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141 reflexos É de todos conhecido o martelo de reflexos, espécie de ex-libris do neurologista. Os melhores são compridos, flexíveis e com a superfície de percussão elástica – os martelos – sem outra utilidade que não seja a pesquisa dos reflexos miotáticos. Os reflexos miotáticos prolongam o exame motor, contribuem para esclarecer os achados do exame da força muscular. Tal como em relação à força muscular a sua avaliação serve o objectivo de localização, mas com menos importância nesse aspecto: os reflexos miotáticos são poucos, uma dúzia, sujeitos a influências fortuitas e com grandes variações dentro da normalidade. Os reflexos miotáticos são sobretudo úteis na delimitação temporal dos defeitos motores, porque têm padrões de modificação ao longo do tempo que são diferentes para lesões TL e TS (ad contrario, e se for conhecido o perfil temporal de um deficite, podem ser úteis para afirmar a sua natureza TL ou TS). Pode parecer estranho que o perfil temporal de um deficite não seja sempre fácil de determinar, afinal basta perguntar ao doente quando é que deixou de mexer a perna ou o dedo da mão… Nem sempre é assim. Variadíssimas doenças vão adoecendo o sistema motor e minando a força sem que o doente se aperceba. Nesses casos uma parésia é descoberta porque o doente atingiu um limite perceptível de disfuncionalidade – aceitou definitivamente que tem dificuldades em andar, por exemplo – ou teve uma qualquer queixa súbita que justificou a ida ao médico. Em situações assim pode ser difícil perceber há quanto tempo existe doença, porque o doente não sabe ou, involuntariamente, lhe estabelece um início arbitrário, quase sempre coincidente com um episódio recente e mais impressivo. Os reflexos miotáticos resultam do mais simples dos fenómenos neurológicos: o arco reflexo. Como todos os reflexos é uma resposta simples e unívoca a um determinado estímulo, é constante e reprodutível, e é independente do controle voluntário. A sua característica mais destacada é a repetição: cada estímulo de igual intensidade leva o sistema nervoso a responder monotonamente da mesma maneira. A actividade reflexa de que resulta um reflexo miotático passa-se exclusivamente a nível segmentar: um estímulo entra para a medula pela raiz posterior e origina uma resposta que sai da medula pela raiz anterior, sem abandonar o mesmo segmento. Estímulo e resposta estão conectados por uma única sinapse e por isso se pode acrescentar o nome do fenómeno com mais um apelido: arco reflexo monossináptico, monossináptico por parte da sinapse. A sinapse corresponde ao encontro de 2 neurónios: um deles que termina, e transporta um estímulo eléctrico que necessita de entregar, e um outro que ali principia e vai dar continuidade à condução daquele impulso eléctrico. Entre o fim de um neurónio e o começo do outro há um espaço vazio, a sinapse, que apenas pode ser transposta por substâncias especiais, os neurotransmissores. 142 São eles que se libertam sob acção do impulso eléctrico inicial, são eles que vão provocar a libertação de um impulso eléctrico equivalente do outro lado. É um processo de transducção, necessário porque os impulsos eléctricos não sabem nadar. A percussão com um martelo de reflexos de um músculo ou do seu tendão dá origem a uma distensão rápida desse músculo – o mesmo que aconteceria se percutissemos sobre um elástico esticado. No interior do músculo existem receptores – terminações nervosas – com uma configuração especial capaz de reagir a essa distensão. A especulação sobre qual deveria ser a forma ideal de um receptor capaz de reagir à distensão, levaria decerto a uma maioria de respostas: uma mola. Foi exactamente isso, um receptor com uma configuração espacial que o assemelha a uma mola, que a natureza providenciou. Encontram-se semeados entre as fibras musculares, têm como função detectar o estiramento súbito do músculo e foi convencionado dar-lhes o nome de receptor ânulo-espiral (fig. 1). Figura 1 O estiramento destes receptores vai gerar um estímulo que viajará rapidamente, saltando de nódulo de Ranvier em nódulo de Ranvier, através de fibras sensitivas – fibras que são parte integrante de um nervo misto periférico, que engloba fibras sensitivas e motoras. Os Nódulos de Ranvier são constrições da bainha de mielina que rodeia as fibras nervosas. A bainha de mielina, muito rica em lípidos e um bom isolador, proporciona uma rápida velocidade de propagação ao longo do nervo. Porém, essa condução é passiva, o que implica um enfraquecimento progressivo do potencial de acção. Os nódulos de Ranvier permitem a regeneração desse potencial de acção e a continuação da condução do estímulo eléctrico sem perdas maiores de velocidade. 