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HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA Dennison de Oliveira Lorena Zomer E d u ca çã o H IS T Ó R IA C O N T E M P O R Â N E A D en ni so n d e O liv ei ra Lo re na Z om er Este livro refere-se à História Contemporânea a partir das mudanças ocasiona- das pela Revolução Francesa e abrange os séculos XIX, XX e XXI. Nele estão contidos os principais acontecimentos, tendências e instituições que mais influ- ência exerceram sobre a conformação da sociedade na qual vivemos. Por se tratar de uma síntese, espera-se que ele sirva como material de introdução ao estudo da História Contemporânea e também como guia para aprofundamento dos assuntos aqui tratados. O que se pretende com este livro é contribuir para que o leitor desenvolva uma forma de pensar historicamente o processo de constituição da sociedade na qual vive e, dessa forma, possa aperfeiçoar o entendimento dos fenômenos que lhe são contemporâneos. Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6388-8 CAPA_História Contemporânea.indd 1 13/11/2017 14:29:02 Dennison de Oliveira Lorena Zomer IESDE BRASIL S/A Curitiba 2017 Historia Contemporânea CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ O46h Oliveira, Dennison de História contemporânea / Dennison de Oliveira, Lorena Zomer. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2017. 236 p. : il. ; 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6388-8 1. Brasil - Política cultural. 2. Política e cultura - Brasil. 3. Cultura. I. Zomer, Lorena. II. Título. 17-45431 CDD: 306.2 CDU: 316.74:32” Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. © 2007-2012-2017 – IESDE Brasil S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qual- quer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Produção FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão IESDE Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem Capa BOYD Blessing/Shutterstock.com Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao aluno | 5 1. Política e sociedade após a Revolução Francesa | 7 2. A cidade, a indústria e a classe trabalhadora | 29 3. O mundo ao alvorecer do século XX | 49 4. Primeira Guerra Mundial | 63 5. Revoluções socialistas e movimento operário | 77 6. Modelos econômicos: o desenvolvimento do capitalismo | 91 7. Modelos econômicos: o desenvolvimento do comunismo | 105 8. Segunda Guerra Mundial | 117 9. Guerra Fria e bipolarização | 135 10. Socialismo: seus limites e possibilidades | 149 11. Capitalismo: suas crises e superações | 163 12. Neoliberalismo, globalização e mundialização do capital no final do século XX | 175 13. Terrorismo, guerras e conflitos | 187 14. Economia e sociedade no século XXI | 199 Gabarito | 211 Referências | 229 Carta ao aluno Este livro abrange os séculos XIX, XX e XXI , a partir das mudanças ocasionadas pela Revolução Francesa. Nele são discuti- dos os principais acontecimentos, tendências e instituições que mais influência exerceram sobre a conformação da sociedade na qual vive- mos. Por se tratar de uma síntese, espera-se que ele sirva como mate- rial de introdução ao estudo da História Contemporânea e também como guia para que o leitor identifique os temas mais importantes desse período e possa aprofundar os assuntos aqui tratados. Pretende-se que o texto de cada capítulo seja inteligível em si mesmo. Contudo, é indispensável não perder de vista que tanto o viver social quanto o tempo histórico são um todo contínuo e indi- visível e, se o dividimos formalmente, é apenas para fins de estudo. O leitor deve atentar para as diferentes durações dos fenômenos históricos e sociológicos aqui descritos, as quais recorrentemente transcendem o conteúdo abarcado em cada capítulo. – 6 – História Contemporânea Além disso, é indispensável não perder de vista que a disciplina de História exige um constante exercício de erudição. É necessário, tanto quanto possível e, na medida dos interesses de cada um, ler as obras completas, con- frontar os originais com as diferentes leituras que deles são feitas e tentar manter-se atualizado com os contínuos avanços da ciência da história. Como qualquer outro campo do conhecimento, a história está em constante trans- formação no que se refere à elaboração de novas interpretações e à descoberta de novas fontes e registros. Mais do que um conjunto de informações e conteúdos, a história é um método de entendimento das diferentes perspectivas que podemos ter da rea- lidade. Não é nem pretende ser apenas e tão somente o estudo do que já se passou, ou o estudo do passado. O que se pretende com este livro é contribuir para que o leitor desenvolva uma forma de pensar historicamente o processo de constituição da sociedade na qual vive e, dessa forma, possa aperfeiçoar o entendimento dos fenômenos que lhe são contemporâneos. Política e sociedade após a Revolução Francesa Um inglês que não se sinta cheio de estima e admiração pela maneira sublime com que está agora se efetuando uma das mais IMPORTANTES REVOLUÇÕES que o mundo jamais viu deve estar morto para todos os sentidos da virtude e da liberdade; nenhum de meus patrícios que tenha tido a sorte de presenciar as ocorrências dos últimos três dias nesta grande cidade fará mais que testemunhar que minha linguagem não é hiperbólica. (The Morning Post, 21 de julho de 1789, sobre a queda da Bastilha, apud HOBSBAWM, 2009, p. 97, grifos do original) Essa citação traz o entusiasmo de alguém empolgado com o que vivenciou nos dias da Revolução Francesa. Os franceses da época talvez pensassem que a família real e a nobreza saberiam o que é um dia de trabalho ou de pagamento de impostos e achas- sem que todos poderiam ler, argumentar e ter ideias. Não sabemos exatamente onde situar o entusiasta exposto na citação. Mas pode- mos compreender que a Revolução Francesa inaugurou uma nova política no mundo ocidental contemporâneo. Isso também ocorreu 1 Lorena Zomer História Contemporânea – 8 – com o conceito de revolução, que até aquele período significava movimento giratório (relacionado ao movimento de um astro percorrendo a sua órbita), e, após esse momento, passou a ser compreendido como algo transformado e que não retornaria ao seu estado anterior. Como afirma o historiador Reinhart Koselleck, a experiência não caberia mais no horizonte de expectativa sentido nesse tempo (KOSELLECK, 2006, p. 65-69). Ao mesmo tempo, a burguesia – composta de representantes mais ou menos abastados e com pouca repre- sentação política – e também os grupos mais populares que logo defenderam a Revolução Francesa poderiam ter focado em construir uma política que protegesse a liberdade, para que, desse modo, construíssem uma democracia mais igualitária na Nova República. Já os grupos menos abastados buscaram segurança nas novas propostas políticas, sem se preocupar ou refletir sobre os abusos possíveis em uma política não igualitária. Nesse caso, o Estado passou a representar mais a própria burguesia. Este capítulo tem por objetivo apresentar ideias sobre o contexto polí- tico, social, cultural e econômico da França com base em alguns aconteci- mentos após a Revolução Francesa e os seus efeitos. Concentramos nossas atenções no período posterior à Revolução Francesa, retomando em alguns momentos acontecimentos do contexto revolucionário francês – e em parte na Inglaterra –, por entendermos que os rumos tomados na França influen- ciaram, em diversos âmbitos, outros países europeus e também americanos (devido ao fim da escravidão de suas colônias e a conquista da república). Não obstante, as novas conquistas como ideais de república, de democra- cia, de igualdadee até mesmo de constituições em alguns países fomenta- ram movimentos sociais que buscavam direitos de representação, sociais e trabalhistas. Entre eles, estão o movimento operário, o Manifesto do Partido Comunista, a Primavera dos Povos e a formação nacionalista após 1830, temas que colaboraram em nosso entendimento sobre a construção do mundo contemporâneo capitalista, assim como a influência da Inglaterra no que diz respeito à indústria. Essas ideias têm por base uma perspectiva do historiador Eric Hobsbawm, que afirma: “Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da Revolução Industrial britânica, sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa.” (HOBSBAWM, 2009, p. 97). Ou seja, o historiador deixa evidente que os contextos de ambos os países não são contrários, mas – 9 – Política e sociedade após a Revolução Francesa complementares. Por isso, este capítulo contempla a reflexão sobre a Europa nova que estava em formação, muitas vezes visando acabar com os resquícios do Antigo Regime, assim como convocar as massas por meio de associações e propagandas. Diante disso, algumas décadas foram necessárias para que uma nova ordem se erguesse e, junto a ela, muitas ideias sociais e políticas. 1.1 A França de Bonaparte O marco da Revolução Francesa é 1789, ano da tomada de Versailles, de Paris e dos principais centros e instituições representantes do Antigo Regime e da monarquia. Mas se a Revolução não começou em 1789 – visto que foram muitos os acontecimentos para que ela ocorresse –, também não finalizou nessa data. Foram necessários cerca de dez anos para que o período revolucionário alcançasse um novo patamar político, com o 18 de Brumário de Napoleão Bonaparte e sua tomada de poder, e a futura disputa dos Bourbons com a expulsão de Bonaparte. Nesse sentido, a ideia de revo- lução de Hannah Arendt no livro Entre o passado e o futuro, de 1987, cola- bora para entendermos que o contexto francês era de opressão e de muita pobreza para as massas. A filósofa ressalta que não houve anteriormente na história francesa qualquer levante como o Grande Medo ou a Tomada da Bastilha, acontecimentos nos quais o povo tomou diversas propriedades particulares e públicas, representando o desejo de mudança. Entretanto, para ela, a burguesia – que promoveu ideologicamente esses acontecimen- tos e que se via como classe – logo tomou a direção e manipulou o sentido de liberdade e de igualdade com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A filósofa faz a seguinte afirmação: [...] aqueles que precisavam ser liberados de seus senhores, ou da necessidade [...] correram em auxílio àqueles que desejavam criar um espaço para a liberdade pública – com a consequência inevitável de que a prioridade teve de ser dada à liberação e de que os homens da revolução se desviaram cada vez mais daquilo que originalmente haviam considerado seu mais importante objetivo [...]