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. Alethes Diagramação: Arthur Barretto de Almeida Costa Capa: Edição e montagem de Arthur Barretto de Almeida Costa sobre Giorgio de Chirico. The Red Tower (1913), Peggy Guggenheim Collection Divisórias: Montagens de Arthur Barretto de Almeida Costa sobre Kjell Nupen.Sono interminável. Litografia. 59 x 42 cm . _____________________________________________ Alethes: Periódico científico dos graduandos em Direito Da UFJF. Vol. 06, N. 11. (Mai. a Ago. de 2016) Juiz de Fora: DABC, 2015. Semestral. 1. Direito – Periódicos ISSN 2177-4633 _____________________________________________ As opiniões expressas são de inteira responsabilidade de seus autores Esta publicação conta com o apoio do Diretório Acadêmico Benjamin Colucci, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. A dimensão jurídica não pode ser pensada como um mundo de formas puras, ou de simples mandatos separados da realidade social. Paolo Grossi, Mitologias Jurídicas da Modernidade, p. 26 Conselho EditorialConselho EditorialConselho EditorialConselho Editorial Editor Chefe Acadêmico João Vítor de Freitas Moreira (UFJF) Acadêmico Marcos Felipe Lopes de Almeida (UFJF) Editores Adjuntos Acadêmica Anna Flávia Aguilar (UFJF) Acadêmico Arthur Barretto de Almeida Costa (UFMG) Acadêmico Aurélio Mendes (UFU) Acadêmico Bruno Silva (UFPB) Acadêmica Elora Raad Fernandes (UFJF) Acadêmico Igor Ladeira dos Santos (UFJF) Acadêmica Lorrayne Assis (UFJF) Acadêmico Rafael Carrano Lelis (UFJF) Acadêmica Giovana Figueiredo Peluso Lopes (UFJF) Acadêmica Maria Fernanda Campos Goretti de Carvalho (UFJF) Conselheiros Dr. Alexandre Travessoni Gomes (UFMG) Drª Alice Rocha da Silva (UniCEUB). Dr. Andityas Soares de Moura Costa Matos (UFMG) Dr. Antônio Márcio da Cunha Guimarães (PUC-SP) Dr. Aziz Tuffi Saliba (UFMG) Ms. Brahwlio Soares de Moura Ribeiro Mendes (UFJF) Dr. Bruno Amaro Lacerda (UFJF) Doutorando Bruno Stigert de Sousa (UFJF e UNESA) Drª Clarissa Diniz Guedes (UFJF) Drª Cláudia Maria Toledo da Silveira (UFJF) Doutorando Daniel Giotti (UFJF) Drª. Daniela de Freitas Marques (UFMG) Dr. Denis Franco Silva (UFJF) Drª. Elizabete Rosa de Mello (UFJF) Doutorando Geraldo Adriano Emery Pereira (UFV) Drª. Eliana Conceição Perini (UFJF) Drª. Éllen Rodrigues (UFJF) Dr Everkley Magno Freire Tavares (UnP) Drª. Fernanda Maria da Costa Vieira (UFJF) Dr. Fernando Ramalho Ney Montenegro Bentes (UFRRJ) Mestranda Juliana Martins de Sá Muller (UERJ) Me Kalline Carvalho Gonçalves (UFJF) Drª Kelly Cristine Baião Sampaio (UFJF) Dr. Leandro Martins Zanitelli (UFMG) Dr. Leonardo Alves Corrêa (UFJF) Me Luiz Carlos Silva Faria Junior (UFJF) Dr. Marcus Eduardo de Carvalho Dantas (UFJF) Dr Moacir Henrique Júnior (Faculdade Politécnica de Uberlândia) Doutoranda Nathane Fernandes da Silva (UFJF-GV) Dr. Noel Struchiner (PUC-RIO) Mestre Paola Angelucci Drª Raquel Bellini de Oliveira Salles (UFJF) Ms. Renato Chaves Ferreira (UFJF) Dr. Ricardo Sontag (UFMG) Dr. Sérgio Marcos Carvalho de Ávila Negri (UFJF) Drª Silvana Henkes (UFU) Dr. Tiago Vinícius Zanela (CEDIN) Dr. Thiago Paluma (UFU) Mestrando Vitor Schettino Tresse (UERJ) Drª Waleska Marcy Rosa (UFJF) SumárioSumárioSumárioSumário Conselho Editorial | Editorial Board | 201 Sumário | Summary | 203 Editorial | Editorial | 208 Ensaio | Essay Escola sem partido: o ornitorrinco pedagógico | 212 Rafael Carrno Lelis Lorrayne Assis Artigos | Articles A teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa: um diálogo e crítica no sistema penal | The Nils Christie’s theory and Restorative Justice: a dialogue and critics in the criminal justice system. | 220 Giovana Aiello Soares da Costa Anatomia do presidencialismo de coalizão: uma perspectiva histórico-econômica financiada pelo processo orçamentário federal | Anatomy of coalition presidentialism: an economic and historic perspective maintained by federal budget process | 240 Marco Aurélio Souza Mendes Entre o Fato e o Discurso: o Método APAC e sua Efetividade no Cenário Brasileiro | Between the fact and the discourse: the APAC method and its effectiveness in the Brazilian scenario | 268 Raul Salvador Blasi Veyl O Estado Islâmico (EI, ISIS, ISIL, Daesh, IS) é um Estado?| Is The Islamic State (EI, ISIS, ISIL, DAESH, IS) a State? | 285 Bruno Henrique de Moura Estudo da aplicação simétrica dos institutos da Hipótese de Incidência e do Fato Gerador no ordenamento jurídico brasileiro | Study of symmetrical application of institutes Incidence Hypothesis and Fact Generator in Brazilian law | 303 Igor Dias da Silva Valber Elias Silva A propriedade e a formação da sociedade civil no jusnaturalismo de Grotius e Locke | The property and the formation of civil society in Grotius’ and Locke’s natural law | 321 André Aarão Rocha Produção do conhecimento a partir da Hermenêutica Jurídica | Production of knowledge form Legal Hermeneutics | 347 Giovane Morais Porto A dissolução parcial da sociedade à luz do novo CPC: uma visão crítica da legislação | Partial dissolution of limited liability partnership: a critic visiono f the legislation | 365 Isabela Salomon Reis Descumprimento do interesse público pelo Estado: uma análise crítica do caso de Pinheirinho | Violation of the public interest by the state: a critical analyse of the Pinheirinho case | 389 Maria Souza Marilene Petruci dos Reis Alves Pimenta Rayann Kettuly Massahud de Carvalho O controle de imigração e o direito à educação das crianças migrantes irregulares | Immigration control and the right to education to irregular migrant children | 407 Maria Souza O suporte fático de normas de direitos fundamentais | The factual support of norms of fundamental rights | 429 Priscila Carvalho de Andrade Entrevista | Interview | 449 Entrevista com a Profª Drª Bonita Meyersfeld | Interview with Bonita Meyersfeld Poemas | Poems Alforria-me! | Matheus P. Gomes Pedaço de Poesia | Matheus P. Gomes No Fundo da Mente | Eduardo Gonçalves Monteiro Riacho | Rafael Pinter Vários Poemas | José Renato Venâncio Resende Pudera Eu! | Augusto Silva Ávila SAMSARA | Igor Ladeira dos Santos Normas de Publicação | Publication Norms | 467 Editorial Alethes | 208 Editorial Alethes | 209 Editorial Alethes | 210 Editorial Editorial Editorial Editorial É com tamanha satisfação que essa 11ª edição do Periódico Alethes inaugura novos tempos. Isso, pois, diante das transformações que estamos sujeitos, chegou a hora de encerrarmos um ciclo que se mostrou em demasia virtuoso.Com essa edição, João Vitor Moreira e Marcos Felipe se despedem da editoração-geral da Revista e intentam novos rumos, deixando espaço para que novas pessoas e ideias possam surgir e aprimorar esse projeto que há tempos surgiu como potência e hoje tem se transformado em ato. Aos moldes da epígrafe que nos guia desde o edital, o mundo jurídico não deve estar em separado da realidade social, e é justamente nessa tentativa que lutamos naimplementação de nossas ideias, considerando que as verdades ou as formas jurídicas estão inseridas no contingente de nossas vidas, sabendo que as relações, todas elas, são, por excelência, distintas. Hoje, podemos dizer que uma das poucas certezas que temos é que somente na práxis que se pode promover a transformação dessas normativas estruturantes, desinstitucionalizando a cultura meritocrática da academia. E aqui a Alethes se mostrou vanguardista. Foram mais de 100 artigos publicados e um respeito conquistado por diversos atores do cenário acadêmico, nos permitindo dizer que sim, esse projeto deu certo. E, ainda, dissemos mais: a força de um grupo que acredita em um determinado objetivo consegue promover grandes realizações, porque nos envolve de tal maneira que a necessidade de trabalhar se torna sentimento de prazer. Com esse tom de despedida, deve-se agradecer nominalmente aos editores e àseditoras Anna Flávia, Maria Fernanda, Giovana Lopes, Arthur Barreto, Igor Ladeira, Elora Fernandes, Marco Aurélio, Bruno Barbosa, Lorrayne Assis e Rafael Lelis. Todos e todas foram extremamente importantes na construção dessa Revista, pois com as diversas ideias e iniciativas foi possível sempre prosperar. É como no poema de Augusto Ávila que abaixo segue, foi possível nos conectar e nos reconhecer. Nessa edição, contamos com um total de 11 artigos, advindos das seguintes instituições: UFJF, UFMG, UnB, Mackenzie, UFLA, UFU e UNIVEM. Importa destacar a contemporaneidade dos artigos publicados, que apresentam assuntos de grande relevância na conjuntura atual. Nesse sentido, pode-se citar o artigo intitulado “Dissolução parcial de sociedade no novo CPC: uma visão crítica da legislação” que contribui para a discussão do Novo CPC, cuja vigência começou no início desse ano. É preciso mencionar também o artigo “Anatomia do presidencialismo de coalisão: uma perspectiva histórico-econômica financiada Editorial Alethes | 211 pelo processo orçamentário federal”, que trata de questões trazidas à tona pelo processo de impeachment da Presidente da República do Brasil. Soma-se aos textos científicos um ensaio, que nessa edição também se mostra muito atual, dada a sua proposta de expor a falácia do movimento “Escola sem partido”, que tem tido grande repercussão nas Casas Legislativas de todos os níveis da federação. Além disso, essa edição resolveu inovar um pouco mais e abrir espaço para que aqueles poetas e poetisas escondidos nos muros das normas pudessem se expressar. Por isso, a seção de poemas é de extrema importância para compreendermos que a Alethes intenta empoderar o aluno e a aluna funcionando como um veículo comunicativo, mas também como um espaço prazeroso e de constante aprendizado. Por fim, esperamos que façam uma boa leitura e deixamos os nossos agradecimentos pela oportunidade do Periódico Alethes e nos despedimos com Carlos Drumond de Andrade: “Amar o perdido, deixa confundido, este coração. Nada pode o olvido, contra o sem sentido, apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas muito mais que lindas, essas ficarão.” Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 212-219, mai/ago, 2016. Alethes | 212 LELIS, R.C.; ASSIS, L. Escolas sem partido Alethes | 213 Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 212-219, mai/ago, 2016. Alethes | 214 Escolas sem partido: o ornitorrinco pedagógico Rafael Carrano Lelis1 Lorrayne Assis2 Em que se baseia a neutralidade do discurso? Pelas veias do discurso não passariam também células políticas? Recentemente, uma onda de famigerado combate ideológico deu força a vários projetos de lei com intuito de combater a tida doutrinação. Tramita no Congresso Nacional (e também em diversas casas legislativas estaduais e municipais) projeto de lei (PL) que propõe a inclusão, dentre as diretrizes e bases da educação nacional, do programa Escola sem Partido. Logo no segundo artigo do PL federal, em seu inciso I, dispõe-se que a educação nacional deverá ser guiada pelo princípio da “neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado” (grifo nosso). Já em seu artigo terceiro, o referido projeto prevê a vedação em sala de aula da “prática de doutrinação política e ideológica”. Os dois trechos anteriormente destacados do projeto de lei servem de base para uma problematização ampliada do ensino e para colocar em cheque o conceito e a (im)possibilidade de existência de uma neutralidade em contraposição à doutrinação política e ideológica. Afinal, o que é ser neutro? Com uma rápida pesquisa em sites de busca na internet sobre o significado da palavra neutralidade, na tentativa de percepção do senso comum, encontra-se a seguinte definição: “1. condição daquele que permanece neutro; 2 . imparcialidade, objetividade”. Ao passo que para o adjetivo neutro é apresentado o conceito: “1. que não se posiciona, se abstém de tomar partido; neutral”. Ora, logo se vê que é impossível qualquer forma de ensino na qual não seja feita uma escolha ou tomada de partido. O ensino da ideologia dominante não deve, em qualquer hipótese, ser confundido com lecionar de forma neutra. No entanto, é exatamente isso o que acontece. Como bem nos lembra Bourdieu (2013): “todo ato de transmissão cultural implica necessariamente na afirmação do valor da cultura transmitida (e paralelamente, a desvalorização implícita ou explícita das outras culturas possíveis)”. Dessa sorte, escolher abordar em sala ideais do senso comum em detrimento de vertentes minoritárias de pensamento corresponde, justamente, a uma forma de ausência de neutralidade e configura uma clara escolha ideológica. À guisa de exemplificação, transpondo a temática para o campo jurídico, pensemos no ensino do Direito Penal nas faculdades de direito. Orientar o ensino da ciência 1 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Membro do Corpo Editorial da Alethes. 2 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Membro do Corpo Editorial da Alethes. LELIS, R.C.; ASSIS, L. Escolas sem partido Alethes | 215 criminal sob uma perspectiva abolicionista é uma escolha de cunho ideológico por parte da docente, bem como escolher abordar tal ramo do direito sob a ótica do chamado garantismo penal. Todavia, também se caracteriza como óbvia escolha ideológica (e reafirmação da lógica dominante) a opção pela apresentação acrítica dos artigos do código penal; ainda mais: determinar qual interpretação será dada à normativa legal, definir qual jurisprudência será apresentada e quais casos serão analisados em sala são, passo a passo, opções profundamente marcadas pela ideologia referente àquela que leciona e, portanto, decisões impossíveis de serem tomadas de forma neutra, isto é, a existência pura e simples de tais elementos excluem a possibilidade de qualquer neutralidade no ensino. Em sua construção teórica, Bourdieu (2010) concebe a ideia de campos (não físicos) de conhecimento, tais quais os campos religioso, político, econômico etc. Nesses campos, identificados pela presença de um habitus (reiteração de práticas particulares, com a afirmação de normas e valores específicos de cada campo), existe uma luta constante pelo monopólio de dizer, e do reconhecimento para tal, o que significa seu conteúdo interno (como dizer o que é o direito, no jurídico; ou dizer o que é o sagrado, no religioso). Dessa forma, há grande conflito e disputa entre as componentes de cada campo para que se possa ser identificada como a detentora da legitimidade para falar por ele. A disputa pelo monopólio de fala, em si, já demonstra a existência das diversasvisões de mundo (realidades) e a possibilidade de escolha para que se trabalhe cada matéria. Não fosse suficiente, o sociólogo francês ainda nos alerta para a autonomia relativa de cada um desses campos e como eles se influenciam mutuamente e não necessariamente de forma perceptível, o que nos leva, mais uma vez, à impossibilidade de existência de uma forma de neutralidade na própria construção do ensino. Resta evidente, portanto, que a pretensa neutralidade proposta pelos referidos projetos de lei seria uma tentativa de manutenção do que Bourdieu denomina doxa, isto é, a ordem social estável e valores predominantes, valores naturalizados e não mais questionados, mediante seu caráter de tradição. Parece-nos certo de que a tentativa seja a de implantação de um conservadorismo que perpetue o status-quo, suprimindo valores insurgentes e heterodoxos. Um dos argumentos de maior clamor dentre aquelas que defendem o movimento Escola sem Partido é de que “o Professor não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente política, ideológica ou partidária”. Como definir o ideológico? Para responder tal indagação nos propusemos a empregar o delineado pelo sociólogo Terry Eagleton. O discurso ideológico exibe de modo típico certa proporção entre proposições empíricas e aquilo que poderíamos grosseiramente chamar de visões de mundo(EAGLETON, 1997). Torna-se evidente que a linguagem constativa está atrelada a Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 212-219, mai/ago, 2016. Alethes | 216 objetos performativos. As verdades empíricas são trajadas à luz de componentes de uma retórica global. Ideologia não é uma ilusão infundada, uma força material que deve ter, ao menos, suficiente conteúdo cognitivo para ajudar a organizar a vida prática dos seres humanos – não consiste, simploriamente, em um conjunto de proposições sobre o mundo. Como bem apontado por Terry Eagleton (1997), não existe qualquer definição adequada ou exata referente ao termo ideologia e que nos permitiria delimitar objetivamente o que seria doutrinação ideológica. Sendo assim, nos parece oportuno identificar que todo pensamento ou ideia que possua pré-compreensões intrínsecas, os “pré-entendimentos” como caracteriza Heidegger, pode ser facilmente (e não há óbice para que seja) taxado de ideológico. Partindo desse conceito, chega-se à conclusão de que o Projeto de Lei se propõe a realizar o irrealizável, uma vez que coibir a apresentação de conteúdo ideológico em sala de aula significa proibir o próprio pensamento: “não existe tal coisa como pensamento livre de pressupostos, e então qualquer ideia nossa poderia ser tida como ideológica”. Alerta-se, ainda, para o perigo da implementação de tal projeto, diante do caráter de mordaça que apresenta. Como visto, impedir uma suposta doutrinação ideológica é o mesmo que impedir o pensamento e livre expressão de ideias, é prática velada de censura. E pior: quem definirá quais discursos ferem a ideia de neutralidade e exercem alguma forma de doutrinação política e ideológica? Traça-se, assim, amplo espaço para arbitrariedades e justificação de atos de perseguição política, à moda de nosso, não tão distante, regime de exceção. Bourdieu também argumenta que os sistemas de ação pedagógica submetidos a uma dinâmica de ensino dominante tendem a reproduzir um sistema de arbitrários culturais daquela formação social. Ou seja, nada mais faz que contribuir para a legitimação daquele arbitrário cultural. E o efeito próprio a que se propõem as relações de força é a reprodução cultural ou social na qual se justificaria a figura da autoridade pedagógica. Entretanto, uma educação nunca será ampla se não fomentar o ponto de vista crítico das discentes. Não se defende aqui que a figura pedagógica imputasse só a sua ideologia, mas que