '-. o . f " n o cu ra,l~ta, por exemplo, sugenu uma nova 
orma de abordagem antrqpologlea ao estudo da~ ditas sociedades 
p~mit~vas._~ .::~~~~ali~!!.!~J?!..~P!l"~h~()_ esforço de compreens.ãQda 
_dIVerSlda?e~':l.m~na, n~gando que ela pudesse ser explicada por de-
terminações biológicas ou geográficas. Para essa corrente, as fontes 
"dessa diversidade"estariam na cultura e no particularismo histórico. 
"TIessa maneii'a, as-aíterençãsê·üliurãis-apcnas poderiam sercom-
prcendidas no próprio contexto de sua constituição, sendo relativas 
a formas diferenciadas de 
organização social. 
A diversidade humana não é fruto das determina-
ções biológicas ou geográficas. mas das diferenças 
culturais e históricas. 
No entanto, ao 
propor a análise de aspec-
tos da cultura de socieda-
des diferentes do modelo 
ocidental segundo sua ló-
gica interna, consjderan-
do-os relativos ao seu 
modo de funcionamento, 
os defensores do éultura-
lismo muitas vezes incor-
reram nos mesmos equí-
vocos que pretendiam su-
perar. Logo se percebeu 
que o "relativismo cultu-
ral" não apenas elimina-
va a possibilidade de qual-
quer estudo comparativo, 
comO dificultava a com-
preensão da possibilidade 
de qualquer mudança cul-
tural nas sociedades pes-
quisadas, Imobilizadas 
20 
Conceitos fundamentais 
odelos ou padrões construídos pelos pesquisadores. No limite, ~m . I. 
isso justificava o tratamento difcrcnciado, dommador e paterna Ista 
das socicdades "avançadas". . _ 
No século XX, foi sendo ampltado o campo de observaçao 
d antropolocria, que passou a ser definido antes por uma maneira 
da bordar o"'obieto do que por um objeto específico, como foi o ea J • , f das "sociedades primitivas". Não sendo lmunes a trans onua-
caso . . d.f 
ção social, essas sociedades foram perden?o a~ caractens:lcas 1 c-
renciadas que atraíram a atenção dos primeiros antrop~'ogos. ? 
enfoque da antropologia, tomando o homem em ~ua totabdade, dl-
rioiu-se então para todas as épocas, todas as SOCiedades,
em todos 
o; recantos do mundo. A antropologia manteve-se atrelada ao seu 
interesse pela diversidade cultural. E na medida em que essa diver-
sidade mereceu a sua reflexão, o conhecimento sistematizado sobre 
a diversidade constituiu uma construção teórica. Tal como explica-
mos anteriormente, a experiência vivida pelos homens passou a ser 
pensada pelos antropólogos a partir de conceitos, idéias, de formu-
lações teóricas nem sempre concordantes. 
Ainda hoje, recolocando em outras ~~s~'§.2.s..9...l!~stõ"~1!P_0J1.:-. 
tadas pelas perspectivas evolucionista e culturalista, o deba~.~J!l 
tomo da diversidade cultural é travado entre duas principais posi-
ções. De 'um-fãêiO,'-ã éômpre·ensiô-Cia di~er;Xdadeculturai sendó 
informada pela universalidade"humana. 1:)e outro, a diversidade 
cultu·ral ' podendo ser compreêridida· exclusivamente no contexto 
particuTã! ·éfi" que foi daborada, "sem qualquer determinação uni-
-versal:·A primeira perspectiva é chamada racionalista ou anti-re-
lativis"ta: por oposição à segunda, denominada relati vista por dc-
fender o relativismo cultural. 
A perspectiva anti-relativista ou racionalista é às vezes vista 
como incapaz de explicar os particularismos. uma vez que estes são 
reduzidos a umiestruturã" permanente, definida pelos universais da 
ação e pensamentos humanos. Mas a perspectiva oposta também é 
questionável: a posição relativista acaba sendo presa de uma análi-
Se redutora, ao centrar sua atenção !I?~f\~ no contexto particular 1)9_ 
~ a diversidade é produzida. P~rde-se de vista o contexto históri-
co .global em que essa e outras particularidades estão mergulhadas . 
A~ ser negada a possibilidade de compreensão da singularidade a 
partir da comparação com outras particularidades existentes, é invia-
bilizada a sua própria compreensão. Quando definimos algo como 
--_.-. - -- ----- '--- _. -- - -----
• 
21 
41-00576
Realce
41-00576
Realce
IifHll1 
Educaç~o e diversidade cultural 
diferente, temos necessariamente um parâmetro de refcrênci~ para 
fazer essa afirmação. Afinal, trata-se de algo diferente do que? 
Mas, evitando os riscos de tomar a diversidade cultural como 
epifenômeno da universalidade humana, parece-nos possível unir à 
perspectiva racionalista e histórica a dimensão da singularidade. 
Portanto, a perspectiva que adotamos para a compreensão da diver-
sidade cullUral quer inserir-se na zona de tensão entre as posições 
anti-relativistas e relativistas. 
A indissociabilidade do singular e do 
universal 
Os conceitos até o momento definidos - homem, história, 
sociedade, cullUra e educação - têm duas dimensões não exclu-
• • • • • • • • • • • • • • •• dentes: uma universal e generalizada; ou-
tra singular e diferenciada. Mas o fato de 
serem dimensões intrinsecamente rela-
cionadas não nos autoriza a afirmar que 
convivam de maneira harmoniosa e sem 
conflitos. A indissociabilidade entre es-
sas duas dimensões muitas vezes só pode 
ser percebida por meio de mediações que 
levem primordialmente em conta o pro-
cesso histórico e a funcionalidade que, por 
exemplo, possa ter no presente uma ma-
. nifestação culrural do passado, preserva-
da pela tradição. 
Os conceitos até o 
momento definidos 
- homem, história, 
sociedade, cultura e 
educação - têm 
duas dimensões não 
excludentes: uma 
universal e 
generalizada; outra 
singular e 
diferenciada. Mas o 
fato de serem 
dimensões 
intrinsecamente 
relacionadas não 
nos autoriza a 
afirmar que 
convivam de 
maneira harmoniosa 
e sem conflitos. 
