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Direito do consumidor Pacto de Varsóvia

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O PACTO DE VARSÓVIA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: APONTAMENTOS SOBRE O ESTRAVIO DE BAGAGENS
PACTO DE VARSÓVIA – CONSIDERAÇÕES GERAIS E PREVISÃO DE EXTRAVIO DE BAGAGEM
	
	Documento pactuado em 14 de maio de 1955, na cidade de Varsóvia, capital polonesa, sete países do Leste Europeu, sendo União Soviética, Hungria, Romênia, Alemanha Oriental, Albânia, Bulgária, Tchecoslováquia e Polônia, firmaram aliança militar em reação ao ingresso da Alemanha Ocidental na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderado pelos soviéticos.
	Composto por um preâmbulo e 11 artigos, escritos em russo, polonês, tcheco e alemão, o Tratado de Amizade, Cooperação e Ajuda Mútua do Leste, ou Pacto de Varsóvia, entrou em vigor em 04 de junho de 1955, que tinha por base legal o artigo 51 da Carta das Nações Unidas, que previa o direito do uso da força em caso de agressão armada, o que na teoria trazia a garantia de uma segurança coletiva. Contudo, na prática, servia de instrumento, tanto político quanto militar, de controle soviético sobre o Leste Europeu durante a Guerra Fria.
	Um dia depois da assinatura do pacto, foi sancionado o Tratado de Viena, relativo à criação do Estado Austríaco. O documento restabeleceu a soberania do país, obrigando os aliados a sair da Áustria em 90 dias. Foi um duro golpe para os soviéticos, que tiveram que bater em retirada. Até as bases na Romênia e na Hungria foram desativadas.
	Assim que a Hungria manifestou vontade de sair do Pacto, em 1956, o grito de liberdade foi logo sufocado pelas tropas do bloco. Doze anos mais tarde, foi a vez da Tchecoslováquia. Praga, a capital do país, foi invadida por tanques russos, acontecimento que ficou conhecido como a Primavera de Praga.
	A invasão da Tchecoslováquia foi vista pelos demais filiados como uma censura inadmissível. A Romênia apoiou a intervenção e a Albânia abandonou o Pacto de Varsóvia. Moscou ainda tentou manter a aliança a todo custo, mas o esforço foi inútil. Em 1985, os sete membros do Pacto se reuniram para renovar a aliança por mais 20 anos, mas a queda dos regimes comunistas no Leste, a partir de 1989, condenou o sistema à extinção.
	A Convenção de Varsóvia, enquanto tratado internacional comum, possui natureza de lei ordinária e, portanto, está no mesmo nível hierárquico que o CDC. Logo, não há diferença de hierarquia entre os diplomas normativos. Diante disso, a solução do conflito envolve a análise dos critérios cronológico e da especialidade.
	Em relação ao critério cronológico, os acordos internacionais referidos são mais recentes que o CDC. Isso porque, apesar de o Decreto 20.704 ter sido publicado em 1931, ele sofreu sucessivas modificações posteriores ao CDC.
	Além disso, a Convenção de Varsóvia – e os regramentos internacionais que a modificaram – são normas especiais em relação ao CDC, pois disciplinam modalidade especial de contrato, qual seja, o contrato de transporte aéreo internacional de passageiros.
	Três importantes observações:
as Convenções de Varsóvia e de Montreal regulam apenas o transporte internacional (art. 178 da CF/88). Em caso de transporte nacional, aplica-se o CDC;
a limitação indenizatória prevista nas Convenções de Varsóvia e de Montreal abrange apenas a reparação por danos materiais, não se aplicando para indenizações por danos morais.
as Convenções de Varsóvia e de Montreal devem ser aplicadas não apenas na hipótese de extravio de bagagem, mas também em outras questões envolvendo o transporte aéreo internacional.