permitisse o debate e a construção de uma visão de mundo à luz de suas ideologias. Além do mais, é demasiado problemática a concepção de que as estudantes se estagnam naquilo que é abordado em sala, e é essa a inquietude que uma educação crítica deve fomentar – não se deve enxergá-las (às estudantes) como meros receptáculos industriais de um sistema que já as uniformiza. A primeira lição tirada dessa conspiração ao caos vem do filósofo russo Aleksandr Tomanov: “Mais importante do que armazenar informação é saber o que fazer com ela”. Em uma realidade na qual a ideia de uma Escola sem Partido vigorasse, a palavra crítica sairia dos LELIS, R.C.; ASSIS, L. Escolas sem partido Alethes | 217 verbetes, não com a violência do fogo como em Fahrenheit 451, mas pelo fato de sua célula matriz ser ideológica. A onda virótica está em processo de latente contaminação, uma vez que projetos de lei semelhantes ao presente – inspirados em anteprojeto de lei elaborado pelo Movimento Escola sem Partido (www.escolasempartido.org) – já tramitam nas Assembleias Legislativas dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Espírito Santo, e na Câmara Legislativa do Distrito Federal; e em dezenas de Câmaras de Vereadores (v.g., São Paulo-SP, Rio de Janeiro- RJ, Curitiba-PR, Vitória da Conquista-BA, Toledo-PR, Chapecó-SC, Joinville-SC, Mogi Guaçu-SP, Foz do Iguaçu-PR, Juiz de Fora–MG etc.), tendo sido já aprovado nos Municípios de Santa Cruz do Monte Carmelo-PR e Picuí-PB. Escola sem partido é um artifício conservador que visa suprimir a ideia do que imaginam ser uma ideologia (notadamente a minoritária), buscando a legitimação da estrutura dominante. Tal projeto, paradoxal desde sua gênese, em muito se assemelha à figura estranha do Ornitorrinco, descrita por Francisco de Oliveira: tem rabo de réptil, possui mamas que não têm seios, pico de pato, coloca ovos, tem esporão venenoso; identifica-se,assim,o peculiar animal com o descrito Projeto de Lei: imputar a ideia de neutralidade em discursos que têm por âmago biológico a ideologia causa demasiada estranheza e salta aos olhos como antinatural. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aleksandr Tomanov, in: Paradigmas Soviéticos Contemporâneos ao Caos. Edição Príncipe, 1899. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2013. BOURDIEU, Pierre. PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria de ensino. Trad.: Reynaldo Bairão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Trad.: Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil 2010. DISTRITO FEDERAL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei Nº 867 , DE 2015. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1050668. Acesso em: 10 jul. 2016. Eagleton, Terry. Ideologia: uma introdução. São Paulo: Editora Boitempo, 1997. Escolas sem Partido. Disponível em: <http://www.escolasempartido.org/>. Acesso em: 10 jul. 2016. Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 212-219, mai/ago, 2016. Alethes | 218 OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. Petrópolis: Cebrap/Vozes, 1972. Nova edição: São Paulo: Editora Boitempo, 2003. Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 220-239, mai/ago, 2016. Alethes| 220 COSTA, G.A.S. A Teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa Alethes | 221 Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 220-239, mai/ago, 2016. Alethes| 222 A teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa: um diálogo e crítica no sistema penal. The Nils Christie’s theory and Restorative Justice: a dialogue and critics in the criminal justice system. Giovana Aiello Soares da Costa1 Resumo Este artigo é fruto de estudos que vêm sendo elaborados durantemeu período de mobilidade na Universidade do Porto, Portugal - no qual tive meu primeiro contato com a Justiça Restaurativa. O texto consubstancia uma análise do artigo elaborado pelo conceituado autor norueguês, Nils Christie, acerca de sua teoria abolicionista sobre o sistema processual penal moderno: Conflicts as Property, publicado no The British Journal of Criminology, em 1977. Ao longo deste artigo, comentários e críticas serão realizados sobre o tema, bem como consideração sobre a teoria de Christie como ponto fundamental para a concretização da Justiça Restaurativa e o Direito Processual Penal mais “humanizado”. Também serão considerados o papel do Estado e quais são os limites necessários para que haja uma harmonização do tema. Palavras-chave: Justiça Restaurativa. Criminologia. Direito Processual Penal. Abolicionista. Abstract This article is the result of studies that have been developed during my exchange program in the University of Porto, Portugal – which I had my first contact with Restorative Justice. The text is an analysis of an article written by the renowned Norwegian author, Nils Christie, about his abolitionist theory of the modern criminal justice system: “Conflicts as Property”, published in The British Journal of Criminology, in 1977. Throughout this article, comments and reviews will be conducted on the subject and relate to Christie’s theory as the main point for the implementation of the Restorative Justice and the criminal justice system more “humanized”. It will also be subject the State’s role in this radical process and know what are the limits needed for a harmonization of the theme. Key words: Restorative Justice. Criminology. Criminal Justice System. Abolitionist. 1 Estudante de graduação da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo (SP). COSTA, G.A.S. A Teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa Alethes | 223 1. O convite Nils Christie (1977, p. 2), sociólogo e criminólogo norueguês, faz um convite interessante ao leitor no seu artigo Conflicts as Property2. O autor convida-o para viajar a Tanzânia, mais especificamente na província de Arusha. Lá, há uma casa no meio do vilarejo. Dentro dela, encontra-se várias pessoas: estavam rindo, fazendo piadas, conversando e, ansiosas, algumas prestavam atenção naquilo que estava a acontecer. “It was a circus, it was a drama”(CHRISTIE, 1977). Na verdade, aquilo era um tribunal. Estava acontecendo um julgamento. No centro da casa e de todos os presentes, haviam duas pessoas. Um homem e uma mulher. Eles haviam se casado, mas, depois de um longo tempo, estavam convictos que iriam se divorciar. É um julgamento cível, mas que poderia ser usado para qualquer tipo de conflito. Eram decididos sobre os assuntos do divórcio como a partilha de bens, conversando e ouvindo um ao outro normalmente. Os amigos e familiares, que se encontravam ao lado deles, opinavam sobre a partilha. A audiência, que assistia o julgamento, em geral, fazia piadas ou algumas perguntas rápidas. Os juízes eram três secretários daquele vilarejo e se misturavam no meio daquela multidão – só intervinham na conversa do casal quando realmente achavam necessário, fazendo pequenos comentários e conduzindo-os a uma decisão com base na lei local. Esse é um típico modelo de tribunal na província de Arusha, Tanzânia. É África. É um continente “primitivo”. A forma como este julgamento é realizado permite a todos os habitantes do vilarejo poderem assisti-lo, pois todos têm o direito de se manifestar, de conversar e de ouvir atentamente o que o outro tem a dizer. Os juízes não são superiores ou inferiores a ninguém: eles fazem parte da multidão. O principal objetivo é o casal decidir sobre o seu divórcio - é o futuro daquelas duas pessoas. Uma decisão realizada na base de comunicação, de conversa, a fim de chegar a um resultado no qual os dois concordem e cumpram aquilo que foi combinado. Diferentemente do que acontece na justiça e no processo penal na maior parte dos países Ocidentais. Estes estão mais preocupados com o passado. O objeto central é a punição do ofensor e os respectivos gastos suportados pelos Estados, e não necessariamente há uma preocupação em 2 “Publicado em um momento importante para a criminologia crítica, inúmeros outros trabalhos e pesquisas foram iniciadas a partir do conhecido artigo de Christie [Conflicts as property], focados na busca de um novo modelo de justiça criminal que pudesse se preocupar menos com os prejuízos estatais decorrentes de um delito e aos danos a elas causados. O nome desse novo modelo de justiça criminal viria consolidar como Justiça Restaurativa” (ACHUTTI, 2012, p. 1). Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 220-239, mai/ago, 2016. Alethes| 224 reabilitar o indivíduo. Em relação à vítima, pouco se sabe sobre ela. As vozes são feitas e mascaradas através de representantes legais. O juiz não é a multidão - ele está em um outro patamar, isolado e poderoso. O julgamento não é para os indivíduos envolvidos no conflito, por ser um interesse apenas para o próprio Estado. Assim, o sistema processual é o reflexo do capitalismo e da sociedade industrial na qual os indivíduos se encontram em uma administração judiciária totalmente seletiva e demorada. A vítima é uma pessoa que foi ferida emocionalmente, materialmente ou psicologicamente. O ofensor é aquele que assume seus atos. Todos merecem falar e serem ouvidos. Mas não é exatamente isso o que acontece. E essa é a principal crítica de Nils Christie. 