•••••••••••••••• 
22 
Além disso, deve-se considerar 
que, se qualquer atividade humana pode 
ser considerada pertinente à cultura e à 
educação, nem sempre é reconhecida 
como tal. Para que essa relação se ef!<.tj-
ve, é preêíso'qüêõ-iiúréii(;'ª~cas 
soC1ãis a dã"s-iúiibua slgnificado_çllll1JE.l 
~ ·e(i"üéãcional. Por' várió'$-ffiôtivos, isso ... 
nern serÍipre ocoiTe riô contexto e.mq\ll! 
tal s-ujeito-vive. A principal razão que leva 
-o"homem a nãó atribuir significados cul-
_._-----~ 
. nal a suas prátic~ __ é_,o_ ~~() d.e. _~.~_s.:.~pre ~e 
!Unll e1ol!...l?d.!l~~~!O . 'do-mundo e de seus slgIlIficados. AI a 
-- orno construtor .. -" - -" _.' - - .- " d-
- reconhecer_:: , __ . . - .,. " -1 '- ..... e' du'cacão aparecem como cntl a-', 
~ . dade a cu [Ura, a, I -
. histÓria, a socle , b dos homens, sem qualquer re açao : 
ue airam sobre as ca eças - ' 
des q p . presença no mundo. . 
com a sua Vida e a s~a ocessO de reflexão do homem sobre a . 
poderia ser dIto que o pr e oanhar vida .' 
lid de vivida e pensada escapa ao seu control.c e parec "' .... 
rea a. õe- humanas reaIS assumem COl1lomos.· 
própria. Com ISSO, as constrUç , 
irreais e fantasmagóricos porque, mesmo •••••••••••••••• 
sendo uma produção histórica do homem, 
nelas ele não se vê como produtor. 
a processo histórico capaz de 
nos fazer entender o porquê dessa disso-
ciação entre o homem e suas obras re-
monta a épocas imemoriais. São as ca-
racterísticas particulares dessas épocas 
que fornecem conteúdo a nossas formu-
lações abstratas que definem o homem 
como ser histórico, social e cultural. De 
qual homem falamos, de que tempo, 
quais as relações que estabelece entre si 
e com o meio, qual o produto de sua ação 
prática e reflexiva? Essas são as ques-
tões que preenchem de conteúdo histó-
rico, vivo, nosso esquema teórico. 
o processo histórico 
capaz de nos fazer 
entender ° porquê 
dessa dissociação 
entre ° homem e 
suas obras remonta 
a épocas imemoriais. 
São as características 
particulares dessas 
épocas que 
fornecem conteúdo 
a nossas 
formulações 
abstratas que 
definem o homem 
como ser histórico, 
social e cultural. 
Para que possamos ter uma idéia 
geral e aproximada sobre essa questão, va-
mos voltar no tempo, ao período que inau-
gura na História a chamada Idade Moderna 
ou modernidade. Épocas anteriores tiveram •• • • • • • • • • • • • • • • 
suas próprias características. Ao lonoo dessas e'poc . 
_ . I . o as, outras oroaruza-
çoes SOCIOCU IUratS construíram t:StrUturas especial" _ d o às d . d -fi lza as para atender 
eman _as especI lcas de conhecimento sistematizado. 
. .~ao por acaso escolhemos essa época para dar-lhe conteú-
do ~Istonco . Mas porqu~ de seu conhecimento depende a compre-
ensao do mom.:nto que vivemos. Como as caracte -·t·· '-
. d ns Icas atuais nao 
vieram o na~a , mas foram produzidas e transformadas em movi-
mentos de ac~mlllo e superação do fazer e pensar humanos é im-
portante definmnos a trajetória que nos conduz até aqui . ' 
23 
I 
1 I 
I 
I 
i 
11 
24 
- ---- ._----~-----
Educação e diversidade CUltural 
Essa tal modernidade ... 
A Idade Moderna é . . 
aqueles que qu d maIS antIga do quc poderiam imaoinar 
, eren o empreoar a I d' <> tu arem no t '" pa avra mo ernldade para se si-
d 
empo atual e darem mostra de que têm acompanhado 
um certo ebate da moda 
N - ' pensam ter ela sido criada há poucos anos. ao pelos mesmos t' . I mo IVOS, acredItamos poder empreoar a 
pa avra mo.der;~.idade referindo-se ao nosso tempo, na medid~ em 
que sua traJetona ~e identifica com a trajetória do capitalismo. 
. Nes~e sentl:lo, contrariamos certos estudiosos para os quais o 
cOllJunto de movaçoes de nossa época, cuja medida exata ainda dcsco-
nhecemos, possa ser chamado de "pós-modemo" pelo fato de apresen-
tar-se ~omo uma novidade ou por não termos outro nome para dcsignar 
a atualidade, mesmo que comporte expressões já conhecidas. 
Em grandes pinceladas, a modernidade inicia-se em t01J1o ... 
do século XV, quando se define o fim do feudalismo ou Idade Mé-
êiíâ;'em'dêSinteiração desde o século XII, be-u~a s~~'i~d~d'~ Q;g~­
liIZãdá 'emrelaç6esde suserania e vassalagem bas~~a_~aposse da 
terra e em moldes teocêli.tricos, na qúal D~usia'-medl.da, !ie todas as 
coisas'- gradativamente
o comércio desenvolve-se em núcleos cha-
mados burgos, o que origina a denominação dos seus habitaTl~es 
dedicados às atividades mercantis: os burgueses. 
A expansão européia promovida pela descoberta e conquista 
de novos continentes e novos mercados para promover a acumulação 
do capitalismo - o novo sistema econômico, sociaJ e político emer-
cente - é o marco dessa época, O capitalismo organiza-se a partir da 
instituiçãO da propriedade privada que permite o controle particular 
de bens ou da 'riqueza social. Dess~ modo são estabelecida~ as rela-
ções entre proprietários dos meios de produção, ou seja, os instru-
mentos de trabalho e capital, em sua forma monetária, e aqueles que, 
não sendo proprietários desses meios, dispõem de sua força de traba-
lho vendida em troca de salários. O contrato aparentemente justo en-
tre capitalistas e assalariados camufla, entretanto, as relações de ex-
ploração destes últimos e de desigualdade no acesso aos bens mate-
riais e espirituais hwnanos. A tendência fundamental do capitalismo 
é a concentração dos meios de produção nas mãos de poucos. 
Do ponto de vista da dissociação entre ação e pensar huma-
nos, mencionada linhas atrás, além do acesso desigual à riqueza so-
cial e ao conhecimento, a modernidade e com ela o capitalismo im-
ConceilOS fundamentais 
põem, mediante a divisão social do trab.alho, a perda do controle total 
do processo de produção de merca~onas pelo trabalhador. Se ante-
riormente um artesão, dono de scus mstrumentos de trabalho, acom-
anhava cada fase da produção de uma mercadoria, sob o modo de 
p d" I produção capitalista o trabalha or e resp,onsave por apenas um mo-
mento do processo produtivo, A mercadona em sua fOffila final aparece 
como que autônoma, como se não implicasse o trabalho humano, 
Imagine um sapateiro capaz de desenvolver todas as tarefas 
na confecção de sapatos, com seus próprios instrumentos de traba-
lho e, em outro momento, um trabalhador responsável apenas pelo 
corte do couro em um maquinário a vapor. Relaci one o tempo ne-
cessário para a produção de sapatos nessas duas situações e o nú-
mero de trabalhadores, bem como a quantidade dessa produção c os 
seus custos. Avalie as diferenças entre o domfnio do conhecimento 
do processo de produção de sapatos nos dois casos. Por fim, substi-
tua o mecanismo da máquina a vapor pelo elétrico c, em seguida, 
pense nas atuais indústrias controladas pela informática. Com o 
desenvolvimento e aprimoramento de técnicas, outras mudanças vão 
sendo incorporadas ao processo produtivo, intervindo no número 
de trabalhadores em relação direta com a produção de mercadorias. 
