Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 1 Fundamentos de Filosofia Pensamento Filosófico na América Latina e Movimentos Sociais Aula 6 Prof. Rui Valese CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 2 Conversa inicial Bem-vindos à sexta aula da disciplina Fundamentos de Filosofia! Nesta aula, nosso objetivo é refletir sobre a presença da Filosofia no continente latino- americano. Estudaremos o pensamento colonizador, bem como as correntes filosóficas que, desenvolvidas na Europa a partir do século XIX, vieram para cá com os imigrantes no final daquele século e início do século XX. Também aprofundaremos nossos conhecimentos sobre o pensamento filosófico que se desenvolverá por aqui de maneira autônoma e suas influências nos movimentos sociais. Para saber mais sobre a aula de hoje, assista ao vídeo que está disponível no material on-line! Contextualizando As Comunidades Eclesiais de Base foi um movimento dentro da Igreja Católica que surgiu a partir do Concílio Vaticano II e estavam ligadas à chamada ala progressiva da Igreja, que se orientava pela Teologia da Libertação. Essa influência se fez sentir não somente nos movimentos religiosos como na JUC (Juventude Universitária Católica), Pastoral Operária, como também nos movimentos sociais, tais como o Movimento dos Sem Terra, bem como sindicais e políticos, como as revoluções cubana e nicaraguense, além das Farc, FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), dentre outros movimentos que objetivavam fazer a revolução em seus respectivos países ou lutar contra as ditaduras civis e militares pelas quais passavam. Tanto a Teologia quanto as Comunidades foram acusadas de serem marxistas e defenderem o comunismo, o que, segundo seus críticos, seriam ideias incompatíveis. Assim, a questão que se coloca para reflexão ao longo desta aula é: é possível conciliar o cristianismo com o marxismo e/ou comunismo e a atuação política-sindical? Se é possível, em que medida? CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 3 Para os comentários do professor Rui sobre este assunto, assista ao vídeo que está disponível no material on-line! Pensamento filosófico colonial e colonizador Segundo o pensador e historiador da Filosofia no Brasil, João Cruz Costa, “A filosofia foi, no Brasil, desde os tempos da Colônia, um luxo de alguns senhores ricos e ilustrados”. Essa tese de Cruz Costa não é despropositada. Desde que o pensamento filosófico desembarcou por essas terras, juntamente com os aventureiros portugueses nas caravelas comandadas por Cabral, esse foi, por muito tempo, um privilégio de uma minoria que podia dar-se o direito de, no tempo livre, dedicar-se às especulações filosóficas. Assim, nosso objetivo nessa unidade, é compreender um pouco desse pensamento e de que maneira o mesmo serviu como fundamento ontológico de um processo de dominação política e econômica. Disponível em: <http://www.historiadigital.org/questoes/questao-jesuitas-e-catequizacao- indigena/> Acesso em 21/07/2016. A filosofia chega ao Brasil pela mão da Companhia de Jesus em 1549. A mesma havia sido criada por Inácio de Loyola dentro do movimento de reação da Igreja Católica contra a Reforma Protestante. Tinha como principais objetivos: educar as novas gerações e, por meio da ação missionária, converter à fé católica os povos das regiões colonizadas. Assim, os jesuítas, quando desembarcaram no Brasil junto com o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, ajudaram a realeza a conquistar o Novo Mundo. Enquanto a realeza facilitava o trabalho da Companhia, essa facilitava o trabalho daquela incutindo CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 4 os valores europeus por meio da língua e da religião. E o que motivava os portugueses a virem para essas terras? Para compreendermos essa motivação, precisamos dar uma rápida olhada para o velho continente e destacar alguns de seus últimos acontecimentos. Durante a Baixa Idade Média (século XI ao XV), a Europa passava por um processo significativo de profundas transformações: renascimento comercial, urbano e cultural; desagregação do sistema feudal; reforma protestante e contrarreforma católica; grandes navegações; mercantilismo e nascimento da burguesia, dentre outros. No campo epistemológico, inicia-se a ruptura com a mentalidade medieval de predomínio da fé sobre a razão. O antropocentrismo, característico do renascimento cultural, recolocara o ser humano como um ser capaz de compreender racionalmente o mundo, desmistificando-o. Como consequência dessa nova mentalidade, surge um projeto ontológico de dominação de outras regiões e povos, num movimento de totalização do mundo a partir da totalidade europeia, por meio da imposição de seus padrões e valores culturais, tais como as religiões e as línguas. Como afirma Dussel, do ego cogito cartesiano deriva o ego conquiro, que se traduziu no fundamento ontológico do processo de dominação dos povos europeus sore os demais. É dentro e a partir desse contexto que a filosofia chega ao Brasil, por meio das mãos e das obras dos padres jesuítas, estruturada na proposta educacional da Ratio Studiorum. Os primeiros estudos de filosofia que aqui se fizeram foram de Lógica, Metafísica, Moral, Matemática e Ciências Físicas e Naturais. Isso pelo menos até 1759, quando o Marquês de Pombal expulsa os jesuítas de Portugal e de todos os seus domínios. A partir daí, praticamente, o ensino de filosofia fica restrito aos seminários, que tinham por objetivo formar sacerdotes, tendo se destacado o Seminário de Olinda que, segundo Piletti, “tornou-se centro de difusão das ideias liberais, dando especial ênfase ao estudo das Matemáticas e das Ciências Naturais”. Tendo, inclusive, alguns de seus alunos e padres participado da Revolução Pernambucana (1817) e da Confederação do Equador (1824). CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 5 Disponível em: <http://libraries.slu.edu/digital/spiritual-journeys/ratio.html> Acesso em 21/07/2016. Basicamente são três as teses que buscam explicar porque a filosofia não floresceu no Brasil como na Europa ou tenha sido uma mera repetição, sem muita originalidade, do que se pensara na metrópole. A primeira delas parte de nossa herança lusitana, segundo a qual também nossos colonizadores não eram afeitos às investigações filosóficas. Segundo Jorge Jaime, historiador da filosofia no Brasil, “Talvez se possa encontrar, assim, na herança portuguesa, a causa da ausência de um filósofo no Brasil”. Como decorrência dessa mentalidade, podemos concluir a segunda tese: a de que haveria um desinteresse do grande público pelas especulações filosóficas. Essa ideia encontra coro naqueles que consideravam o brasileiro como um povo malemolente, não afeito às atividades do espírito. Tobias Barreto, por exemplo, um de nossos pensadores chega a afirmar que “O Brasil não tem cabeça filosófica”. Segundo ele, “Não há domínio algum da atividade intelectual em que o espírito brasileiro se mostre tão acanhado, tão