2. A proposta. O autor começa seu artigo com uma frase impactante: “Maybe we should not have any criminology. Maybe we should rather abolish institutes, not open them. Maybe the social consequences of criminology are more dubious than we like to think” 3(CHRISTIE, 1977, p.1). Desde logo, Christie se posiciona a respeito de sua teoria abolicionista acerca da Criminologia e do Direito Penal. Esta crítica, ousada e radical, feita em 1977, é considerada uma forma revolucionária de contestar o próprio sistema de punição que o Estado impõe à população4, sendo considerado um pensamento atual que coloca questionamentos sobre o papel do sistema punitivo, uma vez que A justiça tradicional não cumpriu as suas promessas, principalmente com relação a ressocialização e prevenção, e para que as respostas do subsistema criminal sejam mais participativas, negociadas e não aflitivas, os conflitos interpessoais devem ter a possibilidade de ser solucionados efetivamente e a justiça restaurativa pode ser um instrumento que consiga ajudar a restabelecer o equilíbrio entre o crime e o tipo de resposta a ser aplicada, com o resgaste de todos os interessados na solução do conflito interpessoal. (SANTOS, 2014, p. 14). A teoria abolicionista defende que, em geral, o Estado faz do conflito uma propriedade sua. Tem como objetivo criticar a forma radical do sistema carcerário e a sua lógica de punir a todos 3 “Talvez não devêssemos ter nenhuma criminologia. Talvez seria melhor se abolíssemos as instituições, não as abrir. Talvez as consequências sociais da criminologia são mais duvidosas do que gostaríamos de pensar” (tradução livre). 4 “Ainda que a discussão tenha se iniciado a partir dos anos 1970, pouco ou quase nada se produziu a respeito no Brasil. Raras são as referências ao tema na maioria dos trabalhos e manuais criminológicos à disposição do público brasileiro” (ACHUTTI, 2012, p. 1). COSTA, G.A.S. A Teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa Alethes | 225 como uma maneira de compensação do crime. Se há um conflito, este precisa ser resolvido entre as pessoas envolvidas. O conflito é uma propriedade que somente pertence a elas.Dessa maneira, O castigo não é o meio mais adequado para reagir diante de um delito e, por melhor que possa ser, eventuais reformas no sistema criminal não surtirão efeito, pois o próprio sistema está equivocado ao estabelecer que uma resposta punitiva (pena de prisão) o ‘problema do delito’ estará solucionado. (ACHUTTI, 2012, p. 4) Os teóricos abolicionistas, que tiveram seu ápice nos anos 70 sobretudo no Hemisfério Norte, criticavam a forma do capitalismo selvagem no qual sociedade era (é) inserida, posto que O foco do abolicionismo penal – corrente teórica cuja própria denominação indica as suas pretensões – tem seu foco voltado para a construção de uma crítica capaz de deslegitimar de forma radical o sistema carcerário e a sua lógica punitiva. (ACHUTTI, 2012, p. 4) Destarte, o tribunal não deveria ser visto como algo superior ou ameaçador. Como bem analisa Christie (1977, p. 3) acerca do sistema penal da Noruega, os edifícios dos tribunais são imponentes, grandiosos e intimidadores. Isso se aplica não somente em seu país natal, como também em vários outros Estados. Eles estão geralmente situados no centro administrativo da cidade, longe dos bairros habitacionais da população. Os edifícios são arquitetados de uma maneira complexa onde existem várias salas, de um modo sem transparência, ao ponto de chegar a ser fácil se perder dentro delas – praticamente um labirinto5. O sistema penal não deve ser algo visto como um meio de punição ou uma forma de vingança, e esse é o maior objetivo da justiça restaurativa6. A apropriação que o Estado faz com o caso que está em julgamento é algo muito sério. Nele, as partes falam muito pouco ou nem sequer falam, já que são sempre representadas por advogados e promotores, os “ladrões profissionais”. Quem decide é o juiz - o terceiro imparcial - responsável por determinar a eventual punição do ofensor. A vítima da situação é representada pelo Estado. Neste ponto, “the victim has lost the case to the state” (CHRISTIE, 1977, p. 3). A 5 Na cidade de Valência, na Espanha, está aberta ao público o programa “Palaus Transparents”. Tal projeto foi elaborado pelo Ministro da Transparência, Responsabilidade Social, Participação e Cooperação, Manuel Alcaraz em setembro de 2015, juntamente em uma discussão de cooperação com o prefeito Joan Ribó. O programa em si tem como objetivo abranger a abertura, horários e práticas de visitas para cada instituição, além de serem utilizados programas educacionais para aumentar a consciência dos edifícios públicos de valor histórico e artístico. Segundo o Ministro Alcaraz, “Es muy importante mostrar la cara amable y estética del poder”. Isso é importante para trazer aos cidadãos a necessidade de transparência e acessibilidade que deve haver a ponte entre a Administração e os cidadãos. Disponível em < http://www.20minutos.es/noticia/2558468/0/edificios-publicos-valor-historico-se-abriran-ciudadania-con- programa-palaus-transparents/ > Acesso em 13. mar. 2016. 6 “Restorative justice is a key issue in all debates on reform in criminal justice, especially in juvenile justice” (WALGRAVE, 2002). Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 220-239, mai/ago, 2016. Alethes| 226 problematização quase chega a ser um próprio interesse empresarial, relacionados a profissionalização (CHRISTIE, 1977, p. 4), considerando o paradigma atual, retributivo ou aflitivo, nos condicionou a raciocinar, com o entendimento, que a violação de uma norma de comportamento deve implicar em uma norma sancionadora, materializada em uma pena aflitiva, ou, em outras palavras, ocorrendo o crime deve ser impingida ao infrator uma dor, sendo a prisão privativa de liberdade erigida à condição de pena por excelência. (SANTOS, 2014, p. 13). Também há uma série de críticas ao comportamento do advogado perante os conflitos: “they are most interested in converting the image of the case from one conflict into one of non-conflict” (CHRISTIE, 1977, p. 4). Assim, os advogados sempre estudam para instruir o outro para “acabar” com um conflito, e não para atuar em um sistema no qual as duas partes podem chegar a um acordo. O seu trabalho é de argumentar o que acham de relevante no caso; no qual impossibilita as partes de decidirem sobre o que elas pensam em ser relevante na resolução do conflito. Os profissionais não podem ser dominantes, pois o que mais interessa no processo de Justiça Restaurativa são as vozes das partes, uma vez que elas devem falar mais alto em relação a qualquer outro profissional - mas com limites na Lei e nos Direitos Humanos, respeitando sempre os Direitos Fundamentais e o princípio da proporcionalidade (ASHWORTH, 2002). A filosofia central da Justiça Restaurativa é que, através da comunicação voluntária entre as partes, há um diálogo sobre o que realmente aconteceu e, por fim, a um consenso com obrigações a assumir: uma reparação. A comunicação entre as partes – vítima e ofensor – é fundamental para que estes cheguem a um acordo (com a ajuda de um mediador, mas este não toma a decisão, apenas tem a função de orientador e harmonizador da comunicação). O conflito, que é o ponto central da questão, existe na sua própria linguagem. Os mediadores defendem um conflito semântico, uma requalificação do objeto a fim de dar voz tanto à vítima como ao ofensor. Um dos motivos para que este processo suporta é uma própria reforma política, que muitos a consideram como uma forma de combater o sistema repressivo do Estado de ter dependência desumana nas prisões – aquele pensamento antiquado de que um problema só se resolve em enjaular um cidadão que cometeu uma infração penal (BRAITHWAITE, 2002). Essa liberdade de diálogo que a Justiça Restaurativa permite às partes é uma forma de empoderamento para os cidadãos de assumir a responsabilidade de assuntos que antes só se resolviam com a presença de autoridades estatais. Assim, isso faz com que os próprios indivíduos percebam que, apesar do processo não passar nas mãos de juiz, o criminoso assume as suas responsabilidades e que o seu COSTA, G.A.S. A Teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa Alethes | 227 acordo com a vítima não é algo para ser analisado como punição, mas sim uma restauração do problema entre ambos. É uma maneira mais humanizada de tentar chegar a um acordo que seja consensual e reparador, consentido por vítima e ofensor, mas sempre respeitando as leis7. Além disso, a Justiça Restaurativa atua diversamente do paradigma punitivo quando devolve à vítima, ao ofensor e à comunidade o conflito criminal e, também, o poder de decidirem ou planejarem sobre a melhor forma de solucionar este conflito (SANTOS, 2014). A mediação deve atender as necessidades8 da vítima. É natural que cada indivíduo encare o impacto do crime de maneiras diferentes. Alguns podem ser mais sensíveis, outros mais indiferentes, mas é claro que grande maioria é abalada de