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HOMICÍDIO PRIVILEGIADO Revista dos Tribunais vol 719

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HOMICÍDIO COMO CRIME HEDIONDO, UM ANO APÓS!
Revista dos Tribunais | vol. 719 | p. 361 | Set / 1995
DTR\1995\388
João José Leal
Professor de Direito Penal e Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da FURB
Área do Direito: Geral
Sumário:
1.Introdução - 2.Penas mínimas e máximas foram mantidas - 3.Tentativa e hediondez - 4.Homicídio
praticado em atividade típica de grupo de extermínio - 5.Homicídio qualificado e hediondez -
6.Conclusão
1. Introdução
A omissão do legislador de 90, que deixou de incluir o homicídio doloso, principalmente o qualificado,
no rol dos crimes hediondos, era uma enorme janela aberta por onde se vislumbrava, de forma
inquestionável, o grande (talvez o pior!) equívoco da LCH: o mais grave dos crimes, "o ponto
culminante na orografia dos crimes", 1 não havia recebido o rótulo legal de hediondez. Este evidente
paradoxo constituía-se num dos grandes argumentos do correto discurso crítico à nova lei
repressiva. Se o crime maior não havia recebido a marca legal de tal estigma, como poder-se-ia
defender a legitimidade ético-jurídica da LCH, que havia selecionado alguns tipos penais, de
gravidade discutível, para dar-lhes o adjetivo jurídico-penal de hediondos? Para o ministro do ST e
eminente penalista Francisco de Assis Toledo, não havia dúvida de que a ausência do homicídio no
rol dos crimes hediondos representava um verdadeiro contra-senso que precisava ser evitado, pois
afrontava à mais elementar da lógica jurídica. 2
Este fato era admitido inclusive pelos que defendem a legitimidade, a necessidade e a utilidade desta
lei repressiva. Antônio Monteiro Lopes entende que, para esta contraditória situação, nenhuma
resposta satisfará o crítico: conformado com a ordem emanada do comando normativo, escreveu
que a "única resposta objetiva que se encontra é aquela de que a lei assim o quis". 3
A Lei n. 8.913/94 veio "remediar" essa esdrúxula situação. Dizemos "remediar" porque, na verdade,
em nome de princípios humanísticos orientadores do Direito Penal, a única solução sensata seria a
revogação pura e simples da LCH, porque dela pouco ou nada é juridicamente tolerável. No entanto,
em nome da "lógica jurídica", o movimento conservador da lei e da ordem haveria de mais uma vez
prevalecer, para impor uma solução jurídica puramente repressiva e aí está o homicídio qualificado e
o cometido em conduta típica de grupo de extermínio, como mais um dos crimes hediondos
ordinários.
Pode-se afirmar que a nova lei modificadora do rol dos crimes hediondos tem sua origem num fato
notório e de grande repercussão nacional, mas de interesse particular: o assassinato da atriz da
Rede Globo de televisão Daniela Peres. Sua mãe, Glória Peres, escritora de novelas, com o apoio
dos meios de comunicação social, conseguiu articular um forte movimento de manipulação e de
motivação da opinião pública, em favor da inclusão do homicídio no rol dos crimes hediondos. O
sensacionalismo tomou conta da mídia, que armou e preparou o espírito do povo para exigir uma
resposta punitiva mais severa para os assassinos. Isto formou uma intensa e determinante pressão
política sobre o Congresso Nacional que, motivado por uma "moção popular" com milhares de
assinaturas, acabou por votar uma lei penal que representa mais um compromisso com o
obscurantismo ético-jurídico e com a repressão criminal baseada na idéia da pena como pura
retribuição pelo mal causado.
Por outro lado, não se pode negar que ao incluir, no rol dos crimes hediondos ordinários, o homicídio
simples praticado "em atividade típica de grupo de extermínio", o legislador de 94 pretendeu atingir
também os sinistros autores da matança urbana que tomou conta de cidades como o Rio e São
Paulo. A violência nessas duas grandes cidades brasileiras, que vem ceifando milhares de vidas a
cada ano, 4 marcada por formas de execução as mais perversas, hediondas e aterrorizantes, atingiu
níveis incontroláveis.
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As execuções sumárias de "bandidos" e "criminosos perigosos"; os ajustes de contas entre
traficantes e membros de quadrilhas rivais; "as queimas de arquivo"; a simples eliminação de vidas
humanas por vingança ou "espírito justiceiro", enfim, a banalização da ação homicida geralmente
praticada por quadrilhas, bandos ou grupos de extermínio que marcam de forma sinistra o cotidiano
carioca, paulistano e de outros grandes aglomerados urbanos brasileiros, principalmente episódios
como os das chacinas da Candelária e da favela de Vigário Geral, no Rio, contribuíram também, sem
dúvida nenhuma, para motivar político-criminalmente os autores da Lei 8.930/94. Entendeu o
legislador que era preciso estancar esse morticínio desenfreado e cruel, essa verdadeira guerra
urbana que se trava à margem da ação e do poder do Estado, mas quase sempre com a
participação de elementos da polícia ou de ex-policiais.
E o fez, mais uma vez, através de medidas puramente repressivas, inserindo uma nova forma de
homicídio simples na rigorosa e trágica lista dos crimes hediondos.
Enfim, com o homicídio agora rotulado de hediondo, o quadro do Direito Penal da intolerância e da
severidade está pronto para exercer sua sinistra função de aplicar mais e maiores doses de castigo
prisional, na vã e equivocada crença de reduzir os alarmantes índices da criminalidade violenta e de
gerar maior segurança social.