frívolo e infecundo como no domínio filosófico”. A terceira tese busca sua explicação no ensino de filosofia no Brasil. Segundo Leonel Franca, outro importante historiador da filosofia no Brasil, “O estudo e o ensino de filosofia têm sido, entre nós, descurados e tratados quase sempre com supremo CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 6 descaso. (...) É falta de estudos metódicos e profundos, feitos sob a direção de mestres abalizados, queatribuímos principalmente à inferioridade da cultura filosófica, no Brasil”. Disso decorre, segundo ele, que “Refletimos, mais ou menos passivamente, ideias alheias; naveguemos lentamente e a reboque nas grandes esteiras abertas por outros navegantes; reproduzimos, na arena filosófica, lutas estranhas e nelas combatemos com armas emprestadas”. Cruz Costa, nessa mesma linha de raciocínio afirma mais categoricamente: “O brasileiro é um homem (...) que tem medo da originalidade e que prefere sempre um defeito que nos confunda com toda a gente a uma virtude que nos distinga do resto do mundo”. Contemporâneo de Cruz Costa, o dramaturgo Nelson Rodrigues cunhou o conceito complexo de vira-lata. Segundo ele, “Por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”. Disponível em: <http://www.midiainteressante.com/2013/04/brasil-complexo-de- inferioridade.html> Acesso em 21/07/2016. Pode ser que essas teses tenham algum fundamento e talvez precisemos complementá-las com algumas observações a mais. Somente no século XX é que tivemos nossas primeiras universidades. Durante o Período Colonial, do CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 7 Império e das primeiras décadas da República, tivemos por aqui apenas faculdades, isto é, cursos isolados. Principalmente de Direito, Medicina, Engenharia, dentre outras. A primeira universidade brasileira é a UFPR (Universidade Federal do Paraná), criada em 1912. Posteriormente, tivemos a criação da USP (Universidade de São Paulo)1 em 1934 e a Universidade do Rio de Janeiro em 1935. Da mesma forma, o ensino de filosofia no nível secundário sempre foi uma inconstante. Outro fato curioso, talvez decorrente do não interesse e incentivo à criação de universidades por aqui, é o fato de que, dentre os principais nomes que se destacaram na filosofia brasileira, pelo menos até o século XIX, a maioria quase absoluta, à exceção de dois que tinham formação em filosofia, eram formados em medicina, direito ou eram sacerdotes. Ou seja, a filosofia não lhes era a atividade primária. Era quase que um hobby. O principal nome, aliás, Faria Brito, era formado em direito. Cruz Costa em sua obra A filosofia no Brasil afirma que, numa semana de debates ocorrida na Faculdade Federal do Rio de Janeiro, organizado pelo Departamento de Filosofia, diversos pensadores latino-americanos “Afirmaram que há, na América Latina, uma filosofia original, diferente da europeia, pois esta pensa o pensamento e aquela trata do homem oprimido, espoliado, injustiçado. Defenderam a tese – com tendências marxistas – de que toda filosofia deve ser a da libertação, ou não será filosofia”. Disponível em: <https://www.ufpr.br/portalufpr/historico-2/> Acesso em 21/07/2016. 1 A USP foi criada pela elite paulistana inconformada com a derrota na Revolução Constitucionalista de 1932 para o governo de federal de Getúlio Vargas. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 8 Assim, com esses pensadores, afirmamos que, se por séculos a filosofia que se praticou por aqui foi inautêntica, no século XX começamos a deixar essa marca para trás. Já não nos limitamos a reproduzir o pensamento europeu e começamos a pensar filosoficamente nossa própria realidade. Talvez ainda seja uma filosofia tímida, mas, que já sabe o que quer pensar: o ser humano em sua condição de “oprimido, espoliado, injustiçado”. Saiba mais Para aprofundar seus conhecimentos, faça a leitura dos textos indicados a seguir: http://pontonulonotempo.blogspot.com.br/2010/03/filosofia-brasileira-no- periodo.html http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/DM UEbAe2.doc Acesse o material on-line e assista ao vídeo que o professor Rui preparou para você! Pensamento filosófico e as lutas por independência Existe alguma relação entre o pensamento filosófico desenvolvido nas colônias portuguesas e espanholas e o processo de independência das antigas colônias? Teria sido um movimento criado no próprio continente latino-americano ou mais uma importação? Ou ainda: as independências ocorreram mais pelas condições materiais do que por influência das ideias? Nosso objetivo nessa unidade é refletir sobre o processo de independência das antigas colônias espanholas e portuguesas e verificar de que maneira as ideias filosóficas estiveram presentes como fator motivador das mesmas. Para tanto, faz-se necessário, antes, refletir sobre o modelo de colonização por aqui implantado, analisar as transformações políticas e econômicas que se processavam na Europa e na América do Norte, bem como resgatar o Iluminismo. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 9 O modelo de colonização implantado pelas nações europeias nas Américas possui pontos em comum e algumas semelhanças. Em comum têm o fato de combater as populações originárias, seja matando-as pura e simplesmente, como foi o caso de algumas colônias espanholas no Caribe e América Central, seja como na América do Norte, por ingleses e franceses (onde hoje é o Canadá e os Estados Unidos), expulsando-as de suas terras e as confinando em reservas. Também os portugueses tiveram essa prática. Inclusive pelas doenças que passaram a transmitir à população ameríndia que não tinham resistência a um simples resfriado. Impressionantes são os relatos do frei Bartolomeu de Las Casas a respeito. Assim, ele relata o massacre espanhol: Podemos dar conta boa e certa que em quarenta anos, pela tirania e diabólicas ações dos espanhóis, morreram injustamente mais de 12 milhões de pessoas, homens, mulheres e crianças; e verdadeiramente eu creio, e penso não ser absolutamente exagerado, que morreram mais de 15 milhões... A causa pela qual os espanhóis destruíram tal infinidade de almas foi unicamente não terem outra finalidade última senão o ouro, para enriquecer em pouco tempo; enfim, não foi senão pela avareza que causou a perda desses povos, que por serem tão dóceis e tão benignos foram tão fáceis de subjugar. Outro ponto em comum foi a escravização, num primeiro momento, das populações nativas. Posteriormente, passaram a utilizar a mão de obra escrava africana. Nas Treze Colônias ainda houve dois modelos de colonização bastante distintos. Nas colônias do Norte, predominava a pequena propriedade de subsistência, o pequeno comércio e o trabalho assalariado. Já nas colônias do Sul, predominava a grande propriedade monocultora, exportadora e escravagista. Disponível em: <http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/02/hernan-cortes-historias-e- memoria.html> Acesso em 21/07/2016. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 10 No entanto, as diferenças de colonização foram marcantes, ainda que atendessem ao mesmo objetivo de enriquecer a metrópole. Enquanto na América do Norte o modelo de colonização ficou conhecido como “colônias de povoamento”, na América Central e do Sul foi implantado o modelo de “colônias de exploração”. No primeiro caso, os colonizadores quase sempre eram populações que fugiam dos conflitos político-religiosos do velho continente. Desta forma, ao chegarem à América do Norte, tinham por objetivo instalarem- se e se desenvolverem. Assim, instalavam escolas, jornais e procuravam desenvolver uma economia que lhes permitisse autonomia em relação à metrópole. Os colonos se organizavam pelo princípiode “self-government” e os ingleses chamavam de Política de Negligência Salutar. Somente após a Guerra dos Sete Anos entre a Inglaterra e a França é que os ingleses vão abandonar essa política com vistas a equilibrar suas finanças abaladas pelos gastos militares durante aquele conflito. Disponível em: <http://www.coladaweb.com/historia/formas-de-colonizacao-povoamento-e- exploracao> Acesso em 21/07/2016. Já nas colônias portuguesas e espanholas, o objetivo era encontrar riquezas que pudessem ser levadas para a metrópole. No caso português, por exemplo, os primeiros colonizadores eram aventureiros e degredados. Esses tinham como objetivo fazer fortuna e foi com essa promessa que vieram para cá, e voltaram para seus países de origem. Já aos degredados essa era a alternativa que tinham para não continuarem a vida inteira numa prisão. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 11 Enquanto nas Treze Colônias havia uma certa autonomia administrativa, nas colônias portuguesas e espanholas a dependência era completa. Nas colônias portuguesas e espanholas, criaram-se classes distintas a partir das origens de seus integrantes. Os que administravam as colônias eram portugueses ou espanhóis, respectivamente. Já os seus descendentes eram considerados cidadãos de segunda categoria, não podendo assumir cargos importantes na administração da colônia. Quase sempre eram profissionais liberais e pequenos proprietários que não participavam da administração, mas pagavam os impostos que sustentavam essa máquina administrativa. Como as possibilidades de formação nas colônias eram precárias, aqueles que tinham proventos suficientes para tal, enviavam seus filhos para estudarem na Europa. É a partir destes que as ideias iluministas chegarão às colônias e contribuirão para alimentar ideologicamente os que irão lutar contra o antigo sistema colonial. Porém, antes, faz-se necessário analisarmos as transformações econômicas que agitam a Europa e verificar de que maneiras tais mudanças também contribuirão para o processo de independência das colônias. O Antigo Sistema Colonial, que estava baseado no sistema mercantilista, a partir da segunda metade do século XVIII começa a entrar em declínio. E o que era o sistema mercantilista? O mercantilismo se caracterizava por uma forte intervenção do Estado na economia, pelo pacto colonial (cada colônia só poderia comercializar com sua respectiva metrópole), protecionismo e balança comercial favorável. Com o surgimento e desenvolvimento da burguesia, esta irá questionar as políticas mercantilistas que em nada favoreciam o liberalismo, que era o pensamento que sustentava o capitalismo. A consolidação da Revolução Industrial na Inglaterra não combinava nem com o pacto colonial, nem com as medidas protecionistas, muito menos com o predomínio do trabalho escravo. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento das colônias, tanto as inglesas quanto as espanholas e portuguesas, faz surgir uma elite colonial que começa a não mais ver o antigo pacto colonial como algo favorável. Por fim, as ideias iluministas trazidas pelos filhos dos colonos que haviam ido estudar na Europa, alimentam CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 12 a efervescência política nas colônias. Vejamos as principais ideias iluministas que influenciarão os líderes dos movimentos de independência. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=34558> Acesso em 21/07/2016. A ideia central do Iluminismo é a crença no poder da razão humana, bem como do progresso humano a partir do uso da razão. Dessa forma, tanto a fé quanto Deus começam a ser substituídos por outras ideias. O mundo passa a ser visto como algo que pode ser explicado racionalmente. É esse o sentimento expresso por David Hume na seguinte passagem: Lançai um olhar em redor do mundo; contemplai o todo e cada uma das suas partes; vereis que não é senão uma grande máquina, subdividida num infinito número de máquinas menores, que por sua vez admitem subdivisões num grau que vai para além do que os sentidos e as faculdades humanas podem captar e explicar. Todas essas máquinas e até as suas partes menores se ajustam entre si com uma precisão que arrebata a admiração de todos quantos as contemplarem. A singular adaptação dos meios aos fins na natureza inteira assemelha-se exatamente, ainda que em muito excede, aos produtos do engenho humano, aos desígnios do homem, de seus pensamentos, sua sabedoria e sua inteligência. O deísmo passa a ser a crença defendida por alguns iluministas, na busca por uma religião natural-racional, livre dos problemas das seitas, bem como de qualquer intermediário entre o ser humano e Deus. Segundo Voltaire, “O deísta é um homem firmemente persuadido da existência de um Ser supremo tão bom CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 13 como poderoso, que formou todos os seres extensos, vegetantes, sensíveis e reflexivos”. De John Locke aprendem que todos nascem livres em “estado de natureza” e que, livres, têm o direito de exercer seus direitos naturais: a liberdade e o direito à propriedade. Para proteger esses direitos, os seres humanos se organizam em sociedade e delegam a um governante a obrigação de garantir o exercício desses direitos, por meio de um contrato social. Quando o mesmo não atende mais aos interesses dos cidadãos, esses têm o direito de substituí-lo. Afirma ele textualmente: “Para compreender corretamente o poder Político e depreendê-lo de sua origem, devemos considerar em que estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade para ordenar-lhes as ações e regular-lhes as posses e as pessoas tal como acharem conveniente, nos limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade de qualquer outro homem”. Disponível em: <http://blog.cpbweb.com.br/historiaprofsolange/index.php?op=post&inicio=1&mes=2&ano=2012 > Acesso em 21/07/2016. Rousseau se aproxima das ideias de John Locke a respeito da ideia de liberdade em estado de natureza. Porém, divergirá do mesmo quanto ao fundamento do contrato social. Segundo ele, por meio desse contrato, os seres humanos abrem mão de seus direitos e os transferem à sociedade, passando a se submeter a uma “vontade geral”. Afirma ele: Para efeito de discussão, suponho que, em certo