No desenrolar desse processo, a impressão que se tem é que 
aquilo que não é produzido diretamente pelo homem, que não é 
mais produto da sua experiência concreta, vai perdendo a riqueza 
de significados atribuídos por outras pessoas, chegando a aparecer 
ante seus olhos como algo mágico e absolutamente dissociado de 
sua própria ação. Quem diante de uma vitrine perderia tempo para 
pensar que naquele desejado par de sapatos está concentrado traba-
lho humano? Aliás, o único trabalho capaz de acrescentar valor a 
qualquer matéria-prima, porque a transforma. 
25 
, , 
I 
I 
'I I 
i 
26 
Um pouco de história 
À luz da nossa compreensão da história como processo e 
construção humanas, vamos relembrar algumas características as-
sumidas pelas relações dos homens entre si e com o meio na moder-
nidade. Trata-se de dar continuidade e desdobrar, sucintamente, 
aquilo que foi mencionado no capírulo anterior, e demonstrar que 
essas características, historicamente produzidas pelos homens, so-
frerão transformações ao longo do tempo. 
Os primórdios dos tempos modernos imprimem suas mar-
cas em diferentes níveis . No plano econômico, os descobrimen-
tos favorecidos pelo desenvõ[vlmênto da navegação, do uso da 
bússola e do astrolábio garantem acesso a mercados fornecedo-
res de matérias-primas não disponíveis na Europa. No pl~: 
tur!,!!, o movimento denominado Renascimento advoga que tüdo 
pode ser explicado pela razão e pela ciência, por meio da experi-
mentação e do emprego de instrumentos. No plano religiosq, a 
Reforma Protestante põe fim à hegemonia da Igreja CatÓlica na 
Europa ocidental e central, atendendo com sua ética aos interes-
ses da burguesia. A reação católica chamada de Contra-Reforma 
não tarda. 
Entre os séculos XV e XVI são formadas as monarquias 
nacionais, com a centralização do poder político. A burguesia 
emergente apóia o poder real e tem seus interesses favorecidos 
por ele. O sistema político absolutista, no qual a autoridade 
concentra-se no soberano, expressa o ideal e os interesses 
nacionais. 
Como conseqüência da expansão comercial e marítima, 
do fortalecimento das monarquias nacionais absolutistas e da po-
lítica mercantilista de exploração das colônias em proveito das 
metrópoles - que caracterizam o capitalismo nesse momento 
_, ocorre o processo de colonização européia, durante os sécu-
los XVI e XVII. 
o universalismo europeu . . 
. 'mOs as dimensões da umversahtbde e da 
Há pouco diSCUti . fazer e o pensar humanos Em 
. aractenZam o · . ,. ' ._ 
'n"ulandade que c d m a caractenzou -se pda lO~pansno 
SI " .' a época mo e . 
se"uida fOI dito que d bata e conquista de no vOS conu-
e . da pela esco -
européia, promoVI ' talisrno em sua expressa0 mer-
cados para o capl d" . 
nentes e noVOS mer mecam a se estrUturar as ren cncJaS 
, '1 Desde esse momento. co ' . 
cant!o . d novo modo de prodUZir a 
"eralS esse ~xistência humana, tanto na forma de or-
. -o "ocial quanto na cultural. 
"afllzaça .' 
e Mesmo considerando que o mer-
cantilismo assumi! formas dif" ren tes em 
cada país, um aspecto comum nessas ex-
periências é a busca de vantagens para :;s 
europeus. A exploraçao das colomas pe-
las m~poles, em benefício exclusivo 
destas últimas, só pode ser assegurada 
•••••••••••••••• 
A singularidade 
européia se arroga 
como universalidade 
sobre as demais 
singularidades, com 
as quais entra em 
contato na empresa 
colonizadora. ]pela imposição da visão de mundo euro-
~ia sobre a população nativa, compreen- •••••••••••• D • • • 
dendo a forma de organizar-se social. cul-
rural e educacionalmente. Ou seja, a singularidade européia se arro- ' · 
ga como universalidade sobre as demais singularidades, com as quais /~ 
entra em contato na empresa colonizador.J.. / 
Para verificar como foi imposta essa visão do mundo, v~ ­
mos examinar o caso do Brasil, integrado ao império ultramarino 
português no século XVI. 
A colonização brasileira 
. Apó~ o "desco?rirnento", as primeiras expedições de reconhe-
cunent~ do lit?ra1 brasileiro e o início do extrativismo do pau-brasil a 
ocupaçao efenva do território se desenvolve a partir de 1530. Tendo ~r 
b~e a monoculrura da cana-de-açúcar, o latifúndio e a utilização de 
mao-de-obra escrava, a econoffÚa colonial gira em tomo do poder do 
senhor de engenho, donde advém o seu caráter patriarcal. 
. O escravismo não é uma alternativa, mas uma decorrência 
lógIca da colonização. Para a garantia e o funcionamento do pacto 
27 
',iW :11 
I ~ 
I 
~ I 
I 
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1' 
!' 
[ 
tOucação e Oiversldade cultural 
colonial. impõe-se o em re d 
_ mesmo em sua form PI' ~o e formas de trabalho compulsório 
a Imite como é a' 'd- O 
comercial da metrô ole s' e~cravl ao. monopólio 
nias, indispensa' v . P, obre a.s mercadonas produzidas nas colô-
. ,eiS as economias euro " 
mulo de capitais c b' pelas, e a promoção do acú-
. om alxos custos de prod - 'd . dos por esse trabalho Afi . uçao s~ po em ser.obu-
pIoradas a eve tI ' , . m:l, com Imensas porçoes de terra mex-
. ' n ua utllIzaçao de trabalhadores livres potencializa-~a s~a tr~nsfon~ação em proprietários, o que poderia implicar mã'o-
e-o ra insufiCiente para as atividades requeridas.
Antes ~o negro, o índio surge como um elemento importan-
te na co~struçao da colônia. Até a segunda metade do século XVII, 
predonuna o trabalho indígena, e sua escravização suscita polêmi-
~as entre os colonos e algumas autoridades eclesiásticas que dese-
Jam proteger os nativos. 