2. Penas mínimas e máximas foram mantidas
Inegavelmente, o único compromisso de política criminal do legislador de 90, ao aprovar a LCH, foi
com o Direito Penal da severidade e da intolerância, Um indicador claro e seguro dessa postura
político-jurídica está no fato de que as penas mínimas cominadas para os crimes de latrocínio (art.
157, § 3.º, in fine), de extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput e seus §§ 1.º a 3.º), de estupro
(art. 214), de atentado violento ao pudor (art. 214) e o de epidemia com resultado morte (art. 267, §
1.º) foram aumentadas de forma significativa.
As penas cominadas para o homicídio qualificado, agora classificado como hediondo, entretanto,
foram mantidas em seus limites mínimo e máximo, doze e trinta anos de reclusão. O mesmo ocorreu
em relação ao homicídio simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, para
o qual foram mantidas as penas mínima de seis e a máxima de vinte anos de reclusão.
Na verdade, para o homicídio qualificado a carga punitiva já era suficientemente severa (doze anos
no mínimo!), oferecendo a lei positiva, ao juiz, uma ampla margem de manobra para a fixação da
pena em concreto. Cabe assinalar, no entanto, que a mesma orientação punitiva não foi adotada em
relação aos crimes de roubo e de extorsão mediante seqüestro qualificados pelo resultado morte (CP
(LGL\1940\2), arts. 159, § 3.º e 158, § 3.º, in fine), cujas penas mínimas foram elevadas de quinze
para vinte anos e de vinte para vinte e quatro anos de reclusão, respectivamente. Não se pode
afirmar que estes dois crimes sejam necessariamente mais graves ou mais perniciosos e, portanto,
mais censuráveis do ponto de vista ético-jurídico, do que o homicídio praticado por um motivo torpe.
E, mesmo que assim o fossem, não se deve esquecer que as penas mínimas a eles cominadas, pelo
CP (LGL\1940\2) de 40, já eram superiores às do homicídio qualificado. Não há dúvida de que, neste
tocante, a LCH trabalha com dois pesos e duas medidas, ao sancionar os autores dos crimes
classificados como hediondos. A discrepância em relação à regra da equidade, que impõe
tratamento idêntico para situações jurídicas semelhantes, foi aqui seriamente afrontada.
Por outro lado, vale a mesma crítica ao tratamento dispensado ao homicídio cometido em conduta
típica de grupo de extermínio. Embora rotulado de hediondo, teve sua pena mantida entre o mínimo
de seis e o máximo de vinte anos de reclusão.
3. Tentativa e hediondez
A marca legal da hediondez atinge os crimes previstos no art. 1.º da LCH, na forma consumada ou
tentada.A inclusão da tentativa de tais crimes como infração hedionda está expressamente
consignada no referido dispositivo; ao indicar serem hediondos os crimes "consumados ou tentados".
A menção expressa à forma tentada era, na verdade, perfeitamente disponível. Bastava a referência
aos tipos selecionados pelo legislador para se entender, com base na regra de aplicação geral
contida no art. 14 do CP (LGL\1940\2), que tanto o crime hediondo consumado quanto a sua
tentativa estariam sujeitos aos rigores da LCH. É que a tentativa não constitui em si um crime
próprio, pois falta-lhe autonomia tipológica. Por isso, a alusão expressa à forma tentada dos crimes
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marcados pela LCH somente seria necessária se, ao contrário, quisesse o legislador excluí-la das
conseqüências jurídico-penais impostas pela lei em estudo.
4. Homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio
4.1 Combate ao genocídio de marginalidade urbana
Admitida a necessidade e legitimidade de se punir, de forma mais eficaz e rigorosa, o autor do crime
de homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, deve-se reconhecer que a
solução adotada pela Lei n. 8.930/94 não foi a mais acertada.
Não há dúvida de que é preciso combater esse verdadeiro genocídio da marginalidade urbana; essa
terrível matança cotidiana que se abate principalmente sobre os habitantes das favelas, das ruas,
das praças, dos viadutos, das pontes e até das portas das igrejas deste contraditório país em que
vivemos, sejam eles bandidos perigosos ou pretensos criminosos, sejam eles simples cidadãos da
miséria e da desgraça social (homens, mulheres e crianças) e que, por esta condição, carregam
consigo o estigma da marginalidade. No entanto, a história tem demonstrado que a lei repressiva não
tem sido, por si só, O melhor instrumento para o efetivo e correto combate à criminalidade. Tanto é
que, no caso em exame, a lei existente, refletindo tradição jurídica milenar, já punia o homicídio de
forma relativamente severa, sanção esta que foi mantida nos limites fixados pelo legislador penal de
40: seis a vinte anos de reclusão.
Por isso, para reduzir o alto índice, de homicídios cometidos em ações de extermínio, a simples
classificação deste tipo de conduta em crime hediondo revela-se uma medida totalmente inócua e
despropositada. Na verdade, a pena cominada continua sendo a do homicídio simples. Além disso, é
mais do que evidente que a redução do elevado índice de assassinatos e de execuções sumárias,
verificado nos grandes centros urbanos brasileiros, somente será alcançada com a adoção de sérias
medidas no plano sócio-econômico e político.