. (ARENDT, 1979, p. 185) Entendemos nessa citação que o espaço criado pela burguesia e pela luta do povo logo após a Revolução Francesa foi utilizado tendo-se em vista um caráter prioritário de questões sociais, cujo objetivo não foi uma História Contemporânea – 10 – política que defendesse a liberdade, mas a segurança social, algo inexis- tente no Antigo Regime (ARENDT, 1979, p. 106)1. Lynn Hunt, histo- riadora cultural francesa2 e especialista em Revolução Francesa, por sua vez, explica: A falta de definição social da nova classe política tornou a experiência da Revolução ainda mais incisiva em sua contestação do costume e da tradição. A busca de uma nova identidade nacional levou à rejeição de todos os modelos e padrões de autoridade anteriores [...] Recém- chegados, jovens notáveis que haviam saído de sua terra para estudar, comerciantes que viajavam pelo interior, advogados com contatos na capital departamental ou em Paris [...] todos esses indivíduos tinham probabilidade de se tornar formadores de redes políticas. Suas profis- sões e posições sociais eram em geral diferentes, porém, seus papéis como agentes de cultura e do poder eram fundamentalmente seme- lhantes. (HUNT, 2007, p. 249-250) O que Hunt sugere é a diversidade que compunha o início da revolução, com grupos desejosos de uma nova política social que não tinham outros pontos em comum e que precisavam ter um “acordo” para que pudessem implementar uma nova política. Grupos que poderiam formar redes políticas, dependendo de seus contatos e estratégias no mundo pós-revolução. Tanto Hannah Arendt quanto Lynn Hunt têm um ponto em comum: a Revolução Francesa, devido ao período conturbado após 1789 e pela pluralidade de questões sociais, acabou por não dar um sentido político ao conceito de liber- dade, o qual daria segurança às questões sociais. A historiadora Lynn Hunt aponta logo no prefácio de sua obra que a Revolução Francesa nos grandes centros foi liderada pelos burgueses comerciantes e manufatores marxistas, mas que a crítica era de que advo- gados e altos funcionários públicos seriam os líderes (HUNT, 2007, p. 9). Hunt aponta que encontrou, em sua pesquisa, os líderes burgueses, mas de 1 A filósofa Hannah Arendt tem larga produção sobre processos totalitários e ideia de liber- dade, os quais dialogam com diversos conceitos do mundo contemporâneo. Outra produção relacionada ao capítulo é ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 2 O livro Política, cultura e classe na Revolução Francesa foi lançado em 1987. Porém, em uma reedição de aniversário, em 2007, Hunt faz novas considerações no prefácio, cujas perspectivas foram utilizadas neste texto. HUNT, Lynn. Política, cultura e classe na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. – 11 – Política e sociedade após a Revolução Francesa modo esparso e não homogêneo, ou seja, em alguns lugares eles tiveram destaque; em outros, não tiveram ou perderam. A fim de responder a tal questão, a historiadora afirma: “a política de esquerda seduziu mais consis- tentemente em lugares distantes, relativamente atrasados e desprovidos de manufatura em grande escala” (HUNT, 2007, p. 10). Contraditoriamente, os Estados mais revolucionários foram os que menos se industrializaram. Nesse caso, apenas se considerados os aspectos culturais, como a existên- cia de lojas maçônicas, dos laços de casamentos, dos indivíduos do Antigo Regime e dos influenciadores regionais (professores, viajantes), podemos compreender que a Revolução Francesa, a fim de forjar novas identidades políticas durante a década de 1790, teve em sua gênese “componentes cul- turais importantes” (HUNT, 2007, p. 10), para além de uma perspectiva econômica ou social. Hobsbawm, por sua vez, também lembra a presença maçônica – uma das poucas experiências democráticas conhecidas até 1789, visto que poucas instituições ou associações “aceitavam” o parecer ou a opinião de todos os participantes igualmente. Segundo o autor: A ideologia de 1789 era a maçônica, expressa com tão sublime ino- cência na Flauta Mágica de Mozart (1791) uma das primeiras gran- des obras de arte propagandistas de uma época em que as mais altas realizações artísticas pertenceram tantas vezes à propaganda. Mais especificamente, as exigências do burguês foram delineadas na famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Este documento é um manifesto contra a sociedade hierárquica de privilé- gios nobres, mas não um manifesto a favor de uma sociedade demo- crática e igualitária: “os homens nascem e vivem iguais perante as leis” [...] mas ela [a Constituição] também prevê a existência de distinções sociais [...] (HOBSBAWM, 2009, p. 106, grifos do original) Desse modo, compreendemos que a bandeira da Revolução Francesa levantada sob a égide Liberdade, Igualdade, Fraternidade tinha uma ideia diferente do que boa parte da massa revolucionária acreditava. Para Klaus Eggennsperger (2010), a ópera de Mozart traza ideia de luz e de livros, ligan- do-se aos princípios iluministas, em um universo masculino, cujo trajeto é da escuridão à luz. França, Alemanha, Áustria e Inglaterra debatiam-se dire- tamente contra o Antigo Regime. Tanto nessa ópera quanto na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, Hobsbawm observa elementos História Contemporânea – 12 – que permitem pensar as diferenças sociais, tanto políticas quanto de classe. O que podemos compreender nesse início é que a república almejada – que seria construída no decorrer do século XIX – já encontrava em seu projeto entraves e dificuldades. Lynn Hunt faz uma análise de associações e atas dos conselhos munici- pais na França pré e pós-revolução, chegando à conclusão de que A classe política revolucionária pode ser considerada “burguesa” tanto da perspectiva da posição social como da consciência de classe. As autoridades revolucionárias eram os proprietários dos meios de produção; eram comerciantes com capital, profissionais liberais quali- ficados, artesãos com oficinas próprias ou, mais raramente, campone- ses com terras. Não foram encontrados homens sem qualificação ocu- pacional, trabalhadores diaristas e camponeses sem terra em posições de liderança e nem sequer sua representatividade foi expressiva entre as bases militantes. (HUNT, 2007, p. 207) Com essa análise de Hunt, na qual a historiadora traz a ideia de que apenas uma “burguesia” pode ser vista como classe no período, e também considerando os grupos culturais diferentes que existiam na França naquele momento, é possível dizer que o pós-1789 não tinha um sentido ou uma tra- jetória definidos. Camponeses – sem terras – estavam espalhados pela França, muitos sem participar das organizações políticas, mas que colaboraram com o Grande Medo e a Tomada da Bastilha. Frisamos: Hunt (2007), ao sustentar que a classe revolucionária era a burguesa, não diminui a participação do povo, que, aliás, foi grande e deu outro caráter à revolução. Hobsbawm caracteriza o caráter revolucionário e a importância do povo como muito maior que o próprio projeto liberal burguês em 1789, ainda antes da revolução. Entretanto, esse caráter teve mais voz nas assembleias daquele ano, em especial, nas eleições dos estados gerais – visto que muitos camponeses e trabalhadores pobres não eram alfabetizados –, com participa- ções políticas mais simples e imaturas no Terceiro Estado (HOBSBAWM, 2009, p. 107). Por sua vez, a burguesia constitucionalista eleita trazia, em maioria, ideias de defesa da propriedade privada e estava desejosa de que o voto fosse individual e não por Estado (HOBSBAWM, 2009, p. 108). Logo em seguida, os burgueses – 13 – Política e sociedade após a Revolução Francesa obtiveram vitória no que diz respeito a uma assembleia nacional que faria a Constituição francesa, pouco antes do Grande Medo e da Tomada da Bastilha. Uma monarquia constitucional foi promulgada em 1791, período no qual a primeira Constituição foi publicada e cujos artigos foram determi- nados por uma prática política censitária. Apenas a burguesia referente ao Terceiro Estado teve voto, almejando um programa liberal não aceito pelas alas mais radicais e de esquerda. A Convenção Nacional, fase do governo organizada após a morte de Luís XVI, rei deposto após a Revolução Francesa, acabou liderada pelos jacobinos3 (pequena burguesia4 e sans-culottes5) (HOBSBAWM, 2009, p. 109-113). Estes – de uma esquerda mais radical – criaram novos impostos sobre os ricos entre 1793 e 1794, fizeram “caças” a todo tipo de corrupção, construíram escolas, regulamentaram salários e preços sobre produtos, além de ter o apoio das mas- sas. Contudo, os jacobinos tiveram o governo desgastado e sofreram com cisões dentro do próprio partido, em consequência do caráter agressivo e ditatorial em relação à rainha e a qualquer oponente do Antigo Regime, quando foram mortas cerca de 35 mil pessoas. Foi também no período jacobino que houve a propagação de ideais franceses, isto é, por meio de associações, clubes, leituras, panfletos, proclamava-se quais deveriam ser as inspirações sociais e culturais para que a França se tornasse uma república como exemplo para todas as outras (HOBSBAWM, 2009, p. 121-125). Essas situações causaram o enfraquecimento dos jacobinos e sua subs- tituição pelos girondinos (alta burguesia), grupo mais conservador, que 3 O grupo mais radical reunia-se no mosteiro de São Tiago, em latim Jacobus, por isso o nome. Sentavam-se mais à esquerda e por isso há uma relação de esquerda e política mais radical. HOBSBAWM, E. J. A Revolução Francesa. In: _____. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2009. 4 Sobre esse movimento, ver: POGREBINSCHI, T. Emancipação política, direito de resistên- cia e direitos humanos em Robespierre e Marx. Dados, Rio de Janeiro, v. 46, n. 1. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582003000100004>. Acesso em: 24 out. 2017. 5 Grupo de pequenos artesãos, comerciantes, entre outros de origem simples, que apoiaram os jacobinos mais radicais. Não conquistaram grande liderança, nem ao menos participaram ativamente do poder. Mas, junto a esse grupo, os jacobinos ganharam apoio da massa, em especial, no primeiro ano de poder. HOBSBWAM, E. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2009, p.125-127. História Contemporânea – 14 – revogou diversas medidas tomadas anteriormente, visto que desejavam o programa econômico mais liberal de 1789-1791, mas que não fosse nem um governo radical, nem a possibilidade de um retorno do Antigo Regime. Ainda em 1796, o jornalista Graco Babeuf, um sobrevivente desse período, começou a propagar suas ideias, defendendo a igualdade entre todos6 ao tra- zer consigo alguns seguidores. Ele promoveu a Conjuração dos Iguais, uma insurreição para tomar o poder e para que jocobinos e socialistas vivessem em comunidades de iguais, mas acabou executado pelo Diretório, o regime político adotado pelos girondinos. Justamente isso fez com que os girondinos precisassem do exército (criado no período jacobino), a fim de conter as revoltas causadas pelas novas medidas, por cerca de cinco anos. O exército, por sua vez, fortaleceu-se cada vez mais, em especial um nome: Napoleão Bonaparte. Segundo Hobsbawm, isso se deu da seguinte forma: De um levée en masse de cidadãos revolucionários, ele logo se trans- formou em uma força de combatentes profissionais, pois não houve recrutamento entre 1793 e 1798, e os que não tinham gosto ou talento para o militarismo desertaram em massa. Portanto, ele reteve as características da Revolução e adquiriu as características do inte- resse estabelecido, a típica mistura bonapartista. (HOBSBAWM, 2009, p. 127, grifos do original) A alta burguesia, cansada da instabilidade francesa após a revolução, deu apoio ao general Napoleão Bonaparte para que ele tomasse o poder junto a um exército treinado e que acreditava estar resolvendo os impasses franceses. O exército instituiu o Consulado, prática política dividida entre três cônsules, embora Bonaparte fosse o mais atuante. Ele logo criou o Banco da França, buscando reconciliar os interesses da burguesia – e de investimentos – com os das massas, beneficiados pelo Código Civil Napoleônico, cuja premissa era igualdade entre todos os cidadãos, embora preservasse a propriedade privada (acabando com qualquer resquício feudal), rebaixasse as mulheres a uma segunda categoria e permitisse novamente a escravidão nas colônias. Não obstante, assinou em 1801 uma concordata com a Igreja católica, em que ela 6 Grupo de pequenos artesãos, comerciantes, entre outros de origem simples, que apoiaram os jacobinos mais radicais. Não conquistaram grande liderança, nem ao menos participaram ativamente do poder. Mas, junto a eles, os jacobinos ganharam apoio da massa, em especial no primeiro ano de poder (HOBSBWAM, 2009, p. 125-127). – 15 – Política e sociedade após a Revolução Francesapoderia novamente ter poder dentro da França, prática questionada desde a Revolução Francesa. Portanto, é nesse período que o projeto liberal burguês ganhou espaço mais significativo até então. Sobre o liberalismo, embora seja um conceito complexo7, podemos entender que [...] surgiu no século XVIII a partir do Iluminismo, teve seu auge no século XIX e pode ser dividido em liberalismo econômico e libe- ralismo político. Vigorou principalmente na Europa ocidental e na América Latina até o período do entre guerras, quando sofreu severa crise com os regimes fascistas, ressurgindo no último quartel do século XX, revitalizado na teoria político-econômica do neoliberalismo. A base social do pensamento liberal era a burguesia, que, ascendendo economicamente durante a Idade Moderna, almejava tomar o poder político. Economicamente, o liberalismo é uma teoria capitalista, que defende a livre-iniciativa e a ausência de interferências do Estado no mercado. O liberalismo político, por sua vez, emergiu como uma nova forma de organizar o poder, contrária ao Absolutismo (SILVA; SILVA, 2009, p. 258) Nessas condições, a burguesia passou a influenciar a organização políti- co-econômica depois da Revolução Francesa, que, após o fim da monarquia constitucionalista (em 1848), ocasionou ao país o fortalecimento do Estado em um caráter mais liberal. Além disso, criou a Associação das Indústrias Nacionais, que tinha por objetivo a união entre cientistas, intelectuais, industriais e indivíduos que defendiam uma postura econômica moderna (HOBSBAWM, 2009, p. 145-148). Em 1804, quando Bonaparte foi eleito imperador em um plebiscito, com 60% dos votos, ele já assumiu dispondo de um exército maior cujas pilhagens trouxeram riquezas à França e tam- bém alteraram o mapa geográfico-político. Bonaparte comandou invasões ao antigo Império Germânico, à Holanda, a Portugal, à Espanha, à Bélgica e a diversos países do Leste. É interessante observarmos que essa prática de ganho de território formando uma nação (no sentido apenas territorial) é algo que impulsionou diversas potências ao longo do século XIX e influenciou ideias e perspectivas mais nacionalistas e imperialistas (HOBSBAWM, 2009, p.145-148). 7 Para mais detalhes e perspectivas historiográficas do conceito, ver: SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009, p. 258-262. História Contemporânea – 16 – Napoleão Bonaparte acabou perdendo duas batalhas importantes entre 1812 e 1813. Isso o fez abdicar do trono, mas, mesmo exilado, retornou e permaneceu no governo por mais 100 dias. Ele centralizou os interesses fran- ceses, fez com que o país se industrializasse, mas também teve atitudes auto- ritárias, visto que proibiu sindicatos e organizações trabalhistas e, segundo Hunt (2007, p. 261), “Bonaparte substituiu eleições por plebiscitos, proi- biu os clubes e expandiu o serviço militar. Manteve o princípio da soberania popular, mas fez de si mesmo o único agente político real, removendo assim a perigosa imprevisibilidade da mobilização popular organizada”. Ao seu modo, ele dirigiu uma economia liberal burguesa, agradando àqueles que eram mais poderosos, mas retirando do povo os direitos que esta- vam nascendo. Após a segunda expulsão de Bonaparte, Luís XVIII assumiu o poder, marcando o retorno dos Bourbons como monarquia constitucional, o que será questionado nas décadas seguintes até o fim desse regime polí- tico, em 1848. Entre 1814 e 1815, o Congresso de Viena fez uma revisão nas alterações geográficas causadas por Bonaparte. Entretanto, se os dez anos de Revolução Francesa e mais o período de Bonaparte não promoveram a liberdade e a igualdade para todos, também não apagou essas experiências políticas. Para Lynn Hunt Democracia, terror, socialismo e autoritarismo foram, todos, possibi- litados pela expansão do espaço político e da participação organizada das classes populares. O terror era impensável sem a experiência pré- via da democracia; foi o lado disciplinador da comunidade democrá- tica, invocado embora de emergência e justificado pelas necessidades de virtude e defesa da nação. O governo usou o Terror para obter o controle do movimento popular, mas sem o movimento popular não teria havido demanda pelo terror. (HUNT, 2007, p. 260) A historiadora está se referindo à postura marxista sobre os resultados da Revolução; tal postura entendia que era necessário o terror (sinônimo de erra- dicação de processos ou de grupos que se colocavam contra) para se chegar à democracia ou ao socialismo. Para Hunt (2007), pensar a Revolução Francesa até Bonaparte é entender que novas práticas sociais e políticas estavam objeti- vando construir a ideia de democracia, um termo ainda “jovem” no período. Se não conseguiram, apenas uma análise minuciosa do cotidiano da época poderia explicar. Portanto, a Revolução Francesa trouxe para o mundo uma – 17 – Política e sociedade após a Revolução Francesa nova cultura política e incentivou muitos países a buscarem as próprias revo- luções políticas e sociais. 