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Aula 3 – Economia e Sociedade – História Econômica e História Social
Conforme vimos na última aula, a historiografia contemporânea foi assistindo ao surgimento de diversas modalidades historiográficas (campos históricos). Alguma delas referem-se à dimensão que o historiador examina em primeiro plano (a cultura, a política, a economia, as mentalidades); outras remetem a abordagens e modos de fazer a história específicos (história oral, história serial); e outras se relacionam aos inúmeros “domínios temáticos” que se referem aos diversos objetos de estudo dos historiadores (história das mulheres, história urbana). A História Econômica é um dos campos históricos que se refere a uma dimensão que é examinada em primeiro plano pelo historiador que inscreve seu trabalho neste campo histórico.
A Economia – dimensão examinada em primeiro plano pelos historiadores econômicos – refere-se a vários aspectos que interagem reciprocamente: de modo mais geral, a produção, a distribuição, a circulação, o consumo. Os historiadores econômicos estão preocupados em perceber como se produz a riqueza de uma sociedade, como ela é distribuída, que produtos são gerados pelo trabalho humano nesta ou naquela sociedade, como e por quais classes sociais eles são consumidos, como os trabalhadores são motivados ou obrigados a se localizarem no mundo da produção (salários, trabalho escravo, etc), e como estes diversos aspectos relacionam-se no interior de um modelo coerente que pode ser compreendido como um sistema. A História Econômica também se ocupa dos diversos setores da vida econômica – a agricultura, o comércio, a indústria, os serviços – e deve estar atenta aos modos como estes setores relacionam-se reciprocamente. Os vários setores da economia, neste caso, não são apenas examinados do ponto de vista de sua estruturação, mas também do ponto de vista do seu dinamismo, de modo que os historiadores econômicos buscam perceber o desenvolvimento de cada setor e da economia como uma totalidade, os ciclos e as crises econômicas, e as transformações que se dão na interação entre economia, sociedade, política e cultura.
A Economia, é preciso notar, sempre produz repercussões diversas na vida social daqueles que dela participam, seja como trabalhadores, seja como consumidores, seja como agentes que favorecem as trocas. Através da economia, desigualdades sociais podem ser produzidas, hierarquias sociais podem ser estabelecidas, padrões sociais de comportamento podem ser gerados, crises sociais podem ser desencadeadas, associações entre grupos humanos podem ser estabelecidas. Economia e sociedade, portanto, acham-se profundamente implicados um no outro, e, deste modo, História Econômica e História Social também conservam íntimas relações. Por História Social, considerando uma das acepções possíveis para este termo, entenderemos a modalidade histórica que examina as relações entre grupos sociais, os sistemas sociais de dominação, as hierarquias, as desigualdades, tensões e conflitos sociais, entre outros aspectos (ver BARROS, 2007).
Outros aspectos da vida humana também são direta e indiretamente afetados pela dimensão econômica. Avaliando a sociedade capitalista, e retomando uma percepção que já aparecera em Karl Marx (1867), o economista alemão Joseph Alois Schumpter (1984) já ressaltava muito claramente que a racionalidade capitalista apresenta a propriedade de interpretar outras esferas da vida humana. Apenas para citar um exemplo, nestas sociedades “as relações amorosas começam a se pautar por uma lógica de lucro e de vantagem”, e os aspectos culturais envolvidos na escolha de parceiros amorosos e na formalização de casamentos interagem vivamente com a racionalidade capitalista. De igual maneira, aspectos simbólicos e sinais de ostentação social certamente acompanham a racionalidade capitalista e se desdobram nos diversos grupos sociais, de modo que a História Econômica também se sintoniza com a História Cultural e com a História do Imaginário, entre outros campos históricos.