;-- Como parte da estratégia de imposição do universalismo 
li europeu, mais tarde, com o predomínio do escravo negro em todas 
l i. as áreas da economia, passam a ser elaboradas falsas explicações 
, . . para essa preferência. Nesse ideário sustenta-se que as característi-
cas físicas e culturais do índio apontam para uma pretensa superio-
ridade do negro para o trabalho na lavoura. 
As verdadeiras razões para a utilização da mão-de-obra 
negro-africana devem ser buscadas nas estruturas e práticas do 
mercantilismo português no início da colonização. A partir do 
momento em que começam a expandir seus domínios pela costa 
africana, no século XV, os portugueses iniciam o tráfico dos ne-
gros como escravos, pois este se revela uma atividade bastante 
lucrativa, capaz de sanar os problemas e as dificuldades na ob-
tenção de mão-de-obra. O eSCravo negro, sendo mercadoria, tem 
o status de "coisa" e não de "gente". Ninguém o ampara. Assim, 
na colonização do Brasil, não tarda a prática de substituir por 
negros africanos os escravos indígenas defendidos pelos jesuítas 
e outros religiosos. 
Nos primeiros séculos da colonização brasileira, a Igreja 
Católica se confunde com o Estado em razão do padroado, que é a 
forma pela qual o governo de Portugal exerce sua função de prote-
tor do catolicismo, religião oficial e única. permitida no reino, con-
cedendo o rendimento de taxas e outros benefícios ao clero. 
Partilhando de uma mentalidade comum aos católicos da 
época, reagindo contra a Reforma Protestante, os colonizadores 
Um pouco de histÓria 
portugueses se vêem como guerx:~iros em luta c?ntra os i~m.igos d,a 
c' A ('deolo"ia de ""ueITa santa se reflete na Implantaç3CJ da rel! -
le. o er 
"ião dominante. Os clérigos que se estabelecem com relati va facili-
dade dentro do sistema colonial são subordinados à estrutura pat.ri -
areal, mas nem por isso a Igreja Católica deixa de ser uma das [or-
ças de sustentação do sistema implantado. 
Na estratégia de redução do "outro" ao "mesmo". isto é. de 
imposição do universalismo europeu sobre as singularidades social 
e cultural de índios e negros, a Igreja Católica desempenha um pa-
peI civilizador importantíssimo, mediante o controle do processo 
educacional de uniformização da fé e das consciências. 
A educação na colônia 
Tal como sc organiza o sistema colonial. não há por que 
pensar na necessidade de oferecer uma formação especial para os 
~scra~os índios ou negros trabalharem nas lavouras. Nem se pode 
Im~g~nar que qu:uquer forma de educação sistematizada seja um 
obJetiVO persegUido pelo colonizador na colônia. 
No entanto. um conjunto de práticas pedagógicas de con-
tr~le e subm.i~~ã,!?,~_de~?..Y9.1~ido junt2.!l()sq1fe, sendo. diferentes~-" 
~!O prof~s~a.:;; a. ~c:...C~t::~I~a..,e s,ão, 'p?rtanto, al .. os p~vilegia~os da 
_oE.<:tT.a santa empreendida a partir da Contra-Reforma. Por melO 
de sua ordem, a Compa- ... .. . .. ' 
nhia de Jesus, os jesuítas 
mostram uma acão mais 
intensa que a de outras 
ordens religiosas atuan-
tes no Brasil colonial. 
( ,.. Na legislaçao da 
i Companhia de Jesus, I consta a obrigação de co-
.I nhecer bem a língua do 
local de atuação. A nor-
tna.é seguida à risca por 
muitos jesuítas, preocu-
p.ados em chegar ao Bra-
sll . 
o · ··· · , . .. .. . .. ~ -
engenho de açúcar. mais do que uma unld~de' 
prOdutiva .. torna-se uma escola de vaiores impOStos 
aos colonizados. .e aprender as línguas 
29 
Educação e diversidade cultural 
indígenas e africanas. O aprendizado sem dúvida facilita a comuni-
cação - e também a dominação. 
A obrigação de todos aceitarem a religião católica, espontâ-
nea ou coercivamente, explica o batismo em massa de índios e ne-
gros no Brasil colonial. Por meio do batismo, dá-se a sua inserção 
na escravidão, no sistema de trabalho imposto pelos colc)nizadores. 
Em complementação ao batismo, o castigo é encarado como 
princípio moral da formação do trabalha-
• • • • • 11 .. • • • li • • li •• dor. Para os moralistas, vinculados à Igreja 
Na estratégia de Católica, cabem ao senhor de engeoho 
redução do "outro" 
ao "mesmo", isto é, 
de imposição do 
universalismo 
europeu sobre as 
singularidades social 
e cultural de índios 
e negros, a Igreja 
Católica 
desempenha um 
papel civilizador 
importantíssimo, 
mediante o controle 
do processo 
educacional de 
uniformização da fé 
e das consciências . 
quatro obrigações em relação aos escra-
vos: dar sustento, doutrina, trabalho e cas-
tigo. O não-cumprimento dessa obrigação 
moral é interpretado como um pecado. O 
castigo é estrutural. Sem ele, o sistema 
colonial não sobreviveria, em função das 
fugas e revoltas de escravos. A fuga tam-
bém é apresentada como um pecado. 
Os representantes do sistema se 
preocuparam bem mais com a catequese 
dos indígenas do que com a dos escra-
vos negros. Era costume batizá-los em 
massa na África, antes do embarque nos 
navios "tumbeiros". Considerava-se que, 
ao chegarem ao Brasil, já estariam inte-
grados ao sistema colonial. Por isso, não 
houve interesse em investir numa cate-
quese explícita e especializada para os 
• li ••••• li li • li • li li li li africanos. A sua catequese ocorreu e 
pode ser pensada dentro dos limites da 
30 
família patriarcal. Não obstante, enquanto doutrinação e redução 
do "outro" ao "mesmo", desempenhou um ünportante papel no 
controle da população escrava: 
A catequização jesuítica dos negros parte da idéia de que é 
preciso adaptar o dogma à suposta mentalidade infantil dos escravos. 
Desse modo, a proposta de catequese se baseia em perguntas simples 
e repetitivas que exigem respostas monossilábicas e mecânicas. 
No tocante aos índios, a ação dos jesuítas se diferencia, 
embora o objetivo continue a ser a cristianização e a pacificação a 
Um pouco u" '"" '.v 
fim de tomá-los dóceis ante o universali smo .::uropcu São criadas 
as redUções ou missões, grandes aldeamentos onde os jesuítas tam- 1\\ 
bém utilizam O trabalho de escravos negros que, neste caso, com- ,(J " 
partilham o tratamento dado aos nativos. Localizadas no sertão. as '~:. " ~o 
missões distanciam-se dos núcleos urbanos e dos centfos prod uto- I .. / 
_. res coloniais. Mas essa tentaLÍva de proteção ao índio, violentando 
sua forma nômade de viver, não raro facilitou o aprisio namento e a 
destruição de várias populações indígenas pelos colonos e em espe-
cial pelos ban4.~irantes. 