1.2 Nação e nacionalismos Entre os séculos XIX e XX, os conceitos de nação e de nacionalismo sofreram inovações e transformações. Tanto a Revolução Francesa quanto a independência dos Estados Unidos alteraram diversas concepções políticas. As primeiras ideias nacionalistas vieram de grupos pequenos, porém organi- zados e influenciados pelos ideais de Giuzeppe Mazzini, depois de 1830. Para Eric Hobsbawm, esse é “o marco da desintegração do movimento revolucioná- rio europeu em segmentos nacionais” (HOBSBAWM, 2009, p. 151). O his- toriador inglês ressalta que pequenos proprietários foram apoiadores em toda a Europa desse movimento, visto que seus interesses não eram corroborados pela alta burguesia, que era liberal. As revoluções de 1848 (tema da próxima seção) impulsionaram ainda mais a busca pela definição de nação, como também lançaram uma reflexão sobre o cotidiano dos habitantes. Se propagandas em massa, literatura e a cul- tura em geral foram utilizadas para disseminar ideias, de alguma forma tam- bém chegavam às massas, as quais começariam a questionar alguns princípios vinculados. Para Benedict Anderson (2008), o nacionalismo surge na medida em que se imagina a nação, além das três expectativas existentes anteriormente nesses contextos, quais sejam: A primeira delas é a ideia de que uma determinada língua escrita oferecia um acesso privilegiado à verdade ontológica, justamente por ser uma parte indissociável dessa verdade. Foi essa ideia que gerou as grandes irmandades transcontinentais da cristandade, do Ummah islâmico e de outros. A segunda é a crença de que a sociedade se orga- nizava naturalmente em torno e abaixo de centros elevados – monar- cas à parte dos outros seres humanos, que governavam por uma espé- cie de graça cosmológica (divina). [...] A terceira é uma concepção da temporalidade em que a cosmologia e a história se confundem, e as origens do mundo e do homem são essencialmente as mesmas. Juntas, essas ideias enraizavam profundamente a vida humana na pró- pria natureza das coisas, conferindo um certo sentido às fatalidades diárias da existência e oferecendo a redenção de maneiras variadas. (ANDERSON, 2008, p. 69) História Contemporânea – 18 – Observamos que, em especial, as duas últimas estão relacionadas a um tipo de fé, perspectiva que se modificou já no período Moderno na Europa e mais ainda no Contemporâneo, ou seja, nem tudo é natural ou de acordo com a vontade de Deus ou dos deuses. O sociólogo Anderson (2008) rei- tera: tais crenças são lugares demarcados no imaginário, respeitados como senso comum. As transformações ocorridas a partir da Revolução Francesa não per- mitiriam que outros países ou impérios permanecessem como estavam. Se nação, no sentido mais básico, significava até então unidade política, segundo Hobsbawm passa a ser vista como um princípio de nacionalidade, que se tor- nou um dos principais objetos de disputadentro da nova cultura política do século XIX (HOBSBAWM,1991, p. 126). Na próxima seção, trazemos outra revolução importante: a dos trabalha- dores. Não em relação a seus termos de trabalho ou de modos de produção, mas analisando as consequências de suas lutas no século XIX e buscando compreender como esses movimentos colaboraram com outros maiores que se seguiram. 1.3 Operariado e a primavera dos povos Para governar é preciso ter Mantos ou condecorações em brasões Nós tecemos para vós, grandes da terra, E nós, pobres operários, sem lençol onde nos enterrar Somos nós os operários Nós estamos todos nus Mas nosso reino irá chegar Quando o vosso reino terminar Então, nós teceremos a mortalha do velho mundo Porque já se percebe a revolta que troa Somos nós os operários Não estaremos nus – 19 – Política e sociedade após a Revolução Francesa A canção exposta anteriormente e ressaltada por Hobsbawm em sua obra (2009, p. 319) mostra o desejo dos tecelões de Lyon de se organizar ou resistir de alguma forma nas décadas de 1830 e 1840. O paradoxo está entre as condecorações recebidas por aqueles que representavam o Estado, ao tempo em que outros (aqueles que produziam para que os primeiros vivessem com conforto) não tinham como dar um enterro digno aos seus entes. Além disso, no trecho “quando o vosso reino terminar” fica evidente a intenção que havia de mudar esse contexto. Nesse cenário, Karl Marx lançou suas ideias junto a Friedrich Engels, no livro Manifesto Comunista, em 1848. Figura 1 – Karl Marx (1818-1883). Fonte: John Jabez Edwin Mayall/Wikimidia Commons. Desde a pré-revolução industrial na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, o mundo ocidental já sentia as primeiras mudanças em relação aos novos princípios capitalistas, os quais se tornariam a perspectiva econômica mais comum. O trabalho árduo das fábricas, o relógio que controlava e determi- nava o valor de seu trabalho, as tradições esquecidas e abandonadas pela perda de propriedades ou pelo êxodo rural também são sintomas desse período. Nesse sentido, o modo de produção capitalista industrial trouxe inúmeras História Contemporânea – 20 – desvantagens ao operariado, desde problemas de saúde decorrentes das con- dições insalubres das indústrias e das casas, que mais pareciam cortiços pelo excesso de pessoas e pela falta de qualquer conforto. Sobre esse período ainda, o historiador Edgar Salvadori de Decca faz a seguinte afirmação: [...] a reunião dos trabalhadores na fábrica não se deveu a nenhum avanço das técnicas de produção. Pelo contrário, o que estava em jogo era justamente um alargamento do controle e do poder por parte do capitalista sobre o conjunto de trabalhadores que ainda detinham os conhecimentos técnicos e impunham a dinâmica do processo produ- tivo. Na fábrica, a hierarquia, a disciplina, a vigilância e outras formas de controle tornaram-se tangíveis a tal ponto que os trabalhadores acabaram por se submeter a um regime de trabalho ditado pelas normas dos mestres e contramestres, o que representou, em última instância, o domínio do capitalista sobre o processo de trabalho. (DECCA, 1996, p. 22-24) Percebemos que, além de conviver com toda exploração e falta de con- dições salubres, operários foram transformados em marionetes, perdendo sua autonomia. Uma prática que tornou o trabalho de muitos desses homens e mulheres automático, sem vida, apenas uma obrigação. Hannah Arendt sugere que isso é proposital e faz parte do último estágio de uma classe de operários, em que estes apenas se “deixavam levar” e “é perfeitamente con- cebível que a era moderna [...] venha a terminar na passividade mais mortal e estéril que a história jamais conheceu” (ARENDT, 1983, p. 336), o que entendemos como uma alienação almejada. Entretanto, salientamos algumas perspectivas sobre a ideia de classe, de acordo com o historiador Edward Palmer Thompson: Por classe, entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto da matéria-prima da experiência como na consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico [...] a noção de classe traz consigo a noção de rela- ção histórica. Como qualquer outra relação, é algo fluido que escapa à análise ao tentarmos imobilizá-la num dado momento e dissecar sua estrutura. (THOMPSON, 1987, p. 9, grifo do original) O que o historiador explica é o cuidado em não reduzir o operariado a uma classe compreensível apenas em princípios capitalistas industriais (os quais também são contextuais). A formação de uma classe ocorre nas rela- ções humanas, por meio de experiências herdadas ou partilhadas e acabam – 21 – Política e sociedade após a Revolução Francesa por articular suas perspectivas identitárias entre si. E é nesse sentido que Thompson retoma a ideia sobre o operariado, não como uma classe que sur- giu em função do mundo fabril, mas que se uniu também em função dele: [...] os trabalhadores ingleses, em sua maioria, vieram a sentir uma identidade de interesses entre si, e contra seus dirigentes e empregado- res. Essa classe dirigente estava, ela própria, muito dividida, e de fato só conseguiu maior coesão nesses mesmos anos porque certos antago- nismos se dissolveram (ou se tornaram relativamente insignificantes) frente a uma classe operária insurgente. Portanto, a presença operá- ria foi, em 1832, o fator mais significativo da vida política britânica. (THOMPSON, 1987, p. 12) Entretanto, se a Reforma e a Contrarreforma provocaram resistências tanto por meio da cultura popular quanto por revoltas, o operariado do século XIX também não deixou de resistir. Na visão do proletariado, a cri- minalidade também foi uma arma de revolta, e a destruição de máquinas pode ser vista como uma reação, mesmo que descontextualizada de um movimento organizado. Muitas dessas ações difundiram o julgamento de que operários e operárias eram vagabundos, preguiçosos, criminosos etc. Com o surgimento de sindicatos e organizações de trabalhadores a partir de 1830, a França começou a ver os operários como grupos. Como ressaltamos, o Manifesto Comunista foi, sem dúvida, um livro que reuniu ideias a respeito da luta de classes que incentivou muitos a lutarem. Entretanto, embora tenha sido lançado ainda em 1848, não era conhecido dos líderes operários desde o início, assim como nem todos tiveram acesso à obra de imediato. Sobre a situação social de muitos operários desse período, Hobsbawm faz algumas considerações: A bebida não era o único sinal desta desmoralização. O infanticídio, a prostituição, o suicídio e a demência têm sido relacionados com este cataclismo econômico e social, graças em grande parte ao trabalho pioneiro na época daquilo que hoje em dia seria chamado de medi- cina social. O mesmo se deu em relação ao aumento da criminalidade e da violência crescente e frequentemente despropositada que era uma espécie de ação pessoal cega contra as forças que ameaçavam engolir os elementos passivos [...] Eram tentativas de escapar do destino de ser um trabalhador pobre ou, na melhor das hipóteses, de aceitar ou de esquecer a pobreza e a humilhação. (HOBSBAWM, 2009, p. 325) Situações sociais muitas vezes “causadas” pela falta de opção, de proteção social e política, visto que, naquele período, raros eram os direitos trabalhistas História Contemporânea – 22 – e sociais reconhecidos. Hobsbawm (2010) chama a nossa atenção ao fato de que diversos crimes ou preconceitos relacionados às camadas sociais mais sim- ples muitas vezes tinham origem nas diferenças sociais acirradas. Epidemias de cólera, por exemplo, só foram uma preocupação das autoridades quando começaram a atingir as camadas sociais mais abastadas. Esse panorama social comum em muitos centros industriais é uma forma de resistência ao Estado e ao sistema capitalista em partes, pois inicia com revoltas individuais – que são os crimes já mencionados, além de des- truição de máquinas das fábricas – partindo para revoltasem grupos, como as greves e os sindicatos. Estes últimos começaram a funcionar a partir dos anos de 1840 como espaços de