Historiadores econômicos diversos, no Brasil e no mundo, têm mostrado uma atenta preocupação em não isolar o econômico, como se este não dependesse de outras instâncias como a cultura e a política. Um bom exemplo, já relacionado à História Econômica brasileira, é trazido por João Fragoso e Manolo Florentino na obra Arcaísmo como Projeto (FRAGOSO e FLORENTINO, 1993: 104-105). Os autores identificam um aparente paradoxo no Rio de Janeiro da passagem do século XVIII para o século XIX. Após duas gerações de contínua acumulação no mercado, verifica-se uma mudança de atividade econômica em uma parcela bastante significativa das famílias que haviam constituído a elite empresarial mercantil, já que estas tendiam a abandonar seus negócios e passavam a se dedicar a atividades rurais e rentistas, de modo geral muito menos lucrativas do que suas antigas atividades mercantis. O aparente paradoxo só pode ser decifrado ao ser recolocado no contexto histórico adequado, com vistas a compreender a singularidade da racionalidade econômica que ali emerge (BARROS, 2008: 12). Fragoso e Florentino ressaltam que, neste caso, tem-se aqui em uma sociedade na qual a ascensão social surge diretamente ligada à aquisição de terras e cativos, que constituem neste caso os bens que identificam o prestígio. Assim, podemos perceber que é um aspecto ligado à cultura e às relações de sociabilidade o que parece comandar o deslocamento de atividades econômicas, o qual se mostraria difícil de compreender caso pensássemos de acordo com uma racionalidade econômica alicerçada na obsessiva busca por lucros tão típica da mentalidade capitalista. Para outros exemplos, incluindo autores como Kula e Goldman, (BARROS, 2008).
Examinaremos algumas abordagens que, na história da historiografia, encontraram sintonias importantes com a História Econômica. A primeira delas é a História Serial, uma modalidade de História que desempenhou um papel de destaque entre os anos 1930 e 1970, e que ainda hoje se conversa no repertório metodológico dos historiadores. 
Quando surgiu, a História Serial chegou a ser vista por diversos autores como uma revolução nas relações com o historiador com as suas fontes, e alguns chegaram mesmo a pensar que este tipo de historiografia substituiria de todo o antigo fazer histórico tradicional. Ao invés das fontes habituais que costumavam ser tomadas para uma abordagem que, de resto era habitualmente qualitativa, a chamada Historia Serial introduzia nas proximidades dos meados do século XX uma perspectiva inteiramente nova: tratava-se de construir “séries” de fontes e de abordá-las de acordo com as técnicas igualmente inéditas. Temos aqui um campo definido em relação a abordagem ou ao modo de fazer a História que a perpassa, uma vez que a História Serial refere-se a um tipo de fontes e a um modo específico de tratamento destas mesmas fontes. Trata-se, neste caso, de aborda fontes com algum nível de homogeneidade, e que se abram para a possibilidade de quantificar ou de serializar as informações ali perceptíveis no intuito de identificar regularidades, variações, mudanças tendências e discrepâncias reveladores. Em outro sentido, a História Serial também lida com a serialização de eventos ou dados, e não só com a serialização das fontes, propondo-se neste caso, a avaliar eventos históricos de certo tipo em séries ou unidades repetitivas por determinados períodos de tempo. Já para evocar a interconexão entre História Serial e História Econômica, enquadram-se neste último caso os estudos dos ciclos econômicos, a partir, por exemplo, da análise das curvas de preços, tais como as empreendidas pioneiramente por Ernst Labrousse nos anos 1930 e 1940. No que se refere ao tipo de fontes factíveis de serem serializadas, existe certamente uma grande variedade de fontes que pode se prestar aos usos seriais, em que pese a primazia que desempenharam nos primeiros tempos as fontes cartoriais, administrativas, comerciais, paroquiais, testamentárias e outras como os documentosde censo.
Ao empreender uma História Quantitativa, o historiador deve cuidar de não realizar uma história meramente descritiva de informações numéricas, um vício que pode ocorrer na história quantitativa aplicada à História Econômica, mas também a outras modalidades, como a História Demográfica. Quando a História Quantitativa se resume à mera exposição de quantidades ou de informações numéricas, fatalmente se transforma em uma história descritiva, não problematizada, o que vem a ser a contrapartida, para o caso da história narrativa, daquela modalidade historiográfica do século XIX que ficou conhecida como História Factual. Assim como é passível de crítica o historiador simplesmente narrar os fatos, de maneira não problematizada, como se o importante fosse a mera descrição “dos fatos que aconteceram” é igualmente passível de críticas descrever simplesmente os dados econômicos de certa sociedade. Este tipo de vício pode ser considerado uma espécie de fetichização da quantificação. O número, a quantificação, a descrição estatística parecem valer por si mesmos. Podemos dizer que dois tipos de fetiches quantitativos rondam a História Econômica que se vale dos procedimentos de quantificação.