4.2 Apêndice circunstancial do homicídio simples
O primeiro problema a ser resolvido pela dogmática e pela jurisprudência, é o de identificar e
conceituar a verdadeira natureza jurídico-penal da circunstância descrita no art. 1.º (1.ª parte), da Lei
8.930 e que atribui ao homicídio simples a marca de crime hediondo. Com a nova disposição legal,
passamos a contar com duas categorias de homicídio simples: o comum e o hediondo, este quando
praticado em atividade típica de grupo de extermínio. Para Damásio de Jesus, neste último caso,
temos a figura do " homicídio hediondo condicionado". 5
É lógico que a circunstância de matar em atividade típica de grupo de extermínio não pode ser uma
elementar do crime de homicídio, mas poderia ter sido legalmente classificada no rol das
qualificadoras, das majorantes especiais ou das agravantes. Qualquer uma delas seria compatível
com a sua natureza ôntica. Não há dúvida de que, apesar da ambiguidade e imprecisão do texto
legal em exame, que exige uma adequada definição de seu verdadeiro significado semântico e
jurídico-sociológico, a referida circunstância poderia muito bem ser legalmente enquadrada como
mais uma qualificadora, causa especial de aumento ou agravante.
Entretanto, não foi visto o que ocorreu. O novo dispositivo legal, de forma esdrúxula, acrescentou ao
homicídio simples uma nova circunstância que não tem similar no direito penal vigente: não é
qualificadora, não é causa especial de aumento de pena e nem é agravante. E isto por uma simples
razão de natureza técnico-jurídica: matar alguém em atitude típica de grupo de extermínio,
transforma o tipo básico do art. 121, caput, do CP (LGL\1940\2), em homicídio simples hediondo,
mas não acarreta aumento obrigatório da pena aplicada.
Trata-se, em síntese, de um inútil e desnecessário apêndice circunstancial, acrescentado ao
homicídio simples e decorrente do caráter da hediondez legal, com o fim específico de agravar a
situação do agente no 'tocante ao direito à anistia, graça, fiança, liberdade provisória e ao regime de
execução da pena, que deverá ser obrigatoriamente fechado. E, portanto, uma circunstância
agravadora do homicídio simples, e geradora de determinados efeitos de direito material e/ou
processual. Em seu já citado estudo, Damásio de Jesus também entende que a "Lei 8.930 não criou
uma figura típica de crime de homicídio. Não há um novo tipo simples ou qualificado. Ter sido a
morte da vítima executada em atividade típica de grupo de extermínio não é elementar e nem
circunstância do crime de homicídio". 6
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4.3 Matar em atividade ((pica de extermínio é qualificadora do homicídio
Outra crítica que se pode fazer à Lei 8.930/94 é a de que dificilmente poderá ocorrer um homicídio
praticado em atividade típica de grupo de extermínio que não seja qualificado pela circunstância
subjetiva do motivo torpe (perversidade, futilidade, ódio intenso ou inveja profunda, vingança,
preconceito racial ou social, conduta mediante pagamento ou promessa de recompensa, etc.), ou
pela circunstância objetiva do meio insidioso (tortura, crueldade, traição, ou qualquer meio que
dificulte a defesa da vítima).
Na verdade, cremos que o fato de pertencer a um grupo ou movimento que prega a idéia de que é
necessária e legítima a eliminação sumária de "bandidos perigosos" e de marginalizados
indesejáveis e, efetivamente, cometer tais condutas perversas e aterrorizantes, mediante conduta
típica de grupo de extermínio, já configura um indiscutível e execrável motivo torpe, suficiente para
qualificar legalmente tais ações homicidas. Da mesma forma, o fato de matar com o objetivo de
simplesmente exterminar pessoas pertencentes a determinada categoria sócio-econômica (adultos e
menores de conduta marginal e anti-social), ou portadoras de determinado estigma sócio-jurídico
("bandido perigoso" ou "criminoso irrecuperável"), que representa um verdadeiro genocídio da
marginalidade ou, no mínimo, uma patética e degradante banalização da violência homicida,
configura também, segundo entendemos nós, uma indiscutível qualificadora subjetiva ou objetiva do
homicídio.
Se assim o é, deve-se reconhecer que a hipótese prevista na parte inicial do art. 1.º da Lei 8.930/94,
contrariou toda a filosofia punitiva da própria LCH. No afã de punir mais severamente o autor de tais
condutas, o legislador criou uma grave antinomia entre as duas hipóteses de homicídio hediondo
referidas no dispositivo legal em exame. Na primeira hipótese, a norma descreve uma circunstância
que, por sua natureza, conforme vimos, já seria qualificadora do homicídio, mas este é preservado
no tipo básico, ou seja, o tipo continua sendo o do homicídio simples, com a pena mantida em seis
anos, no mínimo, mas agora marcado pelo rótulo legal da hediondez.
A contradição é evidente, pois parece-nos muito difícil a ocorrência de um homicídio, praticado em
atividade típica de grupo de extermínio, que não possa ser enquadrado numa das qualificadoras
subjetivas ou objetivas, relacionadas no § 2.º, incs. I a V, do art. 121, do CP (LGL\1940\2). Neste
caso, deverá prevalecer a figura do homicídio qualificado, o que demonstra a inocuidade da nova
figura do homicídio simples hediondo(praticado em atividade típica do grupo de extermínio).
Na verdade, em termos de prática jurídica esta nova figura é de uma inutilidade total, a menos que,
espancando o mais elementar princípio de lógica jurídica, tenhamos de aceitar a figura do homicídio
cometido evidente por motivo torpe ou mediante indiscutível meio insidioso, como sendo a do
homicídio simples, em razão de ter sido cometido em atividade típica de grupo de extermínio. Isto
seria um verdadeiro contra-senso.