momento, a humanidade tenha atingido um ponto em que as desvantagens de CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 14 continuar num estado de natureza ultrapassaram as vantagens. Nestas condições, o estado original de natureza não poderia mais continuar. A espécie humana teria perecido, se não tivesse mudado suas soluções. Disponível em: <http://rousseau-contratosocial.blogspot.com.br/2012/05/estado-de- natureza.html> Acesso em 21/07/2016. Tais ideias encontrarão um terreno fértil para se desenvolverem nas mentes de parte da elite colonial. Porém, as mesmas não seriam suficientes para levar a cabo todo o processo de independência das colônias espanholas e portuguesas. Além das condições objetivas materiais, políticas e econômicas, pelo menos dois outros acontecimentos contribuirão para que essas ideias passem do plano das ideias para o mundo real: a independência das Treze Colônias (1776) e a Revolução Francesa (1789). Assim, esses três fatores conjugados: a consolidação do capitalismo industrial, o Iluminismo e essas duas independências servirão de combustível para que outros povos iniciem seu processo de independência. Porém, vale lembrar que, ocorrendo a independência, isso não significaque a estrutura econômica, política e social tenha sido alterada. Pelo contrário, a mesma permanecerá, e as revoltas populares que intentaram tais mudanças foram duramente reprimidas e seus líderes presos, degredados ou mortos, por fuzilamento ou enforcamento. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 15 Saiba mais Quer aprofundar mais seus conhecimentos? Então não deixe de assistir aos vídeos indicados a seguir. Você também pode complementar seus estudos com a leitura do texto que também está disponível logo abaixo. https://www.youtube.com/watch?v=vF-9ievViNE https://www.youtube.com/watch?v=_TeppwK0a7Q https://www.youtube.com/watch?v=TkvUTuglYAo http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 69922011000200008 O professor Rui traz mais explicações no vídeo que está disponível no material on-line. Marxismo na América Latina A história do marxismo no continente latino-americano não tem como ser pensada sem a sua vinculação com os acontecimentos políticos, econômicos e sociais do mesmo. Nosso objetivo nessa unidade de estudos é compreender um pouco desse desenrolar histórico e chamar a atenção para a presença do mesmo, seja nos acontecimentos políticos, seja no campo da pesquisa teórica, acadêmica ou não. Podemos dividir a presença do marxismo no continente latino-americano em cinco períodos distintos e complementares: chegada, fundação, consolidação, crise e reorganização. Vejamos algumas das principais características de cada período e seus principais nomes. Para compreender a presença do marxismo em nosso continente, há que se considerar suas distintas e diversas formações sociais, seu desenvolvimento desigual das forças produtivas, constituição e problemas étnicos, bem como suas distintas organizações políticas e inserções no contexto internacional. O pensamento marxista chega à América Latina no final do século XIX pelas mãos dos imigrantes italianos e espanhóis que, a essa época, eram os trabalhadores mais politizados do continente. Num primeiro momento, são influenciados fortemente pelas ideias anarquistas. Os primeiros partidos políticos socialistas CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 16 fundados por aqui foram na Argentina (1896), Uruguai (1910) e Chile (1912). Alinhados à Segunda Internacional, a partir da década de 1920, de alguns deles ou não, surgirão os partidos comunistas. O fator que, talvez, mais fortemente marcará o surgimento dos partidos comunistas latino-americanos será a Revolução Soviética de 1917. Tanto a revolução quanto a Segunda Internacional marcarão a identidade desses partidos, inclusive quanto à sua orientação marxista-leninista e forte inspiração stalinista. Disponível em: <http://projetopipnuk.blogspot.com.br/2012/10/a-imigracao-italiana-e-o- nucleo.html > Acesso em 21/07/2016. Ao longo do século XX, vários acontecimentos marcaram a história latino- americana. Dentre eles, segundo o professor José Paulo Netto, cabe destacar: “Ao longo do século XX, a América Latina registrou experiências políticas muito peculiares, que a marcaram profunda e diversamente: grandes insurreições antioligárquicas, vitoriosas ou não (México, 1910; El Salvador, 1932; Bolívia, 1952); intentos mais ou menos exitosos de modernização social sob regimes ditatoriais (no Brasil, Vargas, 1930/1945, e, na Argentina, Perón, 1946-1955); guerra civil (Costa Rica, 1948); processos revolucionários que se orientaram ao socialismo, vitoriosos ou não, contra a ordem ou no interior da ordem (Cuba, 1959; Nicarágua, 1979; Chile, 1970-1973); lutas guerrilheiras (em praticamente todo o subcontinente, nos anos 1960) que até hoje persistem (Colômbia); breves episódios democratizantes envolvendo as Forças Armadas (Peru, 1968; Bolívia, 1971); longas ditaduras extremamente corruptas (no Paraguai, 1954-1989, na Nicarágua dos Somoza, intermitentemente entre os anos 1930 e 1979, e no Haiti dos Duvalier, 1964-1986); e, enfim, as ditaduras do grande capital erguidas no CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 17 Cone Sul sob a égide da ‘doutrina de segurança nacional’ (Brasil, Chile, Uruguai e Argentina) entre 1964 e 1976, cujas crises diferenciadas culminaram, nos anos 1980, em movimentos de democratização muito particulares”. Disponível em: <http://www.colegioweb.com.br/historia/como-foi-revolucao-cubana.html> Acesso em 21/07/2016. Da mesma forma, para compreendermos o continente latino-americano, faz-se necessário pensá-lo dentro da lógica do sistema capitalista. Assim, enquanto continente, vivemos sob a influência, inicialmente, de nossos colonizadores (predominantemente Espanha e Portugal) e, posteriormente aos processos de independência, ao imperialismo primeiro britânico e, posteriormente, estadunidense. No entanto, isso somente não explica nossas desigualdades. Internamente, as elites dominantes mantêm tanto as populações nativas quanto os descendentes dos imigrantes que por aqui vieram em condições de submissão. Isso, porém, ainda não é suficiente para compreendermos todo o processo de submissão a que estão submetidas as populações latino-americanas. Ainda se faz necessário, como afirma Dussel, olharmos outras dominações: do Estado sobre seus cidadãos; do homem sobre a mulher; do adulto sobre os jovens e crianças; dos capitalistas sobre os operários; do mercado sobre o consumidor; do professor sobre os estudantes, dentre outros. O período fundacional vai da chegada das ideias de Marx e Engels até o fim da década de 1920. Além dos imigrantes italianos e espanhóis que trouxeram as ideias marxistas, é preciso destacar a tradução das primeiras obras de Marx e Engels em território latino-americano. Assim, por exemplo, é o caso do Manifesto do Partido Comunista, Miséria da Filosofia, do socialismo utópico ao CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 18 socialismo científico, dentre outras. Circulam obras em espanhol e francês. Outro fato característico desse período é a influência stalinista nos partidos comunistas que implicou, inclusive, no afastamento de alguns de seus primeiros líderes. Nesse período, os marxistas dedicam-se a investigar a realidade latino- americana. Talvez o nome mais importante desse período seja o de José Carlos Mariátegui e sua obra Siete ensayos de interpretación de la realidade peruana. Sua compreensão estava fundamentada na ideia de que a revolução peruana, e, podemos de certa forma, estender essa mesma concepção para outras realidades latino-americanas com as devidas adaptações, passaria por uma posição firme contra o imperialismo, o latifúndio e o capitalismo, numa união entre os trabalhadores urbanos e os camponeses. Disponível em: <http://akifrases.com/frase/121061> Acesso em 21/07/2016. A partir da década de 1930 até meados da de 1950, temos o período que podemos chamá-lo de consolidação. Nesse período o mundo assiste à ascensão dos regimes nazifascistas na Europa, a Guerra Civil Espanhola, a Segunda Grande Guerra, a Revolução Chinesa e o início das lutas pela descolonização da África e da Ásia. Aumenta o número de publicações marxistas no continente, bem como a influência tanto do stalinismo quanto da Terceira Internacional nos partidos comunistas, como também um controle sobre o que e como seria traduzido por aqui e publicado. A ideologia marxista-leninista torna-se a ideologia oficial não somente na antiga União Soviética, mas também nos demais partidos comunistas ao redor do mundo. Segundo o professor José Paulo Netto, o pensamento marxista ficou “reduzido a um economicismo baratoe/ou a um sociologismo mecanicista (...) uma codificação escolástica da teoria social dos CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 19 clássicos”. Esse equívoco, aliás, será o responsável por alguns dos erros cometidos pelos comunistas por aqui, bem como pelo surgimento de algumas “vítimas/algozes dessa ideologia vulgar”, como diria o professor Paulo Netto, como é o caso dos argentinos Rodolfo (1897-1985) e Orestes Ghioldi (1901-1982), o brasileiro Luís Carlos Prestes (o ‘Cavaleiro da Esperança’, 1898-1990) e o peruano Jorge del Prado (1910-1999); e, entre intelectuais e ficcionistas, sobre o argentino Emilio Troise (1885-1976), o equatoriano Manuel Agustín Aguirre (1903-1992), o peruano Cesar G. Mayorga (1906-1983), o brasileiro Jorge Amado (1912-2001) e o costarriquense José Marín Canas (1904-1980). No entanto, nem todos capitulam diante da ideologia oficial. Alguns intelectuais, como o argentino Aníbal Ponce, por exemplo, conseguiram resistir à ditadura intelectual stalinista do marxismo-leninismo. Outra frente de resistência à ideologia oficial do marxismo-leninismo foi o trotskismo, que fez ferrenhas críticas à condução política dos partidos comunistas latino- americanos. Disponível em: <http://stalinismo3a.blogspot.com.br/> Acesso em 21/07/2016. No final da década de 1950, o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética e a Revolução Cubana provocarão um terremoto político no marxismo global. As denúncias das violências e culto à personalidade praticada por Stalin provocarão uma onda de revisionismos e/ou reformismos tanto dos CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 20 intelectuais quanto dos partidos políticos comunistas. Estes últimos, aliás, deixarão de ser os legítimos e únicos guardiões do pensamento marxista, abrindo espaço para a produção teórica de intelectuais da academia e autodidatas fora dos cânones ortodoxos marxistas. Segundo Paulo Netto, Em poucas palavras: os partidos comunistas deixaram efetivamente de ter uma espécie de monopólio do marxismo, seja na sua divulgação, seja na sua utilização. Outras agências (movimentos sociais, universidades, institutos de pesquisa etc.) passaram a intervir de modo novo na elaboração marxista. O resultado imediato desse processo foi uma notável renovação do marxismo no subcontinente. Da mesma forma, outros pensadores marxistas não ortodoxos chegarão por aqui, tais como Gramsci, Lefebvre, Erich Fromm, Roger Garaudy, Althusser, Bakhtin, Thompson, Hobsbawm, Korsch, Lukács, Marcuse, Horkheimer, Adorno, Benjamin, Bloch, Rosa Luxemburgo. No interior da crise do marxismo, surge sua reorganização com os pensadores que se propõem a pensar a América Latina a partir da teoria da dependência, a partir das teses da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina). Dentre esses teóricos, podemos destacar os brasileiros Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes e Octavio Ianni. Na filosofia, destacam-se nomes como Leopoldo Zea, Enrique Dussel, Leandro Konder, Adolfo Sánchez Vázquez. Nesse período, foi também decisiva a mudança de rota de parte importante da Igreja Católica na América Latina. A partir do pontificado de João XXIII e do Concílio Vaticano II, bem como do Conselho Episcopal Latino- Americano (CELAM), parte considerável da hierarquia episcopal rompe com a defesa do status quo e passa a assumir bandeiras e lutas tradicionalmente dos movimentos de esquerda. Teólogos como Comblin, Gutiérrez, Hugo Assmann, Leonardo e Clodovis Boff, Dussel, dentre outros, criam a Teologia da Libertação a partir dos cristãos que se engajam tanto nos partidos políticos, como nos movimentos sociais e sindicais de esquerda, tais como a JUC, a Ação Popular, a Frente Sandinista, as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), as Ligas de Camponeses, dentre outros. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 21 Disponível em: <http://cleofas.com.br/bento-xvi-a-teologia-da-libertacao-foi-um- milenarismo-que-nao-se-justifica-2/> Acesso em 21/07/2016. A década de 1970 é um momento de refluxo. A morte de Che Guevara, bem como a derrota de vários movimentos guerrilheiros de um lado e, de outro, a implantação de diversas ditaduras na América do Sul afeta duramente os intelectuais marxistas latino-americanos e, muitos serão obrigados a se exilarem para escaparem das prisões e, até mesmo, da morte. A partir da década de 1980 e 1990, com o fim da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e da Guerra Fria, os partidos comunistas latino-americanos e de outros continentes, bem como seus dirigentes, vivem momentos de capitulações e apostasias, indo desde a simples mudança de nome, até mesmo de redirecionamento político- ideológico. No entanto, até mesmo por ter como um de seus principais fundamentos a dialética, Em todos os quadrantes do subcontinente, pesquisadores mais jovens assumem o marxismo como referência central do seu trabalho. Trata- se de um marxismo diferenciado ou, como o designamos, polifônico: sinfonia executada em tons diversos por músicos autônomos, mas tão criativa e promissora que merece uma audiência mundial (PAULO NETTO). Saiba mais Assista aos vídeos e faça a leitura indicados a seguir e fique ainda mais por dentro do