Entre 1940 e 1970, andou muito em voga essa pretensão de alcançar a totalidade a partir do exame denso de uma série, ou da análise de algo como uma curva de preços, por exemplo. Tal como assinalam João Fragoso e Manolo Florentino em um ensaio sobre a História Econômica, um exemplo pode ser dado com uma famosa obra de Ernst Labrousse sobre o movimento dos preços – pioneira tanto no que se refere à história serial quantitativa, como no que se refere à constituição de um novo tipo de história econômica a partir do programa de ação proposto pela Escola dos Annales: Primeiro deles, anteriormente descrito, pode ser entendido como um culto à descrição quantitativa isolada de outros aspectos (o quantitativo como algo que vale por si mesmo). O segundo fetiche quantitativo decorre de um excesso de confiança na série quantitativa como fio condutor para examinar uma totalidade de aspectos. “Tomemos o caso de Ernst Labrousse. Nele, por exemplo, a construção de curvas de preços não é um fim em si mesmo. Pelo contrário, trata-se de um fio do condutor para a apreensão das hierarquias sociais e de suas contradições. Mais do que isto, sua obra postula que o estudo conjuntural serve para desvendar a dinâmica das estruturas, o nascimento das ideologias e de crises institucionais e, por fim na cronologia das revoluções, o seu devir”.
Outro âmbito de parâmetros basilares para a História Econômica refere-se ao tipo de modelos explicativos com os quais o historiador econômico lida com vistas a explicar as mudanças que se dão na economia e nos sistemas econômicos. No seu já clássico livro sobre Os Métodos da História, Ciro Flamarion Cardoso e Hector Brignoli discutem estes dois modelos. O assunto também é tratado por José D’Assunção Barros em seu artigo sobre a História Econômica. Explicações exclusivamente exógenas, como fica evidente na própria designação que estamos evocando, seriam aquelas que propõem como fatores de esclarecimento para a História Econômica apenas os fatores exógenos – isto é, externos à realidade examinada. Epidemias, guerras, fatores meteorológicos – eis aqui um conjunto de fatores, todos externos à economia, que são evocados pelas teorias exógenas de modo a explicar as flutuações econômicas. Seriam estas excitações e motivações externas que acionariam o processo de transformação econômica, ou mesmo presidiriam seus ritmos e encaminhamentos.
Um exemplo bem conhecido é o das explicações do medievalista Henri Pirenne acerca da passagem do mundo Carolíngio para a Europa Feudal, ou desta para a Modernidade. No último caso, a emergência do mundo carolíngio é explicada por Pirenne a partir da intensificação do comércio externo, sendo que este funciona como uma espécie de excitação externa que produz as transformações. As teses de Henri Pirenne sobre a transição do Feudalismo para o Capitalismo foram enunciadas em 1922 na Revue Belgue de Philologie et Histoire e publicadas na sua forma definitiva em 1935; mais tarde, foi incluída nos últimos capítulos da obra de Pirenne sobre a História da Europa. Também se situa nessa passagem o cerne da célebre querela entre Dobb e Sweezy, já que este último também apoiou os principais argumentos que constituem sua explicação sobre a passagem para a Modernidade evocando como excitação transformadora o comercio externo de longa distância.
Enquanto Maurice Dobb procurava sustentar sua argumentação evocando exclusivamente fatores internos à própria sociedade examinada, no caso atribuindo uma importância crucial à mudança das necessidade e demandas das elites senhoriais. Foi no final dos anos 40 e na primeira metade da década de 1950 que se estabeleceu esta interessante polemica sobre o Feudalismo que ficaria registrada na história da historiografia econômica. Ela envolveu predominante autores marxistas da Inglaterra, mas também de outros países, que se ocuparam de discutir os aspectos teóricos daquilo a que se referiam como Modo de Produção Feudal, bem como os aspectos teóricos envolvidos na transição deste modo de produção para um outro, o Modo de Produção Capitalista. O ponto de partida da polêmica foi a obra elaborada por Maurice Dobb, em 1946, com o título Sudies in the development of Capitalism, sendo que a partir de críticas vigorosas de Sweezy a polemica tomou a forma de uma rede de “réplicas” e “comentários” publicados em forma de artigos em algumas revistas especializadas como a Economic History Review e a Science and Society. Os primeiros ensaios que constituem a aludida polêmica foram posteriormente reunidos em Hilton. 