	Referente ao transporte internacional, as indenizações no Brasil seguem o que reza na Convenção de Varsóvia. É uma denominação costumeiramente dada à convenção destinada à unificação de regras relativas a Transporte Aéreo Internacional, assinada em Varsóvia, em 1929. Tal Convenção foi alterada em Haia, em 1955. Grassi Neto (2007, p. 119), informa ainda que:
No transporte internacional de pessoas, a responsabilidade civil do transportador é limitada à importância de duzentos e cinqüenta mil francos, por passageiro (art. 22, alínea 1). Em se cuidando de transporte internacional de mercadorias, ou de bagagem registrada, a responsabilidade do transportador ficará limitada à quantia de duzentos e cinqüenta francos por quilograma [...]. No que concerne aos objetos que o passageiro conservar sob sua guarda, a Convenção de Varsóvia estabelece que a responsabilidade do transportador limita-se a cinco mil francos por passageiro. A Convenção de Varsóvia adota como unidade monetária para indenização o denominado ‘franco poincaré’ (art. 22, alínea 5) que tem o valor de sessenta e cinco miligramas e meia de outro puro [...].
	Frisa-se, então, que no transporte aéreo internacional, a Convenção de Varsóvia, de 1929, modificada em Haia, em 1955, é regida por princípios parecidos aos do Código Brasileiro de Aeronáutica, de 1986, ou seja, "a responsabilidade é ilimitada em caso de dolo ou culpa grave e, fora disso, é tarifada, embora se estabeleçam limites de indenização bem superiores aos fixados no Código Brasileiro." (NORONHA, 2002, p. 173).
	É importante destacar, que à luz do Código Brasileiro de Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia, a responsabilidade da empresa transportadora apenas é limitada "na hipótese de ocorrência de dolo ou culpa grave, sendo nos demais casos é tarifada", é o que afirma Noronha (2002, p. 173). Por outras palavras, diz que:
No Código Brasileiro de Aeronáutica e na Convenção de Varsóvia, a responsabilidade em princípios é objetiva e tarifada; só passando a ser subjetiva, e neste caso sem tarifação, caso se prove dolo ou culpa grave da empresa transportadora ou de seus prepostos. A culpa simples (ou mera culpa) será simplesmente irrelevante [...].
	É bom lembrar que a jurisprudência nacional tem se manifestado no sentido da ampla reparabilidade nas hipóteses de perda, extravio, destruição ou avaria de bagagens. A respeito de tal tema, destaca-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça - REsp. 552553/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.02.2006, no sentido de que o transportador aéreo, seja em viagem nacional ou internacional, responde integralmente pelo extravio de bagagens e de cargas, mediante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, afastando-se a incidência da Convenção de Varsóvia e, por via de conseqüência, a limitação à indenização tarifária. No mesmo sentido: STJ, REsp 520732/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU, 9.2.2004; STJ, REsp 538685/RO, 4ª Turma, Rel. Ministro Barros Monteiro, DJU, 16.2.2004.
	Na doutrina, encontra-se entendimento semelhante ao da jurisprudência nacional, como o de Melo (2008, p. 245):
Embora haja quem defenda a não-aplicabilidade do código consumerista às relações decorrentes de transportes aéreos, tanto nacional como internacional, o entendimento majoritário, na doutrina e na jurisprudência, é que o Código de Defesa do Consumidor derrogou o Código Brasileiro de Aeronáutica e o Tratado de Varsóvia naquilo que tarifavam ou limitavam a indenização devida por dano causado aos usuários dos serviços de transportes aéreos. A justificativa encontra-se no fato de que o Código do Consumidor é lei de ordem pública, editada atendendo a um comando constitucional (CF, art. 5º, XXXII).
	Amaral Júnior (1999, p. 75), por sua vez, entende que "o Código de Defesa do Consumidor aplica-se, igualmente, ao transporte aéreo internacional."
O EXTRAVIO DE BAGAGEM NO BRASIL – PREVISÃO NO CDC E JURISPRUDÊNCIA
	O Código de Defesa do Consumidor, que tem por finalidade regulamentar as relações de consumo, preceitua que:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Tendo em vista a relação jurídica de consumo consolidada entre a empresa aérea e o passageiro, há muitos julgados do STJ em que se aplicam o disposto no CDC aos casos de extraviode bagagem em voos nacionais, fundamentando-se na responsabilidade objetiva do prestador de serviço em reparar os danos causados aos consumidores, na forma do artigo 14 transcrito acima.