solidariedade e de consciência de classe. Um dos movimentos, que não podem ser reduzidos a apenas “destruições de máqui- nas”, foi o ludismo, cuja perspectiva é apontada por Thompson a seguir: Só quebraram as armações dos que tinham reduzido o valor dos salá- rios dos empregados; os que não tinham abaixado o valor, ficaram com suas armações intactas; num estabelecimento, na noite passada, quebraram quatro entre seis armações; as outras duas, que pertenciam a mestres que não tinham abaixado seus salários, não mexeram nelas. (MERCURY apud THOMPSON, 1998, p. 126-133) Nesse caso, compreendemos que as ações dos ludistas tinham por objetivo reivindicar direitos trabalhistas e não aceitar a exploração direta e cotidiana que vinham sofrendo, assim como o não cumprimento de um pagamento pré-combinado. Quando o Manifesto Comunista foi escrito por Engels e Marx, o objetivo central era expor os estatutos da Liga Comunista, embora isso não seja citado no documento. Isso ocorre porque a intenção de escrever tal panfleto era criar uma ideia de classe, revelar a opressão sentida pelos operários que, embora já se rebelassem de diferentes formas, ainda não se reconheciam como uma organização comum com uma pauta de reivindicações. Marx, em sua escrita no Manifesto Comunista, estabelece uma relação entre proletariado e a inten- ção do capitalismo. De acordo com Hobsbawm A visão que tinha o Manifesto do desenvolvimento histórico da “sociedade burguesa”, inclusive a classe operária por ele gerada, não levava necessariamente à conclusão de que o proletariado derrubaria o capitalismo e, com isso, abriria caminho para o desenvolvimento do – 23 – Política e sociedade após a Revolução Francesa comunismo, porque a visão e a conclusão não provinham da mesma análise. O objetivo do comunismo, adotado antes que Marx se tor- nasse “marxista”, não procedia de uma análise da natureza e do desen- volvimento do capitalismo, mas de uma discussão filosófica, na rea- lidade escatológica, sobre a natureza e o destino do homem. A ideia – fundamental para Marx a partir de então – de que o proletariado era uma classe que não poderia se libertar sem libertar a sociedade como um todo surgiu como “uma dedução filosófica e não como um produto da observação”. (HOBSBAWM, 2011, p. 111) O historiador, ao mencionar dedução filosófica, objetiva afirmar que o operariado e a sociedade (de cada contexto) nunca viveram até então um processo de ruptura e de liberdade, portanto, a práxis nesse caso não pode ser compreendida em sua teoria. Nesse período, o comunismo era uma filo- sofia, visto que, para Karl Marx, o destino da humanidade seria o fim da luta de classes, uma possibilidade caso o capitalismo fosse dominado pelo operariado. Entretanto, como reitera o próprio Hobsbawm, o manifesto foi um grande divulgador do comunismo no século XX, mas não seria ouvido ou lido se grupos não se organizassem e difundissem os primeiros ideais ou, nas palavras do historiador, “as covas precisam ser abertas por ação humana” (HOBSBAWM, 2011, p. 114). Portanto, a ideia de que o proletariado desenvolveria uma consciência revolucionária sobre o capitalismo era uma das possibilidades, visto que nem sempre estavam em oposição. Hobsbawm (2009) cita diversas realidades europeias do início do século, pioradas com as más colheitas de 1817, 1832 e 1847, ou seja, camponeses sem propriedade ou com terras inférteis que já eram muito pobres, somavam-se aos trabalhadores urbanos e suas péssimas condições de existência. É nesse contexto que surgem as revoluções da Primavera dos Povos. Inúmeras e rápidas, espalharam-se por toda a Europa, em especial, nos gran- des centros. Trabalhadores estavam cansados, não somente pela falta de direi- tos trabalhistas, mas por conta da ausência de um Estado mais responsável pelo povo, visto que na Europa, até então, a maior parte dos Estados era monárquica, inclusive a França (com os Bourbons). Alguns casos ainda eram piores, como os da Alemanha e da Itália, pois naquela época ainda não eram países, restando aos seus trabalhadores acordos locais. Direitos civis, História Contemporânea – 24 – educacionais, políticos e de saúde estiveram na pauta de diversos grupos que estavam cansados de tantas condições ruins de vivência e de trabalho, como também o êxodo contínuo e os ideais franceses disseminados aos quatro can- tos – Liberdade, Igualdade e Fraternidade –, porém, que poucos conheceram. Todas as barricadas, entre 1848 a 1849, foram logo derrubadas (Figura 2). Poucos não foram presos ou mortos. Muitos, inclusive, foram deportados à Argélia. Mas se logo foram massacrados, por que essas barricadas foram tão importantes para a história dos movimentos dos trabalhadores? De acordo com Hobsbawm, embora fossem movimentos de trabalhadores pobres, “a experiência da classe trabalhadora injetou nele [no proletariado], pelo menos, na França, novos elementos institucionais fundamentados na prática dos sindicatos e da ação cooperativa” (HOBSBAWM, 1982, p. 51). Com exceção da derrubada da monarquia na França, todas as outras se mantive- ram, porém, podemos afirmar que, ao longo das décadas seguintes, novos acordos entre sindicatos e donos dos meios de produção foram alcançados. Uma árdua trajetória que até o século XXI continua, visto que sempre será uma disputa entre grupos diferentes e, às vezes, opostos. Figura 2 – VERNET, Horace. [Barricadas nas ruas de Paris durante a revolução de junho de 1848], color.: óleo sobre tela, 36 × 46 cm. Museu Histórico Alemão, Berlim. – 25 – Política e sociedade após a Revolução Francesa Conclusão A França de 1789, amedrontada, faminta e baseada nos regimes abso- lutista e feudal, não é a França de 1850, com seus primeiros movimentos de trabalhadores, derrubando novamente a monarquia. Entretanto, não estamos falando apenas da França, pois vários foram os países e nações no mundo que começaram a trilhar novos rumos políticos e a debater comunismo, república, democracia, parlamento ou monarquia consti- tucional. Além disso, também são muitas as práticas culturais e sociais que demonstram o porquê de tomarmos um caminho e não outro. A Revolução Francesa ou a industrial da Inglaterra moveram e movem o mundo. Lynn Hunt (2007) garante que a França pode ser odiada, amada ou temida, mas jamais – em termos políticos – causou ou causará indife- rença nesse mundo contemporâneo. Ampliando seus conhecimentos O Manifesto Comunista, de 1848, foi a maneira que Karl Marx e Friedrich Engels encontraram para que suas ideias che- gassem ao mundo do operariado no século XIX. Marx alme- java que uma leitura de fácil compreensão fosse entendida por vários e, principalmente, que sua condição quando vista como classe poderia mudar seu modo de vida. Desejamos uma boa leitura de parte desse texto. Parte 1 - Burgueses e proletariado A burguesia submeteu o campo à cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população das cidades em relação à dos campos e, com isso, arrancou uma grande parte da população do embrutecimento da vida rural. Do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, os paí- ses bárbaros ou semibárbaros aos países civilizados, subordi- nou os povos camponeses aos povos burgueses, o Oriente História Contemporânea – 26 – ao Ocidente. A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou as populações, centralizou os meios de produ- ção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A conse- quência necessária dessas transformações foi a centralização política. Províncias independentes, apenas ligadas por débeis laços federativos, possuindo interesses, leis, governos e tarifas aduaneiras diferentes, foram reunidas em uma só nação, com um só governo, uma só lei, um só interesse nacional de classe, uma só barreira alfandegária. [...] Assistimoshoje a um processo semelhante. As rela- ções burguesas de produção e de troca, o regime bur- guês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que fez surgir gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar as forças internas que pôs em movimento com suas palavras mágicas. Há dezenas de anos, a história da indústria e do comércio não é senão a história da revolta das forças pro- dutivas modernas contra as atuais relações de produção e de propriedade que condicionam a existência da bur- guesa e seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesia. Cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre a sociedade - a epidemia da superprodu- ção. Subitamente, a sociedade vê-se, reconduzida a um estado de barbaria momentânea, dir-se-ia que a fome ou uma guerra de extermínio cortaram-lhe todos os meios de subsistência; a indústria e o comércio parecem aniquila- dos. E por quê? Porque a sociedade possui demasiada – 27 – Política e sociedade após a Revolução Francesa civilização, demasiados meios de subsistência, demasiada indústria, demasiado comércio. [...] Atividades 1. Caracterize o panorama social e político logo após a Revolução Fran- cesa e explique o porquê da ascensão de Napoleão Bonaparte junto à burguesia. 2. A historiadora Lynn Hunt e a filósofa Hannah Arendt têm pesqui- sas sobre o caráter da Revolução Francesa – mais em especial sobre o porquê de ela ter sido direcionada de acordo com os interesses burgueses. De acordo com o exposto no texto, comente sobre as consequências disso. 3. Relacione as condições sociais de trabalhadores com a Primavera dos Povos e as lutas do movimento operário. 