143 Depois de se destacarem do nervo periférico, abandonando a companhia das fibras motoras, as fibras sensitivas fibras sensitivas, cujo corpo se encontra no gânglio raquídeo, viajam pela raiz posterior, penetram na medula, e atravessam a substância cinzenta desde a ponta posterior à ponta anterior onde terminam. As fibras que transportam o estímulo originado nos fusos neuromusculares são chamadas fibras IA, para que se distingam de muitos outros tipos de fibras sensitivas com características e funções diferentes. A sua estrutura básica é, no entanto, a de qualquer neurónio. O neurónio é a célula principal do sistema nervoso. Não é a única, já que existem outros tipos celulares envolvidos em funções de suporte, nutrição, etc…, mas é ao neurónio que compete a parte principal e mais nobre do funcionamento do sistema nervoso. Tem, como qualquer célula, um corpo celular dotado de um núcleo e demais organelos (fig. 2). Mas, ao contrário de outras células, o neurónio possui expansões filamentosas que o tornam desconforme – porque é desconforme uma célula microscópica que pode ter 1 metro de comprimento e teria, se pudesse ser vista, o aspecto enganador de um cometa atolado atrás da própria cauda. Figura 2 Esses filamentos são o dispositivo chave do funcionamento neuronal. Alguns, pequenos e rodeando o corpo celular de um modo desgrenhado, estabelecem conexões curtas com neurónios próximos: são os dendritos e transmitem pequenas notas de funcionamento, curtas informações de vizinhança e, sobretudo, recebem as informações e os estímulos que o corpo celular com a sua maquinaria vai ter de processar. Outro filamento, o maior e quase sempre único, é o axónio: transmite a partir do corpo celular a informação eléctrica até 144 um orgão efector (músculo, célula secretora…) ou, como acontece na maior parte dos casos, a outro neurónio. Na ponta anterior da medula o estímulo eléctrico que aí chega dá origem à libertação na fenda sináptica de um neurotransmissor, a substância química que vai estimular células aí presentes, especialmente as células radiculares anteriores de tipo alfa (fig. 3). É esta a parte mais lenta do arco reflexo. A condução ao longo da fibra processa-se a uma velocidade de algumas dezenas de metros por segundo mas aqui, ao nível da sinapse, há uma paragem, dir-se-ia que uma paragem técnica, enquanto o estímulo eléctrico se transforma em estímulo químico. Figura 3 O impulso nervoso, já transportado para a outra margem da fenda sináptica pelo neurotransmissor, encontra-se agora nas células da ponta anterior da medula. Daqui parte um axónio (o segundo neurónio motor, ou neurónio motor periférico) que passa sucessivamente pela raiz anterior, nervo motor ou misto e vai terminar no músculo, a nível da placa motora onde dá origem à libertação de acetilcolina. Esta, leva a uma contracção das fibras musculares. Assim se fecha o círculo que medeia a contracção de um músculo décimos de segundo depois de ter sido distendido pela percussão do martelo de reflexos.Deve notar-se que esta descrição do arco reflexo é simplificada com intenção didáctica. Serve contudo para a interpretação das alterações dos reflexos miotáticos. Na realidade, para que possa ser transformada em movimento, é necessário que a contracção de um grupo muscular se acompanhe do relaxamento dos músculos antagonistas. Para tal, já dentro da substância cinzenta medular, uma pequena ramificação do neurónio eferente (ou sensitivo) vai fazer sinapse com um pequeno neurónio intercalar. As terminações deste neurónio intercalar, que pode ter de viajar um ou vários metâmeros dentro da