4.4 Técnica legislativa imprecisa
O dispositivo legal em referência pode também ser criticado pela deficiente técnica legislativa
adotada. Descreve a circunstância fática em tela de forma ambígua, imprecisa e sem a objetividade
e clareza exigida de uma norma jurídica de natureza penal.
Afinal, que tipo de conduta pretendeu descrever o legislador, através da expressão matar alguém
"em atividade típica de extermínio?". Seguramente não foi enquadrar a eventual conduta homicida
cometida por dois ou mais agentes, membros ou não de uma quadrilha ou bando. Um homicídio
simples, praticado em concurso por cinco agentes, não será necessariamente hediondo, nos termos
do art. 1.º, inc. I (1.ª parte), da LCH, com a nova redação da Lei 8.930/94. "Também não será
hediondo o eventual homicídio simples praticado por membros de uma quadrilha de traficantes ou
assaltantes. Se o legislador quisesse atingir este tipo de conduta, bastaria acrescentar, ao rol das
qualificadoras descritas no § 2.º do art. 121, do CP (LGL\1940\2), uma outra consistente na prática
do crime mediante o concurso de dois ou mais agentes, como ocorre em relação aos crimes de furto
e de roubo qualificado. Enfim, não é o fato de ter sido praticado por dois ou mais autores, que haverá
de caracterizar a circunstância da atividade típica de grupo de extermínio e tornar o homicídio
simples obrigatoriamente hediondo.
Na verdade, o objetivo da lei é o de considerar hediondo o homicídio simples praticado pelos
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"justiceiros", pelos pistoleiros de aluguel e membros de esquadrões da morte, que semeiam a
violência e matam motivados por um sinistro plano de extermínio de indivíduos marcados para serem
eliminados do contexto. Um só agente poderá cometer um homicídio simples hediondo, em atividade
típica de grupo de extermínio. Basta que seja ele um justiceiro e que a ação homicida tenha por
motivo a idéia de extermínio de vítimas consideradas perigosas ou simplesmente indesejáveis para o
meio social.
Assim sendo, não há necessidade de ter sido o homicídio diretamente praticado por um grupo de
extermínio, embora esta seja a forma mais freqüente. É suficiente um só agente desde que se
conduza motivado pela idéia de integrar uma ação coletiva de extermínio; ou seja, o agente mate
com a vontade de contribuir, com o seu crime, para a ação coletiva de matança dos "bandidos e
menores perigosos".
Na prática será muito difícil identificar, com precisão, quando o homicídio simples deve receber a
capa da hediondez, por ter sido praticado em atividade específica de grupo de extermínio. Não
estamos nos referindo às hipóteses em que o crime é praticado diretamente por um grupo de
policiais e de ex-policiais, por um esquadrão da morte ou por um grupo de justiceiros ou pistoleiros a
saldo de comerciantes e contraventores. Estas hipóteses seriam perfeitamente enquadráveis na
disposição legal em análise.
A dificuldade surgirá quanto ao significado jurídico-penal do termo grupo. Por analogia, se
aceitarmos o mesmo sentido adotado em relação ao crime de quadrilha ou bando, grupo de
extermínio só existiria com a reunião de três ou mais agentes, atuando para matar de forma
indiscriminada.
A dificuldade persistirá também em relação aos homicidas que agem individualmente, mas motivados
por esta psicose coletiva de que é preciso exterminar o banditismo, para que possa haver segurança.
Desde que o motivo seja este e que a conduta objetiva se incorpore ao movimento coletivo de
banalização da ação homicida e de extermínio dos que não servem para viver em sociedade, não
será fácil identificar se o caso, realmente, é de um homicídio simples hediondo.
4.5 Quesito ao Júri
Questão que precisa ser dirimida pela doutrina e jurisprudência é a da competência para decidir
sobre a circunstância de ter sido o homicídio doloso simples praticado em atividade típica de grupo
de extermínio. Esta circunstância, conforme vimos acima, não se enquadra no rol das agravantes,
das causas especiais de aumento e nem das qualificadoras. Daí decorre a dificuldade para se
estabelecer se cabe ao juiz singular ou ao júri, decidir se o homicídio simples foi cometido em
atividade típica de grupo de extermínio, circunstância que o caracteriza como crime hediondo.
Parece-nos certo que a descrição da circunstância em exame deverá constar da denúncia, bem
como do libelo, exigência esta decorrente da adoção do processo acusatório e do princípio da ampla
e efetiva defesa. Também é certo que o art. 484 e seus incs., do CPP (LGL\1941\8), somente obriga
o juiz a questionar os jurados sobre as circunstâncias que determinem (ou possam determinar)
aumento ou diminuição da pena (majorantes, minorantes, agravantes e atenuantes).
Partindo-se de uma interpretação puramente gramatical ou meramente declarativa do dispositivo
processual em análise, o entendimento não poderá ser outro: ao juiz-presidente do júri compete
estabelecer se um homicídio dolos o simples foi cometido em atividade típica de grupo de extermínio.
