Buscar

Elisabetta Grande Enfoque em ADR

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 47 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 47 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 47 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 9 | 
 
A CONTRIBUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA 
PARA O CONHECIMENTO JURÍDICO 
(PEQUENO GUIA RUMO A NOVOS ITINERÁRIOS). 
The Contribution of Anthropology to the Legal Knowledge 
(a litlle guide towards new itineraries)1 
 
Elisabetta Grande2 
 
RESUMO 
O presente artigo tem uma dupla finalidade. Em primeiro lugar, visa 
traçar as grandes linhas do pensamento jus-antropológico 
desenvolvido após o chamado realismo jurídico, com a finalidade 
de evidenciar os nexos que vinculam dois debates: aquele sobre a 
natureza do direito ocidental produzido pelo Estado e aquele acerca 
do direito diverso deste. O trabalho, em segundo lugar, objetiva dar 
um passo adiante na utilização da abordagem antropológica do 
direito ocidental. Pretendemos sublinhar exatamente qual tipo de 
investigação pode iluminar os aspects ocultos das dinâmicas que 
 
1
 Artigo traduzido do italiano pelos Professores Luís Fernando Sgarbossa e Geziela Iensue. Artigo ori-
ginalmente publicado na Rivista Critica del Diritto Privato, Napoli, Jovene Editore, ano XIV, n. 3, setem-
bro/1993, pp. 465 a 501. Agradece-se à autora pela gentil cessão graciosa dos direitos autorais para a 
língua portuguesa para esta revista. 
2
 Professora da Universidade degli Studi de Piemonte Oriental Amedeo Avogadro, Alessandria, Itália. 
Autora de inúmeros livros e aritigos jurídicos. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 10 | 
 
estão no cerne da operação diária dos sistemas pertencentes à 
denominada western legal tradition. A Antropologia jurídica, dessa 
forma, colocaria seus instrumentos a serviço do conhecimento do 
direito, sem limitar-se a nenhuma de suas epifanias territoriais. 
ABSTRACT 
 
This article is twofold. Firstly, it aims to outline the main lines of 
thought jus-anthropological developed after the so-called legal real-
ism, with the aim of highlighting the links which bind two debates: 
one about the nature of Western law and that the state produced 
about the right of this diverse . The work, secondly, it aims to take a 
step forward in the use of the anthropological approach of Western 
law. We intend to emphasize exactly what kind of research can illu-
minate the hidden Aspects of the dynamics that are central to the 
daily operation of the systems being in the western legal tradition. 
Legal Anthropology thus put their instruments in the service of 
knowledge of law, not limited to any of its territorial epiphanies. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Antropologia. Historia. Conhecimento 
jurídico. 
KEYWORDS: Anthropology. History. Legal knowledge. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 11 | 
 
1. Relações de parentesco e relações de poder e entre poderes, so-
lução dos conflitos: eis alguns temas caros ao jurista, mas simultaneamen-
te caros para o antropólogo; eis, portanto, os temas que constituem o obje-
to de estudo precípuo do antropólogo do direito. 
Esta figura de estudioso, cuja disciplina ainda permanece quase 
que completamente desconhecida na Itália3, concentra tradicionalmente 
sua atenção sobre o conflito e sobre os variados modos de solução do 
mesmo nas mais variadas sociedades e culturas. A Antropologia jurídica 
nasce, realmente, como sub-disciplina da Antropologia social e cultural a 
partir do momento no qual coloca a si mesma a estranha pergunta acerca 
da existência de regras qualificáveis como jurídicas – e, portanto, da exis-
tência do direito – nas sociedades sem escrita e acéfalas, isto é, sem um 
poder político centralizado. Definições sobre a regra jurídica – como as 
elaboradas por A. R. Radcliffe-Brown4 – em termos de norma cuja obser-
vância é garantida pela aplicação de uma sanção por parte de um poder 
politicamente organizado que dispõe da força, aliadas ao rígido positivismo 
que imperava na Europa continental havia levado à identificação de todo o 
direito com um código escrito e, no mundo do common law, à aplicação 
 
3
 As estatíticas fornecidas pela A.F.A.D., Associatin Française d‟Anthropologi du Droit evidenciam que o 
ensino da Antropologia Jurídica na Itália conta com apenas um curso, e ainda assim não-permanente, 
em contraste com o notável número de cursos da disciplina na França e nos Estados Unidos. Veja-se o 
relatório de 10.10.1994, redigido pelo Presidente da A.F.A.D., Prof. Norbert Rouland. Entre as obras de 
síntese da Antropologia Jurídica em língua italiana indicam-se: F. Remotti, Temi di antropologia giuridi-
ca, Turim, 1982; G. Mondarini Morelli, Norme e controllo sociale. Introduzione antropologica allo studio 
delle norme, Sassari, 1980; R. Motta, Vecchie e nuove teorie del diritto primitivo, Alexandria, 1991; N. 
Rouland, Antropologia Giuridica, em Juristas estrangeiros da atualidade, coleção organizada por C. 
Mazzoni e V. Varanno, tradução italiana de R. Aluffi Beck-Peccoz, com apresentação de P. G. Monate-
ri, Milão, 1992. 
4
 A. R. Radcliffe-Brown, verbete Sanction, Social, in: Encyclopedia of Social Sciences, vol.. XIII, Lon-
dres, 1934, especialmente p. 533. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 12 | 
 
férrea da regra da stare decisis em sua concepção clássica, estabelecem 
nos juristas e antropólogos do início do Século XX a convicção de que, nas 
sociedades de estrutura elementar, carentes uma autoridade central, de 
códigos, de cortes oficiais e de polícia, não possa existir qualquer forma de 
direito. 
Já a partir de 19625 Bronislaw Malinowski havia “indicado uma rup-
tura com os velhos métodos especulativos utilizando a observação etno-
gráfica de campo para derrubar os mitos amplamente difundidos sobre o 
direito e sobre a ordem social nas sociedades ágrafas”6. Isso nada menos 
do que no período em que, quando no final dos anos trinta, o jovem Hoebel 
comunicou aos reconhecidos mestres da Antropologia, Ruth Benedict e 
Franz Boas, sua intenção de analisar o direito junto aos Cheyenne de Mon-
tana, ouvira questões sobre que tipo de direito se teria podido estudar junto 
a um povo carente não somente de uma estrutura política organizada de 
maneira centralizada, bem como de polícia e de cortes permanentes, mas 
carente até mesmo de juristas profissionais e de escrita. A sociedade che-
yenne apresentava-se como a clássica sociedade sem legislador, sem ju-
rista e sem Estado7, ótimo terrenoi de prova para quem, como Edward 
Adamsom Hoebel e Karl Nikcerson Llewellyn, buscasse descobrir se era 
possível a existência de um direito não verbalizado. Como fazer, portanto, 
 
5
 Ano no qual, como é sabido, o antropólogo escreveu Crime and Custom in Savage Society (publicado 
em Londres pela Routledge and Kegan Paul). 
6
 Nesse sentido, L. Nader, verbete Diritto e Società, 2. Antropologia Giuridica, na Enciclopedia Treccani 
delle Scienze Sociali, Roma, 1993, p. 134. 
7
 Acerca das quais remete-se a Rodolfo Sacco, Modelli notevoli di società, I Cardozo Lectures in Law, 
org. de P. G. Monateri e U. Mattei, Cedam, 1991; Id., Le grandi epoche del diritto, em Non solo Occi-
dente, coleção sob a organização de M. Guadagni e U. Mattei, Turim, 199; Id., Il diritto mutto, nos Studi 
in memoria di Gino Gorla, Milão, 1994, tomo I, pp. 681 e ss. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 13 | 
 
para desvelar a existência de um direito entre os Cheyennes? A colabora-
ção de Karl Llewellyn ao projeto de EdwardAdamson Hoebel fora determi-
nante neste ponto. 
O então já célebre Betts, Professor of Jurisprudence na Columbia 
Universtity Law School, expoente de ponta do realismo jurídico norte-
americano – que havia, anteriormente, seguido o jovem antropólogo, afilia-
do, por sua vez, à escola funcionalista, na tese de doutoramento entre os 
índios Comanches8– tinha pronta a resposta que sua escola de pensamen-
to lhe entregara. Como Oliver Wendell Holmes lhe havia ensinado, em sua 
época, “a vida do direito não é a lógica, mas a experiência”9. A ausência de 
uma law in the books não incidia, portanto, para Llewellyn, sobre a possibi-
lidade real de estudar as regras jurídicas presentes em uma sociedade; 
que era sobretudo a law in action. Ademais, cerca de quinze anos antes, já 
Malinowski, mestre espiritual de Hoebel, ao descrever a vida e os costu-
mes das populações das Ilhas Trobriand da Melanésia10, havia esclarecido 
que o direito coincidia mais com a prática do que com a normas verbaliza-
das. E onde seria localizada a experiência do direito senão nas controvér-
sias e nas maneiras através dos quais as mesmas eram resolvidas? O 
conflito e sua solução tornaram-se de tal forma centrais no estudo do direi-
to junto aos Cheyenne e, mesmo que outros antropólogos antes de Hoebel 
e Llewellyn tivessem estudado as controvérsias e sua solução nas socie-
 