4. No Manifesto Comunista, Karl Marx expõe suas principais críticas em relação ao crescimento industrial. Elabore um texto com suas princi- pais críticas, relacionando-as com esse contexto. A cidade, a indústria e a classe trabalhadora Nossa intenção neste capítulo é pensar algumas das mudan- ças políticas, sociais e culturais do século XIX. Em um primeiro momento, traçamos ideias sobre a política e o ideal do mundo bur- guês, o qual se aproveitou das novas formações políticas na Europa para forjá-las de acordo com seus interesses. Porém, consideramos que, se a Revolução Francesa, com seu período conturbado, e a pró- pria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão instigaram os interesses burgueses, os trabalhadores também veriam nesses acon- tecimentos uma possibilidade de cidadania, de alcançar a segurança social e igualdade política. Em seguida, buscamos compreender como a burguesia, com base nas ideias de Nação ou de Estado-nação, recentes em terras absolutistas, serviu-se dos princípios de democracia e de patriotismo para legitimar seu capitalismo e chegar à ideia de imperialismo. Este originou o que chamamos de globalização, alterando quase todas as culturas. Como objetivo final, buscamos compreender de que 2 Lorena Zomer História Contemporânea – 30 – forma as novas formações políticas e culturais alteraram a literatura e a ciência de modo geral. 2.1 A ideia de progresso, o liberalismo e o mundo burguês Após a Revolução Francesa, o regime monárquico já não era suficiente para os interesses burgueses, em especial, se considerarmos a sua política eco- nômica. Dessa forma, o Estado deveria representar a vontade do povo, em uma postura democrática por meio de suas leis. Desde 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão já deixava isso evidente, mesmo que preser- vasse o direito à propriedade privada e que outros não pudessem tê-la. Aliás, esse aspecto é uma das defesas do liberalismo primário: “a ideologia do capi- talismo comercial e manufatureiro em expansão e um ataque às regulações políticas produzidas pelas corporações de ofício e pelo Estado mercantilista” (MORAES, 2001, p. 10). De outro modo, O liberalismo pode ser entendido como uma ideologia que con- cede espaços à iniciativa e à autonomia individuais. Nessa filosofia, as ações dos indivíduos, desde que respaldadas por normas legais (e nesse caso o Direito é fundamental para a instituição de uma socie- dade liberal), podem manter uma autonomia relativa ante o Estado. Este, por sua vez, deve exercer algumas funções específicas, limitadas, mas essenciais à ação livre dos cidadãos proprietários. Desse modo, há estreita relação entre o liberalismo político e o liberalismo econômico, na medida em que o Estado se estrutura para garantir os contratos. (SILVA; SILVA, 2009, p. 260) Considerando essas ideias, no período bonapartista, a burguesia teve liberdade para instituir seus meios de produção, sem grandes interferências. Com Luís XVIII, os três poderes foram instituídos e o voto passou a ser censitário. Nesse caso, tanto a primeira quanto a segunda medida facilitaram os interesses da alta burguesia, para que adequasse as leis e votasse apenas no que desejasse. Outra medida desejada pela burguesia era a liberdade de mercado, sem a interferência do Estado. Porém, é preciso lembrar que, ao mesmo tempo em que esse era o objetivo da burguesia, a própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão sugeria a igualdade entre as diferentes camadas sociais. Tal ideia não era desconhecida ou foi esquecida. Hobsbawm – 31 – A cidade, a indústria e a classe trabalhadora afirma que as revoluções alteraram o panorama social, político e econômico novamente da Europa: A política de massa e a revolução de massa, com base no modelo de 1789, mais uma vez tornaram-se possíveis, e a dependência exclusiva das irmandades secretas. Os Bourbons foram derrubados em Paris por uma típica combinação de crise do que se considerava a política da monarquia Restaurada e da intranquilidade popular devida à depres- são econômica [...] O segundo resultado foi que, com o progresso do capitalismo, o “povo” e os “trabalhadores” – isto é os homens que construíram as barricadas – podiam ser cada vez mais identifi- cados com o novo proletariado industrial. (HOBSBAWM, 2009a, p. 194-195) A instabilidade do período parecia deixar evidente que os interesses bur- gueses ainda não estavam totalmente estruturados, porém, a partir de 1830, com a nova configuração política e as organizações operárias, a burguesia ganharia ainda mais espaço. Em 1830, as barricadas também lutavam pelo liberalismo, pois acreditavam que ao diminuir o poder do Estado também seriam beneficiadas (HOBSBAWM, 2009a, p. 195-215). A burguesia não teve o triunfo total na política, pois, como afirmamos, a mesma Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que legitimou a pro- priedade privada e acabou com o feudalismo, segregando as diferenças sociais, fez com que trabalhadores, aos poucos, buscassem organizar um movimento operário. Desse movimento, diversos partidos, teorias e influências foram mobilizados, como o socialismo utópico, marxismo, entre outros. Mas a bur- guesia conseguiu manter-se no poder majoritariamente. Além disso, como veremos no último tópico, ela esteve diretamente ligada à ciência e às artes produzidas naquele tempo. Isso fez com que todo o conhecimento fosse pro- duzido de acordo com o que se compreendia por progresso, que poderia ser entendido de forma breve como o que eleva a moral de uma sociedade, susten- tando seus interesses econômicos e políticos. Se uma nação ou Estado-nação almejasse prosperar, deveria investir na ciência (fonte de conhecimento), de acordo com os interesses burgueses (capitalista). A separação entre trabalho, lazer e convívio era comum também aos bur- gueses em relação aos seus interesses, pois ao mesmo tempo em que existiam tantos lugares e coisas a se fazer, também incentivava-se a intimidade, o indi- vidualismo. Em um contextono qual o indivíduo podia escolher aonde ir e o História Contemporânea – 32 – que fazer, também era necessário proteger-se de olhares ao redor. Seu espaço era privado, ou seja, não era mais comunal, em grupo. O máximo de reuniões era o que ocorria nos salões de festas e concertos. Em casa, reservava-se apenas à família, o lugar de descanso. O historiador Phillipe Arriès (1997) afirma que três condições devem ser consideradas a fim de entender o que ocorreu entre a vida pública e comunal do medieval à vida privada contemporânea. As três são peculiares ao período Moderno: o fato de o Estado ser pensado e criado com base na divisão geral em três grupos sociais, cujos dois primeiros (sociedade cortesã, classes populares) não geraram um novo estado privado; a disseminação de escolas e da leitura, que aumentou o número de letrados e daqueles que liam para si; e as novas religiões decorrentes da Reforma, que estimulavam meditação e consciência sobre si. Esses três elementos colaboraram para sociedades mais introspectivas, ao tempo em que mudanças urbanas e rurais causavam novas formas de sociabi- lidade. Essas mudanças em relação ao comportamento e à moral não aconte- ceriam se os Estados europeus não estivessem procurando se construir como nação. A respeito desse assunto, estudaremos na próxima seção. 2.2 Construção de nações e a democracia A nação é o lugar no qual encontramos elementos comuns, que for- mam um território geográfico demarcado e que também são justificados por elementos culturais, naturais e de laços com base em tradições. Conforme definem Kalina Silva e Maciel Silva: [...] a ideia de nação predominante no Ocidente até hoje é aquela eminentemente política. Construído para a realidade europeia, o con- ceito político de nação também foi empregado para aqueles territórios que se constituíram da colonização europeia, como a América. Nesse caso, as ideias de nação e Estado estão tão interligadas que deram ori- gem a um outro conceito, o de Estado-nação. O Estado-nação é uma realidade política, o cenário em que a existência social se desenrola (SILVA; SILVA, 2009, p. 309) Quando são reunidas essas características e compreendidas em um ter- ritório, organizadas em um sistema jurídico, temos um Estado-nação. Para tanto, as línguas faladas, a cultura e o modo de viver da população legitimam e impulsionam homens e mulheres a definirem o que querem de sua nação. – 33 – A cidade, a indústria e a classe trabalhadora No caso europeu do século XIX, desde o Congresso de Viena, no qual os Estados europeus se encontraram para definir os traços geográficos após a queda de Napoleão Bonaparte (HOBSBAWM, 2009a, p. 171-175), o con- tinente não tinha vivido muitas formações de novas nações, diferentemente de uma perspectiva nacionalista, na qual emergiram os primeiros partidos de trabalhadores em meados desse século, na França. Eric Hobsbawm (2009c) explica que entre 1870-1914 surgiram os primeiros grupos políticos de direita, que definiram o termo nacionalista em outras perspectivas em relação aos anos de 1830, que poderiam ser entendidas da seguinte forma: A base dos “nacionalismos” de todos os tipos era igual: era a presteza com que as pessoas se identificavam emocionalmente com “sua” nação e podiam ser mobilizadas, como tchecos, alemães, italianos ou quaisquer outras, presteza que podia ser explorada politicamente. A democrati- zação da política e especialmente a das eleições oferecia amplas opor- tunidades para mobilizar as pessoas. Quando os Estados faziam isso, chamavam de “patriotismo”. (HOBSBAWM, 2009c, p. 228) Nesse sentido, o sentimento de pertencimento, de experiências que indivíduos poderiam ter em uma nação demarcada territorialmente levava a uma ideia de nacionalismo. E as possibilidades democráticas conquistadas ao longo do século XIX, especialmente após as revoluções de 1848, permitiram que alguns grupos sociais (considerando que em muitos países o voto era censitário) pudessem escolher, questionar ou ao menos servir aos interesses de outro grupo. Ainda, segundo Hobsbawm (2009a), os preceitos pelos quais as ideias de nacionalismo passaram, a fim de formar o conceito de nação e de nacionalismo, foram pensados com base em quatro interpretações ao longo do século