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Jusnaturalismo

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Jusnaturalismo e Contratualismo
por Alexsandro M. Medeiros
lattes.cnpq.br/6947356140810110
postado em 2016
		 O jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe um direito natural (ius naturale) que tem validade em si e é anterior ao direito positivo. Enquanto para o direito positivo só há um direito, que é o estabelecido pelo Estado o jusnaturalismo parte do princípio de que os direitos naturais assim o são, ou porque foram estabelecidos e revelados por Deus aos homens (jusnaturalismo teológico), ou derivam da própria ideia de que existem leis naturais no universo (jusnaturalismo cosmológico), ou constituem leis naturais da vida e cabe ao homem, usando a razão, descobri-las (jusnaturalismo racionalista) (FASSÓ, 1998).
Tais noções divergem, como vimos, do que entendem como natural, ou melhor, da origem dessa naturalidade, se assim podemos nos expressar. Concordam, todavia, nos seguintes aspectos: os direitos naturais são anteriores lógica e temporalmente ao Estado e a ele são superiores, o que, por si só, já dá suficientemente os limites dos futuros direitos e leis positivas: não podem ir de encontro aos naturais sob pena de “ilegalidade racional e natural”, digamos (VILALON, 2011, p. 51).
			A teoria do direito natural abrange uma grande parte da filosofia desde a antiguidade, passando por pensadores como Sócrates, os Estóicos, até a Idade Média com Tomás de Aquino e modernidade com Thomas Hobbes, Hugo Grócio, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, entre outros.
 
Jusnaturalismo Cosmológico
			O jusnaturalismo cosmológico foi a doutrina do direito natural que caracterizou a antiguidade greco-latina, fundado na ideia de que os direitos naturais corresponderiam à dinâmica do próprio universo, refletindo as leis eternas e imutáveis que regem o funcionamento do cosmos. Desde a Grécia anterior ao século VI a.C., durante o denominado período cosmológico, já se admitia uma justiça natural, emanada da ordem cósmica. Platão é um exemplo de como a justiça ideal expressa a hierarquia harmônica das três partes da alma, por exemplo: a alma concupiscível, irascível e racional. A justiça política revela uma harmonia semelhante à justiça do indivíduo que consiste no equilíbrio entre os desejos e paixões (alma concupiscível), as emoções (alma irascível) e a sabedoria (alma racional). Portanto, a justiça consiste de uma imperativa adequação da conduta humana à ordem ideal do cosmos e da alma, constituindo ela a lei suprema da sociedade organizada como Estado.
			Mas é com os estóicos a partir da noção de logos que a concepção jusnaturalista irá se construir de fato. A razão universal (logos) que rege todos as coisas está presente em cada homem, sem distinções; enquanto parte da natureza cósmica, o homem é racional, donde se infere a existência de um direito natural universalmente válido e baseado na razão, o qual não se confunde com o direito posto pelo Estado. Deste modo, o fundamento da ética e de todo o conceito de justiça reside na ordenação cósmico-natural. Grandes jurisconsultos romanos, como Cícero, eram orientados pelo estoicismo, pelo que o humanismo estóico passou a conceber o dever e a determinar a escolha da atitude racionalmente mais aceitável para a edificação de uma ordem justa. Para Cícero, existiria uma verdadeira lei: a reta razão conforme a natureza, difusa em todos e sempre eterna. Nesta definição o jurisconsulto identifica a razão com a lei natural, centralizando as tendências estóicas à fundamentação racional de uma visão cosmopolita do direito e da justiça. A lei natural fundamentava não só o jus naturale, como também o jus civile e o jus gentium, não havendo, portanto, oposição entre as três expressões do direito, pois cada uma delas corresponderia a determinações graduais do mesmo princípio universal.
 
Jusnaturalismo Teológico
			Ao jusnaturalismo cosmológico, que atribui uma ordem natural ao cosmos que deve servir de orientação para as ações humanas, os cristãos vão acrescentar a ideia de Deus, como sendo a origem desta ordem e do qual emana a harmonia do universo. Para o cristianismo, não é na justiça humana que reside a verdade, mas na lei de Deus, que age de modo absoluto, eterno e imutável. Segundo o jusnaturalismo teológico, o fundamento dos direitos naturais seria a vontade de Deus
 