8
 Em seguida (1940) publicada sob o título de The Political Organization and Law-Ways of the Coman-
che Indians, Menasha, Wisconsin, sob os auspícios da American Anthropological Association. 
9
 O. W. Holmes Jr., The Common Law, Cambridge, Mass., 1881. 
10
 B. Malinowski, Crime and Custom in Savage Society cit. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 14 | 
 
dades tradicionais11, o método casuístico – chamado “case method appro-
ach” –, que dali em diante dominou a cena entre os antropólogos do direi-
to, foi sempre atribuído aos dois autores de The Cheyenne Way: Conflict 
and Case Law in Primitive Jurisprudence12. 
O direito revela-se, para Hoebel e Llewellyn, no momento da lide e 
de sua composição e, para além da qualificação da norma que acaba por 
ser aplicada como jurídica ou não, ou das instituições estabelecidas para 
dirimí-la, a controvérsia emerge como unidade de análise, presente em to-
das as sociedades e, por isso mesmo, instrumento idôneo de comparação. 
O exame dos litígios resolvidos publicamente permite aos dois pesquisado-
res descobrir quais são as consequências jurídicas do homicídio, assim 
como as normas que regem o matrimônio, o adultério, a propriedade e as 
sucessões hereditárias entre os Cheyenne de Montana. 
Após o estudo de Hoebel e Llewellyn a questão se as sociedades 
sem escrita, sem cortes, sem juristas, sem legisladores e sem poder cen-
tralizado pudessem ter um direito foi definitivamente respondida em senti-
do positivo e, com ela, foram afastados em larga medida também as tenta-
tivas de dar uma definição restritiva do conceito de norma jurídica e de di-
reito... Uma definição, em relidade, simultaneamente inclui e exclui. De-
marca um âmbito; insere algo no interior desse âmbito e exclui algo mais: e 
a exclusão é quase sempre arbitrária. Eu não tenho a pretensão de excluir 
 
11
 Ver, p. ex., J. Richardson, Law and Status Among The Kiowa Indians, Nova Iorque, 1940; R. F. Bar-
ton, Infugao Law, in: Univestity of California Publications in American Archaeology and Ethnology, 1919, 
XV, 1, pp. 1-186. 
12
 Publicado pela Oklahoma University Press em 1941 e republicado em 1992 na coletânea The Legal 
Classics Library por Gryphon Editions. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 15 | 
 
nada do âmbito jurídico”. Em certo sentido o direito é tão amplo quanto a 
própria vida, afirmava Llewellyn13. No rastro desses autores, os jus-
antropólogos tendem atualmente a identificar o direito com a noção ampla 
que lhe conferia Malinowski, como sistema de controle social14. O terreno 
estéril das definições parece, desse modo, abandonado15. 
2. a) Após o estudo da sociedade Cheyenne, o conflito e sua solu-
ção constituíram durante muito tempo o paradigma de referência dos estu-
dos de antropologia jurídica. A controvérsia passa a ser estudada em sua 
complexidade. 
 
13
 Ver o relato de W. Twining, Karl Llewellyn and The Realist Movement, Londres, 1973, p. 571. 
14
 Veja-se, por todos, L. Nader, verbete citado, passim, especialmente pp. 136-137: “Em outras pala-
vras, o estudo antropológico do direito não conhece limites pré-concebidos, e coloca em discussão, 
ainda, as ideias ou os conceitos pré-constituídos relativos ao direito.” 
15
 Acerca das conceituações resta presa ainda apenas uma pequena parte da antropologia, a de língua 
francesa. Em testemunho das preocupações dogmáticas, não compartilhadas com a antropologia jurí-
dica norte-americana, típica dos antropólogos do direito franceses, estão as tentativas de definir o obje-
to de investigação da disciplina através de distinções terminológicas entre etnografia, etnologia e an-
tropologia jurídica. Veja-se N. Rouland, Antropologia giuridica cit., pp. 120 e ss. É sobre preocupações 
de ordem conceitual que se funda, ainda, a rejeição recente do conceito de pluralismo jurídico por uma 
parte da antropologia jurídica, sobretudo a francesa, que distingue entre pluralismo “jurídico” e plura-
lismo “normativo”, atribuindo ao segundo termo um conteúdo mais amplo, compreensivo das normas 
“implícitas” e “inferenciais”, “de elaboração interacional e não institucional”. Neste sentido, R. A. 
MacDonald, Pour la reconnaissance d‟une normativité implicite et „inférentielle‟, in : Sociologie et 
Sociétés, XVIII, 1, abril 1986, pp. 47 e ss. ; G. Roscher, Pour une sociologie des ordres juridiques, in : 
Les Cahiers de droit, 29, 1, 1988 ; A. Lajoie, Analyse du language et internormativité dans un territoire 
autochtone ; Kahnawake, Centre de Droit Public, Université de Montréal, 1993, citados por R. Motta, 
Intorno ai concetti giuridici e antropologici. Occidente e altri « blochi culturali » a confronto, in : Materiali 
per una storia della cultura giuridica, 1995, p. 434. O recurso a tais distinções evidencia, em realidade, 
as dificuldades em aceitar uma definição de direito desvinculada de confins pré-concebidos, pelo que 
existiriam normas jurídicas propriamente ditas (aquelas não mais implícitas, inferenciais e interacionais) 
e normas jurídicas “menos jurídicas”, apenas e somente “normativas”. Ver R. Motta, op. cit., especial-
mente p. 431. Para uma crítica ao conceito de pluralismo baseado em pressupostos de caráter definitó-
rio, ver ainda J. Carbonnier, Sociologie Juridique, A. Colin, Paris, especialmente pp. 150 e ss., bem 
como as observações a respeito feitas por N. Rouland, op. cit., p. 85. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 16 | 
 
O método etnográfico, ilustrado por Malinowski no primeiro capítulo 
dos Argonautas do Pacífico16, levou os antropólogos a confrontar-se com 
realidades caracterizadas por modos de solução de controvérsias bastante 
diversos entre si. A classificação respectiva variou de acordo com o ponto 
de observação adotado. 
A distinção baseada na intervenção de um terceiro (ou sua ausên-
cia) na resolução do litígio contrapõe a negociação entre as partes – a de-
nominada solução diádica – à mediação, à arbitragem e à decisão jurisdi-
cional reclamada perante órgãos públicos – a denominada solução triádica. 
Uma classificação diversa, fundada desta feitana existência de terceiro 
que atue como decision maker, contrapõe, ao contrário, a tratativa – ou 
negociação entre as partes – e a mediação à arbitragem e à decisão por 
parte de órgãos judiciários17. Nas duas primeiras hipóteses, de fato, a deci-
são da controvérsia compete às partes que, no caso da mediação solicitam 
a um terceiro tão-somente a tarefa de propor uma solução: o mediador es-
timula as partes a resolver o litígio, não decidindo por elas. Diversamente 
estão as coisas relativamente à arbitragem, no qual o árbitro é escolhido 
pela parte com a finalidade de decidir por ela. Neste último caso, assim 
como na hipótese de uma solução requerida a um órgão público, o decisi-
on maker é um terceiro. Naturalmente, como nos faz perceber Peter Stein, 
 
16
 Argonauts of the Western Pacific, 1922, republicado em 1984 pela Waveland Press. 
17
 A elaboração da distinção entre negociação e decisão judicial com base na presença ou ausência de 
um third-part decision-maker deve-se sobretudo a Philip Gulliver. Em seu trabalho clássico Disputes 
and Negotiations – Cross-Cultural Perspective, Nova Iorque, 1979, o autor busca demonstrar, através 
de uma comparação entre as negociações dirigidas a solucionar as controvérsias trabalhistas no sis-
tema norte-americano e o modo de solução dos litígios junto ao povo agricultor dos Arusha da Tanzâ-
nia, o modo como as tratativas entre as partes encontrem uma mesma estrutura em todos os lugares, 
seguindo trajetórias e fases análogas em todas as sociedades, independentemente do objeto da dispu-
ta. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 17 | 
 
“abstratamente, é nítida a distinção entre o mediador, que auxilia as partes 
a chegar a um acordo, e o árbitro que, a pedido delas, decide em lugar das 
mesmas. Na prática, frequentemente é difícil distinguir ambas as figuras, e 
por vezes os antropólogos utilizaram os dois termos indiferentemente. Em 
ambos os casos, os litigantes devem aceitar voluntariamente a decisão pa-
ra que ela tenha eficácia. Ela não pode, como ocorre com a sentença das 
cortes regulares, ser imposta às partes contra a sua vontade. Muitas vezes 
pode não ser realmente claro se trata-se de uma decisão das partes que o 
mediator conseguiu obter delas ou de uma decisão do árbitro”18. Convém 
observar como ambas as classificações mencionadas não levam em con-
sideração os comportamentos unilaterais, ou seja, as formas de autotutela. 
Em uma ótica diversa, os modos de solução das controvérsias po-
dem ser distintos por serem formais ou informais: em tal perspectiva, a 
contraposição vê, de um lado, a decisão jurisdicional, e, de outro, as for-
mas de solução tradicionais, vale dizer, a arbitragem, a mediação, a trata-
ria e a autotutela. 
 
b) Independentemente da perspectiva adotada, as diversas formas 
de solução de controvérsias foram vinculadas com as diversas formas polí-
ticas e econômicas características das diversas sociedades estudadas. 
 