algum jeito: físico, psicológico ou social. A vulnerabilidade depende dos fatores e características individuais, sendo que também pode ser uma vulnerabilidade econômica, sobretudo para aqueles mais pobres ou mais apegados àquilo que sofreu danos. Desse modo, Christie9 (1977, p. 7) ressalta e explica o título do seu artigo Conflicts as Property: o conflito é propriedade sobretudo da vítima e isto não pode ser tirado dela. Consequentemente, a vítima tem um papel não apenas na sobrecarga emocional mas de chegar a um acordo com o seu ofensor O conflito é algo valioso, e por isso muitas vezes aqueles profissionais, anteriormente citados, normalmente tomam posse dele, sendo que isso acontece muito em nossa sociedade 7 Desde 1977, Christie (p. 6) já refletia sobre as relações humanas de uma maneira tão atual: “Segmentation according to space and according to casteattributes has several consequences. First and foremost it leads into a depersonalisation of social life. Individuals are to a smaller extent linked to each other in close social networks where they are confronted with all the significant roles of the significant others. This creates a situation with limited amounts of information with regard to each other. We do know less about other people, and get limited possibilities both for understanding and for prediction of their behaviour. If a conflict is created, we are less able to cope with this situation. Not only are professionals there, able and willing to take the conflict away, but we are also more willing to give it away”. Na comunicação durante o processo de mediação na Justiça Restaurativa, é fundamental que as partes estejam sempre abertas para conversar e expor o seu ponto de vista de maneira harmoniosa, sendo amparada pelo mediador apenas quando necessário. 8 A vítima pode sentir a necessidade de vingança. Se formos pensar de um ponto de vista mais crítico, o próprio sistema de justiça o qual estamos inseridos aspira por esse desejo de vingança. É normal que a vítima sinta esse desejo, aquela necessidade de ver o seu ofensor punido de alguma forma. É aprender a lição (exemplo) de não cometer o crime novamente, sendo assim, a pessoa pode ser “castigada” no sentido de aprendizagem, ajudando-a a reintegrar nas normas. Contudo, a mediação é um ponto importante para que a própria vítima conheça seu ofensor e perceba que ele também é humano e comete erros. Quando a vítima conhece melhor o caso concreto e seu ofensor, há uma tendência de a vítima ser menos punitivas, pois existe assim uma flexibilização e compreensão sobre o ofensor. O ofensor é uma pessoa e algumas de suas circunstâncias é possível compreender seus atos (mas não justifica-los). Deve haver uma sinceridade entre vítima-ofensor. 9 Christie defendia uma “justiça mais participativa e centralizada” (ACHUTTI, 2012, p. 7). Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 220-239, mai/ago, 2016. Alethes| 228 industrial atual: a vítima não perde somente o seu emocional, material ou psicológico, mas perde o seu próprio caso quando não há o direito de ouvir a sua própria voz. O Estado apodera-se da sua compensação, que acontece quando é voltado mais para o ofensor do que a própria vítima. Outro detalhe importante: em relação à vítima, não é esperado que ela seja imparcial (ASHWORTH, 2002). O mediador, durante esse processo, precisa ser parcial, mas “the requirement does not imply that the mediator should be indifferent to the fact that the offence has been committed and the wrongdoing of the offender” (PELIKAN, 2002). O acordo deve ser coerente para as partes envolvidas (CHRISTIE, 1977, p. 8). Não é algo em si satisfatório, pois a reparação do problema deve ser vista como um consenso no qual devem ser respeitado os direitos e que seja proporcional aos danos causados pelo ofensor. Talvez, para os cidadãos em geral, o que é acreditado algo não relevante como uma solução, as partes envolvidas no conflito a podem considerar como uma forma de restauração. Um pedido de “desculpas”, por exemplo, é aceito se a vítima e o ofendido concordarem. Para isso, também é necessário que ambas as partes estejam preparadas psicologicamente para este processo (WALGRAVE, 2002), já que se trata de uma comunicação que nem todos, estão prontos e maduros para facear, por isso as partes são livres para aceitar ou não este processo de mediação. Talvez seja uma situação difícil para se enfrentar – sobretudo para a vítima -, mas com certeza seu resultado pode trazer um maior conforto aos indivíduos: aqui os acontecimentos se esclarecem. Há uma compreensão sobre o que de fato aconteceu. Sobre o ofensor assumir a responsabilidade, é um critério essencial na Justiça Restaurativa. É importante o ofensor ser ouvido, a fim de que se haja um entendimento e clareza sobre o que o levou a cometer tal ato e quais foram as consequências que trouxe à vítima. “Human beings have reasons for their actions” (CHRISTIE, 1977, p. 9). Assim, é significativo restaurar os laços sociais entre o indivíduo ofensor, a vítima e a própria comunidade; o que, ademais, proporcionaria ao ofensor situação confortável para assumir sua responsabilidade Nos processos que ocorrem atualmente – o Estado como o proprietário do conflito – por vezes o ofensor não consegue assimilar e compreender o porquê daquela punição. Christie (1977, p. 9) ainda ressalta que não há uma punição para a “cura do crime”, mas que o acordo, resultante de um processo de mediação, pode encontrar a justa reparação com os valores gerais da sociedade. COSTA, G.A.S. A Teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa Alethes | 229 Outro ator abolicionista, Hulsman10, acredita que as proporções de crimes violentos não são suficientes para sustentar o sistema, e o próprio sistema penal não é uma ferramenta de garantia de impedimento das pessoas cometerem crimes ou não (KULLOK, 2014). As obrigações que o ofensor concordou em assumir não devem ser vistas como uma forma de “vingança” ou “dor”, mas sim de uma restauração - como a respeito da tese de Christie, o qual acredita que a Justiça Restaurativa é uma ferramenta que possibilita a independência entre os indivíduos de resolverem seus próprios conflitos em respeito ao princípio da voluntariedade (PELIKAN, 2002, p. 27). O processo de Justiça Restaurativa11 maximiza a participação das vítimas e dos ofensores na procura da restauração, conciliação e responsabilização pelos danos – bem como a sua prevenção para possíveis outros conflitos. O Estado desempenha funções delimitadas, como a investigação dos fatos, a facilitação dos processos e a garantia de segurança, mas não é a vítima direta. O crime é fundamentalmente uma violação pessoal e das relações interpessoais, sendo que normalmente quem sofre mais é a vítima; e a reparação é uma resposta para esses indivíduos. A comunidade, em si, também tem a sua função de reintegrar socialmente o ofensor, com a ajuda do Estado (ZEHR, 2012). Porém, é importante ressaltar que o mediador não é o representante do Estado, mas sim um facilitador da comunicação durante o processo de mediação, além de ser uma figura imparcial. É importante, inclusive, ressaltar a importância da proporcionalidade dos acordos (princípio da proporcionalidade). É necessário analisar a gravidade da ofensa e qual foi o seu impacto para a vítima. O acordo resultante da comunicação entre a vítima e o ofensor deverá ter a Lei como base além das recomendações e orientações do mediador. Além disso, a participação na mediação não deve ser utilizada como prova de admissão de culpa no desenvolvimento judiciário ulterior do processo (princípio da confidencialidade): o arquivamento na sequência dos acordos obtidos deve ter o mesmo valor de uma decisão feita pelo juiz. (PELIKAN, 2002). 10 “O abolicionismo – através principalmente de Hulsman – propõe-se a desconstruir a definição de delito: o delito não seria o objeto, mas o produto de uma política criminal que pretende justificar o exercício do poder punitivo, e não possuiria realidade ontológica. De acordo com o autor, a partir de então seria possível reorganizar o debate de criminologia e da política criminal, e tal postura apontaria para a abolição da justiça penal, uma vez que o “delito como realidade ontológica” seria a pedra fundamental deste tipo de justiça” (ACHUTTI, 2012, p. 4). 11 “Restaurativa” foi traduzida do adjetivo “aufarbeitend”, que significa “trabalhando através de”. Este esforço restaurador é marcado por assistir o povo de necessidades e interesses concretos, isto é, o dano, a raiva e o sofrimento causado; sendo estes ajustados pelo Direito, fornecendo material e/ou compensação emocional para estas experiências negativas (PELIKAN, 2012). Alethes: Per.Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 220-239, mai/ago, 2016. Alethes| 230 Assim, Christie (1977, p. 10) raciocina a ideia de um “tribunal comunitário” com quatro etapas fundamentais. Em primeiro lugar, o tribunal deve ser utilizado como uma forma de dar uma orientação à vítima – analisando se tal ato foi infracional e quem são os verdadeiros responsáveis por isto. Em segundo lugar, o tribunal analisaria o relatório por meio do qual a própria vítima transmitiria a sua consideração com a finalidade de esclarecer os detalhes. Desse modo, seria uma “detailed consideration regarding what could be done for him, first and foremost by the offender, secondly by the local neighbourhood, thirdly by the state” 12 (CHIRSTIE, 1977, p. 10). É necessário, portanto, uma organização para garantir a aplicação de tais direitos e garantias. Depois de muita análise, em terceiro lugar, o tribunal chegaria (ou não) a uma punição do autor do crime, com o principal objetivo de reparar à vítima dos danos sofridos. Os tribunais de bairro devem seguir os valores daquela comunidade, sendo estes “public arenas, needs are made visible” (CHIRSTIE, 1977, p. 10). Por fim, na quarta e última etapa, além da acordo entre partes tem sentença do juiz, é necessário que o ofensor seja garantido de serviços sociais que visem a restauração para evitar a sua reincidência – expostas suas necessidades sociais, educacionais, médicas ou religiosas. Este modelo pode ser usado tanto nas causas cíveis como também nas criminais: um tribunal orientado à vítima, menos profissionalizado e mais aberto aos leigos. É uma das lógicas de se fazer justiça. Para a solução de conflitos, “o autor não apoia a ideia acha existir um especialista em conflitos” (CHRISTIE, 1977, p. 11). Em seu artigo, ele diz que ter um especialista leva-o a uma profissionalização de specialisation in conflict solution is the major enemy; specialisation that in due— or undue — time leads to professionalisation. That is when the specialists get sufficient power to claim that they have acquired special gifts, mostly through education, gifts so powerful that it is obvious that they can only be handled by the certified craftsman (CHIRSTIE, 1977, p. 11)13. 12 Christie ressalta a importância da consideração do envolvimento da vítima, do ofensor, da comunidade e apenas por último, do Estado. 13 Essa profissionalização aumentaria a dependência destes profissionais para o processo de mediação e resolução de conflitos. As partes, quando são envolvidas em um conflito, devem estar equivalentes. O autor também debate sobre a importância de um mediador não estar presente em vários conflitos diferentes além de que “The ideal is clear; it ought to be a court of equals representing themselves. When they are able to find a solution between themselves, no judges are needed. When they are not, the judges ought also to be their equals” (p. 11). Christie acredita que os advogados não deveriam estar presentes em todas as fases do processo – mas só para aquelas em que for realmente necessário, como na sentença final. COSTA, G.A.S. A Teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa Alethes | 231 Assim, em matéria de conflitos sociais, a não-especialização em mediação de conflitos é fundamental. A participação voluntária das partes é o mais importante – uma comunicação e esclarecimento dos fatos. O mediador cumpre o seu papel apenas quando for necessário, não sendo nem o dominador e nem o centro do conflito. “They might help to stage conflicts, not take them over” (CHIRSTIE, 1977, p. 12). Se isso acontecer, novamente a propriedade do conflito será retirada da vítima ou do ofensor para uma terceira pessoa. Percebe-se, então, que é de responsabilidade do Estado assegurar a ordem e a obediência à Lei na sociedade, bem como estabilizá-las e harmonizá-las, mas sempre de modo que dependendo do crime ali encontrado, a mediação seja uma alternativa do sistema processual normal, uma forma livre e consensual de solução de conflitos entre as partes – por isso o mediador deve apenas facilitar a comunicação entre estas, e não ter como objetivo ser aquele que resolverá o conflito dos outros (ASHWORTH, 2002). Há um problema atual: existem diversas comunidades, poucas vítimas, muitos profissionais. Um dos problemas causadas pela industrialização (CHRISTIE, 1977, p. 12) é a existência da divisão de gênero e idade, além dos vários conflitos internos e externos que a comunidade tem ao longo de sua história. As vítimas precisam ser prioritárias e ouvidas. O excesso de profissionais muitas vezes não está sincronizado com os produtos do sistema – sobretudo no Direito. Essa extrapolação pode prejudicar o tratamento individualizado que uma vítima necessita. Em nossa realidade, progressivamente o Brasil se aperfeiçoa em matéria de mediação e conciliação, sobretudo com a vigência do novo Código de Processo Civil (CPC) de 2015 e o ato administrativo na Resolução n° 125 de 29/11/2010. O novo CPC de 2015, no seu artigo 1º, § 3º, dispõe que “a conciliação, mediação e outros métodos de resolução consensual de conflitos deverão ser estipulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (BRASIL, 2015). Além disso, a Seção V do mesmo diploma é titulado como “Dos Conciliadores e Mediadores Judiciais”, e faz alusão diversos princípios, como por exemplo, o artigo 166º: “a conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informação e da decisão informada” (BRASIL, 2015). A Resolução n° 125 de 29/11/2010 tem como objetivo especificar e regulamentar as lacunas deixadas no CPC sobre a mediação e, como bem consta em seu artigo 4°, “compete ao Conselho Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 220-239, mai/ago, 2016. Alethes| 232 Nacional de Justiça organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à auto composição de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação” (BRASIL, 2010)14. Em um país populoso como o Brasil, é importante para os indivíduos e para o próprio judiciário perceberem a relevância de resolver os conflitos através da conciliação/mediação, pois há também economia de tempo e dinheiro. Ademais, é um meio de pacificação e entendimento entre as partes, mostrando lhes que não seria necessário o amparo via processo judicial. Para tal, o governo disponibiliza os Centros Judiciários de Resolução de Conflitos e Cidadania para que os indivíduos se encontrem e conheçam quais são os seus direitos e garantias. Conforme o Conselho Nacional de Justiça: a conciliação resolve tudo em um único ato, sem necessidade de produção de provas. Também é barata porque as partes evitam gastos com documentos e deslocamentos de fóruns. E é eficaz porque as próprias partes chegam à solução de conflitos, sem a imposição de um terceiro (juiz). É, ainda, pacífica por se tratar de um ato espontâneo, voluntário e de acordo comum entre as partes. (CNJ, 2016) E ainda orienta o cidadão, informando-o que qualquer uma das partes pode comunicar ao tribunal, cujo processo tramita, a intenção de conciliar, ou seja, a vontade de busca de um acordo. Dessa forma, é agendada a audiência, na qual as partes terão o apoio de um conciliador na busca de soluções para seus conflitos. As partes podem ou não estar acompanhadas de advogados, que podem ajudar nos esclarecimentos jurídicos. Se você tem ação tramitando na Justiça Federal, Justiça Estadual ou na Justiça do Trabalho e quer conciliar, entre em contato com o Núcleo ou Centros de Conciliação no seu estado ou município (CNJ, 2016). Assim, o país avança para uma alternativa ao clássico sistema processual. E não apenas o Brasil,mas vários outros Estados também estão adotando medidas de regulamentação da mediação. Na África do Sul, por exemplo, e a mediação teve a sua função de restaurar os conflitos motivados pela segregação racial após o apartheid, aquela se tornou o principal motivo de mediação da região (APOLLO, 2015). Outros países em destaque são o Canadá, Austrália e EUA. 14 “São Paulo – o maior tribunal brasileiro, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) conta com o maior número de CEJUSCS [Centros Judiciários de Resolução de Conflitos e Cidadania] instalados no país: são 153 unidades, sendo 7 na capital e 146 no interior. Os centros paulistas têm alcançado importantes índices de sucesso na área da conciliação. Antes do ajuizamento da ação, na chamada pré fase processual, o número de acordos vem beirando a 67%. Das 122 mil sessões de tentativas de conciliação, houve resultado positivo em 82 mil delas. Na área processual (quando o processo judicial está em curso), das 113 mil sessões, 56 mil foram positivas, alcançando 49% das conciliações”. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81709-conciliacao-mais-de-270-mil-processos-deixaram-de- entrar-na-justica-em-2015 > Acesso em: 05 abr 2016. COSTA, G.A.S. A Teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa Alethes | 233 No âmbito europeu, países como Áustria, Bélgica15 e Holanda, se destacam como pioneiros no processo de mediação. Estas utilizam o modelo VOM (vítima-ofensor-mediador), com círculos de apoio e co-responsabilização para o controle, segurança, proteção e reintegração dos indivíduos; mas com características diferentes. No caso da França, outro Estado pioneiro, utilizava-se o modelo VO (orientação ao ofensor). Na preocupação de estabelecer um modelo-base para os países europeus, a União Europeia elaborou a Recomendação n° (99)19 a respeito do processo de mediação, cujo propósito é uniformizar as regras de mediação nos países membros. Nessa recomendação, a União Europeia aponta para algumas características e princípios fundamentais (PELIKAN, 2002): a mediação como ato voluntário (o consentimento das partes deve ser livre e esclarecido); confidencialidade; acessibilidade; possibilidade de desistir em qualquer fase do processo e autonomia dos serviços de mediação (ou seja, podem existir instituições públicas ou privadas que façam o processo de mediação). Desse modo, há um enquadramento jurídico tanto nas legislações como nas linhas orientadoras do recurso à mediação (remessa do processo), objetivando instaurar uma harmonia com os direitos fundamentais e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais. O resultado das mediações são acordos de caráter voluntário, razoável e proporcional16. Em Portugal, existe a Lei n.