medula, vão entrar em contacto com as células motoras 145 dos músculos antagonistas. Esta sinapse difere da anterior, descrita para os músculos agonistas, porque é de tipo inibitório - ou seja, não vai provocar a contracção do músculo, mas sim impedi-la (fig. 4). Figura 4 Mas qual será o valor das alterações dos reflexos miotáticos? Uma especulação lógica simples permitiria admitir que podem estar diminuídos ou abolidos, “normais”, aumentados. O problema é que os reflexos miotáticos “normais” variam enormemente em intensidade de pessoa para pessoa e, em cada indivíduo, dependem de coisas tão simples como o seu estado emocional. Há mesmo algumas pessoas, raras, que não têm reflexos miotáticos e são perfeitamente normais. Novamente a prática da pesquisa no doente e no indivíduo normal dará a experiência imprescindível para detectar a possível anormalidade do exame. Mas, embora nada possa substituir esta experiência, há alguns achados que podem ir norteando a interpretação dos resultados desse exame. 146 Um desses achados é a assimetria. Qualquer assimetria deve ser considerada patológica, mas pode ser difícil afirmar se o reflexo anormal corresponde ao lado em que aparece mais vivo ou ao lado em que aparece diminuído. Por regra, deve ser anormal o reflexo que mais difere do padrão de reflexos daquele indivíduo (será anormal o reflexo mais vivo se todos os reflexos forem pouco vivos, será anormal o reflexo menos vivo se todos os reflexos forem vivos…) e/ou aquele que coexistir com outras anomalias do exame motor. Um segundo elemento a valorizar é a hiperreflexia. Já foi dito que algumas pessoas normais podem ter os reflexos muitos vivos e, a mesma pessoa pode, em circunstâncias de moderada ansiedade, apresentar uma hiperreflexia que não apresentaria em condições habituais. Mas, a hiperreflexia pode ser um importante sinal patológico, um sinal TL, e é muito importante conhecer os elementos com que se expressa e os critérios para ser valorizada como sinal de doença. 1) A amplitude e a rapidez da resposta muito aumentada são um sinal de hiperreflexia. Nesse caso o doente responderá ao estímulo com um movimento brusco e de grande amplitude, quase sempre surpreendente para o doente e, algumas vezes, para o próprio médico; 2) A possibilidade de desencadear a resposta reflexa com um estímulo de muito pequena intensidade é outra característica da hiperreflexia. Neste doentes não chega a ser necessário bater-lhes com o martelo - um pequeno toque, com os dedos quantas vezes, desencadeia a resposta reflexa; 3) O aumento da área do reflexo. Numa pessoa sem doença existe uma determinada área, normalmente limitada, em que a percussão com o martelo elicita o reflexo miotático. Em caso de hipereflexia esta área pode estar aumentada - o que se pesquisa com sucessivas percussões cada vez mais afastadas do sítio recomendado. Por vezes, estará tão aumentada que ao pesquisar um reflexo obtemos não só esse que pretendemos como também outros cuja área reflexa está por vezes bem distanciada. Um terceiro achado a destacar, é o reflexo clónico. É também um sinal de hiperreflexia mas, ao contrário dos anteriores que podem, raramente, estar presentes em indivíduos sãos, o clónus, quando inesgotável, é sempre um sinal de anormalidade – enquanto achado isolado, i.e sem necessidade de valorização no contexto do restante exame neurológico, o clónus inesgotável é mesmo a única alteração dos reflexos miotáticos seguramente anormal. O que é o clónus? Em condições normais obtemos, por cada percussão, apenas uma resposta. Em caso de evidente hiperreflexia poderemos obter 2, 3 ou muitas mais contrações em resposta a um único estímulo. A existência de uma resposta clónica inesgotável – que é pesquisada sem martelo de reflexos e apenas em alguns pontos – corresponde à persistência virtualmente sem fim da resposta reflexa. O significado clínico de uma hiperreflexia patológica é simples. Corresponde ao exagero da função normalmente desempenhada pelo arco reflexo e, como tal, é um sinal positivo. Como quase sempre acontece com um sinal positivo, a hiperreflexia resulta de uma perda da normal inibição a que está sujeito o arco reflexo. O reflexo miotático, recorda-se, resulta dum circuito muito simples que começa e acaba num músculo atravessando, sem se deter, a medula espinhal. 