18
 Neste sentido, P. Stein, I fondamenti del diritto europeo. Profili sostanziali e processuali 
dell‟evoluzione dei sistemi giuridici, in Giuristi stranieri di oggi, coleção organizada por C. Mazzoni e V. 
Varanno, apresentação de A. De Vita, M. D. Panforti e V. Varanno, Milão, 1987, p. 6. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 18 | 
 
As sociedades acéfalas, sem organização estatal, revelaram-se do-
tadas de mecanismos capazes de assegurar a ordem social e de resolver 
as disputas de modo completamente análogo ao que ocorre nas socieda-
des de poder centralizado por força das leis e de sua aplicação por parte 
de tribunais. Isso confirma o dado de que a ordem não se atinge necessa-
riamente através da presença de uma autoridade central que faça uso da 
força e, para isso, valha-se da lei escrita, dos tribunais e da polícia. 
Por muito tempo os etnógrafos buscaram relacionar o desenvolvi-
mento econômico com as formas de solução de conflito, em uma perspec-
tiva tipicamente evolucionista. Fora observado, assim, que para as socie-
dades de caçadores-coletores a obtenção de um acordo entre as partes 
em conflito não era indispensável, diferentemente do que ocorria nas soci-
edades agrícolas, nas quais a sedentarização tornava crucial o caráter pa-
cífico do convívio. A violência e a autotutela conviviam assim muito melhor 
nas sociedades da primeira espécie do que nas da segunda19. O aumento 
da complexidade dos meios de produção foi conectado com a modificação 
dos modos de solução das controvérsias com o objetivo de sustentar que 
ao desenvolvimento econômico da sociedade faria contraponto uma su-
cessão das formas de resolução das controvérsias que veria em seu pri-
meiro grau a autotutela e a negociação entre as partes e, após, em ordem 
sequencial, a mediação, a arbitragem e, afinal, a decisão jurisdicional20. 
 
19
 V. P. Gulliver, Nomadic Movements: Causes and Implications, in: Pastorialism in Tropical Africa,T. 
Monad (org.), Londres, 1975, pp. 369 e ss.; E. Colson, Social Control and Vengeance in Plateau Tonga 
Society, in: Africa, 23 (3), 1953, pp. 199 e ss.; M. Gluckmann, Custom and Conflict in Africa, Oxford, 
1955. 
20
 L. T. Hobhouse, G. C. Wheeler, M. Ginsberg, The Material Culture and Social Institutions of the Sim-
pler Peoples, Londres, 1930. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 19 | 
 
Nessa ótica, a presença do órgão público jurisdicional seria típico das so-
ciedades mais evoluídas, ao passo que as mais simples revelar-se-iam ca-
rentes até mesmo do instrumento da mediação21. A filosofia evolucionista 
subjacente desenvolveu-se a ponto de considerar cada grau da escala in-
dicada como pressuposto necessário para a passagem à fase econômico-
jurídica seguinte22. Somente a comparação transculturam pode refutar a 
exatidão de teorias semelhantes. Sociedades de caçadores-coletores 
comparadas revelaram utilizar formas diversas de solução das disputas: os 
Innuit, estudados por Hoebel, privilegiavam a violência e a autotutela, con-
trariamente do que se verificava junto a alguns povos que habitavam o de-
serto do Kalahari23, que resolviam pacificamente as próprias controvér-
sias24. Observou-se como sociedade economicamente mais simples faziam 
uso de instrumentos de solução de conflito situados em um grau mais ele-
vado em comparação a sociedades economicamente mais complexas, e 
como sociedades situadas no mesmo grau de desenvolvimento econômico 
utilizassem diferentes mecanismos de solução de controvérsias. Socieda-
des industriais “altamente civilizadas”, aí compreendida a sociedade inter-
nacional, ademais, tendem hoje a migrar de um modelo conflituoso e juris-
 
21
 E. A. Hoebel, The Law of Primitive Man, Cambridge, Mass., 1954. 
22
 Remete-se a R. D. Schwartz, J. C. Miller, Legal Evolution and Societal Complexity, in: American 
Journal of Sociology, 70 (2), 1964, pp. 159 e ss. 
23
 W. Ury, Disputes Resolution Notes form The Kalahari, in: Negotiation Journal, 6 (3), 1990, pp. 229 e 
ss. 
24
 Sobre questão ainda recente veja-se L. Nader, VI Cardozo Lectures in Law, P. G. Monateri e U. Mat-
tei (orgs.), sob o título Antropological Projects: Law in motion, ocorrido em Trento, dias 26 e 27 de maio 
de 1996, no prelo por Harmattan-Italia. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 20 | 
 
dicional de solução do conflito para ummodelo de tipo conciliatório e in-
formal25. 
 
c) É exatamente o perfil do caráter conciliatório mais do que confli-
tual do modo de solução da controvérsia, de outro lado, propiciou um certo 
número de informações. A passagem dos modos informais de resolução 
do conflito – negociação, mediação e arbitragem – à solução de tipo juris-
dicional coincide, nas observações dos antropólogos do direito, com o pro-
gressivo declínio do caráter conciliatório da composição do litígio. Isso é 
tanto mais verdadeiro quanto mais o órgão decisório público for expressão 
de uma verdadeira autoridade estatal, que pode dispor da força para con-
vocar diante de si os litigantes e para fazer executar as próprias deci-
sões26. 
O procedimento informal visa à obtenção de um compromisso acei-
tável para ambas as partes, na medida em que a ameaça da retorsão em 
caso de ausência de acordo opera para os contendores como um incentivo 
à renúncia de parte das próprias pretensões. Em um contexto análogo, a 
solução final dependerá não apenas da aplicação das regras jurídicas ao 
caso, mas também ao peso do status, da força política e das relações in-
terpessoais entre as partes. Nesse contexto, ademais, o direito não será 
 
25
 L. Nader, Civilization and Its Negotiations, in: Understanding Disputes, The Politics of Argument, P. 
Caplan (org.), Oxford-Providence, 1995, pp. 39 e ss. 
26
 É evidente que o binômio modelo conflitual/modelo conciliatório não é coincidente com o binômio re-
solução formal judicial/resolução informal das disputas, todas as vezes em que, restando em aberto a 
via da autotutela, as partes optem por esta alternativa. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 21 | 
 
objeto de uma aplicação estrita (o que, todavia, não é feito às custas da 
certeza, como demonstram Hoebel e Llewellyn)27 e o âmbito da controvér-
sia não terá contornos predeterminados, podendo as partes incluir nele 
mais de uma questão. A organização judicial estatal modifica sobretudo o 
aspecto conciliatório do modo de solução do litígio. Como nos chama a 
atenção ainda o mesmo Peter Stein, de fato, “uma corte instituída por uma 
autoridade central, que tem atrás de si o peso da comunidade, não tem o 
dever de reconciliar as partes. Em maior ou menor grau, pode impor a elas 
sua decisão, aplicando-a coativamente, quer elas a aceitem, quer não”28. A 
decisão judicial pode, assim, dar razão total a um dos dois litigantes, sem 
dever, ao menos de maneira aparente, levar em consideração fatores di-
versos daqueles estritamente jurídicos, que tornem a solução tomada acei-
tável do ponto de vista da parte vencida. A norma jurídica, que doravante 
tende a ser enunciada abstratamente, antes do surgimento da controvér-
sia, recebe portanto uma aplicação necessariamente mais rígida, enquanto 
a disputa ostentará confins pré-estabelecidos dos quais a corte não poderá 
afastar-se na decisão da causa. Estaremos, assim, muito próximos daque-
le modelo que será definido como o clássico legal process, com suas ca-
racterísticas de verbalização de um complexo de normas conhecidas e 
 
27
 “Embora não houvesse juristas profissinais junto aos Cheyenne e raramente as regras jurídicas fos-
sem enunciadas com precisão, os juízes Cheyenne eram capazes de aplicar seu sistema jurídico não-
escrito com sabedoria e segurança dignas dos maiores magistrados da tradição euro-americana”, ex-
plica-nos Laura Nader, na introdução à mais recente edição do trabalho de Hoebel e Llewellyn (Derlan, 
N. J., 1992). 
28
 P. Stein, op. cit., p. 16. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 22 | 
 
precisas, que encontram aplicação geral em juízos que separam os fatos 
relevantes para a causa daqueles irrelevantes29. 
Exemplifica tal estado de coisas uma comparação entre o modo de 
resolução dos litígios entre os povos estudados por Philip Gulliver, Paul 
Bohannan e Elisabeth Colson, ou seja, respectivamente, os Ndendeuli do 
sul da Tanzânia, os Tiv da Nigéria setentrional, e os Gwembe Tonga, po-
pulação da planície nos limites entre a Zâmbia e o Zimbabue. 
Entre os Ndendeuli do sul da Tanzânia chega-se à solução das 
controvérsias através da negociação entre grupos opostos, integrados pe-
los parentes e apoiadores das partes em litígio. Aqueles que não queiram 
tomar partido a favor de uma ou da outra das partes atuam como mediado-
res. “A solução de uma controvérsia no interior da comunidade entre os 
Ndendeuli”, explica-nos Phil Gulliver, “depende não apenas da aplicação 
das normas, do reconhecimento dos direitos e das expectativas de tipo ju-
rídico, ou da respectiva força contratual das partes litigantes e de seus 
apoiadores, mas também de considerações relativas aos efeitos que o no-
vo atitude produzirá sobre os interesses da comunidade como um todo e 
sobre a continuidade da cooperação e da concórdia entre vizinhos”30. Nas 
palavras de Peter Stein: “Na busca de soluções os Ndendeuli farão refe-
rência a normas e praxes amplamente aceitas nas sociedades, mas pode-
 