.----"" ......-"---
Retórica, repressão e resistência 
Durante a presença jesuítica no Brasil colonial (1549- 1759), 
além da maciça catequização dos índios, é promovido um trabalho 
de educação dos filhos dos colonos, de formação de novos quadros 
eclesiais e da elite intelectual da colônia. Surgem escolas elementa-
res "de ler e escrever", escolas secundárias e seminários. Aqueles 
que pretendem seguir profissões liberais, como direito e medicina, 
encaminham-se à metrópole para desenvolverem seus estudos. Essa 
estrutura se mantém até o século XVIII, quando a expulsão dos je-
suítas do Brasil destrói seu monopólio do ensino. Somente em 1772 
começa a ser implantado o ensino público oficial. 
Com uma estrutura de ensino que privilegia a literatura e a 
retórica em lugar do estudo das ciências, a educação luso-brasilei-
rapermanece distante das principais conquistas científicas mo-
dernas. No tocante à educação oferecida aos trabalhadores com-
pulsórios na colônia, escravos índios e negros, marca-se uma di-
ferença flagrante e inquestionável entre sua experiência vivida e 
pensada. Afinal, são obrigados a trabalhar segundo princípios
alhei-
os ea sua experiência passada, vivida, pensada e acumulada sofre 
uma ruptura violenta. 
. Passa a ser apenas possív~l pensar a vida social, cultural e 
educacional de índios e negros, bem como de suas estratégias de 
resistência, a partir do patamar da escravidão. Nele se expressa um 
tipo de relação estabelecida entre os homens para produzir sua exis-
tência, sob o capitalismo em moldes mercantis. 
A rigor, não se pode falar em resistência sem se referir à 
repressão e vice-versa. À medida que relatamos como se deu o esta-
31 
II 
I 
\ 
32 
Educação e diversidade CUltural 
beJecimento do universalismo eu 
resistência dos índios d ropeu. as formas assumidas pela 
'. e os negros foram sugeridas 
Hlstoncamente no B '1 . 
grupos socioCulturais d'f" r~SI , a repres.são é exercida sobre os 
sociais dentre as . I lercnclados a partIr de várias instituições 
, quaIs a ore a C ' I' poder de f d _" Jato Ica. No entanto, sem o mesmo 
te ' - ogo a repressao, a resistência se vale dos recursos que 
mama0 e de outras art' h 
f Iman as, nem sempre contundentes para se azer valer. ' 
A ~argem de resistência possível aos índios e nearos du-
r~nte o pe~lOdo colonial é mínima. Ante qualquer sinal de ~beldia, 
sao s~manamente eliminados. Não dispondo das armas de fogo do 
colOnIzador" a lu~a que índios e negros travam contra a dominação 
portuguesa e deSIgual e decidida de antemão. 
./' Alguns se suicidam. Muitos morrem de tristeza. Outros fo-
gem, adentrando as matas inexploradas e/ou formando quilombos. 
A maioria sobrevivente e ao alcance do braço civilizador precisa 
submeter-se para sobreviver. O que não quer dizer que a submissão 
anule a resistência, que pode ser manifestada sob inúmeras formas, 
inclusive com o silêncio. 
As missões surgem como verdadeiras frlstituições de doutrinação. em que 
se afirmava a cultura européia como a única verdadeira. 
Dos tempos modernos ao fim 
da guerra fria 
No capítulo I, quando começamos a falar sobre a Idade 
Moderna, dissemos que a sua trajetória se identifica com a trajetó-
ria do capitalismo. E, na razão direta em que o capitalismo vai sen-
do univer5alizado enquanto modo de produção, alcançando os re-
cônditos da Terra e destruindo outros modos de vida - num pro-
cesso que remonta ao século XV -, a educação, aos seus moldes. 
vai cumprindo uma missão civilizadora. 
Mas é apenas no século XIX que a educação e a escola pas-
sam a desempenhar um papel central na constituição da identidade 
-êõietiva de um povo e na sua reprodução. Na formação dos Estados 
nac-ionais, a centralização mais ou menos 
acentuada de poder e ? ên~e num corri- •••••• IJ " •• " " " ••• 
.QQ!}~nttô c!-lltural espe<::ífico identificado a 
ull! território explicam por que a educa-
s:.~ escolar toma-se um elemento funda-
mental nas estratégias políticas. 
No plano político, 
como expressão de 
um movimento 
global iniciado com 
a Revolução A educação e os sistemas de ensi-
no na organização capitalista, em razão 
d Industrial, nos fins e seu caráter social e cultural, não po-
dem deixar de responder, com coerência, do século XVIII, o 
à maneira como os homens passam a re- acontecimento mais 
lacionar-se contraditoriamente entre si e importante é a 
com o meio. Revolução Francesa. 
Entre os séculos XVIII e XIX " " " " " " " " " " " " " " " " 
consolida-se o poder econômico e políti-
c~ da burguesia As chamadas revoluções burguesas - a Revolu-
çao Industrial (1760-1830) e a Revolução Francesa (1789) - mar-
Cam a hegemonia do capitalismo, conquistada num processo de mais 
de três séculos. Tanto na fase anterior, denominada mercantil, quanto 
nas. fases seguintes, industrial e monopólica, esta iniciada nos pri-
melrOS anos do século XX, são mantidas as suas tendências funda-
33 
34 
QIIIIIIWI 
EdlJCação e diversidade culrural 
. '1' " de concentrar mentais de ser um processo universal e CIVI Izatono e 
os meios de produção nas mãos de poucos. Em cada fase, o modo 
de produção capitalista vai assumindo características particulares, 
embalado por inovações técnicas. 
A partir desse momento, é na uni versalidade do capitalismo 
que se pode encontrar a expressão de uma perspectiva educacional 
que promova e reproduza as diferenças sob o signo da desigualda-
de. É verdade que não sem provocar reações ou a proposição de 
, profetos alternativos de resistência, mas numa correlação de forças 
. "bastante desfavorável para estes últimos. 
A fase industrial do capitalismo 
No século XVIII, a Revolução Industrial iniciada na Ingla-
terra introduz no processo de produção a energia a vapor, substitu-
indo a energia humana. Concretiza-se, nesse momento, a passagem 
do trabalho artesanal e da manufatura para o trabalho industrial, 
bem como a passagem de uma sociedade eminentemente mral para 
uma sociedade com características urbanas. 