147 É aqui, na medula, que uma tropa infindável de interneurónios e vias descendentes procuram influenciar o reflexo miotático: algumas dessas influências são facilitadoras, outras são inibidoras. A hiperreflexia surge quando há lesão de uma estrutura inibidora, na maior parte dos casos uma lesão da via piramidal. A hiperreflexia é um sinal seguro de lesão TL. E porque não uma arreflexia por lesão das vias facilitadoras? Mas é isso que realmente acontece na fase inicial de qualquer lesão TL. Compreenda-se que um reflexo miotático durante toda uma vida se exerceu com a ajuda dessas influências facilitadoras, e a perda dessa facilitação é dramática e paralisadora – muitas vezes é mesmo designada por estado de “shock”, choque medular ou choque cerebral… – e nenhum reflexo consegue expressar-se. Porém, com o tempo, o arco reflexo acabará por reencontrar-se com a sua completa autonomia em termos funcionais e então, sózinho e sem qualquer controle inibitório, expressar-se-á de forma exuberante. A ausência de reflexos, como se verá a seguir, pode acontecer em lesões de vários tipos. A hiperreflexia patológica apenas acontece em caso de lesão da via piramidal, não recente ou de instalação progressiva. A diminuição ou abolição dos reflexos miotáticos significa a existência de uma lesão em qualquer um dos componentes do arco reflexo. É o que acontece numa lesão do nervo periférico motor ou sensitivo, em que a continuidade desse arco se interrompe, ou no caso de doenças musculares, em que a expressão do reflexo se encontra impedida pelo defeito do orgão efector. A hipo ou arreflexia será assim na maior parte das vezes indiciadora de uma lesão periférica - é pois um sinal TS. E é logicamente um sintoma negativo, que surge por lesão directa das estruturas envolvidas. A mais importante excepção foi já referida – uma lesão piramidal de instalação aguda por traumatismo medular ou acidente vascular – em que a fase de choque medular ou choque cerebral é quase sempre transitória, evoluindo nas semanas seguintes para um retorno do automatismo medular e, por fim, para a hiperreflexia. Não é, quase nunca, complicada a avaliação clínica dos reflexos miotáticos. Mas devem ser tidos em conta alguns aspectos. O martelo de reflexos deve ser adequado, com o cabo comprido e flexível e a zona de percussão de consistência suficientemente elástica e macia. O estímulo a usar não deve ser mais intenso do que o estritamente necessário para elicitar um reflexo, o que pode obrigar a dois ou três estímulos de intensidade crescente. E o doente deve estar completamente relaxado e deitado de costas, pelo menos enquanto o examinador não tiver prática suficiente para tentar outras posições. Apesar de ser mais fácil e fiável a pesquisa dos reflexos na posição de decúbito, particularmente se o doente já estiverdeitado, pode ser pouco prático fazê-lo num doente que se encontra ambulatório. Para além disso, se as queixas e uma observação preliminar não indiciam qualquer doença neurológica, poderá ser ainda uma preciosidade desnecessária e morosa - sendo que, os preliminares do exame demorarão muito mais do que o próprio 148 exame. Para estes casos, far-se-á uma descrição sucinta de outras técnicas. Porém, perante quaisquer dúvidas na pesquisa feita por aqueles modos alternativos, a reavaliação do doente na posição de deitado é obrigatória. A pesquisa de um reflexo é seguida obrigatoriamente da pesquisa do mesmo reflexo no lado oposto, o modo mais seguro de verificar a sua simetria. A maneira de o observador se posicionar para esse efeito, de usar as mãos e o martelo de reflexos, não se sujeitam a regras estritas. Não é desejável nem prático adaptações sucessivas de posição, ou uma infindável série de viagens de ida e volta entre o lado direito e o lado esquerdo do doente, por isso o médico deverá adequar a sua técnica de pesquisa às condições de cada caso: espaço disponível, altura e largura do leito, morfotipo do paciente. Não há regras inultrapassáveis, desde que sejam respeitados os locais precisos