29
 P. Stein, op. cit., pp. 16 e ss. Ver ainda R. Schlesinger, H. Baade, P. Herzog, E. Wise, Comparative 
Law, 1994, 80-1. 
30
 P. Gulliver, Disputes Settlements Whithout Courts: the Ndendeuli of Southern Tanzania, in: Law, Cul-
ture and Society, L. Nader (org.), Chicago, 1969, p. 67. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 23 | 
 
rão utilizar também outros argumentos, como a necessidade de proteger 
os grupos existentes e a harmonia da sociedade em seu conjunto”31. 
Entre os Tiv, da Nigéria, na época em que tal população foi estuda-
da por Paul Bohannan, o domínio colonial já tinha imposto uma solução 
das controvérsias de tipo jurisdicional. Nada obstante, a elaboração de 
mecanismos decisórios judiciários é interessante observar o modo como a 
escassa influência exercida pelo poder estatal colonial sobre as instituições 
locais tenha, de fato, mantido entre os Tiv algumas características da solu-
ção de conflito típicas das sociedades de poder difuso. O tribunal indígena 
instituído pelos ingleses – o jir mbatarev – apresenta uma forte comistão 
de elementos tradicionais e modernos. Particularmente o aspecto tradicio-
nal pode ser percebido no caráter necessariamente conciliatório da deci-
são. Mesmo que o processo se desenrole na presença de um policial ar-
mado de bastão, o qual teria por tarefa fazer executar a sentença, esta é, 
na realidade, reconhecida como válida e eficaz apenas se a solução pro-
posta pela corte recebe o assentimento por parte dos dois contendores. 
Caso contrário, o caso é considerado como não-resolvido, eis que não é 
sobre a coerção oriunda do uso da força pública estatal que o tribunal Tiv 
funda sua própria capacidade de impor a decisão32. O caráter compromis-
sório que esta última assume implica, ademais, a possibilidade de a corte 
ampliar o processo relativamente ao fato específico que constitui objeto da 
disputa, bem como de recorrer a argumentos diferentes daqueles mera-
mente jurídicos para encontrar a solução a ser proposta. Antes, como sub-
 
31
 P. Stein, op. cit., p. 8. 
32
 P. Bohannan, Justice and Judgement among the Tiv, Londres, 1957, pp. 60 e ss. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 24 | 
 
linha Bohannan, a decisão final do jir muito raramente faz referência a 
normas jurídicas:“A finalidade da maior parte do jir é a de determinar um 
modus vivendi: não a de aplicar o direito, mas a de decidir aquilo que é jus-
to em um caso particular. Frequentemente os Tiv buscam tal finalidade 
sem fazer qualquer referência explícita a normas ou „leis‟”33. 
Entre os Gwembe Tonga, população estudada por quase quarenta 
anos por Elisabeth Colson, a penetração do poder estatal é atualmente 
evidente, sobretudo quanto ao modo diverso de gerir os conflitos relativa-
mente ao passado. O instrumento jurisdicional é atualmente o principal 
modo de resolução das controvérsias. No passado o mecanismo de solu-
ção de conflitos mais utilizado era constituído pela tratativa pública entre 
grupos familiares, durante a qual os membros mais velhos de cada grupo 
especificavam as razões do litígio, declaravam as normas aplicáveis e 
buscavam uma solução aceitável para ambas as partes. Em 1956, quem 
não estivesse satisfeito com a solução negociada poderia recorrer à Chi-
ef‟s Court instituída pela administração colonial, então chamada local court, 
junto à qual vigoravam algumas das formalidades típicas do modelo clássi-
co de legal process34. Tais formalidades são hoje próprias do headman‟s 
court, corte do chefe de vilarejo, tornada parte da organização judiciária es-
tatal após 1991, na qualidade de tribunal de primeira instância. Como Col-
son nos faz observar, a mudança do modo de solução das disputas incidiu 
em duplo sentido sobre os temas que são objeto de litígio. De um lado, as-
siste-se ao aumento de controvérsias sobre questões de bagatela, que em 
 
33
 Neste sentido, P. Bohannan, op. cit., p. 19. 
34
 E. Colson, The Social Organization of Gwembe Tonga, Manchester, 1960, pp. 171-176. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 25 | 
 
outros tempos não teria podido constituir objeto de tratativa pública, posto 
que dificilmente os litigantes teriam encontrado apoio de seus familiares 
caso a disputa fosse considerada de pouca importância. De outro lado, a 
decisão não mais assume caráter conciliatório; as partes são obrigadas a 
apresentar no tribunal apenas os fatos relevantes para a causa, sem poder 
apelar para aspectos mais gerais, relativos às suas relações recíprocas; a 
corte pode julgar e decidir unicamente acerca das questões aventadas pe-
las partes; sobre os litigantes paira a ameaça do poder estatal para o caso 
de serem violadas as formalidades processuais ou de não ser respeitada a 
decisão da corte35. 
Em conclusão, a tipologia das análises de campo relatadas, ao tes-
temunhas a passagem gradual dos modos informais de solução dos litígios 
para uma solução de tipo jurisdicional torna óbvio o quanto a presença do 
Estado constitua, simultaneamente, origem e explicação do modelo confli-
tual de resolução das controvérsias. 
 
d) Regras jurídicas e princípios gerais não são, portanto, ausentes 
nas sociedades sem escrita e sem Estado. Estas, como demontrara J. Go-
ody36, revestem simplesmente um papel e ocupam um espaço diverso – 
mas nem por isso menos importante – no pensamento, nos discursos e na 
prática relativamente ao que ocorre nas sociedades nas quais existem ju-
 
35
 E. Colson, The Countenciousness of Disputes, in: Understanding Disputes, cit., 1995, pp. 65 e ss.; 
especialmente pp. 73-76. 
36
 J. Goody, The Domestication of the Savage Mind, Cambridge, 1977. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 26 | 
 
ristas profissionais e sistemas sofisticados de elaboração e de verbaliza-
ção das normas. A enunciação das regras e dos princípios gerais na forma 
que os torna compatíveis com o modelo clássico de legal process depende 
de uma série de fatores. 
Além da necessidade de escrita e de juristas profissionais é neces-
sário que questões referentes às particulares relações entre as partes não 
assumam relevo na determinação da solução do conflito, que em tal caso 
restaria muito singular para poder receber uma posterior aplicação. Ade-
mais, a verbalização de normas geralmente aplicáveis é ligada uma vez 
mais à presença do Estado que, como nos ensina Paolo Grossi, em nome 
da regra geral, abstrata e impessoal, esmaga toda particularidade concre-
ta37. 
A rigidez do direito obtida através da enunciação e aplicação de re-
gras gerais e iguais para todos traz frequentemente consigo uma forte se-
paração entre a justiça produzida pelas cortes estatais e o sentimento po-
pular de justiça. A reaproximação entre uma e outra obtém-se, por vezes, 
através do controle leigo sobre a aplicação do direito por parte de juristas 
profissionais: o júri ou mesmo os juízes de paz em nossas sociedades es-
tatais constituem exemplos disso que se afirma. 
Voltando à análise do conflito nas sociedades tradicionais, já se 
narrou a forma como os antropólogos do direito o examinaram em sua 
complexidade. Entre os diversos pontos de observação assumidos reves-
 
37
 P. Grossi, L‟ordine giuridico medievale, Bari, 1995, pp. 54 e ss. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 27 | 
 
tem-se de particular interesse, em nosso ponto de vista, o perfil da soleni-
dade e da importância das formas na resolução dos litígios e a inserção da 
variável do tempo no estudo das controvérsias. 
Elisabeth Colson, Phil Gulliver, Sally Falk Moore e Max Gluckman – 
entre outros – estudam quais são os efeitos do respeito às formas sobre a 
resolução do conflito. A solenidade do foro público – trate-se de negócio, 
de mediação, de arbitragem ou de decisão jurisdicional – reveste-se de 
importância determinante na obtenção da solução do litígio. O encontro 
formal entre as partes evita o enfrentamento violento entre as mesmas. O 
foro público modifica o tipo de argumentação utilizada para fazer valer as 
próprias razões relativamente ao foro privado: os litigantes sabem que a 
aceitação dos próprios pontos de vista depende da capacidade de cada 
um de formulá-los em termos aptos a satisfazer o nível formal geralmente 
exigido pela comunidade e necessário para convencer os próprios apoia-
dores e os demais38. Como ensina Max Gluckman, quer os litigantes, quer 
os mediadores, e mesmo os órgãos públicos jurisdicionais buscam mos-
trar-se ao mesmo tempo rezoáveis e justos39. No foro jurisdicional, por ou-
tro lado, as formas desempenham o duplo papel de simbolizar o status da-
queles que julgam e de legitimar as suas decisões40. Recordar as perucas 
do juízes ingleses parece ser útil. 
 