O progresso da técnica aplicada à indústria provoca trans-
formações profundas, que se difundem da Inglaterra para toda a 
Europa. As novas técnicas de produção trazem consigo novas ma-
neiras de 'aumentar os lucros. De acordo com a lógica capitalista, a 
Inglaterra é o país mais desenvolvido e seus intercsses econômicos 
impõem mercados consumidores cada vez mais amplos. Mesmo com 
o revés de ter perdido suas colônias americanas (os Estados Unidos 
tornaram-se independentes em 1.176), a Grã-Bretanha tem garanti-
dos mercados consumidores e mercados fornecedores de matéria-
prima, dispõe de mão-de-obra de antigos pequenos proprietários, 
despojados de suas terras e atraídos para as manufaturas, e inspira-
se em valores religiosos puritanos que vêem o enriquecimento como 
sinal da salvação. 
O tráfico negreiro e a escravidão, característicos do mercanti-
lismo, são empecilhos à concretização dos interesses ingleses basea-
dos no livre acesso de suas manufaturas a todos os mercados. Já no 
início do século XIX, a Inglaterra extingue o tráfico de escravos para 
as suas colônias e, em 1833, acaba com a escravidão. Nas décadas 
seguintes, o Brasil, maior importador de atiicanos na época, roma-se 
Dos rempos modernos ao fim oa gueff<-. li", 
b . • 'ca contra a escravidão . Devido à d campanha ntaIU 
pn'ncipal alvO a 'o possuir escravoS, e seu emprego O or fica onero~ - _ . 
fi rta cada vez men , quadro soc ioeconom lco q ue se o e roducente ante o . 865 
as'a a ser contrap lutar na Guerra do Paraguai ( I -P ~ . de escravos para . d I 
instaUra. O envIO il' resulta na morte de mIlhares e es. nos 
1870) pelo governo bras delro as e na concessão da alfoma aos so-
't" mas de oenç , 
combates ou VI I . d ais escassa a mão-de-obra negro-
. Isso toma alO a !TI . _ 
brevlventes. do as dificuldades de reposlçao. 
afri· acentuan . I cana, I ' . orno expressão de um movimentO g 0-No plano po ItICO, c .' Ir 
.. 'ado com a Revolução Industrial, nos fins do seculo XVI . 
bal mlcl. t mal's importante é a Revolução Francesa. Ela defi-
o aconteClmen o. I 
d do poder pela burO'uesla, a travessa momentos de go -ne a toma a '" .' 
t Or e contraO'olpes e repercute em outros palses da Europa. pes, err '" . _ .' 
Em 1815, com a vitória britâmca sobre Napoleao e os exer-
citos franceses na batalha de Waterloo, as grandes potências euro-
péias procuram reorganizar o mapa político mundial e conter o avan-
ço da revolução liberal. No entanto, as idéias libertárias não podem 
ser abafadas. Espalham-se por toda a Europa e alcançam as colô-
nias latino-americanas que progressivamente tornam-se indepen-
dentes, com o apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos. A inde-
pendência do Brasil, em 1822, faz parte desse movimento. 
, Passa a ser definido um novo movimento de expansão colo-
nial européia, diferente daquele que marca o século XVI, dirigido 
para as terras da América. No século XIX. novas formas de eneroia 
" - o 
Ja sao empregadas, como a hidrelétrica e aquela gerada em proces-
sos de comb~lstão de,derivados de petróleo - e o colonialismo vol-
ta-seyara a Africa e Asia em busca de matéria-prima industrial como 
carvao ferro 'I AI." ' 
. ' e petro eo. em diSSO, prossegue a procura de produ-tos ahm .' . . . 
_ .enl.lClOS Inex.lstentes na Europa e a expallsão de mercados 
con:ur:udores para os produtos industriais excedentes. As maiores 
feotenclas colonizad~ras dessa época são a França, Bélgica, Ingla-
rra, Alemanha, Itáha e dos Estados Unidos. 
A perspectiva iluminista 
d ' . N o plano das idéias, ou melhor, das concepcões culturais e e UcacIonais 'd' .' 
. ConstruI as a partir de novas condições econômicas, o 
mOVImento denominado Iluminismo marca esse período. O século 
35 
.' , 
I ~ 
'I 
I, i ~ , I I ' ' 
r 36 
Educação e diversidade CUltural 
XV_III , também chamado de Século da 
razao humana como o único ca az . s Luzes, reafirma o poder da 
cê-Ia e dominá-la. anunc'ad l d de Interpr~tar a natureza, conhe-
D fi .. ' I a es e o RenascImento. e tnlttvamcntc ro . d ' 
rios' cam os d . mpI os os VInculos com a religião vá-
Adam S~ith :~~~heclmento são ~ontemplados com as idéi;s de 
K ' c, Rousseau, Dlderot, Montesquieu Vollaire ant, entre Outros. • , 
Embora a presença rei" . " . 
. IglOsa jeSultIca no campo educatIvo contt~ue ~arca~te até a supressão da Companhia de Jesus. em 1773, 
o racIOnalIsmo IlUminIsta propõe uma escola lei<>a não vinculada à 
religião e livre dos compromissos de classe. O e~ls'ino passa, então, 
a .ser res~onsabilidade do Estado, além de obrigatório e gratuito. A 
vlnculaçao com o Estado acaba por conferir um caráter nacionalista 
ao campo educacional, acentuado pela aprendizagem de línguas 
vemáculas, em substituição ao latim. 
A escola e a educação desempenham um papel central na 
constituição da identidade coletiva e na sua reprodução. Dessa ma-
neira, na constituição do Estado, a centralização mais ou menos 
acentuada de poder, a ênfase num componente nacional identifica-
do a um território explicam por que o ensino torna-se um elemento 
fundamental nas estratégias políticas. 
Em que pese a proposta de uma escola para todos, presente 
no ideário burguês, o que na verdade começa a se conformar é a 
dualidade do ensino: um tipo de escola para atender aos anseios da 
burcruesia e outro voltado para os trabalhadores. Ou, em outros ter-
mo;' diferentes escolas para atender a uma clientela cujo acesso à 
riqueza material é diferenciado. 
A fase imperialista ou monopó'ica do 
capitalismo 
Pode-se dizer que o capitalismo atinge a sua fase monopóli-
ca na primeira metade do século XX, um período marcado ~r.uma 
crise econômica em escala planetária e duas guerras mundiaIS. O 
traço principal dessa fase é a !ybstituição da livr~ conc,orrência pelo 
monopólio. A concentração do processo produtivo atmge um, ~rau 
. tão elevado que favor~e o surg~mento de associações monopohcas 
capitalistas, como os cartéis e trustes, . 
Dos rempos modernos ao fim dõ guerr", (na 
Os trustes e a oligarquia financeira também controlam as fon-
t . de matérias-primas. Isso garante a partilha econômica mundial en-
:: pouco mais de uma centena de organizações ~ntemacionais, O ~o­
der dessas organizações sobre o mercado mantem estrelt.l$ relaçoes 
com a partilha tenitorial do mundo. concluída com a repartição das 
colônias e com o reordenanlento de forças resultante das guerras. Um 
punhado de enormes bancos domina a economia em escala planetária. 