º 29/2013, de 19 de abril, a qual refere-se aos Princípios Gerais Aplicáveis à Mediação (Civil e Comercial). A definição de mediação está presente no artigo 2º, a): “mediação, a forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas, através da qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo com assistência de um mediador de conflitos”, além de que, conforme no artigo 9º, n.º 1 “as partes podem, previamente à apresentação de qualquer litígio em tribunal, recorrer à mediação para a resolução desses litígios” e o n.º2, 15 Um detalhe da Bélgica é que esta possui uma característica – no processo de mediação – de que o mediador possui uma profissão exclusiva para tal. O programa é mais voltado ao ofensor, sendo realizado no começo ou final do inquérito. O Ministério Público e a política têm discricionariedade, além de que os crimes que podem ser usados na mediação são normalmente aqueles contra a pessoa e contra a propriedade (com pena menor de 2 anos), bem como delitos menores contra pessoa e crimes contra a propriedade. 16 “Council of Europe recommendations are in general marked by three features that shape and partly restrict in a clear way the scope and the influence of these international policy instruments: First, the various reports, recommendations and conventions of the CPDC [Committee of Experts convened by the European Committee on Crime Problems] are legal documents (…). Second, the cornerstone of the work of the Council of Europe is ‘European Convention on Human Rights and Fundamental Freedoms’ (ECHR) (…). Third, recommendations of the Council of Europe have no binding quality (…)” (PELIKAN, 2002). Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 220-239, mai/ago, 2016. Alethes| 234 o recurso à mediação suspende os prazos de caducidade e prescrição a partir da data em que for assinado o protocolo de mediação, ou, no caso de mediação realizada nos sistemas públicos de mediação, em que todas as partes tenham concordado com a realização da mediação” (PORTUGAL, 2013). No texto legal, fica explícito que o legislador português atendeu a maioria das recomendações feitas pela União Europeia, seguindo os seus principais princípios, como o da imparcialidade do mediador, confidencialidade, voluntariedade, igualdade, etc. Desse modo, desde os anos 70 até os dias de hoje, podemos perceber como a abordagem da Justiça Restaurativa e Mediação está se tornando algo mais presente e importante para as pessoas e ao próprio Estado. Tal reconhecimento ocorreu devido a uma longa jornada de estudos e análises, sendo que emphasize the urgency of considering how to place restorative justice within an adequate legal framework. First, because it will facilitate the spread of restorative justice practice into the institutional response to crime, and, second, because it will provide an opportunity to check the appropriateness of existing legal dispositions for implementing restorative practices properly. Without neglecting the communitarian and restorativist dream, we must look for ways to implement possibilities for restoration as far as possible in the real world. Legal formalism must not intrude upon the restorative process, but the process must take place in legalized context (WALGRAVE, 2002, p. 17). Com uma legislação que orienta as pessoas, está cada vez mais próximo e mais simples para as partes que aspiram a uma resolução de conflitos rápida, econômica e humanizada. O desenvolvimento desse processo é cada vez mais debatido e aprimorado. 3. A Esperança em forma de Educação. A teoria abolicionista, radical e marxista, se posiciona de uma maneira não-utópica, o que a faz ser ainda mais fascinante: “ao invés de ser apenas um punhado de críticas ao sistema penal com uma proposição utópica sobre o seu destino (abolição [do sistema penal]), é uma postura política” (ACHUTTI, 2012, p. 7), e esta teoria, na verdade, aborda “uma perspectiva, uma metodologia e, acima de tudo, uma (outra) forma de enxergar” (ACHUTTI apud RUGGIERO, 2010, p.1). Em um sistema de hoje, dar a alguém a oportunidade de falar e ser ouvido é algo muito incomum – mas não impossível. Empoderar indivíduos e incita-los a serem abertos para chegar a uma conclusão pode ser um meio de resolver muitos conflitos e “mal-entendidos”, além de economizar tempo (um processo de mediação duraria um tempo razoável e necessário para que o COSTA, G.A.S. A Teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa Alethes | 235 acordo se chegue, portanto, seria mais rápido do que um processo nas mãos de autoridades judiciárias) e dinheiro (o custo de advogados e taxas à Administração). Em relação ao tempo necessário, é importante que as partes não precisam se apressar apressarem. O tempo é conforme ambas se sintam a vontades e livres para dar-se início a comunicação e ao bom diálogo. Um dos pontos mais fortes que a Justiça Restaurativa pode ter é o empoderamento das pessoas. Um meio no qual as partes falam e sãoouvidas. Uma conversa baseada no respeito, nas legislações, Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. É importante para as partes saberem, antes do início do processo de mediação, quais são os seus direitos. Em uma sociedade contemporânea a comunicação é realizada majoritariamente via internet, uma conversa entre ofendido e a vítima é algo que deveria ocorrer com mais frequência. É reparar aquilo que foi danificado de uma maneira humanitária, consensual e proporcional, sendo assim, um sistema de práticas utilizadas para prevenir conflitos e crimes, que busca corrigir ou atenuar as consequências decorrentes de conflitos interpessoais, com a devolução do poder de solução do conflito criminal a vítima, ao ofensor e a comunidade para que decidam, dialoguem ou planejam sobre a melhor forma de solucionar este conflito, com o objetivo de reparar, sendo possíveis, total ou parcialmente, com o objetivo de reparar, sendo possíveis, total ou parcialmente, os danos causados pelo crime, promover ou possibilitar a reconciliação ou conciliação dos envolvidos e a restauração das vítimas, dos infratores e das comunidades. (SANTOS, 2014, p. 22) Como forma de amenizar os crimes – bem como as suas reincidências – Christie (1977, p. 14) comenta que, se as pessoas parassem mais para ouvir autores como Ivan Illich e Paulo Freire17, com certeza toda esta situação seria melhor compreendida. A importância da educação, orientação e restauração é fundamental para a vida das pessoas. É, talvez, o melhor meio de se aproximar na “cura do crime”. O autor ainda cita também o impacto da tecnologia nas relações sociais em 1977. Hoje o impacto ser igual ou maior (CHRISTIE, 1977, p.14). No final do seu artigo, Christie faz uma pergunta interessantíssima ao seu leitor: “what about universities in this picture?”18 (CHIRSTIE, 1977, p. 14). A educação tem o papel de formar 17 Paulo Freire, brasileiro, um dos maiores pedagogos mundiais, disse que “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”, além de que “a liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem. Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, as pessoas se libertam em comunhão”. Disponível em: < http://pensador.uol.com.br/autor/paulo_freire/> Acesso em: 03 abr 2016. 