de pesquisa e a simetria dos estímulos. A manobra de Jendrassik – representada na figura – permite a facilitação dos reflexos, e pode ser muito útil em doentes com dificuldade no relaxamento ou, de um modo geral, em todos aqueles em que os reflexos são hipoactivos (fig. 5). Figura 5 Apenas é útil, evidentemente, na pesquisa dos reflexos miotáticos dos membros inferiores, mas pode ser indispensável para evidenciar uma pequena assimetria com significado patológico. Esta manobra vai activar os fusos neuromusculares, as estruturas onde se encontram os receptores ânulo-espiral, através do sistema gama. Ver-se-á mais tarde que a ansa gama, à semelhança do que acontecia nos reflexos miotáticos, é um circuito segmentar – isto é, tem os seus neurónios aferentes e eferentes funcionando autonomamente através de um segmento medular. Agora, a propósito da manobra de Jendrassik, interessa apenas salientar esta interdependência entre tónus muscular e reflexos miotáticos. Mais tarde se há- 149 de ver que, por norma, as alterações patológicas de um e de outros variam no mesmo sentido. São muitos os reflexos miotáticos e ainda mais as técnicas para a sua exploração. Alguns deles têm uma utilidade limitada e, por isso, far-se-á apenas a sua apresentação resumida. Os outros, aqueles que são verdadeiramente importantes para um exame que se pretenda informativo não são muitos e não demoram a pesquisar, na maioria dos casos, mais do que 1 minuto. Com o doente em decúbito dorsal, os cotovelos apoiados ao lado do tronco e as mãos repousadas sobre o tronco, ficam expostos os pontos de pesquisa para a generalidade dos reflexos miotáticos dos membros superiores: A) Peitoral, B) Bicipital, C) Estiloradial. A simetria da posição do doente assegura a simetria das condições de pesquisa e, se for caso disso, permitirá que se manifestem também a simetria e congruência de respostas – e estas, são as condições que mais seguramente se associam à “normalidade” dos reflexos miotáticos. Repete-se, os reflexos normais não são fracos nem fortes, devem ser apenas iguais entre si. A partir desta posição pesquisa-se o reflexo peitoral. O médico faz a tracção rostral (no sentido da cabeça) do grande peitoral, usando 2 dedos da sua mão. É sobre os seus próprios dedos, que isolam o tendão do grande peitoral, que vai depois usar o martelo de reflexos (fig. 6). Figura 6 150 O grande peitoral, um enorme músculo em forma de leque que se abre a partir da extremidade superior do braço para se implantar na parede toráxica e clavícula, tem como movimentos próprios a adução e rotação interna do braço. São esses movimentos que se vão encontrar como resposta ao estímulo – nem poderiam ser outros. A enervação do grande peitoral depende dos nervos peitoral lateral e peitoral interno, cujas fibras têm origem nas raízes cervicais C5, C6, C7, C8 e D1. São muitas raízes e, recordando o que já foi dito sobre a adução do braço, também o reflexo peitoral é de escasso valor informativo. É possível reparar, olhando para a figura, que a mão direita não agarra o martelo de reflexos, não o fixa com a firmeza necessária para desferir uma pancada fatal… porque não é isso que se pretende. A mão sustenta levemente o martelo, permitindo que ele pouco mais do que caia, com um movimento amplo e elegante, sobre o ponto de estimulação. E isso fica dito para todos os reflexos miotáticos. Ainda na posição básica descrita, doente deitado com as mãos em repouso sobre o abdómen, pesquisa-se o reflexo bicipital. Tal como no reflexo peitoral o observador deve interpor os seus dedos entre o martelo e o tendão a percutir - num e noutro caso os dedos actuam de modo a fixar e transmitir a percussão a tendões relativamente móveis e menos superficiais (fig. 7). Figura 7 O tendão do bícipite é pressionado logo acima da flexura, com os dedos indicador e médio da mão livre quando o reflexo é pesquisado do lado mais próximo do médico, pelo polegar no lado oposto. Esta é a solução mais vezes adoptada, que não é difícil mas obriga a alguma destreza, e pode ser 151 perfeitamente substituída por qualquer outra mais favorável ao médico que pesquisa – desde que, como foi dito, se assegure a completa