Dessa forma, vem sendo reconhecida pelos tribunais a possibilidade dos passageiros de voo nacional receberem tanto indenização por danos morais quanto por danos materiais quando ocorrer o extravio de suas bagagens, conforme demonstrado por recentes jurisprudência do STJ (STJ - AREsp: 1052964 SP 2017/0025437-8, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 08/03/2017 e STJ - AREsp: 1060116 SP 2017/0039839-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 17/03/2017).
Entretanto, ao se tratar de voos internacionais, o STF decidiu em 25/05/2017 ao julgar a RE 636.331 e a ARE 766618, que a relação de consumo envolvendo transporte internacional de passageiros deveria ser solucionada por meio das regras estabelecidas nas convenções internacionais que tratam sobre o assunto, como o Tratado de Varsóvia e Montreal, e não pelo CDC, conforme regra disposta na Constituição Federal de 1988.
Segundo a decisão do STF, as empresas aéreas têm obrigação de indenizar pelos danos materiais nos casos de extravio ou destruição de bagagem, no entanto tal obrigação não se estende aos danos morais como prevê o CDC. Outrossim, ao contrário do estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, o prazo de prescrição para esses casos é de dois anos.
DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO DO STF
Em relação ao tema abordado no presente trabalho, trouxemos duas decisões que foram postas frente ao STF para solução de conflitos, existentes em relação à voos internacionais de passageiros, quanto a questão do extravio de bagagens.
As decisões encontradas dizem respeito ao julgamento conjunto do Recurso Extraordinário 636331 e Recurso Extraordinário com Agravo 766618.O RE 636331, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, foi ajuizado no Supremo pela Air France contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que, levando em conta a existência de relação de consumo entre as partes, determinou que a reparação pelo extravio de bagagem deveria ocorrer nos termos do CDC, e não segundo a Convenção de Varsóvia.
Já o ARE 766618, relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso, foi interposto pela empresa Air Canadá contra acórdão da justiça paulista, que aplicou o CDC e manteve a condenação da empresa ao pagamento de R$ 6 mil a título de indenização por danos morais a uma passageira, por atraso de 12 horas em voo internacional. A empresa pedia a reforma da decisão, alegando que o prazo de prescrição de ação de responsabilidade civil decorrente de atraso de voo internacional deveria seguir os parâmetros da Convenção de Montreal, sucessora da Convenção de Varsóvia, que é de dois anos, e não do CDC, cuja prescrição é quinquenal.
E em relação aos casos acima expostos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria de votos, que os conflitos envolvendo extravios de bagagem e prazos prescricionais ligados às relações de consumo em transporte aéreo internacional de passageiros devem ser dirimidos pelas regras estabelecidas pelas convenções internacionais sobre a matéria, desde que ratificadas pelo Brasil.
O fundamento central da decisão se alicerça no artigo 178 da Constituição Federal de 1988, cujo caput dispõe o seguinte:
Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade (BRASIL, 1988). 
O denominado Princípio da Reciprocidade consiste na permissão da aplicação de certos efeitos em relações de cunho jurídico quando tais efeitos são aceitos e aplicados igualmente por entes jurídicos opostos. Implica respeito mútuo e direito de igualdade entre Estados soberanos. 
Sobre a aplicabilidade do referido princípio no Direito Internacional Público, Diego Pereira Machado discorre que se dá de forma específica, consoante entendimento abaixo transcrito:
O princípio da reciprocidade tem uma ampla aplicabilidade dentro do Direito Internacional Público e das Relações Internacionais, contudo comporta restrições, especialmente quando frente a institutos humanitários, tais como o asilo e o refúgio, onde suas concessões visam proteger pessoas perseguidas (MACHADO, 2012).
Segundo o julgado e por força do referido artigo, as normas e tratados internacionais que limitam a responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal.
O artigo 22 da Convenção de Varsóvia, aventado na decisão supracitada, abarca as responsabilidades decorrentes do atraso da bagagem e da carga e, por força da decisão supramencionada, deve ser aplicado doravante nos aludidos casos em território nacional.