38
 Sobre o tema ver P. Gulliver, Disputes and Negotiations, cit., 1979, p. 192. 
39
 Neste sentido, M. Gluckmann, The Reasonable Man in Barotse Law, in: 7 Journal of African Admin-
istration, 1955, p. 51 e p. 127; e in 8 ivi, 1956, p. 101 e p. 151. 
40
 S. F. Moore, Individual Interests and Organisations Structures: Disputes Settlements as “Events of Ar-
ticulation”, in: Social Anthropology and the Law, Hamnett (org.), Londres, 1977, p. 185. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 28 | 
 
Parece igualmente evidente a razão da ausência daquelas perucas 
se tratam-se de Law Lords: na condição de comitê do órgão legislativo em 
função judicante, a House of Lords extrai alhures sua legitimação. 
A simbologia das formas – na comunicação ou no comportamento – 
e seu respeito revelam-se, definitivamente, indispensáveis à solução do li-
tígio, determinando-lheo grau de aceitação social. 
Elisabeth Colson narra um episódio que exemplifica a questão. En-
tre os Gwembe Tonga da Zambia a corte do vilarejo é integrada pelo chefe 
do vilarejo e por dois assistentes “a latere”. Quando julgam os casos que 
lhe são submetidos os três sentam-se sobre assentos, ao passo que os 
contendentes fazer valer suas próprias razões sentados sobre o chão. Em 
1992 uma conflito público teve como protagonistas dois homens que goza-
vam de particular prestígio: um por ser o mais rico membro da comunida-
de, o outro por ter feito carreira na polícia nacional. Isso levou os magistra-
dos a permitir que os litigantes também sentassem sobre assentos: erro fa-
tal. Decaída a simbologia da inferioridade espacial cai por terra também a 
legitimação dos juízes para resolver a contenda. Os juízes parecem, pe-
rante a comunidade, como homens do mesmo nível dos litigantes, com de-
feitos morais ainda piores do que os destes, cuja palavra não vale mais do 
que a das partes em lide: o caso permanece irresolvido entre os insultos 
gerais41. 
 
41
 E. Colson, The Contentiousness of Disputes, cit., pp. 77-79. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 29 | 
 
Acerca da necessidade de analisar o conflito levando em conta a 
variável tempo, insiste mais de um antropólogo do direito. Hoebel e Lle-
wellyn são criticados por Laura Nader porque “utilizam em sua análise ca-
sos referentes a um período de tempo de setenta anos, comprimindo-os 
em uma dimensão de presente etnográfico”42. Sally Falk Moore explica-nos 
que “em uma Antropologia dinâmica, o período do estudo etnográfico é 
concebido como um momento em uma história mais longa, independente-
mente do fato de que uma sequência possa ou não ser observada. Os de-
senvolvimentos futuros sempre fazem parte do presente etnográfico”43. 
De um lado, portanto, enfatizar a dimensão tempo significa colocar 
em foco a necessidade de observar o conflito em uma perspectiva históri-
ca, que leve em conta a existência de fatores externos aptos a produzir 
uma mutação no modo de solução da controvérsia. O impacto do colonia-
lismo ou mesmo da filosofia missionária-cristã no direito consuetudinário 
africano44 e o impacto da penetração do Estado em sociedades anterior-
mente carentes de organização centralizada – com tudo o que o dado 
comporta em termos de regras sobre a propriedade da terra e das águas, 
da falência dos liames familiares, da competição entre direito estatal e ou-
tros direitos – estão entre os fatores que não podiam permanecer fora do 
estudo antropológico do direito, mesmo que orientado pelo paradigma da 
controvérsia. 
 
42
 L. Nader, VI Cardozo Lectures in Law, cit., II Lição. 
43
 S. F. Moore, Imperfect Communications, in: Understanding Disputes, cit., 1995, p. 32. 
44
 M. Cannoch, Law, Custom and Social Order: The Colonial Experience in Malawi and Zambia, Cam-
bridge, 1985. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 30 | 
 
Por outro lado, a consideração do fator temporal permite relativizar 
o significado que a solução do conflito parece assumir no imediato45. Um 
exemplo vale por todos. No seu primeiro volume sobre os Lozi da ex-
Rodésia do Norte – atualmente Zâmbia – no qual havia utilizado material 
colhido durante os anos 1940, Max Gluckman descreve com grande ênfa-
se e riqueza de detalhes uma decisão da corte local (“The case of the He-
adman‟s Fishdams”)46, que nos é apresentada como fruto de um delicado 
compromisso entre as partes, em testemunho da capacidade da solução 
judicial africana de restaurar o equilíbrio social e normativo por meios con-
ciliatórios47. Sua volta aos Lozi em 1965 reserva-lhe, no entanto, uma 
amarga surpresa: o aparente feliz compromisso não fora senão uma ilusão 
momentânea, porque as partes não tinham realmente achado a solução 
aceitável, tanto que uma havia matado a outra certo tempo após a decisão 
do tribunal48. 
Exatamente a tomada de consciência do afastamento entre solução 
jurídica de um problema e sua solução social, leva Gulliver a refutar a ex-
pressão “dispute settlement” enquanto sinônimo de repacificação das par-
 
45
 Acerca deste ponto basta indicar, eis que bastante evidentes, os paralelismos com a intenção mani-
festada pela maior parte do movimento realista norte-americano, de “sair das bibliotecas” para seguir a 
controvérsia em seus desdobramentos posteriores relativamente à “solução” jurisdicional. Ver W. Twin-
ing, Karl Llewellyn and the Realist Movement, cit.; G. Tarello, Il realismo giuridico americano, Milão, 
1961; U. Mattei, Stare Decisis, Milão, 1988. 
46
 Em M. Gluckmann, The Judicial Process among the Barotse of Northern Rhodesia, Manchester, 
1955, pp. 178 e ss. 
47
 De modo semelhante daquilo que se viu ocorrer junto aos Tiv estudados por Paul Bohannan, e tam-
bém junto ao Lozi da Zâmbia, a elaboração de um mecanismo decisório de tipo judicial não coincide, 
realmente, com a aceitação de um modelo conflitual de resolução da lide. Isso pelo menos em todas as 
ocasiões em que os vínculos entre as partes sejam complexos, ou seja, quando os contendores man-
tenham relações permanentes: nesta hipótese, explica-nos Gluckman, o objetivo da conciliação torna-
se imprescindível para os juízes Lozi. 
48
 M. Gluckman, The Judicial Process among the Barotse of Northern Rhodesia, Manchester, 1967, p. 
432. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 31 | 
 
tes49. A constatação de que o próprio fato de levantar uma questão instiga 
as partes a pensar e a explicitar as razões do conflito vem acompanhada 
da convicção de que mesmo a forma mais conciliatória entre os modos 
tradicionais de solução de controvérsias possa comportar um comprome-
timento das relações entre os indivíduos ao final50. Abre-se assim o cami-
nho para o estudo de métodos menos explícitos de enfrentar os conflitos. A 
partir da análise das hipóteses nas quais as partes não têm interesse na 
resolução de uma controvérsia, porque podem optar por não ter mais rela-
ções recíprocas (caso de algumas populações nômades)51, passa-se ao 
estudo dos contextos nos quais o litígio explícito não é socialmente aceitá-
vel, como entre os Batistas do Sul dos Estados Unidos da América52, ou 
ainda nos casos nos quais o contraste assumido entre as partes é evitado 
através de um silêncio e aparente desinteresse pela injustiça sofrida, que 
pode conduzir silenciosamente ao ostracismo53. Poder-se-ia falar de for-
mas “mudas” de solução de litígio54. Estamos, de todo modo, distantes do 
paradigma da controvérsia em sua formulação clássica. Tal paradigma, 
ademais, já havia sido vítima dos ataques de grande parcela dos estudio-
sos da antropologia jurídica. 
 
49
 P. Gulliver, Disputes and Negociations, cit., 1979, pp. 78 e ss., p. 169 e p. 184. 
50
 Acerca deste ponto, além de P. Gulliver, Disputes and Negotiations, cit., p. 128, veja-se S. F. Moore, 
Individual Interests, cit., 1977, p. 186 e E. Colson, The Contentiousness, cit., 1995, pp. 69 e ss. 
51
 Entre os pigmeus da África central é comum, em uma fase inicial do desacordo, armar as tendas de 
forma que a abertura de uma não fique voltada para a abertura da outra. Se, posteriormente, nem 
mesmo a intervenção do “bufão”, dirigida a desdramatizar e ridicularizar o conflito, terá eficácia, a solu-
ção final não poderá ser outra senão aquela de procurar um novo grupo ao qual seja possívelassociar-
se. 
52
 C. Greenhouse, Interpreting American Litigiousness, in: History and Power in the Study of Law: New 
Directions in Legal Anthropology, J. Starr e J. F. Collier (orgs.), Ithaca, 1989. 
53
 B. Yngvesson, The Atlantic Fishermen, in: The Disputign Process, Law in Ten Societies, L. Nader e 
H. Todd (orgs.), Nova Iorque, 1978, pp. 59 e ss. 
54
 Aqui a referência que se faz é a Rodolfo Sacco, evidentemente, Il diritto muto cit. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 32 | 
 
3. As críticas ao uso do “case method approach” não tardaram, em 
realidade. Já Malinowski, em um de seus últimos escritos – uma recensão 
do trabalho de Hoebel e Llewellyn sobre os Cheyenne – evidenciara como 
o método casuístico utilizado pelos dois autores padecia de um defeito de 
perspectiva limitada sobre o direito, que dele derivava. Para Malinowski, a 
par dos denominados trouble-cases era necessário estudas os chamados 
trouble-free cases. Um quadro que tivesse dato conta do direito de uma 
sociedade somente no momento de sua violação, e não no momento de 
sua observância, resultaria inevitavelmente incompleto. O reconhecimento 
da dificuldade de descobrir as regras jurídicas voluntariamente observadas 
em uma sociedade sem escrita, sem códigos, sem juristas profissionais, 
não reduzia a exigência de identificar as normas jurídicas que regulavam 
realidades jurídicas acerca das quais a conflitualidade aberta fosse escas-
sa ou inexistente. Entre os Cheyenne este era o caso, por exemplo, do se-
tor relativo à propriedade, cujas regras os autores não conseguiam identifi-
car em função da falta de um número consistente de controvérsias explíci-
tas sobre o tema. O apelo de Malinowski por um estudo do sistema jurídico 
como parte de um sistema mais amplo, compreensivo relativamente aos 
vários mecanismos de controle social, encontrou guarida por parte de 
quem, como Elisabeth Colson, fez uso do chamado método casuístico am-
pliado. O estudo etnográfico do direito não mais ficara confinado à análise 
dos meios institucionais de resolução de conflitos. Se o direito não deveria 
ser estudado de maneira isolada relativamente aos demais sistemas de 
controle55, é sobretudo na estrutura social e cultural que se deveria buscar 
 