Esta é a opinião, sempre respeitável, do eminente penalista e professor Damásio de Jesus, que
assim se posiciona sobre o assunto: "O juiz-presidente do Tribunal do Júri não precisa questionar os
jurados sobre questões atinentes à apelação em liberdade, causas extintivas da punibilidade (graça
e indulto) e regime de execução de pena. Para decidir assuntos que lhe compete nessa fase,
referentes à apelação em liberdade e regime de cumprimento de pena, cumpre a ele próprio, diante
da prova dos autos, considerar se a ação do réu é típica de grupo de extermínio ou não, assim como
nos casos comuns decide se o réu é primário ou reincidente, se tem bons ou maus antecedentes
etc." 7
Temos opinião divergente. É verdade que o art. 584 e seus incs., do CPP (LGL\1941\8), se refere
aos quesitos sobre as causas de aumento ou de diminuição da pena e as agravantes e atenuantes,
além, é claro, de outras questões relevantes e concernentes à materialidade, à autoria e às
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excludentes da ilicitude ou da culpabilidade. Entretanto, o inc. II, do referido dispositivo legal,
estabelece que o juiz deverá desdobrar o questionário de julgamento em tantos quesitos quantos
forem necessários, no caso da existência de alguma "circunstância separável" do fato delituoso.
Ora, não há qualquer dúvida de que a circunstância de ter sido o homicídio simples cometido em
atividade típica de grupo de extermínio, é perfeitamente destacável do quesito geral referente à
materialidade do homicídio. Mesmo não sendo qualificadora (embora pudesse sê-la), é circunstância
de grande relevância, pois transforma o homicídio doloso simples em crime hediondo, acarretando
uma série de gravames para o seu autor. Basta atentar para o fato de que o reconhecimento de tal
circunstância, embora não resulte em aumento facultativo ou obrigatório da pena, sujeita o
condenado ao cumprimento de, no mínimo, dois terços da pena, integralmente em regime fechado.
Trata-se indiscutivelmente de uma circunstância de conseqüências muito sérias e graves, pois atinge
o jus libertatis do condenado de forma substancial, que estará excluído do sistema prisional
progressivo e, ainda, deverá permanecer mais tempo na prisão, antes do livramento condicional. Por
isso, não se pode furtar ao Tribunal do Júri a competência para decidir sobre a incidência da
circunstância fática da atividade típica de grupode extermínio, ou seja, se a espécie em julgamento
realmente configura o tipo legal do homicídio simples hediondo. Esta circunstância, já descrita
obrigatoriamente no libelo, deverá constar também de quesito próprio para que os jurados, de forma
soberana, decidam sobre a eventual natureza hedionda do homicídio simples.
Devemos reconhecer a dificuldade prática de se formular quesito objetivo e claro sobre a
circunstância em exame. A matéria é complexa e, conforme já vimos, bastante obscura e
contraditória. Será muito difícil aos jurados compreenderem adequadamente o sentido correto e o
alcance do direito contido na lei repressiva, em sua parte que procura definir a inoportuna figura do
homicídio simples hediondo. A dificuldade, porém, é a mesma que se apresenta no processo de
formulação dos quesitos da legítima defesa, ou de outras excludentes, dificuldade esta que tem
gerado uma série de nulidades na prática forense. Ademais, o fato de ser difícil e complexa a
questão, não poderá determinar a sua exclusão da área de competência privativa do Tribunal do Júri.
Assim sendo e admitida a possibilidade de configuração efetiva do homicídio simples hediondo
(hipótese que, conforme analisamos acima, seria muito difícil de ocorrer), o juiz-presidente deverá
indagar aos jurados, em quesito próprio, se o crime foi praticado em atividade típica de grupo de
extermínio.
5. Homicídio qualificado e hediondez
Retomando o critério originalmente adotado em 90, o legislador de 94 converteu o homicídio
qualificado, em todas as formas fechadas e abertas previstas no art. 121, § 2.º, I a V do CP
(LGL\1940\2), em crime necessariamente hediondo. Esta solução revela-se de todo inadequada do
ponto de vista técnico-jurídico; inconveniente e desnecessária, do ponto de vista político e, ainda,
injusta, do ponto de vista ético, pela exagerada carga de severidade (para não dizer de crueldade),
que decorre de sua efetiva aplicação. Tudo isto contraria frontalmente o compromisso com os mais
elementares valores éticos que fundamentam o Direito Penal do Estado democrático.
Reconhecida qualquer uma das circunstâncias qualificadoras legais (subjetivas ou objetivas:
mediante paga ou promessa de recompensa; motivo torpe ou fútil; emprego de veneno, fogo; à
traição, etc.), a marca da hediondez será inevitável e o tipo penal descrito no art. 121, § 2.º, I a V do
CP (LGL\1940\2), sujeitará o seu autor às conseqüências punitivas gravíssimas, estabelecidas na
LCH. Parece-nos inadmissível que a mesma circunstância, legalmente considerada para qualificar o
homicídio e majorar-lhe significativamente a carga punitiva, seja considerada uma segunda vez para
acrescentar-lhe outras conseqüências punitivas (proibição de concessão de anistia, graça, fiança,
dentre outras). Este acúmulo de medidas repressivas, assentadas numa mesma circunstância fática,
representa o recurso a um sistema punitivo em cascata, mediante o qual a sanção aplicada ao
condenado se desdobra em reprimendas que se agregam à resposta punitiva básica, se intensificam
e atingem um nível quantitativo e substantivo juridicamente inconcebível.
Em decorrência deste verdadeiro Direito Penal da intolerância, o homicida qualificado e
estigmatizado pela marca da hediondez, terá sua grave pena de reclusão submetida a um processo
executório marcado pelo simples compromisso com a severidade e com o castigo: execução integral
em regime fechado; maior prazo de cumprimento da pena para obtenção do livramento condicional e
proibição deste, se reincidente específico em crime hediondo.