18Outro pensador citado por Christie é o austríaco Ivan Illich, o qual afirmava que as “grandes universidades tentam inutilmente alcançar [esta] aprendizagem multiplicando os cursos; mas geralmente fracassam porque estão presos a currículos, estruturas de curso e administração burocrática. Nas escolas, inclusive nas universidades, gasta-se a maioria Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, v. 06, n. 11, pp. 220-239, mai/ago, 2016. Alethes| 236 cidadãos com olhar crítico àquilo que está ao redor. Na sociedade em que vivemos, ser (bem) instruído é uma arma contra a alienação e falsas perspectivas. É saber escolher as suas fontes e analisa-las criticamente. As universidades têm um papel muito além do diploma: é garantir à seus alunos os instrumentos necessários para aprimorar as conjunturas sociais, econômicas e políticas da sua comunidade. É aprender a valorizar e conhecer a cultura local, entender a origem dos problemas e como solucioná-los. “Universities have to re-emphasise the old tasks of understanding and of criticizing” (CHISTIE, 1977, p. 14). Através dos estudos podemos contornar e aprimorar situações que devem ser analisadas com maior cuidado, como no caso da Justiça Restaurativa; um processo alternativo e humanitário em relação ao sistema judiciário comum. É necessário que os estudantes de hoje estejam preparados para uma realidade que envolva a sua comunidade, o seu cotidiano – sobretudo no Direito. Esta é uma área que exige uma atualização urgente nas legislações e reforma política, para acompanhar o desenvolvimento da comunidade e seus valores, principalmente na área penal, na qual ainda muitas pessoas acreditam que só há um meio de punir os infratores: prisão. As Universidades devem desenvolver uma prática de formar não apenas bacharéis, mas cidadãos capazes de mudar o seu redor de maneira justa e responsável. É garantir a cidadania nos tempos contemporâneos. É permitir um poder de voz oprimido durante há tempos Apesar de nem todas as ideias e perspectivas de Christie terem sido concretizadas, o criminólogo norueguês deixou profundas marcas na literatura que ainda hoje são bem debatidas. Os elementos apresentados devem estar sob um conceito de “propositivo-construtivo” ao tradicional processo judiciário, permitindo a sua forma de construção para uma afirmação de um modelo “informal de administração de conflitos desvinculado do tradicional paradigma crime- castigo” (ACHUTTI, 2012). Assim, visualiza-se, com isto, uma possibilidade efetiva de democratização no gerenciamento de conflitos: enquanto no sistema penal a resposta vem de cima – é imposta pela norma e aplicada pelo juiz -, na justiça restaurativa a resposta emerge dos princípios envolvidos, dado que não há solução prévia para todos os casos, e as mesmas deverão ser construídas conforme as peculiaridades de cada situação. Ao caminhar nesse sentido, a justiça restaurativa poderá colaborar para o fortalecimento da base dos direitos de cidadania e democracia (...), mas também para a redução de desigualdades oriundas do sistema de justiça criminal, especialmente em relação aos menos favorecidos social e economicamente, que constituem a sua maior clientela (...)” (ACHUTTI, 2012, pp. 12- 13). dos recursos tentado comprar o tempo e motivação de um número limitado de pessoa para que elas assumam determinados problemas e os resolvam segundo um programa ritualmente definido” (GARJADO, 2010). Ele era radical quando defendia a ideia da educação sem escola. COSTA, G.A.S. A Teoria de Nils Christie e a Justiça Restaurativa Alethes | 237 Democracia de uma maior participação do povo e menos de um Estado. Uma democracia que realmente proporcione meios e oriente sua comunidade para uma melhor saída na resolução de seus próprios litígios, seja através da educação, universidades com mais foco na formação de cidadãos conscientes de seus direitos e obrigações, programas públicos ou uma nova legislação. É fundamental que o autor do ato infracional, entenda as consequências e não reincida o crime; bem como que a própria vítima sinta suas necessidades reparadas de maneira proporcional e humana. Como defende Cesare Beccaria, em sua célebre obra Dos delitos e das penas, de 1764, “é que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada por lei”. Referências bibliográficas: ACHUTTI, Daniel. Justiça Restaurativa e Sistema Penal: Contribuições abolicionistas para uma política criminal do encontro., 2012 Disponível em: < http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/cienciascriminais/III/18.pdf > Acesso 13 mar 2016. APOLLO, Luiz Henrique. Estratégia da África do Sul pós-apartheid como líder regional da SADC. Conjuntura Global, Curitiba, v. 4, n. 3, p.478-494, 2015. Disponível em: <http://www.humanas.ufpr.br/portal/conjunturaglobal/files/2016/02/14-Luiz-Henrique- Apollo.pdf>. Acesso em: 05 abr 2016. ASHWORTH, Andrew. Responsabilities, rights and restorative justice. The British Journal Of Criminology, Oxford, v. 42, n. 4, p.578-595, 2002. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Ridento Castigat Moraes, 1794. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2016.BRAITHWAITE, John. Setting standards for Restorative Justice. The British Journal Of Criminology, Oxford, v. 42, n. 3, p.563-577, 2002. BRASIL. 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Para isso, cabe analisar o processo orçamentário federal como moeda de troca, a construção histórica dos diferentes regimes e a atuação do Congresso Nacional como principal ator do accountability horizontal. Através das falhas do presidencialismo de coalizão tem-se o intuito de demonstrar como o Congresso tem diminuído seu papel de cobrança de responsividade dos governantes, criando fortes retrocessos e cenários clientelistas para a consolidação da democracia brasileira pós Constituição de 1988. Contribui também com os fatores positivos de por que o Parlamentarismo se mostra uma melhor adoção que o Presidencialismo e quais são os reflexos da instabilidade de governança na macroeconomia através da tríplice função do Estado na economia. Palavras-chave: presidencialismo; parlamentarismo; governo de coalizão; Constituição de 1988; accountability. Abstract The paper approaches the brazilian coalition presidentialism’s political erosing and how these advantages contribute to a political backlash in progressing of Brazilian constitutional democracy. It properly fits analyzing federal budget process as exchange tool, the historic construction of different government administration and the Nacional Congress as the main actor at horizontal accountability process. Through that observation, it has the objective in demonstrating how Congress accountability has been reduced, creating backlashes and issues in brazilian process of democracy consolidation. Also the article contributes to present positive factors about the adoption of parliamentary government and the reflections of instability in macroeconomic sector through the triple function of State in Economy. Key – words: presidentialism; parlamentarism; coalition government; Constitution of 1988; accountability. 1 Graduando do 07º período no bacharelado em Direito na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Membro pesquisador e fundador do Laboratório Americano de Estudos Constitucionais Comparados. Auxilia o corpo editorial do periódico Alethes. Escritor com publicação de contos e poesias. Autor da novela histórico-política Abapanema: o lugar das coisas ruins. MENDES, M.A.S. Anatomia do presidencialismo de coalizão Alethes | 241 1. Introdução: o discurso político tratado pelo viés histórico e econômico A discussão que remete à temática do presidencialismo de coalizão certamente não é inovadora. Qualquer debate que adentre o âmbito da Reforma Política, por mais superficial que seja sua natureza, perpassa pela crise do modelo de representatividade brasileiro. Apesar dos termos “presidencialismo” e “coalizão” só terem sido utilizados com esse viés em meados da Constituinte de 1988, por sociólogos como Sérgio Abranches ou Ferreira Limongi, o funcionamento do instituto não é nada mais do que uma renovação da contextualização histórica dos arraigados privilégios oligárquicos de nossa sociedade. O presente trabalho não se dispõe a ser um escrito exauriente ou amplamente inovador quanto ao conteúdo de definição do instituto. Consoante a atual crise institucional vivenciada pela decorrência de um processo de impeachment em curso, o artigo visará fazer uma revisão bibliográfica sobre os principais autores que dissertaram acerca da temática. O que é que já se tem de constatações sobre essa representação anacrônica. Contudo, não se limitará a fazer uma análise de conceitos. Aplicará uma abordagem econômica pouco utilizada nos artigos que discutem sociologicamente o tema. Frente às funções do Estado na atuação regulatória da Economia e sobre como se dá o processo orçamentário federal na atual Constituição, construir-se-á o viés crítico sobre a criação de um sistema intra estatal que financia o projeto de representatividade disforme da coalizão. É notório que crises da monta como a vivenciada atualmente não se expressam por fatores criados aleatoriamente e de forma instantânea. Há todo um processo histórico que justifica o comportamento das instituições no atual Estado Moderno e na específica conjuntura brasileira. Por isso, faz-se mister abrir cada discussão com uma introdução aos elementos históricos de cada setor. Em primeiro plano, os fundamentos históricos da evolução do Estado de Direito ao Estado Constitucional de Direito. Em segundo plano, a evolução da proposta orçamentária no Brasil desde a Constituição de 1824 até a recente Constituição de 1988. E por fim, de forma a propor uma solução, prima apresentar a construção histórica do Parlamentarismo no modelo anglo-saxão, como sua estrutura é coerente com as bases da teoria do accountability, e as ressalvas históricas brasileiras que permitem identificar as dificuldades sócio-políticas para a implantação de uma democracia parlamentar aos moldes da inglesa. 2. Presidencialismo de coalizão: a problemática Abre-se o presente estudo com
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