55
 “O estudo etnográfico do direito não é simplesmente um estudo das instituições jurídicas, e os siste-
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 33 | 
 
as dinâmicas relativas à observância voluntária das normas. A importância 
de que, sob tal perspectiva, revestem-se as relações de troca recíproca e 
os liames de lealdade estabelecidos na sociedade dos planaltos de Tonga, 
estudada por Colson, evidencia as razões da conformidade voluntária para 
com as normas por parte dos membros daquela comunidade. A observân-
cia voluntária das normas e das formas de solução do conflito que poderí-
amos chamar de “mudas” – não-institucionais, implícitas – são categorias 
bastante próximas. Além das hipóteses nas quais o conflito não assume 
forma explícita e não chega às sedes institucionais em virtude da operação 
de fatores sócio-culturais como aqueles indicados – que levam as partes a 
arrefecer logo ao nascer da possível controvérsia –, o método casuístico 
alargado permite aos antropólogos do direito identificar outros sistemas 
não-institucionais de resolução de conflitos. Aos estudos sobre a tratativa, 
a mediação, a arbitragem, a decisão jurisdicional, se seguem, então, aque-
les sobre os mecanismos de ridicularização das partes, do uso de sistemas 
de arrefecimento do conflito, da ênfase sobre o sentimento de vergonha, 
que propiciam a obtenção de uma solução não-verbalizada da controvér-
sia. A ampliação do espectro dos modos de solução de conflito traz consi-
go um interesse pela identificação das estratégias subjacentes à escolha 
entre os mesmos por parte dos protagonistas do litígio. Uma vez mais são 
os fatores sócio-culturais que atraem a atenção dos antropólogos do direi-
to. 
 
mas jurídicos constituem apenas uma parte de sistemas mais amplos”, afirma L. Nader, verbete Antro-
pologia giuridica cit., p. 136. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 34 | 
 
No rastro das indicações fornecidas por Max Gluckman56 descobre-
se como em uma situação de relações recíprocas complexas – i.e., na qual 
os litigantes tenham fortes interesses comuns (econômicos, familiares, cul-
turais, etc.) – as partes recorram com maior facilidade a uma solução ne-
gociada da controvérsia. A necessidade de manter sãos os vínculos recí-
procos e o desejo de prosseguir, no futuro, com a própria relação, os esti-
mulará a buscar uma solução de tipo conciliatório57. Se, contrariamente, os 
vínculos entre as partes são menos significativos, os litigantes recorrerão 
mais facilmente a sistemas mais conflituais de solução da controvérsia, tais 
quais a arbitragem ou o recurso à jurisdição de um órgão público, mos-
trando-se dispostos a aceitar uma decisão voltada a dar razão, de maneira 
drástica, a um ou a outro58. O desenvolvimento de uma teoria relacional 
dos mecanismos de solução dos litígios – baseada na observação de que 
o tipo de relação entre as partes condiciona o tipo de procedimento adota-
do concretamente – será acompanhado dos estudos de quem não se satis-
faz com a explicação da queda em um ou outro método de solução de con-
trovérsias em termos puramente objetivos. Laura Nader, Harry Todd59, 
June Starr, Barbara Yngvesson60, entre outros, chamam a atenção para os 
protagonistas da contenda, sobre os “titulares do direito”, para dar uma 
resposta mais complexa ao fenômeno. Starr e Yngvesson esclarecem co-
mo além do tipo de relação entre as partes – simples ou complexa –, o ob-
 
56
 M. Gluckman, The Judicial Process, cit., 1955, passim 
57
 Parecem evidentes os nexos com a distinção, muito difundida na Análise Econômica do Direito e na 
Teoria dos Jogos, entre relações “one shot” e relações continuadas. Ver, para uma introdução básica, 
R. Cooter, T. Ulen, Law and Economics, Glenview, 2 ed., 1996. 
58
 Por todos, veja-se L. Nader, verbete Antropologia giuridica, cit., p. 137. 
59
 Nader-Todd (orgs.), The Disputing Process, Law in Tem Societies, Nova Iorque, 1979. 
60
 Starr-Yngvesson, Scarsity and Disputing: Zeroing in on Compromise Decisions, in: American Ethnol-
ogist, 3, (II), 1975, pp. 553 e ss. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 35 | 
 
jeto da disputa pode ser determinante na escolha do modo de solução do 
litígio. Assim, se a controvérsia envolve valores particularmente cruciais – 
como a propriedade de um bem imóvel, o acesso ao poder, o prestígio no 
interior do grupo – as partes poderão ser levadas a preferir a solução de ti-
po conflitual à de tipo conciliatório para garantir para si o sucesso na dispu-
ta, ainda que isso implique a ruptura em suas relações sociais. A chave de 
leitura proposta por Nader, por sua vez, baseia-se principalmente sobre as 
relações de poder entre os contendores, que fazem suas escolhas em fun-
ção das relações de força recíprocas61. Na nova perspectiva, a ênfase é 
colocada realmente sobre as partes como protagonistas ativas na constru-
ção do sistema jurídico. Fala-se, portanto, de “actor oriented approach”. 
Ainda nos anos setenta, todavia, ao lado daquelesque souberam 
desenvolver a orientação de raio amplo de Malinowski, permaneciam – en-
tre os antropólogos do direito – aqueles que continuavam a se declarar fi-
éis ao método casuístico puro. A tensão entre os primeiros e os segundos, 
grosseiramente referidos uns a Malinowski e outros a Max Gluckman e a 
Paul Bohannan (por terem os últimos utilizado o case-method approach no 
estudo dos casos solucionados pelos tribunais dos Lozi e dos Tiv), explode 
no ano de 1977, durante o congresso da associação dos antropólogos 
americanos acerca do significativo tema “Rules v. Power”. Alguns anos 
mais tarde os tons do debate foram amenizados e o trabalho de John Co-
maroff e Simon Roberts, Rules and Processes62, é testemunho do reencon-
 
61
 L. Nader, Harmony and Ideology: Justice and Control in a Mountain Zapotec Village, Stanford, 1990; 
Id., Civilization and its Negotiations, in: Understanding Disputes, cit., 1995, pp. 39 e ss. 
62
 Publicado em Chicago em 1981. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 36 | 
 
tro do equilíbrio entre as orientações que anteriormente se debateram. 
Atualmente é possível para S. F. Moore afirmar que “atualmente, o velho 
tema norms vc. power tem escasso significado e não oferece qualquer 
resposta. Adquire cada vez mais a imagem de falsa oposição sempre exis-
tente. É evidente, de fato, que power e norms podem estar em jogo atual-
mente”63. A sábia constatação da famosa antropóloga de Harvard, no en-
tanto, não deve nos fazer perder de vista a importância que teve a passa-
gem de um estudo do direito como sistema em si para um estudo do direito 
como sistema indissoluvelmente vinculado a outros mecanismos de contro-
le social, para a colocação da Antropologia jurídica entre as metodologias 
de análise do direito capazes de superar o rígido positivismo ainda domi-
nante. 
4. “A marginalização do direito como objeto de estudo”64, operada 
pelo antropólogo-jurista através da ampliação da perspectiva de observa-
ção realmente permitiu à antropologia do direito que oferecesse respostas 
às questões colocadas pelo realismo jurídico. 
Uma rápida olhadela voltada ao passado faz-se necessária. 
O iluminismo, com seu anelo em direção da racionalidade do siste-
ma e sua ênfase sobre o valor da certeza jurídica como se sabe havia 
conduzido à identificação do direito com sua fonte. Naquela ótica, o direito 
apresentava-se como inteiramente verbalizado e, para o jurista europeu-
 
63
 Neste sentido S. F. Moore, Imperfect Communications, in: Understanding Disputes, cit., p. 30. 
64
 Trata-se de uma expressão empregada pela conhecida antropóloga do direito de Berkeley, Laura 
Nader, durante o evento VI Cardozo Lectures in Law, cit. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 37 | 
 
continental, completamente contido nos códigos e na lei. A crença na com-
pleta verbalização do direito e a convicção de que as normas escritas e 
aplicadas coincidissem se harmonizavam bem com a exigência de que o 
direito fosse certo. Mas na França François Gény já deveria destruir aber-
tamente a ilusão iluminista. O juiz, explica-nos ele, não é a mera “boca da 
lei”65. 
O mundo do common law, de sua parte, já tinha tido que acertar 
suas contas com os vários Bentham e Austin, os quais, erguendo o véu 
ficcional da teoria declarativa66, tinham contribuído no sentido de instigar 
os tribunais ingleses a vincular-se rigidamente aos próprios precedentes 
para assegurar a certeza do direito, que eles, diversamente, não estavam 
mais formalmente em condições de garantir. 
Ao realismo jurídico sueco e norte-americano caberia dar o golpe 
de misericórdia na convicção de que norma enunciada e norma aplicada 
coincidissem. Os realistas nos ensinam que existem dinâmicas ocultas, 
não raro arbitrárias – além de não verbalizadas – que presidem a vida jurí-
dica. A decisão concreta, nos dizem eles, mesmo que formalmente reivin-
dique sua origem nos princípios estabelecidos pelo legislador ou na regra 
enunciada por este ou por aquele precedente jurisprudencial oculta uma 
escolha que encontra sua verdadeira fonte alhures. Donde a dissociação 
 