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5.1 Hediondez obrigatória
Mesmo admitindo-se, como regra, que o homicídio qualificado seja o mais grave dos crimes
tipificados em nosso sistema penal, 8 é preciso reconhecer que nem todo ele carrega consigo a
condição anti-ética da hediondez compulsória e absoluta. Se analisarmos o rol das circunstâncias
qualificadoras descritas no § 2.º do art. 121 do CP (LGL\1940\2), teremos dificuldade para sustentar
o maior grau de reprovação de um homicídio praticado por motivo fútil, em relação a um homicídio
simples de graves conseqüências objetivas (morte de um chefe de família, por exemplo).
Não devemos também esquecer da divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do próprio
conceito jurídico-penal de futilidade. Sobre a questão, o entendimento de que é fútil o pretexto
gratuito, despropositado ou inadequado em relação ao crime de homicídio, adotado de forma
normativa e imprecisa pelos tribunais, em nada elucida o verdadeiro conceito desta qualificadora.
Utilizá-la de modo casuístico para, em determinados casos graves, qualificar o homicídio e
aplicar-lhe uma pena mínima de doze anos de reclusão, pode ser uma solução jurídica aceitável e
compatível com o sistema penal adotado pelo CP (LGL\1940\2) de 40. Acrescentar-lhe, no entanto, a
obrigatoriedade de um regime prisional integralmente fechado, com todas as suas desastrosas
conseqüências, é medida legal que não se coaduna com a concepção de um Direito Penal
fundamentado em valores éticos, cujo compromisso maior repousa no respeito à dignidade do
Homem,
Igualmente, não se pode afirmar, como regra, que as qualificadoras objetivas (traição, dissimulação,
surpresa, etc.) tornem o homicídio qualificado, do ponto de vista do desvalor ético, necessariamente
muito mais grave do que um homicídio simples, principalmente se este causou sérias conseqüências
no meio social ou foi praticado por um agente de péssimos antecedentes judiciais. Em decorrência
de uma destas ou de outras circunstâncias não qualificadoras, o autor de um homicídio simples
poderá ter sua pena fixada concretamente em quantidade igual ou próxima àquela cominada para
um homicídio qualificado, mas o seu crime não será considerado hediondo, Na verdade, o autor do
mais grave homicídio simples não sofrerá os rigores da LCH, o que representa uma séria contradição
decorrente da infeliz alteração introduzida por essa lei repressiva no sistema punitivo vigente.
A contradição aflora da mesma forma quando verificamos que o autor de diversos homicídios
simples (reincidente ou não) não ficará sujeito aos rigores previstos na LCH. No caso de dois ou
mais homicídios simples praticados em concurso material, formal próprio ou impróprio, ou de forma
continuada, seja o autor reincidente ou não, mesmo que a pena aplicada atinja quantidade elevada
(quinze ou mais anos de reclusão, por exemplo), ausente a hipótese da "conduta típica de grupo de
extermínio", não há que se falar em crime hediondo, nem nas conseqüências gravosas previstas na
lei em exame.
Está aí uma grave incoerência técnico-jurídica, que precisa ser devidamente considerada pelos
operadores do Direito, quando da interpretação e aplicação da LCH.
A inconveniência do critério adotado pela LCH de rotular, de forma apriorística, compulsória e
absoluta, o homicídio qualificado e nunca o homicídio simples, também se manifesta em relação ao
assassinato de uma criança. Embora este homicídio possa representar uma ofensa bem mais
profunda ao bem jurídico tutelado (a vida humana) e, por isso, causar um sentimento de maior
repugnância do que a morte de um adulto mediante emboscada, a circunstância de ser a vítima uma
criança constitui apenas uma causa especial de aumento da pena (CP (LGL\1940\2), art. 121, § 4.º,
in fine), que não foi legalmente erigida à categoria de qualificadora do crime de homicídio. Seu autor,
portanto, não estará sujeito ao processo punitivo mais rigoroso imposto pela LCH, simplesmente
porque tal conduta criminosa não recebeu a marca legal da hediondez.
No caso de tentativa de homicídio qualificado, temos mais um flagrante exemplo de grave
incoerência punitiva imposta pela LCH, se compararmos com a pena prevista para o homicídio
praticado contra pessoa menor de quatorze anos, que pode ser uma criança na mais tenra idade.
Por se enquadrar no tipo básico do art. 121 do CP (LGL\1940\2), nuncaserá legalmente um crime
hediondo. Porém, a tentativa praticada mediante emboscada, dissimulação, emprego de veneno, ou
outro meio objetivo presumidamente insidioso ou cruel, mesmo no caso de tentativa branca, em que
a vítima resulta fisicamente ilesa da ação delitiva, será sempre um crime hediondo.
São apenas alguns exemplos, dos inúmeros que certamente deverão emergir da práxis forense e
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que demonstram a absoluta inconveniência e impropriedade do critério adotado pela LCH, ao
conceituar e marcar determinados tipos de crime como obrigatoriamente hediondos. O sistema
punitivo, com a nova lei, sofreu uma gravíssima afronta ao princípio da eqüidade: o autor de
condutas ético-socialmente mais perniciosas poderá receber uma resposta punitiva menos severa e
rigorosa do que o autor de condutas da mesma espécie menos graves. A incoerência e o ilogismo
permeiam agora, de forma mais intensa, o sistema punitivo vigente.
Esta é uma séria questão de impropriedade técnico-jurídica, que precisa ser devidamente
considerada pelos operadores do Direito, quando da interpretação e aplicação da lei dos crimes
hediondos, para evitar ou atenuar o rigor de suas drásticas e contraditórias conseqüências práticas.