Jusnaturalismo Racionalista
			No século XVII a concepção do jusnaturalismo teológico foi, gradativamente, substituída por uma doutrina jusnaturalista subjetiva e racional, buscando seus fundamentos na identidade de uma razão humana universal. O jusnaturalismo racionalista irá encontrar o seu ápice com o advento do iluminismo, despontando a razão humana como um código de ética universal e acreditando que a racionalidade humana poderia ordenar a natureza e vida social.
			Mas antes de encontrar seu ápice com o iluminismo, é com as teorias contratualistas que o jusnaturalismo racionalista vão fomentar suas bases e ideais. As teorias contratualistas representam uma forma de pensamento em que uma espécie de contrato social determinou a passagem da vida humana do estado de natureza para o estado civil, para que os direitos naturais e individuais fossem assegurados e colocados sob a guarda de um soberano. Ao Estado cabe a função máxima de cumprir essa função essencial, acordada por todos os contratantes do pacto social. O “[...] derecho originario debe ser garantizado por el Estado a través de las leyes civiles, es decir, del derecho. La función de las leyes civiles es definir y establecer las condiciones bajo las cuales los individuos pueden interactuar en tanto seres libres” (RODAS, 2010, p. 16).
			Na opinião do filósofo inglês Thomas Hobbes, a única maneira de o direito natural prevalecer seria por meio da submissão de todos os que estavam no estado de natureza, abdicando de suas liberdades, instituindo o Estado, e subordinado-se às ordens do soberano. Ao Estado cabe, inclusive, o poder de coação se for necessário, para garantir o direito natural.
Hobbes piensa que la naturaleza de los derechos y las libertades es tal que su conservación justifica el uso de la coacción. Así, argumenta que los derechos pueden hacerse cumplir coactivamente. Los derechos son uma extensión necesaria de la libertad, de modo que cualquier persona que trate de interferir con los derechos interfiere con la libertad. Lo establecido por médio del derecho debe ser respetado y el Estado está facultado para coaccionar al que transgreda los límites impuestos por el derecho. El Estado, que ejerce la coacción, en virtud de que se le ha transferido esa autoridad coercitiva para asegurar la libertad, obtiene su legitimidad en la medida en que garantiza que todos los individuos pueden ejercer sus derechos individuales (RODAS, 2010, p. 16).
			Cumpre notar que Hobbes é um dos primeiros a fazer uma distinção entre direito e lei (jus e lex): “[...] direito consiste na liberdade de fazer ou de omitir, ao passo que a lei obriga ou determina uma dessas coisas” (apud BRANCO, 2004, p. 33). E embora Hobbes faça inúmeras referências ao que poderíamos chamar de lei natural, o filósofo não deriva o “direito constitucional”, se assim podemos nos exprimir, de leis naturais, eternas e universais, mas de um consentimento e acordo entre homens e, neste sentido, podemos dizer que Hobbes é um dos precursores do direito positivo. As leis da natureza seriam, antes, regras morais acerca do bem e do mal ou princípios estabelecidos pelos ditames da razão.
			Outro filósofo inglês, John Locke, incorporou o direito natural a muitas de suas teorias e à sua filosofia. Ao direito natural da liberdade, Locke acrescenta o direito à vida e à propriedade. A função básica do contrato social é garantir a preservação destes três direitos e para qualquer governante que contrarie o direito natural, as pessoas estariam justificadas em derrubar o seu governo.
			Mas é com a obra do filósofo alemão Imannuel Kant que a proposta de racionalização do jusnaturalismo atinge um maior grau de profundidade e sofisticação intelectual. Kant preocupa-se em fundamentara prática moral, por exemplo, em uma lei inerente à racionalidade universal humana, o chamado imperativo categórico: age de tal modo, segundo uma máxima tal, que possas querer, ao mesmo tempo, que se torne uma máxima universal. A razão prática é legisladora que define os limites da ação e da conduta humana. O agir livre é o agir moral. O agir moral é o agir de acordo com o dever. O agir de acordo com o dever é fazer de sua lei subjetiva um princípio de legislação universal, a ser observada por todos. De igual modo a justiça se impõe como um imperativo da razão, segundo duas regras que se complementam: age de modo a tratar a humanidade, na sua como na pessoa de outrem, sempre como fim, jamais como simples meio, bem como age segundo uma máxima que possa valer ao mesmo tempo como lei de sentido universal.
			No jusnaturalismo racionalista moderno, o conhecimento jurídico passa a ser um constructo sistemático da razão, conforme o rigor lógico da dedução matemática.
 
Jusnaturalismo Contemporâneo
			Às três formas de jusnaturalismo mencionadas anteriormente cumpre acrescentar a visão contemporânea do direito natural. Mas aqui já não se trata mais de defender a existência de um direito natural. Só há um direito, o estabelecido pelo Estado (direito positivo), cuja validade independe de qualquer referência a valores éticos ou “naturais”.
			Os séculos XIX e XX são dominados pelo positivismo científico, ao priorizar um tratamento empírico dos fenômenos estudados, não havendo espaço para as especulações abstratas e metafísicas do direito natural. O século XIX foi também o século em que surgiram as ciências sociais como a Sociologia, Antropologia e a Etnologia, que passaram a apontar a diversidade cultural das sociedades humanas. Diante disso, essas ciências sociais passariam a evidenciar que a concepção de justiça seria variável no tempo e no espaço, ao contrário do conceito eterno e perene da justiça difundido pelos jusnaturalistas. Sendo assim, repele-se a ideia de uma justiça perene e imutável, apresentando, em contrapartida, uma visão relativista quanto as possibilidades de configuração de um direito justo. Trata-se da constatação de que, em qualquer sociedade humana, haverá uma forma de vivenciar o direito justo, visto que a justiça se revela um anseio fundamental da espécie humana. O conteúdo do que seja o direito justo variará, contudo, no tempo e no espaço, ao sabor das exigências valorativas de cada cultura.
 