65
 A redução de todo o direito ao texto como estratégia de legitimação do jurista romanista é enfatizada 
atualmente por Antonio Gambaro, in: A. Gambaro, R. Sacco, Sistemi giuridici comparati, Turim, 1996, 
pp. 240 e ss. Veja-se, ainda, P. G. Monateri, Il modello di civil law, in: A. Procida Mirabelli di Lauro 
(org.), Sistemi giuridici comparati, Turim, 1996. 
66
 De acordo com a qual os magistrados, ao declararem a norma jurídica aplicável ao caso que lhes é 
submetido nada mais fariam senão trazer à luz aquele conjunto de imutáveis em vigor desde sempre 
que constituem o common law. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 38 | 
 
entre law in action e law in the books, e donde, ainda, os problemas de le-
gitimação do juiz ocidental em efetuar escolhas em nome e por conta da 
coletividade. 
Os caminhos percorridos pelo vários movimentos pós-realistas nor-
te-americanos tiveram todos como última parada a busca de uma resposta 
às questões de fundo postas pelo realismo. Se os Critical Legal Studies 
assumem, relativamente ao tema, uma posição cética e pós-moderna, in-
capaz de restituir legitimação às escolhas do juiz ocidental67, caminhos 
mais construtivos foram percorridos por outros filões da cultura americana. 
Assim a análise econômica do direito coloca-se em busca da coerência, 
vindo a encontrá-la na eficiência econômica das normas que regem o direi-
to68; os mecanismos institucionais e seu desenvolvimento possibilitam à 
escola do Legal Process de Harvard o encontro de uma legitimação do sis-
tema jurídico em sua estrutura69; o papel desempenhado pela tradição ao 
guiar e organizar as escolhas do juiz é, ao final, reivindicado por mais de 
uma corrente de pensamento70. 
A passagem de um estudo antropológico do direito centrado no pa-
radigma da controvérsia para a análise atenta às dinâmicas externas ao 
 
67
 Ver G. Marini, Ipotesi sul metodo nel diritto privato. Piccola guida alla scoperta di altri itinerari, in: Riv. 
Crit. Dir. Priv., 1990, p. 343. 
68
 Ver R. Pardolesi, verbete Analisi economica del diritto, in: “Digesto”, 4. ed., Discipline privatistiche, 
Turim, 1995. 
69
 W. Eskridge, P. Frickey, The Making of Legal Process, 107 Harvard L. R., 2031, 1994. Sobre o tema, 
remete-se ainda a P. G. Monateri, Pensare il diritto civile, Turim, 1995. 
70
 Refiro-me, aqui, entre outros, a K. Llewellyn, autor de The Common Law Tradition, Deciding Appeals, 
Boston, 1960; a G. Fletcher, Introduzione elementare alla scienza giuridica, in: Il Cardozo Lectures in 
Law, P. G. Monateri e U. Mattei (orgs.), Pádua, 1991; Id., Basic Concepts of Legal Theory, Oxford, 
1996; e A. Barak, La discrezionalità del giudice, in: Giuristi stranieri di oggi, C. Mazzoni e V. Varanno 
(orgs.), com apresentação de A. Gambaro, Milão, 1996. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 39 | 
 
conflito institucionalizado permite ainda à Antropologia jurídica inserir-se 
entre os movimentos culturais que buscam oferecer uma resposta constru-
tiva às questões postas pelo realismo jurídico. 
A prova que com The Cheyenne Way Hoebel e Llewellyn fornece-
ram sobre a existência de uma law in action confirma-se com a teoria de 
que a vida dodireito é uma variável independente de sua verbalização, 
mas não oferecia ainda explicação alguma sobre as dinâmicas subjacentes 
à law in action em si. Somente a Antropologia posterior buscará resolver 
problemáticas do gênero. 
O antropólogo do direito pode contar, para a execução de tal tarefa, 
com a facilidade decorrente do fato de que suas pesquisas o colocam em 
contato com sociedades nas quais dificilmente ocorreu o divórcio, comum 
no mundo jurídico ocidental, entre direito e tradição71. A ausência, nesses 
contextos, de uma linha de demarcação nítida entre norma jurídica e nor-
ma social, entre norma jurídica e norma religiosa, entre juiz e chefe tradici-
onal, assim como a ausência de um jurista profissional que tenha imper-
meabilizado formalmente o direito relativamente aos demais mecanismos 
de controle social, tornam mais fácil a identificação daqueles fatores sócio-
culturais que contribuem para com a determinação das dinâmicas e das 
escolhas jurídicas também no mundo ocidental, mas que entre nós operam 
de maneira extremamente criptotípica (oculta). Donde o grande interesse 
 
71
 Sobre o tema, veja-se A. Gambaro, Il successo del giurista, in: Foro it., 1983, V, pp. 85 e ss.; H. Ber-
mann, Law and Revolution, The Formation of Western Legal Tradition, Cambridge, Mass., 1983, pas-
sim; U. Mattei, Verso una tripartizione non eurocentrica dei sistemi giuridici, in: Studi in memoria di Gino 
Gorla, Milão, 1994, vol. I, p. 775. Ver, ainda, A. Gambaro, R. Sacco, Sistemi giuridici comparati, Turim, 
1996, pp. 41 e ss. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 40 | 
 
teórico de uma “análise antropológica do direito” que reivindique, ao lado 
dos demais movimentos “law and ...” um papel como metodologia idônea 
de ser aplicada a todo o campo. 
 
5. a) Os antropólogos do direito do Século XX desenvolveram suas 
investigações junto aos sistemas ditos tradicionais, os quais, no entanto, 
em contato estreito com a crescente globalização, continuam desapare-
cendo gradualmente. 
O grande desafio dos jusantropólogos do Século XXI consiste, por-
tanto, em identificar o rumo futuro de sua disciplina. 
Da micro-antropologia deve-se passar à macro-antropologia, asse-
veram os estudiosos da matéria, pretendendo com isso colocar em primei-
ro plano a exigência de abandonar o estudo exclusivo das sociedades 
“primitivas” para passar a um estudo antropológico do direito de alcance 
pleno. A questão que então se coloca é: qual o papel que pode ser de-
sempenhado pela Antropologia na análise da western legal tradition? 
Certamente aos estudos antropológicos do direito referiu-se e con-
tinua a referir-se mais de um movimento de reforma nos países ocidentais. 
A reavaliação do material antropológico com finalidades de reforma 
do direito por parte de juristas não-antropólogos esteve à base, por exem-
plo, da introdução do sistema da Alternative Dispute Resolution nos Esta-
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 41 | 
 
dos Unidos da América. Aplicado às mais variadas situações conflituais – 
de problemas de vizinhança às questões relativas à tutela dos consumido-
res ou ainda à tutela ambiental, bem como nas relações intra-societárias – 
o instrumento da ADR teve como insuspeito inspirador Philip Gulliver e seu 
estudo sobre a negociação, como explica Nader72. Os anos 1970 e 1980 
assistem surgir na América um amplo movimento direcionado à pacificação 
e à substituição dos métodos conflituais de resolução das controvérsias 
por métodos de feição mais conciliatória. O desejo de encontrar uma solu-
ção para o problema da ineficiência e insuficiência do sistema jurisdicional 
leva o então Chief Justice da Suprema Corte Federal Warren Burger a de-
clarar: “Os nossos predecessores distantes abandonaram lentamento o tri-
al by battle e os demais métodos bárbaros de resolução dos conflitos; tam-
bém nós devemos abandonar a confiança plena no instrumento conflituoso 
para resolver todo tipo de controvérsia”73. A privatização da justiça – por 
meio da mediação, da arbitragem ou da conciliação – constitui a forma de 
diminuir a pressão sobre as cortes e, obviamente, os estudos antropológi-
cos que haviam indicado de que forma a harmonia poderia ser restabeleci-
da entre as partes, também mediante o compromisso e não apenas atra-
vés do recurso à jurisdição e à execução forçada das decisões, oferecem 
argumentos convincentes para os defensores da filosofia da ADRNT. 
 
72
 Ver L. Nader, VI Cardozo Lectures in Law, cit., II lição. 
73
 Neste sentido, W. Burger, Annual Message of the Administration of Justice, Warren E. Burger, Chief 
Justice of the United States, no congresso da American Bar Association, 12 de fevereiro, 1984. 
NT
 ADR, sigla do Alternative Dispute Resolution (Solução Alternativa de Controvérsias), movimento em 
prol da adoção de meios alternativos de solução de litígios. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 42 | 
 
A Antropologia jurídica representa uma boa fonte de soluções tam-
bém em outras ocasiões nas quais o direito oficial ocidental se mostra em 
crise. Assim, por exemplo, na Austrália os estudos etnográficos sobre o di-
reito tradicional são levados em conta por quem propõe, e consegue, en-
tregar os aborígenes, declarados pela cortes estatais culpados de fatos 
criminosos específicos, às tribos de pertença, a fim que de nela lhes seja 
aplicada a sanção tradicional74. 
O recurso aos estudos antropológicos do direito mostra-se útil, ain-
da, nas hipóteses nas quais o Estado promove um “desjurisdicização” de 
fatos criminosos, favorecendo a mediação entre autor e vítima do crime, de 
modo que o ressarcimento voluntário do dano substituam, mesmo que in-
formalmente, a sanção penal. A transação penal, como forma de concilia-
ção substitutiva da ação judicial, começa a desenvolver-se no Canadá, nos 
Estados Unidos e na Inglaterra já nos anos 1970. Mais recentemente re-
corre-se a ela para evitar a ação penal, ou ainda para evitar a aplicação da 
pena, em França, na Finlândia, na Holanda, na Bélgica, na Áustria e mes-
mo na Alemanha, embora neste último sistema o exercício da ação penal 
revele-se obrigatório. Por vezes a possibilidade de uma transação penal é 
oficialmente limitada à hipótese em que o autor do delito seja menor75. 
 