simetria nas condições de estimulação. Eventualmente mais fácil, e muitas vezes preferida em doentes ambulatórios, é a avaliação na posição de sentado (o que não é fácil para o reflexo peitoral mas é bastante favorável para este e os próximos reflexos a descrever). O movimento a obter é o movimento próprio do bicípite, flexão do antebraço sobre o braço. As raízes implicadas são C5 e C6. Continuando a descer pelo braço abaixo, do ponto de vista topográfico mas também no que respeita ao nível radicular envolvido, segue-se o reflexo braquio-radial ou estilo-radial. O primeiro nome descreve o músculo que é activado, a segunda designação alude à apófise estilóide do rádio sobre a qual é feita percussão. Tal como o bícipite o braquio-radial é um flexor do antebraço, embora acessório; o outro movimento de que é responsável é a supinação do braço, e por isso é também chamado longo supinador. São estes dois movimentos, flexão e supinação do antebraço, que se observam ao pesquisar o reflexo estilo-radial. A sua enervação depende de C5 e C6 - as mesmas raízes, repare-se, que enervavam o bicípite, o outro flexor do antebraço. Este, é o terceiro reflexo a pesquisar na posição básica descrita. Como alternativa, pode usar-se a posição sentada, como para o reflexo bicipital, ou a posição representada na figura (fig. 8). Figura 8 Um único reflexo, de entre os 4 que se podem considerar obrigatórios nos membros superiores, não é acessível daquele modo e implica modificar a posição do membro superior do doente: o reflexo tricipital. O doente é 152 colocado com o braço deslocado para cima do corpo e o antebraço e mão pendendo para o lado oposto, como na figura (fig. 9). Figura 9 Quase sempre existe alguma dificuldade em conseguir uma posição suficientemente estável; pode ser necessário o observador assegurar essa estabilidade, sustentando ele próprio a mão do doente na posição adequada. O cotovelo do doente repousa sobre o tronco, e a pancada do martelo de reflexos incide sobre o tendão do tricípite, cerca de 5-6 cm acima do cotovelo e na linha média. Para além desta técnica, já mostrada anteriormente, pode ser ainda usada a posição de sentado com as mãos no regaço ou, como na figura, com o antebraço suspenso pela flexura e caído na vertical (fig.10). 153 Figura 10 As raízes que participam na enervação do tricípite são C7 e C8. O movimento a observar é o movimento próprio do tricipital, a extensão do antebraço. Os reflexos dos flexores dos dedos não são pesquisados na generalidade dos doentes. São inconstantes, implicam técnicas de pesquisa menos simples e pouco acrescentam em informação. Existem variadíssimas técnicas com os respectivos epónimos – i.e, designações baseadas no nome de alguém – para outras tantas técnicas de pesquisa [1]. As mais conhecidas são, da esquerda para a direita, as técnicas de Rossolimo, de Hofmann e Trömner (fig. 11). 154 Figura 11 A abundância de opções, neste caso para pesquisar um reflexo, tem o significado que universalmente costuma haver em Medicina para tanta fartura: nenhuma opção é suficientemente boa e fiável. Como em qualquer outro reflexo miotático existe uma estimulação súbita dos fusos neuromusculares – pela acção do martelo, pela flexão forçada e desprendimento brusco da última falange do dedo médio, ou pelo tamborilar dos dedos caídos, respectivamente. O resultado a obter com qualquer das técnicas é sempre a flexão dos dedos (C8 e D1). É dificíl valorizar outro achado que não seja a hipereflexia. A pesquisa dos reflexos miotáticos nos membros inferiores obedece a todas as regras já enunciadas. De cima para baixo o primeiro de todos é o reflexo dos adutores, o único que tem de ser pesquisado com o doente deitado. São vários músculos que fazem a adução da coxa (o grande, médio e curto adutores). Em conjunto são uma estrutura extremamente forte, que se insere no ramo isquiático da pélvis e, em baixo, sobre o côndilo interno do fémur. São enervados pelo nervo obturador, dependente do plexo lombar (particularmente raizes L2 a L4). O reflexo dos adutores pode ser elicitado pela 155 percussão do tendão dos músculos e músculos logo abaixo do isquion, neste caso interpondo firmemente