XIX: o nacionalismo e o patriotismo como símbolos da direita; a autodeterminação de um Estado como nação econômica e politicamente viável só poderia ocorrer se fosse reconhecida por outros; tal reconhecimento não poderia ser feito por um Estado-nação considerado inferior a esse; e a língua seria um dos elementos centrais para se pensar o nacionalismo e, con- sequentemente, a nação. Tais perspectivas têm diversos pontos complexos que demonstram o modo como o século XIX originou, por meio de escolhas também demo- cráticas e nacionalistas, países imperialistas europeus do fim do século XIX. Primeiramente, a partir do momento em que um grupo escolhe os elementos que compõem as características sociais, políticas e culturais que definem uma História Contemporânea – 34 – nação, automaticamente exclui outros povos ou minorias. Isso ocorre com indivíduos já presentes nessa nação, imigrantes ou com vizinhos – os quais muitas vezes disputam o território próximo. Com base nessas considerações, Hobsbawm (2010) aponta que o Oeste da Europa, em especial Inglaterra e França, foi forjado por meio da liderança de seus grupos nacionalistas (muitas vezes de extrema direita), que definiram quais eram os elementos do princípio de nacionalidade, isto é, o direito de cada grupo formar uma nação de acordo com sua liberdade e suas características. Nesse caso, retomamos a citação de Hobsbawm a partir da ideia de patriotismo, pois essa se tornou objeto central de grupos que objetivavam definir o que era ser patriota, ao tempo em que excluíam os demais. Nesse sentido: Originalmente, a essência do nacionalismo de direita, que emergia em Estados-nação já estabelecidos, era a reivindicação do monopó- lio do patriotismo para a extrema direita política, e por meio dela a estigmatização de todos os demais como traidores. O fenômeno era novo; durante a maior parte do século XIX, o nacionalismo fora identificado como movimentos liberais e radicais, bem como com a tradição da Revolução Francesa. (HOBSBAWM, 2009c, p. 228-229) A escolha democrática só aconteceu devido à ideia de cidadania – princí- pio presente em diversas lutas sociais após a Revolução Francesa – por ganhar respaldo em um pacto social em relação ao bem-estar, ou seja, como algo que diz respeito a um grupo e suas diferenças em relação a outros, e como tornou-se inferior perante a eles. Portanto, após à formação da ideia de nação, cujo argumento central era o que havia em comum entre grupos, como justi- ficar o domínio desejado em relação a novas nações julgadas como diferentes? Apenas pela estigmatização esses grupos encontraram bases suficientes. Se no fim do século XIX alguns Estados-nações já estavam formados, como Inglaterra e França (mesmo com problemas locais, como Alsácia e Lorena), outros ainda buscavam territórios, como o Império Austro-Húngaro, Rússia, e as mais recentes, Itália e Alemanha. É nesse contexto que a anexação de territórios tornou-se sinônimo de poder e, consequentemente, de disputa com base em questões étnicas, raciais e linguísticas. Da Revolução Francesa veio a ideia de nação, cujas novas organizações no século XIX geraram o que entendemos por Estado-nação (mundo capitalista). Este, por sua vez, – 35 – A cidade, a indústria e a classe trabalhadora ocasionou o nacionalismo, ao instituir práticas mais democráticas. Por meio de interesses tanto territoriais quanto capitalistas, os países citados utilizaram preceitos nacionalistas para conquistar outros, causando atritos diretos ou indiretos que culminaram nas principais causas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O que salientamos é a ideia de que, para incentivar as disputas por territórios na corrida imperialista, opatriotismo e a supremacia linguís- tica e, futuramente, racial e étnica também foram os pontos mais argumen- tados e incentivados. Portanto, ao partir da ideia de que a democracia é a ativa partici- pação do povo, e a premissa de que o eleito pelo povo é a representação máxima de uma nação ou Estado-nação, podemos apontar que as mani- pulações e sentidos dados à democracia em um país justificam guerras e exploração de outros povos. Sobre isso, a filósofa Hannah Arendt tem o seguinte entendimento: O imperialismo surgiu quando a classe detentora da produção capita- lista rejeitou as fronteiras nacionais como barreira à expansão econô- mica. A burguesia se interessou na política por necessidade econômica: como não desejava abandonar o sistema capitalista, cuja lei básica é o constante crescimento econômico, a burguesia tinha de impor essa lei aos governos, para que a expansão se tornasse o objetivo final da polí- tica externa. (ARENDT, 2013, p. 156) Arendt (2013) afirma, portanto, que o imperialismo – que alterou o panorama geopolítico do mundo a partir da segunda metade do século XIX – é resultado de interesses capitalistas. Para isso, a burguesia precisou aumentar seu poder no Estado que, por sua vez, era (e ainda é) a instituição represen- tante da vontade democrática da maioria dos países organizados e formados no mundo contemporâneo. Nesse caso, a economia sustentava os interesses imperialistas de grupos nacionalistas, e o resultado disso é o que entendemos por imperialismo e mundo globalizado e alicerçado no capitalismo burguês. Porém, países imperialistas, como a Inglaterra, jamais estenderam sua organi- zação estatal às colônias, mas apenas a ideia de nação – visto que não pode- riam dar aos colonizados a mesma cidadania, para que não fossem responsá- veis ou questionados por seus conceitos. Embora a força militar e a política imperialista europeia fossem muitas vezes superiores às pertencentes aos colonizados, por exemplo, eles também História Contemporânea – 36 – viam nascer em suas realidades um sentimento nacionalista quando oprimi- dos. Desse contexto, vieram as resistências e as lutas por independência no século XX. Entretanto, o mundo político não se formou apenas com base em interesses burgueses, assim como a cultura e as tradições deles não foram homogêneas e predominantes. A respeito desse assunto, estudaremos na pró- xima seção. 2.3 Trabalhadores, arte e ciência Após o surgimento das ferrovias, as cidades tornaram-se o maior sím- bolo de progresso no século XIX. Mesmo que sejam números modestos para o século XXI, até aquele período não era relatado tanto progresso na Europa, nos Estados Unidos e em países como a Argentina e a Austrália. O frisson era o mundo urbano e tudo que ele alterava, trazia e oportunizava. Existiam cidades de 200 mil habitantes, mas muitas daquelas que se ajustavam ao redor delas chegavam a ter 1 milhão de habitantes, como em Londres e Paris. Entretanto, Hobsbawm (2009b) reitera que não se tratava exatamente de uma cidade industrial, mas comercial, administrativa e de acesso aos trans- portes. Um entreposto que poderia ter tudo, ao mesmo tempo em que ainda se mantinha próximo – e muito – do campo (casos de trabalhadores que, quando em greve, cuidavam de suas pequenas plantações de batatas). O mundo da arte era destinado para poucas camadas sociais, visto que era preciso ter tempo e dinheiro para que se pudesse usufruir do que era oferecido. Portanto, esses dois aspectos eram muito caros aos trabalhadores, contudo, isso não quer dizer que o mundo da arte não entrava na vida dos operários. De acordo com Hobsbawm: As composições que entravam na consciência popular eram as árias de Verdi interpretadas pelos organistas populares italianos ou aqueles pequenos excertos de Wagner que podiam ser adaptados à música para casamentos, mas não as próprias óperas. Mas isso em si já impli- cava uma revolução cultural. Com o triunfo da cidade e da indústria, uma divisão cada vez maior se interpunha entre, de um lado, os seto- res “modernos” das massas, quer dizer, os urbanizados, os instruídos, aqueles que aceitavam o conteúdo da cultura hegemônica – a socie- dade burguesa – e, de outro lado, os setores “tradicionais” cada vez mais minados. (HOBSBAWM, 2009b, p. 451) – 37 – A cidade, a indústria e a classe trabalhadora Hobsbawm (2009b) deixa evidente a influência de uma cultura mais burguesa às massas, porém, com adaptações, visto que esses grupos diferen- tes entre si precisavam manter distinções. Essas aumentavam se comparadas à vida daquelas comunidades com culturas tradicionais, que se mantinham mais resistentes à cultura da sociedade burguesa. O que parece ser a conside- ração mais pertinente sobre a citação, é a ideia de sustentar que as mudanças sociais são evidentes, isto é, em uma sociedade mais camponesa, feudal e com características próprias da realidade absolutista, temos o cotidiano europeu das grandes cidades, repleto de práticas sociais e culturais muitos diferentes em cem anos. Um hábito cultural encontrado para um divórcio – prática não permi- tida no período Medieval pela Igreja católica e também até quase o fim do Moderno – era a venda das esposas. O historiador britânico Edward Palmer Thompson explica: A venda às vezes era precedida por um anúncio público, podia usar o sineiro da cidade para dar a notícia ou o marido podia andar pelo mercado com um cartaz com o aviso da venda [...] A corda era essencial para o ritual. A mulher era levada ao mercado, presa por uma corda e em geral, amarrada ao redor do pescoço, às vezes ao redor da cintura. No mercado alguém deveria fazer o leilão, o marido ou um funcionário do mercado. Quando a venda acon- tecia, os recém-casados saíam sós ou os três juntos – a esposa, o vendedor e o comprador. Após a venda, os envolvidos redigiam um contrato enquanto bebiam juntos. (THOMPSON, 1998, p. 316 e 320) Era um ritual na maior parte das vezes combinado, com acordos entre o novo e o ex-casal. As camadas mais simples não eram casadas pelo clero, ao mesmo tempo em que o Estado também não exercia essa função. Dessa forma, o ritual demonstrava – desejando