Com as crescentes inovações tecnológicas e a sofisticação 
do processo produtivo, a sociedade capitalista passa a produzir imen-
sas quantidades de excedentes. Também 
em conseqüência disso, grandes contin- .............................. .. 
gentes de trabalhadores produtivos são Ii- Pode-se dizer que o 
berados pelas empresas. Dessa maneira. capitalismo atinge a 
cresce a população trabalhadora desem- sua fase monopólica 
pregada, aguardando uma eventual rein- na primeira metade 
corporação ao mercado de trabalho, for- do século XX, um 
mando um exército industrial de reserva, 
capaz de controlar os níveis salariais. período marcado 
por uma crise Cresce também o número de mi-
seráveis, de ociosos e daqueles que não 
estão diretamente ligados ao processo de 
produção. mas que devem consumir as 
mercadorias ali produzidas para garantir 
a sua subsistência. Assim é estabelecida 
uma relação parasitária de camadas da po_ 
pulação não produtoras diretas sobre os livre concorrência 
econõmica.em 
escala planetária e 
duas guerras 
mundiais. O traço 
principal dessa fase 
é a substituição da 
trabalhadores que geram a riqueza social pelo monopólio. 
no capitalismo. Para que esse parasitis- ...... a D 11 ........ 11 .......... 
mofuncione é preciso que o Estado assu-
ma' seu controle. transferindo os impostos obtidos com os "anhos do . r o 
_ s C~Plta. lstaS para as atividades desempenhadas por essa popula-
çaonao diretamente ligada à produção. 
...• Nessas condições, o capitalismo parece a"onizar. Baseado na 
expl - d o 
oraçao o trabalho humano e na produção de mercadorias em alta 
:~~ passa a produzir e a ~ep:oduzir o seu contrário, uma vez que as 
qumas começam a substltuu os homens no processo produtivo. A 
relação entre produtividade, preço das mercadorias, consumo e lucro 
sobre a qual o capitalismo se Sustenta decompõe-se à medida que, sem 
trabalho direto na produção, não há salário nem consumo. Para que 
37 
. ----------_.-
----~---------,-------
38 
Educação e diversidade cultural 
haja consumo por meio de salários ohtidos em atividades não direta-
mente produtivas, parte do lucro dos capitalistas é comprometida, o 
que também é um contra-senso para esse modo de produção, 
Vejamos, a seguir, alguns momentos marcantes da consoli-
dação da fase imperialista do capitalismo, 
A guerra de 19 t 4-1 91 8 e a crise mundial 
, A iniciativa colonialista do século XIX, com a partilha da 
" Africa em colônias e da Ásia em zonas de influência, rompe o equi-
líbrio europeu e contribui para a irrupção da Primeira Guerra Mun-
d,ia2 (1914- ~91~). Objetivos expansionistas e o medo de pen]cr po-
slçoes economlcas conquistadas levam praticamente todos os Esta-
dos europeus a se envolver no confl ito, que também mohiliza tropas 
coloniais, trazidas para lutar nas trincheiras européias. 
Em 1917, a Revolução Soviética destrói o Império Russo e 
contribui, segundo muitos estudiosos, para abreviar a guerra, Para 
isso também contribui a entrada dos Estados Unidos no conflito, 
em apoio ao bloco França-Inglaterra-Rússia contra a Alemanha 
e a .Áustria, Os acordos diplomáticos após o confronto evidenciam 
a necessidade de redesenhar o mapa da Europa para enfraquecer e 
controlar a Alemanha, Mas, poucos anos depois, o frágil equilíbrio 
do pós-guerra sofre o impacto da crise econômico-financeira de 
1929, iniciada nos Estados Unidos e que repercute mundialmente. 
Esse país financiara a reconstrução dos países destruídos 
pela guerra, procurando manter o nível de exportação de produtos 
excedentes, Porém, com a retração dos mercados, ocasionada pelo 
clima de instabilidade política na Europa, o ritmo de produção não 
pôde ser mantido, O excesSO de produção exige a estocagem para a 
manutenção de preços nos mercados, mas essa medida não impede 
a sua queda vertiginosa, Para contornar a superprodução, paralisa-
se o processo produtivo e muitos trabalhadores são despedidos, di-
minuindo ainda mais o consumo, 
Torna-se necessária a intervenção estatal para ceordenar a polí-
tica econômica americana, Apesar dos discursos em louvor da livre 
concorrência, medidas de caráter monopolista, corno a fixação de níveis 
de produção e preços e o controle de empresas de energia elétrica, são 
adotadas pelo governo Roosevelt, numa política chamada de New Dea!, 
Dos tempos modernos ao fim ~, ' 
;'J.;;'g\...\;;. 
o período ~ntr~ ~~erras
e a eclosão de 
problemas raCIaIS 
Entre a Primeira e a Segunda Guerra M~nd.ial ( 191 9- 1938), 
d ção e outraS contradições do capitalismo promovem a supecpro u . ' 
, levam os trabalhadores a se organIzar contra os mteres-
coses que , ' 
d b ('Iuesl'a Os movimentos trabalhIstas percorrem um gradl-ses a uro ' 
ente diversificado de reivindicações que ab~'an~e,m desde a luta por 
rnelhores salários até as propostas revoluclOnanas de transforma-
çíio das relações sociais, inspiradas r:a, Revolução Ru~sa: , 
... . A radicalização dos trabalhadores ante sua pess lma condl-
çíio de vida tem corno contrapartida a organização da burguesia in-
dustrial e financeira, disposta a defender seus interesses, Os movi-
mentos nazi-fascistas do período exprimem justamente essa reação 
da classe dominante, Empregando agressivamente em seu discurso 
idéias nacionalistas, essa classe manipula os anseios populares de 
segurança no emprego, controle inflacionário e fim do empobreci-
mento crescente em direção a um adversário "racial", 
Especialme~t: ~a Alemanha, as massas populares recepti-
vas a?s apelos autontanos passam a atribuir a responsabilidade pe-
las dificuldades econômicas aos judeus e a todos aqueles q 
- - d d'fi ' , ue, em 
razao e I erentes caractensllcas culturais como a rei' '- fi 
, , . !glao e e-
notlplcas, como a cor, não se enquadrassem na ideoloo!'a de" ' 
da raça" d" ' ", pureza 
.. ou a raça arIana", 
"'" 
Novo conflito mundial e novos blocos 
v "'~ ~ Segunda Guerra Mundial (1939-1945) reacendeu as di-
er.,enclas entre os adversários do conflito anterior J'a' ag d' d 
pela ' d 19' ' u lza as d cnse e 29. Em seis anos de lutas, tanto os países derrota-
e ~sUc~~o a A!~~anha, quanto os vitoriosos, Corno a Grã-Bretanha 
.S ' mao Sovleuca, sofreram imensas perdas materiais e humanas 
oosEstad U 'd . ' b " os 111 os unham condições de aproveitar em 1945 os 
enefIcloS econômicos do conflito. " 
U , . Como resultado da Segunda Guerra Mundial, os Estados 
:l,do~ (E~A) e a União Soviética (URSS) emergem como grandes 
p tenClas dispostas a delimitar suas áreas de influência. Uma "nova 
ordem mundial" , b 1 'd d ' -e esta e eCI a com a estrulçao da hegemonia eu-
~_R_= __ 
39 
Educacão e diversidade CUltural 
ropéia, devido à devastação dos _ 
pólios econômicos J' á man° c Pdalses e à consolidação dos mono-
, ltCsta a na Prim ' G 
O fim do conflito mu d' I eira uerra Mundial. 