74
 E. Venbrux, R. Silverman, M. Nielsen (orgs.), Aboriginal Peoples and Canadian Criminal Justice, To-
ronto e Vancouver, 1992, in: Commission of Folk Law and Legal Pluralism, Newsletter XXVI, novembro 
de 1995, pp. 45 e ss. 
75
 Sobre tais temas remete-se a J. Pradel, Droit pénal comparé, Paris, 1995, pp. 147 e ss. e bibliografia 
ali citada. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 43 | 
 
Os estudos de todos aqueles que, na esteira de Émile Durkheim76, 
teorizaram a evolução de uma lógica punitiva para uma lógica compensa-
tória, em proporção direta com o crescimento em termos de “civilização” de 
determinada sociedade, parecem conferir uma legitimação culturalmente 
prestigiosa àquelas políticas do direito que objetivam transformar a sanção 
penal em sanção civil através de mecanismos “mediadores” lato sensu, 
como os indicados77. Donde opera-se a devolução de novos espaços para 
a análise antropológica, espaços que no entanto parecem mais abertos no 
plano da política do direito do que no cognoscitivo. 
Sem aqui indagar além acerca de fenômenosque nos levariam lon-
ge com toda certeza, aquilo que é premente evidenciar como o direito esta-
tal dos países ocidentais recorre à Antropologia em função da solução de 
problemas contingentes, de crescimento excessivo, poder-se-ia dizer, para 
os quais qualquer proposta criativa poderia parecer aceitável. Nada obs-
tante, e ainda no plano da política do direito, os riscos culturais dessas 
operações não podem ficar ocultos. A institucionalização de processos de 
origem tradicional e espontânea não poderá senão subverter a estrutura de 
maneira irremediável. 
A experiência da redução a escrito dos costumes africanos no perí-
odo colonial deveria ter ensinado uma lição difícil de esquecer. 
 
76
 E. Durkheim, De la division du travail social, Paris, 1893. 
77
 A esta temática, à qual estarei dedicando aprofundamentos futuramente, fiz menção em: Ai confini 
della responsabilità. Prime riflessioni per un programma di ricerca in diritto comparato, in: Rass. Dir. 
Civ., 1995, pp. 857 e ss. 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 44 | 
 
b) Se, portanto, o futuro da Antropologia jurídica não parece residir 
em uma utilização “domesticada” dos mecanismos tradicionais de controle 
social, tampouco se crê que a estrada para o futuro dos estudos antropo-
lógicos possa ser vislumbrada como a melhor compreensão que através 
dos mesmos se possa obter acerca dos problemas de convívio entre tradi-
ções jurídicas diversas. Não parece competir à Antropologia jurídica encar-
regar-se de descobrir se e de que maneira o direito estatal de determinado 
país deva resolver questões relativas ao reconhecimento do instituto da 
poligamia quando praticada por um muçulmano residente em um país eu-
ropeu, ou ainda se e de que modo o direito oficial francês ou belga deva tu-
telar a imigrante africana repudiada, ou mesmo de que forma tal direito de-
va gerir as lides oriundas dos ritos de vodu praticados pelo vizinho. 
Certamente um conhecimento do direito e da cultura das tradições 
diferentes da western legal tradition é útil para enfrentar temas que fre-
quentemente colocam-se com maior propriedade no plano do direito inter-
nacional. Todavia reduzir o estudo jusantropológico ao campos de proble-
mas análogos limita-o muito fortemente em suas potencialidades. 
Pela mesma razão, igualmente reducionista nos parece o objetivo 
de quem identifica as possibilidades de sobrevivência da disciplina aqui 
discutida78 na existência de “blocos culturais em condições de expressar 
diferentes estilos normativos”79. 
 
78
 É este o ponto de vista de Riccardo Motta, o qual, na ótica de uma macrocomparação de modelos ju-
rídico-culturais, questiona-se se também o estilo jurídico navajo poderia ser validamente comparado 
com os três blocos culturais analisados por Clifford Geertz (veja a nota seguinte), concluindo com a ob-
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 45 | 
 
Não há necessidade, em essência, de uma competição ou intera-
ção entre tradições jurídicas diferentes, particularmente entre as ocidentais 
e as demais, para justificar a utilidade dos estudos antropológicos do direi-
to. Mesmo se a western legal tradition acabasse por operar uma ocidenta-
lização global do direito – de modo que, por exemplo, hipoteticamente, o 
Navajo common law, com suas cortes, não se distinguisse mais do com-
mon law do Estado do Arizona, de Utah e assim por diante, ou ainda os ín-
dios Iroqueses Mohawk aceitassem a total homogeneização com os que-
bequenses ou com os canadenses, ou ainda os ciganos tivessem de 
abandonar suas tradições jurídico-culturais – a Antropologia jurídica man-
teria ainda plena legitimação científica. 
E isso por dos motivos. 
 
servação de que “trata-se da comparação entre blocos exóticos, como os geertzianos, ou do confronto 
entre estilos jurídicos ocidentais e Mixed Native Jurisprudence, como no caso do Hozho e dos Navajos 
(o contraste entre a harmonia tradicional e o „jogo de soma zero‟ do direito norte-americano moderno) e 
sua classificiação provisória em algum lugar da Southwestern Jurisprudence, compreensiva das ex-
pressões jurídicas e doutrinárias de Arizona, Utah, Novo México e Colorado, bem como as federais, ou 
ainda o jogo de encaixes e tolerâncias das relações entre os Mohawk, ou mesmo entre seus represen-
tantes de Quebec e do Canadá, as linhas incertas das fronteiras interculturais, acompanhadas das dife-
renças muito mais nítidas de seus núcleos ético-jurídicos indicam um caminho (provavelmente não tão 
nova) certamente eficaz para estudos comparativos sobre diferentes culturas jurídicas e sobre suas 
bases étnico-culturais, explícitas e implícitas. Enquanto existirem blocos culturais capazes de expressar 
diferentes estilos normativos, subsistirão as razões para as pesquisas sobre cultural boundary zones, 
que gradualmente substituem-se no âmbito das pesquisas antropológicas aos territórios etnográficos 
clássicos. Vale dizer, subsistirão razões também para sustentar que existe um potencial científico e di-
dático que os estudos antropológicos e comparativos do direito ainda podem desenvolver.” R. Motta, 
Intorno ai concetti giuridici e antropologici, Occidente e altri “blocchi culturali” a confronto, in: Materiali 
per la storia della cultura giuridica, pp. 417 e ss., especialmente pp. 436 e ss. 
79
 Faz referência à noção de “blocos culturais”, entre outros, Clifford Geertz, em um conhecido ensaio 
intitulado Local Knowledge, Fact and Law in Comparative Perspective, in Id., Local Knowledge, Further 
Essays in Interpretative Anthropolgy, Nova Iorque, 1983, no qual o autor compara três “blocos culturais” 
correspondentes ao estilo judiciário no mundo de cultura islâmica (o Haqq), no mundo de cultura india-
na (o Dharma), bem como no mundo de cultura maltesa (o Adat). 
Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa – v. 1 – n. 1. jan./jun. 2011 | 46 | 
 
Antes de mais nada, como nos ensina Laura Nader, a Antropologia 
jurídica nas sociedades complexas pode ser utilizada na perspectiva de um 
“studying up”. “O que aconteceria se, na reinvenção da Antropologia, os 
antropólogos estudassem os colonizadores em lugar dos colonizados, a 
cultura do poder em vez daquela dos que não têm poder, a cultura dos ri-
cos em lugar da dos pobres?”80. O método etnográfico, explica-nos a fa-
mosa antropóloga do direito de Berkeley, pode ser aplicado de maneira útil 
para a compreensão das dinâmicas subjacentes ao direito ocidental. “Es-
tamos nos especializando para compreender culturas inteiras em um con-
texto intercultural. Deveremos então nos encontrar perfeitamente à vonta-
de na tarefa de descrever e estudar as law firms como sociedades secre-
tas, de tentar analisar os liames de poder ao descrever aqueles comporta-
mentos consuetudinários que são absolutamente indispensáveis para 
compreender, por exemplo, os mecanismos existentes por trás do funcio-
namento do Congresso... O antropólogo deveria, mais do que qualquer ou-
tro, em função de sua própria compreensão do princípio da reciprocidade, 
estar em condições de analisar a razão pela qual as decisões dos Federal 
Communication Commissioners poderiam ser „racionais‟”81, afirma Nader, 
que prossegue indicando exemplificativamente os diversos âmbitos de 
aplicação de um studying up: as instituições jurídicas ocidentais, sua buro-
cracia, as public agencies e seu funcionamento. A perspectiva do antropó-
logo, que

Outros materiais