a mulher ou não – que o homem não deveria ser mais reconhecido como responsável pela mulher. Esse foi um dos costumes identificados por Thompson (1998). Eric Hobsbawm também traz algumas práticas sobre esse período: Na Inglaterra, a era na qual os music-halls multiplicaram-se nas cidades também foi a era na qual sociedades corais e bandas de música operá- ria, com um repertório de “clássicos” populares da alta cultura, pulula- ram nas comunidades industriais. Mas é característico que nessas déca- das o curso da cultura corresse em uma só direção – da classe média História Contemporânea – 38 – para baixo, ao menos na Europa. Mesmo aquilo que se transformaria na mais característica forma da cultura proletária, os esportes de massa, em nosso período era determinado pelos jovens da classe média, que fundaram os clubes e organizavam as competições , por exemplo, na Association Football. Só no final da década de 1870 e início da de 1880 que esses esportes seriam adotados e praticados pela classe operária. (HOBSBAWM, 2009b, p. 451, grifo do original) Comunidades operárias são lembradas pelo historiador como redu- tos que adaptam os clássicos da burguesia, porém, dando-lhes um tom seu. O que Hobsbawm (2009b, p. 451-453) chama de cultura operária é, por- tanto, o resultado da influência sofrida por uma classe média/alta e da própria resistência da cultura mais tradicional desses grupos. A mesma situação teria acontecido com os operários da Boêmia que, com o passar do tempo, já can- tavam músicas nada parecidas com as de seus pais. Podemos perceber que a arte e a cultura, que atingiam a maior parte da população operária, eram originadas das classes em geral superiores. Entretanto, a resistência também permanecia. A vivência e a experiência de cada dia foram alteradas pelo ritmo frenéticodas ruas recém-urbanizadas ou em processo de urbanização, com parques construídos, cafés, correios, bancos das praças nos quais se liam os jornais com críticas literárias e descobertas da ciência, e calçadas que tinham senhoras e senhores desfilando suas melhores roupas enquanto iam a um encontro furtivo. Trabalhadores, como floristas, datilógrafas, operários, secretárias, enfer- meiros, e burgueses(as) em charretes e logo em carros, todos faziam (ou fariam) parte desse novo cenário. O caminho para o progresso era a estrada para a cidade. Lá, aos poucos, qualquer um poderia ler, estudar, adquirir novas relações e sentimentos. As camadas sociais eram bem divididas, porém, se cruzavam. A historiadora Michelle Perrot narra: Os “ratinhos” da Ópera de Paris eram meninas colocadas por suas mães sob a tutela de “mães da Ópera”, que lhes arrumavam “prote- tores”. Sarah Bernhardt não queria tornar-se atriz, mas sua mãe a fez entrar para o Conservatório; este era uma garantia de qualificação e de reconhecimento. (PERROT, 2007, p. 125) O exemplo de Perrot (2007) traz uma das profissões recém-descober- tas ou conquistadas por mulheres. Se o século XIX foi um período de gran- des opressões políticas, também foi de conquistas sociais e trabalhistas e, – 39 – A cidade, a indústria e a classe trabalhadora sobretudo, de gênero. Perrot (2007) ainda salienta o fato de que, somente na Constituição de 1852, atores e atrizes passaram a ser considerados cidadãos como os demais. Nesse campo, a maior parte vinha de camadas pobres e populares. A historiadora também recorda sobre as mulheres que vinham do campo e, ao não encontrarem emprego nas cidades, acabavam por se tornar costureiras. Esse emprego, embora bastante pejorativo e com preconceitos de gênero, permitiu que muitas delas tivessem seu próprio sustento, mesmo que trabalhassem em quartos quase sempre minúsculos e com más instalações. Ambos exemplos tratam de espaços (a cidade, o mundo urbano, a ópera) estimulados pelos hábitos e interesses econômicos dos burgueses. Essas tra- balhadoras nem sempre viviam de acordo com os padrões morais esperados, e conquistaram espaços até então proibidos às mulheres. E, além de alterar o mundo cultural, seus empregos estavam relacionados à tecnologia (e ao capi- talismo). O trabalho necessário e exaustivo das costureiras, por exemplo, esti- mulou o mercado das máquinas de costura, em especial, da Singer (PERROT, 2005, p. 121-123). Mas, não foi somente nas máquinas Singer ou nos passos apressados em direção às estações de trem ou aos metrôs – em Londres, inaugurados em 1854 – que os sujeitos viram suas vidas mudarem. A tecnologia, muitas vezes objeto central de desenvolvimento do ideal de ciência e do progresso no século XIX, ganhou avanços na física, na química fina (medicamentos como a penicilina, corantes), na metalurgia e na biologia. Hobsbawm (2009c) lem- bra sobre Charles Darwin, no que se refere a esta última: [...] a biologia era essencial para uma ideologia burguesa teorica- mente igualitária, pois deslocava a culpa das evidentes desigualdades humanas da sociedade para a “natureza” [...]. Os pobres eram pobres por terem nascido inferiores. Assim, a biologia não era só potencial- mente a ciência da direita política como também a ciência dos que desconfiavam da ciência, da razão e do progresso. (HOBSBAWM, 2009c, p. 390) O historiador segue afirmando que Nietzsche foi um dos poucos céti- cos que questionou os saberes produzidos nesse período (HOBSBAWM, 2009c, p. 390). Além disso, uma das principais consequências desse pen- samento seria a discussão sobre o darwinismo social, o qual defende a História Contemporânea – 40 – vitória dos mais fortes, a chamada seleção natural. Essa ideia corroborou com outra futura – mais grave – a da eugenia, assim como os próprios estudos da genética. No que se refere à eugenia, o sociólogo Valdeir Del Cont explica: Francis Galton (1822-1911), primo de Darwin, em 1883, reunindo duas expressões gregas, cunhou o termo “eugenia” ou “bem-nascido”. A partir desse momento, eugenia passou a indicar [...] uma ciência genuína sobre a hereditariedade humana que pudesse, através de ins- trumentação matemática e biológica, identificar os melhores mem- bros – como se fazia com cavalos, porcos, cães ou qualquer animal –, portadores das melhores características, e estimular a sua reprodução, bem como encontrar os que representavam características degenera- tivas e, da mesma forma, evitar que se reproduzissem [...]. Para ele, ademais, a transmissão das características não se limitava apenas aos aspectos físicos, mas também a habilidades e talentos intelectuais [...]. (CONT, 2008, p. 202) Portanto, em síntese, podemos perceber que se trata de uma ciên- cia que explica os problemas vividos por uma sociedade por meio de sua formação genética, embora nesse período ainda não se falasse nessa ciência. Essa teoria incentivava que se reproduzissem apenas aqueles que não apresentavam problemas sociais, não eram criminosos ou que tinham habilidades especiais, ou seja, uma maioria da classe média e, principalmente, da burguesia. Desse modo, a conjuntura social ruim era sempre ligada aos grupos mais pobres e seus problemas reduzidos a uma questão eugênica. Hobsbawm (2009c) afirma ainda que a eugenia, em princípio, deu pouca margem às possibilidades de reformas sociais para a resolução dos problemas, na educação ou mesmo em questões ambientais. Alguns pesqui- sadores acreditavam que um “melhoramento” na raça viria da eliminação de sujeitos sociais considerados inferiores. Essa teoria, embora tenha con- tribuído com o conhecimento sobre seres humanos, em especial, por ter gerado ideias sobre genética, também foi responsável por várias medidas tomadas por governos totalitários no século XX, bem como pelo estigma sofrido por diversas camadas sociais. Já as ciências humanas tiveram na psicologia e na sociologia seus direcio- namentos centrais, muitas vezes, debatendo temas da eugenia ou da seleção – 41 – A cidade, a indústria e a classe trabalhadora natural. Principalmente, a sociologia, em decorrência do grande êxodo rural e do processo de urbanização nas ruas inchadas, encharcadas e repletas de problemas sociais e políticos. Era preciso direcionar, organizar todas essas transformações. Nesse sentido, e em diferentes áreas políticas e sociais, inte- lectuais como Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber e Auguste Comte são os grandes nomes do século XIX. Eles foram considerados os pais da sociologia no século XX. A antropologia, por sua vez, tornou-se uma ciência (faculdade) mais ao fim do século XIX, embora desde o seu início no XVIII fosse vista como uma área de estudo (MARCONI; PRESOTTO, 2006). Nesse período, muitos países europeus capitalistas, a fim de dominar colônias utilizaram o conhe- cimento antropológico, as viagens e informações recolhidas para justificar a colonização. A história também passou a ser analisada como ciência nesse período. Em um primeiro momento, foi uma ferramenta para a construção das nações e da memória, a fim de que se justificassem as decisões políti- cas, como o seguinte trecho demonstra: “[...] a França francesa soube atrair, observar, identificar as Franças inglesa, alemã, espanhola, das quais ela estava cercada. Ela as neutralizou uma a uma, e converteu todas à sua substância” (MICHELET, 1962, p. 62-63). No fim do século, os metódicos passaram a delinear objetos, metodologias e conceitos para firmar a história como uma ciência independente, e não uma que servisse apenas aos interesses de quem a detinha. Nas pinturas e nas valsas de Johann Strauss Jr. (1825-1899), é pos- sível sentir o tom frenético do movimento urbano, bem como do indivi- dualismo, o dia a dia cantado e pintado. Gustave Courbet (1819-1877), considerado um dos pintores mais representativos do Realismo, objeti- vava trazer às obras as sensações do que era visto e vivido (HOBSBAWM, 2010). Nesse caso, era o mundo dos trabalhadores,
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