envolvendo as duas superpo~n~iamarca o início d~ "gue~a fria", 
mundo passa a viver ao sab d s e seus respectIvoS alIados. O 
or os avanços e recuos na delimitação 
• • .. • • • .. • • .. • • • .. • • da~ áreas de influência dos blocos capi-
Como resultado da talIsta e socialista. Mesmo que em ape-
Segunda Guerra nas pOucas ocasiões o confronto tenha 
se transformado em ação militar, a po-Mundial, os Estados I pu ação mundial é manipulada idcologi-
Unidos (EUA) e a camente pelo medo e pela ameaça de 
União Soviética uma guerra atômica. Isso porque a cor-
(URSS) emergem rida armamentista entre os EUA e a 
como grandes URSS é acirrada - mas, paradoxalmen-
potências dispostas te, possibilita um relacionamento inter-
a delimitar suas nacional de coexistência pacífica a fim 
áreas de influência. 
Uma "nova ordem 
mundial" é 
estabelecida com a 
destruição da 
hegemonia 
de evitar a guerra. 
Do ponto de vista econômico, o 
mundo desenvolve-se estrondosamente. 
A industrialização se generaliza. Países 
dotados de uma frágil estrutura industrial 
são obrigados a promover sua adaptação 
aos novos tempos . No Brasil, por 
européia. exemplo, as duas guerras mundiais im-
• • .. • .. • • • • • • • • • • • pulsionam a indústria, na medida em que 
40 
foi preciso produzir internamente mer-
cadorias até então importadas da Europa e dos Estados Unidos. A 
partir de 1950, além da indústri.a de substituição de importaçõe~, 
outras atividades industriais começam a se desenvolver, com a di, 
versificação da produção. . (., .'. },':/' 
; _[I I : 
;J' 
,. . _/ 
t'.: . 
A reconstrução da Europa C· , .... /" 
A Europa, devastada pela guerra, é reconstruída rapidamente 
com a ajuda dos Estados Unidos, Com a aplicação do Plano Mar-
shall, os europeus podem importar produtos norte-americanos a 
baixo custo e adquirir equipamentos industriais mediante a utiliza-
ção de linhas de crédito. Desse modo, a economia dos países da 
Dos tempos modernos ao nm da guerra fria 
Europa ocidental se entrelaça à norte-ameri:ana. Ainda mais im-
ortante. esses países se alinham no bloco Itderado pelos Estados ~nidos ~a guerra fria - e é barrado o avanço do movi mento operá-
rio em países como a França e a Itália, nos quais poderosos partidos 
comunistas, líderes da resistência anti fascista, despontaram cm 1945 
como organizações de massa capazes de chegar ao poder por via 
eleitoral. Beneficiadas pelo Plano Marshall, a Alemanha Ocidental, 
a França e a Itália superam com rapidez suas dificuldades econômi-
cas internas. Também a Inglaterra consegue se reconstruir, mas per-
de importância econômica e política e a posição de destaque mun-
dial mantidas desde o século XIX. 
Um fruto da recuperação econômica é o projeto de constru-
cão de uma Europa unida, capaz de atuar com autonomia diante dos 
ÉUA e da URSS. Busca-se criar uma forma original de organização 
apta a integrar as economias de vários países europeus, em resposta 
aos efeitos da guerra fria, Nesse contexto, a organização européi(i ___ o 
passa a ser marcada por uma política ambígua. Isso porque é favo- / 
rável aos EUA, mantendo unida a aliança anti-soviética, mas ao i 
mesmo tempo guarda reservas em relaçã~ à superpotência líder do I 
bloco ocidental. ...-/' 
O ideal de união ganha estímulo no início da década de 1950, 
quando a Europa passa a viver uma fase excepcional da história do 
capitalismo desenvolvido. O boom assenta-se na adoção, pelas in-
dústrias européias, do modelo de produção de massa fordista que, 
nos EUA,já fora estendido a novos tipos de produção. Assim, bens 
e serviços antes restritos às minorias são consumidos em massa. 
~se período baseia-se na pesquisa científica avançada que, no campo 
tndustrial e mesmo da agricultura, ultrapassa a tecnologia do século 
XIX. No entanto, também são fundamentais para a conformação 
d~ssa ~poca a reestruturação do capitalismo e o avanço da ínterna-
clO~alIzação da economia. O pós-guerra descarta as possibilidades 
da l~vre concorrência. Objetivos como o pleno emprego, a moderni-
zaçao das economias atrasadas, em declínio ou arruinadas, e a con-
tenção do comunismo passam a ser prioridade e a justificar uma 
forte presença governamental. 
;', ..... A transformação econômica desses anos é alimentada tanto 
pela ~ão-de-obra dos ex-desempregados quanto por vastos fluxos 
de ~Igração interna, do campo para a cidade, bem como de regiões 
maIS pobres para outras mais ricas. Porém, mesmo num período de 
..t~ ........ ___ _ 
41 
I dI! nlllll I 
Educação e diversidade cultural 
crescimento econômico e de falta de mão-de-obra, os governos re-
sistem à livre imigração. Aos imigrantes originários dos países ~e­
nos desenvolvidos do Mediterrâneo concede-se apenas a permanen-
cia condicional e temporária, para que possam ser facilmente repa-
triados. No entanto, a expansão da Comunidade Econômica ~uro­
pé ia (CEE), com o ingresso de países tradicionalmente conSidera-
dos de emigração como a Itália, Espanha, Portugal e Grécia, difi-
culta cada vez mais essa tentativa de controle. 
A CEE nasce em 1957, com o Tratado de Roma. Já em 
1952 fora criada a Comunidade Européia do Carvão e do Aço 
(CECA) para promover a reconciliação política entre França e 
Alemanha e permitir a fusão supranacional da indústria siderúrgi-
ca. Foram seis os países fundadores: França. Alemanha Ociden-
tal. Itália, Bélgica. Luxemburgo e Países Baixos (Holanda).

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