5.2 Homicídio qualificado-privilegiado não é crime hediondo
Entendemos que não há homicídio qualificado que seja, ao mesmo tempo, privilegiado. Para
começar, é preciso não esquecer que as circunstâncias de natureza ético-subjetiva (relevante valor
social ou moral) e psicológica (violenta emoção) previstas no § 1.º, do art. 121, do CP (LGL\1940\2),
caracterizadoras do homicídio privilegiado, são incompatíveis com as chamadas qualificadoras
subjetivas do homicídio (motivo fútil, a execução do crime mediante pagamento, ou qualquer motivo
torpe). Nestas hipóteses, há entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência, no sentido de
que as circunstâncias configuradoras do homicídio privilegiado são excludentes das qualificadoras
subjetivas do homicídio. Isto é, ou o crime é praticado por relevante valor moral ou social, ou sob o
domínio de violenta emoção e o caso será de homicídio privilegiado, ou então é praticado por
qualquer motivo torpe e, neste caso o homicídio será legalmente qualificado. Um exclui a figura
jurídico-penal do outro.
No entanto, a doutrina e a jurisprudência admitem, sem unanimidade de entendimento, a hipótese do
homicídio qualificado-privilegiado, desde que a circunstância qualificadora seja de natureza objetiva.
Por exemplo, é admitida a hipótese de homicídio privilegiado praticado mediante emboscada, à
traição, com o emprego de veneno, etc. Admite-se que haverá homicídio qualificado privilegiado no
caso do pai que, mediante emboscada, abate o estuprador de sua filha. Condenado o autor do
homicídio, a pena aplicável seria a do homicídio qualificado, com a redução prevista para o homicídio
privilegiado.
Cremos, porém, que as circunstâncias privilegiadoras, uma vez caracterizadas, são inconciliáveis
também com as qualificadoras objetivas do homicídio. Na verdade, se o homicídio é praticado por
motivo de relevante valor moral ou social ou sob o domínio de violenta emoção as eventuais
circunstâncias da emboscada, da traição, do emprego de veneno, etc., perdem o caráter de desvalor
ético-jurídico que fundamenta o rótulo da qualificação legal do homicídio, para fins de aumento
significativo da carga punitiva em relação ao seu tipo básico.
Do ponto de vista ôntico e com base na boa hermenêutica jurídica, parece razoável crer que as
circunstâncias do relevante valor moral ou social e da violenta emoção, não se conciliam com a idéia
da emboscada, da traição, do uso de veneno, etc. Embora na interface fática, possam tais
circunstâncias coexistirem perfeitamente (o pai pode matar o estuprador de sua filha à traição ou de
emboscada!), é preciso lembrar que o Direito trabalha com valores. Estes indicam que, no plano da
ética jurídica, o mais correto e adequado entendimento é o de considerar que as circunstâncias
privilegiadoras, quando devidamente configuradas, devam prevalecer sobre eventuais qualificadoras
objetivas do homicídio, tornando-as irrelevantes ou anulando-as perante o juízo de adequação típica.
Sem dúvida, parece-nos que a expressão homicídio qualificado-privilegiado representa uma séria
contradição, não só de natureza semântico-formal, uma grave contraditio in terminis, mas também
jurídico-material, que precisa ser evitada pela doutrina e pela jurisprudência, que ainda admitem,
com divergências, a existência desse estranho hibridismo jurídico-penal. 9
Limitando-nos aos objetivos de nosso estudo, é evidente que, rejeitado o entendimento de que não
há crime de homicídio qualificado-privilegiado, fica prejudicada qualquer discussão sobre a incidência
ou não dos rigores punitivos da LCH, ao autor do homicídio privilegiado. Este, juntamente com o
homicida simples (salvo no caso de participação em grupo de extermínio), estarão infensos aos
gravames da lei em exame.
A preocupação somente se justifica quando se sabe que parte da doutrina e da jurisprudência ainda
admite a figura híbrida do homicídio qualificado-privilegiado. Neste caso, o seu autor sofreria as
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conseqüências gravosas da LCH? É evidente que não. Basta verificar que o art. 1.º da LCH refere-se
apenas ao homicídio qualificado, previsto no art. 121, § 2.º, incs. I a V, do CP (LGL\1940\2).
Prevalece aqui a regra fundamental de hermenêutica jurídico-penal, no sentido de que as normas de
natureza repressiva devem ser interpretadas de forma restritiva. E se a lei classifica tão somente o
homicídio qualificado como crime hediondo, não se pode estender o rótulo da hediondez à figura
híbrida e contraditória do homicídio qualificado-privilegiado, cuja existência, a rigor nem deveria
freqüentar a preocupação da dogmática jurídico-penal.
Discorrendo sobre a matéria. Damásio de Jesus adotou o mesmo entendimento, apoiando-se na
regra do art. 67 do CP (LGL\1940\2), que estabelece a preponderância das circunstâncias
atenuantes de natureza subjetiva sobre as agravantes objetivas. Entende que ressalta do dispositivo
em apreço o princípio de que, em nossa legislação, havendo simultaneidade de circunstâncias, as
subjetivas preponderam sobre as objetivas. Conclui o i. penalista: "Ora, o homicídio privilegiado que
apresenta circunstâncias subjetivas, só é compatível com as qualificadoras objetivas. Logo, se no
caso concreto são reconhecidas ao mesmo tempo uma circunstância de privilégio e outra da forma
qualificada do homicídio, de natureza objetiva, aquela sobrepõe-se a esta, uma vez que o motivo
determinante do crime tem preferência sobre a outra. De forma que, para efeito de qualificação legal
do crime, o reconhecimento do privilégio descaracteriza o homicídio qualificado. Assim, quando o inc.