os dedos, ou mais abaixo, sobre o côndilo interno do fémur (fig. 12). Figura 12 Desses modos observa-se um ligeiro movimento de adução da coxa. Nos casos de acentuada hiperreflexia pode obter-se a mesma resposta, bilateralmente, com uma única estimulação sobre a linha média do púbis - este procedimento, para além de poupar tempo e algumas pancadas, permite identificar de modo simples uma assimetria da resposta. O reflexo rotuliano ou patelar é o mais popular de todos os reflexos. É de técnica simples, pode estar presente mesmo em pessoas com hipoarreflexia constitucional, envolve um vivíssimo e engraçado movimento de pontapeio, é elicitável em variadíssimas posições e com os mais absurdos estímulos… o mais mal-jeitoso dos estudantes de medicina não ficará mal. Para além destas qualidades tem ainda a utilidade própria de todos os reflexos miotáticos. As 2 técnicas apresentadas adequam-se ao doente deitado e ao doente ambulatório (fig. 13 e 14). São igualmente fiáveis conquanto o doente consiga a completa descontracção das suas pernas, no primeiro caso deixando-as repousar sobre a mão e braço do observador, no segundo caso permitindo que elas caiam da posição de sentado com a articulação do joelho completamente livre. 156 Figura 13 Figura 14 Em qualquer destas posições os 2 tendões do quadricípite, o músculo que é estimulado neste reflexo, encontram-se completamente expostos logo abaixo do bordo inferior da rótula e na linha média. Um estímulo leve pode ser suficiente para desencadear a resposta viva, a extensão da perna. A acessibilidade próxima e simultânea dos lados direito e esquerdo permite saltar rapidamente entre um e outro lado e comparar com facilidade ambas as respostas. Em alguns casos, bastantes, pode ser difícil suportar o peso ou 157 abarcar as duas pernas do doente - que uma vez descontraídas exercem um considerável peso sobre o observador. Nada impede que cada um dos membros seja sustentado e testado individualmente. A evitar, pelo contrário, é o exame com a perna cruzada. O reflexo aquiliano não é fácil de explorar, para quem tem menos prática e às vezes para quem já tem bastante. Em todas as técnicas expostas, e das quais é possível adoptar variantes, deve notar-se a mão do observador actuando sobre o pé do doente de modo a conseguir a extensão e uma ligeira tensão do tendão de Aquiles. Figura 15 158 Figura 16 Figura 17 Este é um aspecto fundamental da técnica – isolar o pé, conseguir a sua descontracção total e fazer a sua dorsiflexão não forçada – e aí residem as maiores dificuldades. O tendão de Aquiles corresponde à inserção no calcâneo do solear e dos gémeos, dois músculos potentíssimos, implicados na manutenção do ortostatismo e por isso habituados a reacções de adaptação rápidas mas sustentadas. São músculos adequados a fazer grandes esforços de uma maneira prolongada, e por isso fortes e rudes. 159 Cada unidade motora dos gémeos (um músculo único, que é assim chamado porque a sua massa muscular está repartida em dois corpos gémeos que apenas se juntam no tendão de Aquiles), pode conter mais de 1500 fibras. Para comparação diga-se que cada unidade motora de um músculo dos olhos, aqueles pequenos músculos que permitem a movimentação extremamente rigorosa do globo ocular, não tem mais do que 6 a 10 fibras. Uma unidade motora, conceito neurofisiológico proposto por Sherrington, corresponde ao conjunto de fibras musculares que dependem de um nervo espinhal ou craneano. Quanto mais delicado o trabalho de um músculo tanto menor o número de fibras que podem ser controladas por um único nervo. Os flexores do pé, porque o solear e os gémeos são flexores do pé, são, como se vê, muito pouco delicados. Alguns movimentos de flexão e extensão passiva do pé podem ajudar a domar esses bravos colossos musculares enquanto se conversa com o doente, sobre a necessidade de estar relaxado ou sobre o belíssimo aspecto que tem apesar dos 80 anos… e se aguarda um intervalo de relaxamento a meio da conversa – com jeito, e como quase sempre, antes de o doente ter percebido muito bem o que se pretendia dele, o reflexo estará conseguido. A primeira das técnicas, em que a perna flectida sobre a coxa