Em franco contraste com as explicações exógenas que indicam fatores de ordem externa como essenciais para explicar as mudanças na economia – o que inclui fatores políticos, culturais, climáticos ou demográficos como detonadores do processo de transformação. Já as explicações endógenas corresponderiam àquelas que buscam esclarecer certo desenvolvimento histórico relacionado à economia exclusivamente no âmbito dos próprios fatores econômicos envolvidos no sistema examinado. Juglar – famoso economista francês do século XIX que estabeleceu como unidade operacional para a identificação dos movimentos econômicos os ciclos decenais – tendia a elaborar explicações quase que exclusivamente através de fatores endógenos relacionados à própria economia – tais como variações de juros, políticas dos bancos centrais e modificações no estoque dos metais. De modo geral, Juglar preferia não incorporar em suas explicações fatores políticos e culturais, e tinha a pretensão de esclarecer um sistema – seja referente a uma economia nacional, ou à economia mundial – a partir dos desenvolvimentos internos produzidos pelo próprio sistema.
Nos estudos nacionais, as pesquisas realizadas por historiadores econômicos regionais têm mostrado que não é mais possível enquadrar os desenvolvimentos econômicos das diversas regiões de um país em sincronia com um único perfil econômico. Os tradicionais modelos explicativos, que um dia buscaram dar conta da totalidade da economia ao nível nacional, começaram a ser confrontados pela realização de trabalhos empíricos realizados ao nível regional, provocando importantes revisões com relação a modelos generalizantes que antes um dia foram admitidos sem contestação.
Entre os historiadores econômicos brasileiros, a partir dos anos 80, uma série de trabalhos sobre a sociedade escravocrata e outras realidades históricas começa a se confrontar contra alguns dos modelos generalizantes das décadas anteriores.
Para concluir, e reunindo os aspectos que foram discutidos nesta aula, sintetizamos alguns dos riscos mais graves contra os quais se devem prevenis os historiadores econômicos. O primeiro deles é aquele que ronda o trabalho de todos os historiadores, nas diversas modalidades da História: o anacronismo. Em histórica econômica,o principal tipo de anacronismo – fundador de todos os outros – é o que se produz com a importação indevida, para uma determinada sociedade historicamente localizada, de um sistema ou uma racionalidade econômica que são os de nosso tempo. A racionalidade econômica típica do mundo Capitalista, como modelo de comportamento para os fatos econômicos a serem examinados, pode não ter qualquer congruência em relação ao mundo histórico que o historiador examina. Assim, nada implica em que a obsessão pela busca do lucro, uma tendência ou mesmo uma lei da racionalidade capitalista, constitua efetivamente um fator que vá ditar as normas em todas as sociedades ou situações históricas. Também seria oportuno mencionar a “ilusão da sincronicidade” – ou seja, a ideia de que em certa economia nacional, por exemplo, todos os fatores progridem ou regridem juntos. Os fatores integrados em um determinado sistema econômico podem ter cada qual o seu ritmo próprio. De maneira análoga, conforme atrás mencionamos, as diversas regiões ou sub-unidades espaciais de um mesmo país podem não se comportar da mesma maneira em uma certa realidade histórica: a economia das pequenas unidades pode apontar, eventualmente, para especializações econômicas e desenvolvimentos diferenciados.
O historiador, aqui, deve estar pronto a se afastar da ilusão do modelo globalizador único, tal como ocorreu na historiografia brasileira até os anos 1970, com a generalização de um modo de produção escravista-colonial baseado quase que totalmente em uma monocultura exportadora, sem considerar as especificidades de cada região, os mercados internos e as interações entre os elementos internos da economia colonial da América Portuguesa. Neste caso, a louvável tentativa de entender a história econômica brasileira como totalidade – típica da historiografia que vai desde Caio Prado Júnior nos anos 1930 até Ciro Flamarion Cardoso e Jacob Gorender em tempos mais recentes – terminou por se confrontar com limites que só seriam contornados pelas teses brasileiras que começam a surgir nas ultimas décadas do século XX, voltadas para as realidades locais dos períodos colonial e imperial.
Estes, enfim, são os riscos teóricos da História Econômica: totalização sem apoio empírico, reducionismos vários. Isto sem contar os chamados fetiches da quantificação, a saber, a quantificação por ela mesmo, não como meio, mas como fim, ou então a supervalorização da série econômica como capaz de apreensão da totalidade social, às expensas de outros fatores que poderiam ser considerados.
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