I do art. 1.º da Lei 8.072 menciona o 'homicídio qualificado', refere-se somente à forma genuinamente
qualificada. Não ao homicídio qualificado-privilegiado". 10
Concluindo, pode-se afirmar que, mesmo no caso em que se admita a figura do homicídio
qualificado-privilegiado (circunstância privilegiadora concorrendo com uma qualificadora objetiva),
este não pode ser considerado crime hediondo, para o fim de sujeitar o seu autor aos rigores
previstos na LCH.
6. Conclusão
O art. 1.º, inc. I (1.ª parte), da LCH, com a nova redação trazida pela Lei 8.930/94, ao rotular o
homicídio simples praticado em "atividade típica de grupo de extermínio" como crime hediondo,
gerou sérios problemas de interpretação e de aplicação da lei penal. O conceito jurídico-penal do que
represente "atividade típica de grupo de extermínio", continua sendo um desafio para a doutrina e a
jurisprudência.
Por outro lado, verificou-se que a circunstância em análise dificilmente deixará de coincidir com o
motivo torpe ou com uma forma insidiosa de prática do homicídio,circunstâncias suficientes para
qualificar este tipo de infração penal. O dispositivo é, portanto, um verdadeiro paradoxo jurídico, pois
classifica como homicídio simples hediondo, condutas que, por sua natureza, já estariam tipificadas
como homicídio qualificado, pelo direito repressivo vigente. É também inócuo no plano de sua
aplicação. Em regra, o titular da ação penal dificilmente deixará de imputar, ao autor desta sinistra
hipótese de genocídio da marginalidade urbana brasileira, a responsabilidade pela prática do
homicídio qualificado, seja por motivo torpe, seja pela forma perversa ou insidiosa de realização da
conduta típica.
Quanto ao homicídio qualificado, o legislador de 94 se manifestou de forma coerente com os
princípios orientadores do Direito Penal da severidade e da intolerância e apenas supriu uma
omissão até então ostentada pela LCH, que deixara o homicídio fora do sinistro rol dos crimes
hediondos. E cumpriu sua tarefa utilizando-se do mesmo critério do legislador de 90: de forma
simplista, marcou o homicídio qualificado com o rótulo compulsório da hediondez absoluta.
É provável que o objetivo maior da norma repressiva sob exame, de punir o autor de um homicídio
qualificado com um regime prisional mais rigoroso e cruel, acabe não sendo alcançado. É possível
que, na práxis forense, promotores de justiça mais liberais e conscientes, que tenham um verdadeiro
compromisso com o Direito Penal democrático e com o princípio da humanidade da pena, se sintam
menos motivados para encontrar qualificadoras do homicídio, ao descrever o fato típico e dar-lhe a
necessária definição jurídico-penal, no momento da denúncia. Afinal, circunstâncias como
emboscada, dissimulação, traição e até motivo torpe, são questões que sempre são trabalhadas com
certa dose de subjetivismo por parte dos operadores do Direito. Pode-se esperar, ainda, que os
juízes adotem entendimento mais rigoroso quanto aos pressupostos indispensáveis à configuração
das circunstâncias qualificadoras, no momento da pronúncia. É provável também que os jurados
venham a adotar uma postura bem mais exigente no tocante ao reconhecimento de uma
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circunstância objetiva ou subjetiva qualificadora do homicídio.
Se isto acontecer, o esforço do legislador terá sido em vão e o Direito Penal da ordem, da lei e do
castigo terá perdido mais uma batalha, na guerra contra o crime violento. Este, na verdade precisa
ser enfrentado e combatido, mas principalmente com outras medidas de natureza socioeconômica e
político-cultural.
1. Nelson Hungria. Comentários ao Código Penal (LGL\1940\2), v. V, Rio, Forense, 1959, p. 25.
2. F. de A. Toledo, Crimes Hediondos, Fasc. Ciênc. Penais, Porto Alegre, SAFe, abr./92, v. 5, p. 60.
3. Crimes Hediondos, S. Paulo, Saraiva, 1992, p. 19.
4. Nos últimos anos, a taxa de homicídios da grande São Paulo e do Grande Rio tem sido superior a
seis mil mortos, anualmente.
5. O Homicídio Simples, Crime e Hediondo e Júri, Tribuna do Direito, mai./95, p. 29.
6. Idem, p. 29.
7. Homicídio simples, crime hediondo e júri, Boletim do IBCrim., n. 28, abr./95, p. 3.
8. Para Nelson Hungria, o homicídio representa o atentado contra a fonte mesma da ordem e
segurança geral e, por isso, "é o crime por excelência". Comentários..., v. V, cit., p. 26.
9. Na doutrina brasileira, admitem a figura do homicídio qualificado privilegiado: Aníbal Bruno, Crimes
contra a Pessoa, Rio, Ed. Rio, 1975, p. 127; H. C. Fragoso, Lições..., Parte Especial, Rio, Forense,
1983, p. 51; Damásio de Jesus, Direito Penal, v. 2, S. Paulo, Saraiva, 1982, p. 70; Paulo José da
Costa Jr., Comentários..., v. 2. S. Paulo, Saraiva, 1988, p. 9. Contra: Magalhães Noronha, Direito
Penal, v. 2, S. Paulo, Saraiva, 1986, p. 26; J. F. Mirabete; Manual..., v. 2, p. 58.
10. Boletim do IBCrim, n. 22, out./94, p. 1.
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