assunto! http://www.fafich.ufmg.br/temporalidades/pdfs/07p89.pdf https://www.youtube.com/watch?v=5rX8NOXT17s https://www.youtube.com/watch?v=zdUZnBw-EM8 CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 22 No material on-line você encontra um vídeo com mais explicações do professor Rui. Não perca! Anarquismo na América Latina Nosso objetivo neste tema é compreender o que é o anarquismo e sua importância na história dos movimentos sociais na América Latina. No senso comum, anarquismo sempre foi entendido como bagunça, caos, desordem. No entanto, a palavra anarquia vem do grego, anarchos, que significa “não governo”, “não estrutura”. No entanto, é difícil falar de um conceito quando o mesmo foi destruído por décadas e décadas de propaganda mal-intencionada. Disponível em: <https://2bgalois.wordpress.com/anarquismo/> Acesso em 21/07/2016. Dois princípios estão na base do anarquismo: a liberdade do indivíduo e a justiça. Porém, não existe um anarquismo, mas anarquismos. Assim, o mais correto seria falar de um movimento anarquista. Basicamente, podemos falar de quatro correntes: o mutualismo, inspirado em Pierre-Joseph Proudhon; o coletivismo, de Michail Bakunin; o anarco-comunismo, de Kropotkin; o anarco- sindicalismo e o individualismo anarquista. Percebe-se, então, que o anarquismo, enquanto filosofia e ideologia (em sentido gramsciano) surgiu na Europa no início do século XIX. Em sentido negativo, foi utilizado pela primeira vez durante a Revolução Francesa, quando os girondinos queriam injuriar os jacobinos; ou quando Brissot queria ofender os enragés. Da mesma forma, também Robespierre assim foi chamado. Quem recupera o sentido positivo é Proudhon, influenciado pelo britânico Godwin e pelo alemão Stirner. Até 1850, por influência de Proudhon, o anarquismo que reúne operários, artesãos e camponeses é do tipo mutualista. Já a partir de 1860, passa a receber a CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 23 influência do coletivismo de Bakunin e se vincula à Primeira Internacional, uma organização que pretendia congregar todos os trabalhadores do mundo, bem como suas representações, independente da corrente ideológica. Por um bom tempo, aliás, chegam a se constituir como corrente majoritária na mesma. Defendiam um socialismo com afinidade com os princípiosdo anarquismo. O anarquismo chega à América Latina durante a década de 1860, juntamente com os imigrantes espanhóis e italianos na América do Sul e, nas Antilhas Francesas, organizam seções da Internacional. No México surgem as primeiras organizações operárias, camponesas e estudantis com influência das ideias de Proudhon e de Bakunin. Na década seguinte chega ao Uruguai e à Argentina. Nesses dois países, consegue adeptos nos sindicatos dos operários e nas sociedades de resistência. Desde então, o movimento anarquista tem participado ativamente da história política, sindical, pedagógica, teatral, cooperativista e artística da América Latina. Por vezes, a participação é pacífica; por vezes, é violenta. Às vezes é individual e às vezes é coletiva. No entanto, alguns historiadores têm negligenciado a história do anarquismo na América Latina, minimizando o mesmo por ignorância ou por má fé. Por vezes, o consideram como uma ideologia marginal, absolutamente minoritária e, portanto, desdenhável. Ainda que, assim como outras ideias, o anarquismo seja um produto importado da Europa, o mesmo, como um organismo vivo, adapta-se ao meio em que se insere e acaba mudando mais ou menos, conforme o contexto e a necessidade. Segundo Angel J. Cappelletti, “a doutrina anarquista do coletivismo autogestinário, aplicada à questão agrária, coincide de fato como antigo modo de organização e de vida dos indígenas do México e do Peru” (tradução livre). Antes mesmo da chegada dos espanhóis. Assim, quando os anarquistas começam a organizar os povos andinos da América Central, não tiveram que lhes incutir uma ideologia nova, mas, tão somente, resgatar-lhes seus princípios expressos no calpull – sistema de organização asteca em que as terras, por exemplo, eram de propriedade comunal, bem como costumavam lutar juntos em CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 24 guerras e trabalhar coletivamente em obras públicas. Da mesma forma, o ayllu, forma de trabalho coletivo em que a propriedade também é comum. Disponível em: <http://blogs.ua.es/losaztecas/2011/12/20/el-calpulli-base-de-la-estructura- social-azteca/> Acesso em 21/07/2016. Da mesma forma, também alguns dos criollos, colonos descendentes de espanhóis nascidos na América, tinham tanto uma tendência à liberdade como também eram contra algumas formas de estrutura estatais. Ainda segundo Cappelletti, o anarquismo havia sido adotado com muito mais força pelos operários do que o próprio marxismo. Porém, não foi uma adesão ao anarquismo na sua forma original, mas, que contribuiu, inclusive, para o movimento anarquista internacional. É o caso da FORA – Federação Operária Regional Argentina, que adotava uma forma de organização em que abria mão de toda e qualquer estrutura burocrática sindical. Da mesma forma, é o caso do Partido Liberal Mexicano, declaradamente anarquista. No entanto, onde o anarquismo mais esteve presente na América Latina foi no sindicalismo, por meio do anarco-sindicalismo, tanto na cidade quanto no campo. Defendiam um sindicalismo revolucionário e antipolítico, isto é, em oposição à atuação política partidária e não à atuação política como os apolíticos. Na América do Norte, o liberalismo de Jefferson foi entendido por alguns como um anarquismo autóctone. Porém, trata-se de um “libertarismo” que, se não é uma ideologia anti-operária, se desenvolve de maneira alheia às lutas CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 25 operárias e está mais voltada à negação da burocracia e do Estado, ao militarismo e em defesa dos direitos humanos. Já no Brasil, por exemplo, o anarquismo sempre esteve à margem de toda e qualquer instância. No início do século XX, esteve ligado às organizações sindicais. Porém, sofreu a perseguição da república militar e oligárquica, com prisões, deportações e mortes. Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiadobrasil/greves-operarias-na- primeira-republica.htm> Acesso em 21/07/2016. A partir da década de 1920, muitos anarquistas, aderindo à Revolução Bolchevique, aderem a Lenin, apoiando incondicionalmente a revolução soviética. Porém, quando Stalin, após a morte de Lenin, centraliza o poder em suas mãos, muitos desses não mais se chamam de anarquistas, ou abandonam a adesão inicial. A partir de então, é possível observar a decadência do anarquismo latino-americano. E isso se deve a três fatores: golpes de Estado de caráter fascista que ocorrem na década de 1930; fundação de partidos comunistas nas décadas de 1920 e 1930; surgimento de correntes nacionalistas e populistas vinculadas às forças armadas e de caráter, por vezes, fascistas. Ao mesmo tempo, o discurso ideológico da burguesia nacional, juntamente com setores do exército e da Igreja Católica de que a causa da exploração que os trabalhadores, urbanos e rurais, sofrem é de origem imperialista e não do capital nacional e do próprio Estado. Também contribuíram para a decadência do anarquismo na América Latina. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 26 Saiba mais Veja o vídeo e leia os textos indicados a seguir para saber mais sobre o assunto desta aula. https://www.youtube.com/watch?v=-d0PeavJxqI e demais partes... https://anarquismorj.wordpress.com/category/anarquismo-na-america-latina/ http://www.diariodoscampos.com.br/cidades/2015/01/unica-experiencia- anarquista-da-america-latina-ganha-memorial-em-santa-barbara/1266480/ Agora as explicações são por conta do professor Rui! Acesse o material on-line e assista ao vídeo que está disponível para você! Filosofia da Libertação A filosofia que não pensa a própria realidade não passa de uma sofística ou de uma ideologia, em sentido marxista. Dussel chama aqueles que repetem os padrões e pensamentos filosóficos do centro como filósofos inautênticos. Esse é o principal fundamento da Filosofia da Libertação, assunto deste tema. Nosso objetivo é compreender seus pressupostos, bem como localizá-la dentro do movimento histórico da própria filosofia. Disponível em: <http://www.elciudadanoweb.com/latinoamerica-y-la-filosofia-situada/> Acesso em 21/07/2016. Historicamente, podemos localizar o nascimento da Filosofia da Libertação entre as décadas de 1960 e 1970. Em 1968, Augusto Salazar-Bondy publica uma obra intitulada Existe uma filosofia da nossa América. Em 1969, CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 27 o mexicano Leopoldo Zea publica a seguinte obra: A filosofia americana como filosofia sem mais. Essas duas obras podem ser tomadas como um marco do nascimento da Filosofia da Libertação. Ambas se inserem num contexto em que os intelectuais latino-americanos começam a se questionar sobre a realidade de dependência da América Latina. Um pouco antes, dois acontecimentos históricos europeus terão influência marcante em nossa história, principalmente nos movimentos sociais, políticos e religiosos. O primeiro deles foi o XXº Congresso do Partido Comunista da União Soviética, quando o stalinismo é denunciado pelos seus atos de violência, bem como o culto à personalidade do próprio Stálin. Isso provocará na intelectualidade marxista de todos os continentes uma onda revisionista e até mesmo de rompimento com o pensamento marxista ortodoxo. Da mesma forma, a nomeação de João XXIII e o Concílio Vaticano II colocarão boa parte da Igreja Católica, principalmente a latino-americana, em contato com os problemas sociais, ao mesmo tempo em que vários de seus líderes eclesiásticos passarão a ter um engajamento político e social bastantedestacado, descolando-se do status quo em seus respectivos países. Essas, podemos dizer, são as causas imediatas do surgimento de uma filosofia na América Latina. Porém, no movimento da filosofia da História da Filosofia, as causas devemos buscá-las cinco séculos antes. Disponível em: <http://profellingtonalexandre.blogspot.com.br/2012/06/alimentacao-nas- grandes-navegacoes.html> Acesso em 21/07/2016. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 28 No final do século XV e início do século XVI, a Europa lança-se aos mares, por meio dos navegantes portugueses e espanhóis, em busca da conquista de novos territórios para satisfazer seu projeto burguês renascentista de conquista. A mentalidade europeia desse período que é o da modernidade, está fundamentada no ego cogito cartesiano que, dentro da lógica mercantilista que motiva as grandes navegações, se traduz no ego conquiro. Como afirma Dussel, “o ‘eu conquisto’ é o fundamento prático do ‘eu penso’”. É a partir desse fundamento, que o centro europeu se impõe às periféricas América, África e Ásia. Seja no período colonial mercantilista, seja na Primeira Revolução ou na Segunda Revolução Industrial, a lógica de dominação é a mesma: o ser europeu que impõe sua totalidade aos demais povos, tanto por meio da dominação política quanto cultural. Nesse contexto, também a Filosofia cumprirá papel decisivo. Como afirma Dussel, “A filosofia clássica de todos os tempos é o acabamento e a realização teórica da opressão prática das periferias”. É a justificação ontológica dos processos de dominação. O fundamento ontológico permenidiano do “o ser é, o não ser não é” é esse fundamento ontológico de dominação, na medida em que negará ao ser periférico, a dignidade do ser. O ser é o europeu, o não ser é o não europeu; não é o outro em sua outridade, mas o ser mutilado, incompleto, não civilizado, que será completo, na perspectiva do centro, a partir do momento em que se submeter ao ser europeu, à totalidade europeia, incorporando seus valores e suas crenças. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 29 A partir do momento em que Portugal e Espanha, por meio das grandes navegações, “desenclausuram” a Europa. Esta se torna o centro do mundo, política, econômica e militarmente, num primeiro momento liderada pelos povos ibéricos e também durante a Revolução Industrial pela Inglaterra. Mais tarde, os Estados Unidos assumem esse papel dominador: os xerifes do mundo. Outro elemento dessa lógica de dominação é encontrado no pensamento de Hobbes e sua expressão homo homini lupus. É a expressão real do ego cogito cartesiano. A dominação europeia, segundo os relatos do frei Bartolomeu de las Casas, foi feita de duas maneiras distintas: Uma das maneiras, por injustas, cruéis, sangrentas e tirânicas guerras. (...) A outra, depois que assassinaram todos os que podiam anelar a liberdade, que são os homens varões, porque comumente não deixam na guerra senão crianças e mulheres, estes são oprimidos com a mais dura, horrível e áspera servidão. Assim, a dominação se efetiva por meio da dominação político-militar (assassinato dos homens), da dominação erótica (violência sexual contra as mulheres) e da dominação pedagógica (educação das crianças na cultura europeia). Ainda que a coroa espanhola tenha criado cerca de 35 centros superiores que formavam licenciados em filosofia, em sua maioria para seguirem a carreira eclesiástica, a filosofia por aqui aprendida e praticada era a segunda escolástica hispânica. Já as metrópoles portuguesa e inglesa faziam a formação de suas elites em Coimbra ou em Londres. No entanto, tanto uns quanto outros apenas repetiam a filosofia metropolitana. Segundo Dussel, eram “Verdadeiros títeres, repetiam depois na periferia o que seus egrégios professores das grandes universidades metropolitanas lhes haviam ensinado”. Assim, a Filosofia da Libertação surge para combater tanto o colonialismo e o imperialismo político, econômico e militar, como também o cultural e filosófico. Assim como no passado, a filosofia surgiu na periferia, isto é, nas colônias gregas e depois chega ao centro, também aqui se advoga que a mesma surja na periferia e levante-se como “uma filosofia da