repousa sobre a perna contralateral, é obviamente impraticável em doentes com sofrimento osteoarticular da anca – qualquer posição que seja dolorosa para o doente impede a sua descontracção (fig. 15). A segunda delas, muito elegante e necessitando da colaboração mínima do doente, tem o inconveniente de não ser tão sensível e impor um rigor maior na definição da área de estimulação (fig. 16). A terceira de todas é a mais laboriosa, obriga a dispor de uma cadeira ou de uma marquesa onde o doente se possa ajoelhar sem risco de cair, mas é muito sensível – depois de tentada sem êxito na obtenção de uma resposta é possível concluir pela arreflexia do doente, o que pode não ser relevante, ou por uma incurável falta de jeito do observador, o que é sempre grave (fig. 17). O reflexo muscular plantar equivale ao reflexo dos flexores dos dedos da mão. É um reflexo miotático de menor utilidade e de pesquisa difícil, para o qual existem variadíssimas técnicas e outros tantos epónimos. A técnica que se apresenta é de Rossolimo, de todas a que mais facilmente não será inútil. A percussão brusca e seca das superfícies plantares dos dedos do doente deve originar a sua resposta em flexão plantar (fig. 18). A dorsiflexão prévia do pé pode ser tentada no sentido de facilitar o aparecimento da resposta. 160 Figura 18 Este é o mais rostral dos reflexos miotáticos que podem ser pesquisados, correspondendo às raízes L5-S1. Algumas páginas atrás foi feita referência a reflexos clónicos. O clónus é um fenómenoraro, e pode ser apenas a expressão de uma acentuada hiperreflexia constitucional. Porém, quando o clónus é inesgotável, existe sempre doença: o clónus inesgotável é um sinal piramidal seguro, é um sinal TL inquestionável. Manifesta-se como uma sucessão de contracções involuntárias de um músculo distendido passivamente. A pesquisa do clónus não é rotineira. Apenas deve ser feita quando um determinado reflexo, pesquisado pelo martelo de reflexos, se apresenta com uma invulgar vivacidade. Mesmo assim, só em algumas articulações se consegue evidenciar. O clónus da mão é raro. Provoca-se submetendo o doente a uma série de rápidos e curtos movimentos de flexão e extensão do punho que terminam com a sua fixação em dorsiflexão (fig. 19). De imediato se inicia o clónus, uma sucessão de flexões e extensões da mão involuntárias, que o doente não controla, e o observador percebe como um tremor grosseiro. 161 Figura 19 O clónus da rótula e do pé são mais frequentes, porque é também nos membros inferiores que são mais frequentes as situações em que existe hiperreflexia patológica. A técnica para a sua pesquisa parecerá completamente diferente da que foi descrita para o clónus da mão, mas baseia-se nos mesmos princípios. Para obter o clónus da rótula fixa-se a rótula do paciente lateralmente, pinçando-a entre os dedos polegar e indicador e ficando o dedo médio firmemente encostado ao bordo superior. Executa-se uma série rápida de movimentos da rótula na direcção proximal-distal (para cima e para baixo) até fazer a sua imobilização em posição distal – é neste movimento e na fixação final que o dedo médio do observador é essencial (fig. 20). A rótula iniciará então um movimento alternante distal-proximal, semelhante ao que lhe tinha sido imposto, mas agora involuntário e virtualmente inesgotável. 162 Figura 20 O clónus do pé é obtido de modo idêntico. A mesma série de movimentos alternados de flexão e extensão, terminando com a fixação do pé em flexão dorsal, deve ser usada como desencadeante (fig. 21). O pé retomará de modo incontrolável o movimento de flexão-extensão e assim ficará enquanto o observador quiser manter a situação de distensão muscular forçada. (Para suspender o clónus, do pé ou qualquer dos outros, bastará desfazer essa posição forçada) Figura 21 163 [1] Em Neurologia existem bastantes epónimos, como em outras áreas. Alguns epónimos são o reconhecimento de uma descoberta única (Sinal de Babinsky…), outros epónimos são apenas o modo elegante de estigmatizar algumas criações de interesse duvidoso. É o caso de técnicas como estas, ou de certos síndromes raros. 164
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