No início do julgamento, em maio de 2014, os relatores votaram pela prevalência das convenções internacionais. Para o ministro Gilmar Mendes, relator do RE 636331, o preceito de Defesa do Consumidor não é o único mandamento constitucional que deve ser analisado no caso. Segundo ele, a Constituição prevê a observância aos acordos internacionais. O ministro Barroso concordou comtal entendimento,dizendo inclusive que o artigo 178 da Constituição Federal estabelece, exatamente, a obediência aos acordos internacionais ratificados pelo país na ordenação dos transportes aéreos. Os dois foram acompanhados, na ocasião, pelo voto do ministro Teori Zavascki. No entanto, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista da ministra Rosa Weber.
Como já mencionado anteriormente, houve concordância da maioria dos relatores pela decisão da prevalência das convenções internacionais face o CDC. Os votos divergentes foram manifestados pelos Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, os quais alegaram que pelo fato das companhias aéreas realizarem atividades deprestação de serviço, a relação estabelecida entre elas e os passageiros seria uma relação de consumo, e assim sendo o mais correto seria aplicação do CDC para sua regulação. 
 Na fundamentação de seu voto o Ministro Celso de Mello se manifestou da seguinte maneira: em que “tratando-se de relações de consumo, nas quais os passageiros figuram inquestionavelmente como destinatários finais dos serviços de transporte aéreo, deve-se aplicar o CDC e não as convenções internacionais”.
O julgamento dos casos foi concluído na sessão do dia 25 de maio de 2017,após apresentação do voto-vista da ministra Rosa Weber, que veio por acompanhar o posicionamento dos relatores, ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, em prol da prevalência, nos dois casos, das convenções internacionais sobre as normas constantes no CDC.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
__________. 1955: Criado o Pacto de Varsóvia. Disponível em: http://www.dw.com/pt-br/1955-criado-o-pacto-de-vars%C3%B3via/a-519362?maca=bra-uol-all-1387-xml-uol.
__________. STF: Indenização por extravio de bagagem é regulada por convenção internacional, e não CDC. Disponível em http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI259439,21048-STF+Indenizacao+por+extravio+de+bagagem+e+regulada+por+convencao.
__________. Transporte aéreo deve seguir convenções internacionais sobre extravio de bagagens. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=344530. 
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. O Código de Defesa do Consumidor e as cláusulas de limitação da responsabilidade nos contratos de transporte aéreo nacional e internacional. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 88, v. 759, janeiro 1999, fascículo 1 – Matéria Civil – Doutrina Civil, p. 75.
BRIGIDO, Carolina. STF fixa limite de € 1.200 para mala extraviada em voo internacional. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/stf-fixa-limite-de-1200-para-mala-extraviada-em-voo-internacional-21395087.
CARVALHO, Filipe Raposo de.O princípio da reciprocidade aplicado às formas de remoção compulsória do estrangeiro. Disponível em: http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/2816/1/PDF%20-%20Filipe%20Raposo%20de%20Carvalho.pdf.
FÉ, Dilson Santa. Entenda o interesse soviético com a criação do Pacto de Varsóvia. Disponível em: http://www.ebc.com.br/noticias/internacional/2015/05/entenda-o-interesse-sovietico-com-criacao-do-pacto-de-varsovia.
GRASSI NETO, Roberto. Crise no setor de transporte aéreo e a responsabilidade por acidente de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 64, out./nov. 2007, p. 119.
MACHADO, Diego Pereira. O princípio da reciprocidade e o direito brasileiro. Disponível em: https://diegomachado2.jusbrasil.com.br/artigos/121933185/o-principio-da-reciprocidade-e-o-direito-brasileiro.
MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral nas relações de consumo: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 245.
NORONHA, Fernando. A responsabilidade civil do transportador aéreo por dano a pessoas, bagagens e cargas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 44, out./nov. 2002, p. 173.
SANTOS, Julio Edstron Secundino e SILVA, Jonas Sales Fernandes da. CDC deve basear reparação por extravio de bagagem em voo internacional. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-out-23/cdc-basear-reparacao-extravio-bagagem-voo.

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