libertação da periferia, dos CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 30 oprimidos, a sombra que a luz do ser não pode iluminar”, conforme afirma Dussel. E reafirma: uma filosofia “Do não ser, do nada, do outro, da exterioridade, do mistério do sem sentido”, que terá na ontologia da alteridade seu fundamento e não da negação do outro. Saiba mais Leia os textos indicados a seguir e assista aos vídeos para aprofundar ainda mais seus estudos. http://filcarlos.com/dussel-e-o-problema-essencial-da-filosofia-da-libertacao/ https://www.youtube.com/watch?v=3QAQd11cJ5E https://www.youtube.com/watch?v=3894OQDMXww http://www.espacoacademico.com.br/061/61angeluci.htm Para finalizar os estudos deste tema, assista ao vídeo que está disponível no material on-line! Trocando ideias A conquista do poder pelos movimentos políticos e sociais de esquerda, na América Latina seguiram três rumos, com distintos resultados: 1. Em Cuba, foi pela via da luta armada e, após um período de ameaças norte-americanas, a adesão ao Bloco Comunista, nessa época liderado pela URSS. Permanece até hoje, apesar de décadas de bloqueio econômico e boicotes. Implantaram o regime do partido único e todo o processo de participação política se dá a partir das instâncias partidárias; 2. Na Nicarágua, após anos de luta armada, a Revolução Sandinista é vitoriosa. Após anos de governo sandinista, foram realizadas eleições gerais, permitindo o surgimento de partidos e candidatos de direita, os quais saíram vitoriosos no processo eleitoral de 1990. Em 2011, Ortega volta ao poder pela via eleitoral; CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 31 3. No Chile, Salvador Allende chega ao poder em 1970 e, após 3 anos de governo, em meio a bloqueio e boicote econômico interno e externo, provocados por empresários chilenos e norte-americanos prejudicados pelas medidas estatizantes de Allende, é deposto do poder pelos militares que implantam uma das mais violentas ditaduras militares. Sua morte, até hoje, é cercada de mistérios, tendo versões que defendem que ele tenha se suicidado e outras que ele tenha sido morto pelos militares que invadiram o Palácio de La Moneda. Diante dessas três experiências uma questão se coloca: qual o caminho para que os movimentos sociais e partidos de esquerda cheguem ao poder, se mantenham nele e implantem seu projeto de governo, sem os riscos de um golpe, de um retrocesso ou mesmo de boicotes que inviabilizem tal projeto? Compartilhe sua opinião no fórum desta disciplina no Ambiente Virtual de Aprendizagem! Na prática Segundo o dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, o brasileiro sofre a “síndrome de vira-lata”. Semelhante a esse pensamento, os argentinos costumam se referir aos brasileiros como “los macaquitos”. Seriam essas proposições verdadeiras, no sentido de que encontra ressonância na realidade? Segundo Descartes, não deveríamos aceitar nada como verdadeiro que antes não verificássemos como tal. Assim, para verificarmos se essas proposições correspondem ou não à realidade, precisaríamos investigá-las. Para tanto, precisaríamos verificar na realidade, seja do senso comum ou mesmo das academias, até que ponto nós, negando aquilo que é nosso, incorporamos padrões, comportamentos, serviços, produtos estrangeiros e os consideramos melhores doque os nossos. Poderíamos começar a investigar, por exemplo, em que medida nas universidades não passamos de meros comentadores de intelectuais europeus, CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 32 principalmente em detrimento de intelectuais brasileiros ou mesmo latino- americanos. No senso comum, verificar em que medida a incorporação de estrangeirismos não confirme nossa síndrome ou nossa imitação. Outro espaço que poderíamos verificar é no campo musical: a música que toca nas estações ou que mais as pessoas ouvem são realmente brasileiras ou meramente reproduções e versões de músicas, principalmente norte-americana? Síntese Nessa rota de aprendizagem, nossa principal preocupação foi refletir um pouco sobre a América Latina. Começamos por refletir sobre o pensamento filosófico que justificou e legitimou o sistema colonial e colonizador implantado por portugueses e espanhóis no continente latino-americano. Vimos que o mesmo foi difundido principalmente pelos padres jesuítas que, mesmo após a expulsão por parte do Marques de Pombal, os mesmos mantiveram seus ensinamentos nos seminários que preparavam para a carreira eclesiástica. Num segundo momento, procuramos compreender as ideias que contribuíram para os processos de independência das antigas colônias portuguesas e espanholas. Procurando dar uma formação mais ilustrada para seus filhos, as elites econômicas e políticas, ao mandarem seus filhos estudarem na Europa acabaram por colocar os mesmos em contato com as ideias iluministas que os motivarão a lutar pela independência das colônias e assumirem o controle das mesmas. Porém, não foram somente as ideias iluministas que chegaram por aqui. Também os pensamentos marxista e anarquista serão trazidos para a América Latina pelas mãos dos imigrantes italianos e espanhóis e influenciarão profundamente os movimentos sociais, sindicais e políticos latino-americanos. Serão responsáveis, por exemplo, pela Revolução Cubana, pela Revolução Sandinista, pelos movimentos guerrilheiros em diversos países, bem como pelo surgimento de diversos partidos comunistas e de esquerda em toda a América Latina. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 33 Por fim, terminamos esta aula abordando um pouco sobre o que é a Filosofia da Libertação e seu nascimento dentro do contexto de questionamento da condição de dependência latino-americana. Falamos também sobre a influência do pensamento marxista e anarquista na formação da intelectualidade latino-americana, bem como dos reflexos do XX Congresso do Partido Comunista Soviético e a desconstrução do mito Stalin. Por fim, abordamos o Concílio Vaticano II e o posicionamento teológico e político da Conferência Episcopal Latino Americana. “A filosofia que não pensa a própria realidade não passa de uma sofística ou de uma ideologia, em sentido marxista”. Para as considerações finais do professor Rui, assista ao vídeo que está disponível no material on-line! Referências CRUZ COSTA, J. Contribuição à História das Ideias no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. DUSSEL, E. D. Método para uma Filosofia da Libertação. São Paulo: Edições Loyola, 1986. FRANCA, L. Noções de História da Filosofia. Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1969. JAIME, J. História da Filosofia no Brasil. Vol. I. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. PILETTI, C.; PILETTI, N. Filosofia e História da Educação. São Paulo: Ática, 2000. RAMA, C. M.; CAPPELLETTI, A. J. El Anarquismo em America Latina. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1990. SANTOS, T. M. Manual de Filosofia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
Compartilhar