Leia mais: http://www.portalconscienciapolitica.com.br/products/jusnaturalismo-e-contratualismo/
 Tal como o filósofo inglês Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau sustenta que a sociedade surge a partir de um pacto, um contrato estabelecido entre os homens, que faz com que estes abandonem o estado de natureza e se organizem em sociedade. Contudo, diferentemente de Hobbes, Rousseau sustenta em sua obra, Do Contrato Social, que a soberania pertence ao povo, que livremente deve transferir seu exercício ao governante. Suas ideias democráticas inspiraram os líderes da revolução francesa e contribuíram para a queda da monarquia absoluta, a extinção dos privilégios da nobreza e do clero e a tomada do poder pela burguesia. O filósofo, no conjunto de suas obras, nos alertaria para a complexa relação homem-sociedade enfatizando, sobretudo, as inúmeras formas de “corrupção” do homem pela sociedade. O homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe, diz o filósofo. O homem em seu estado natural é um ser puro, desprovido de quaisquer formas de corrupção. Contudo, através do seu convívio na sociedade ele adquire novas “necessidades”, e com elas, surgem novos desejos que objetivam ser realizados. Através do convívio social o homem torna-se um ser degradado e decompõe suas estruturas. O homem cria novas necessidades, surgidas através do convívio em sociedade, e assim sendo, deseja satisfazê-las. Desta forma, passa a agir em função destas necessidades.
		 Pensador francês do séc. XVII, período do apogeu do Iluminismo, Rousseau foi um autêntico teórico revolucionário, assim como Voltaire e Montesquieu. Numa Europa ainda dominada pelo espírito absolutista do Antigo Regime, Rousseau enfrentou sérios problemas uma vez que em sua obra Do Contrato Social, apontava o povo como origem legítima do governo, afirmação que causou a condenação de sua obra e de seu autor pelo parlamento de Paris, além de ter sido decretada sua prisão.
		 O Contrato Social é um clássico de filosofia e política, um estudo minucioso, profundo e sistemático das teorias políticas em meados do século XVIII. Nele, são discutidas as questões da origem, formação e manutenção das sociedades humanas entendidas sobre a base da celebração de um acordo ou contrato entre os homens. O povo aparece como a origem legítima do poder soberano e não mais a figura do monarca. O povo passa a ser o soberano e o governante (monarca ou administrador eleito) restringe-se à função de agente do soberano. Rousseau torna-se, desta forma, um dos maiores defensores da democracia, forma de governo segundo a qual o poder político deve estar integralmente nas mãos do povo.
 
O Contrato Social
		 Em sua obra Do Contrato Social Rousseau situa duas etapas determinantes do processo de transição do estado de natureza para o estado civil (surgimento da sociedade): primeiro, o início da sociedade civil com a instituição da propriedade privada e, segundo, como simultâneo ao aparecimento das desigualdades sociais.
		 O primeiro livro do Contrato tem como objetivo discutir qual a origem e o fundamento legítimo da sociedade política (Estado civil). Rousseau fala da condição natural do homem em contraste com a sua condição social, resultando destas duas condições duas formas de liberdade (natural e social) sendo que esta última restringe a liberdade da condição natural do ser humano: “O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros” (ROUSSEAU, 1973, p. 22). Mas é preciso considerar que embora sua condição social prive o homem de muitas vantagens que frui na natureza, ele também ganha algumas outras:
suas faculdades se exercem e se desenvolvem, suas ideias se alargam, seus sentimentos se enobrecem, toda sua alma se eleva a tal ponto que, se os abusos dessa nova condição não o degradassem frequentemente a uma condição inferior àquela donde saiu, deveria sem cessar bendizer o instante feliz que dela o arrancou para sempre e fez, de um animal estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem (ROUSSEAU, 1973, p. 36).
		 Ao analisar o fundamento legítimo da sociedade política Rousseau reflete sobre as condições reais e efetivas em que se deu a passagem de sua condição natural para a condição social do ser humano e em que condições a transformação pode operar-se legitimamente. Natureza (condição natural) e convenção (condição social) são os dois grandes temas do Livro I do Contrato.
			As desigualdades sociais não são naturais como pensava Aristóteles (basta lembrar que o filósofo grego considerava natural a escravidão pois, segundo o mesmo, a natureza criou seres para mandar e outros para obedecer, homens livres e escravos, procurando justificar assim a sociedade escravocrata de sua época), mas fruto de uma convenção estabelecida entre os homens. A única forma de associação natural (em decorrência de uma necessidade instintiva) para Rousseau é a da família: “ainda assim só se prendem os filhos ao pai enquanto dele necessitam para a própria conservação. Desde que tal necessidade cessa, desfaz-se o liame natural [...] Se continuam unidos, já não é natural, mas voluntariamente, e a própria família só se mantém por convenção” (ROUSSEAU, 1973, p. 23). Mais uma vez Rousseau se distancia de Aristóteles, para quem dessa sociedade primária, a família, derivam todas as demais. A Sociedade civil não se formou por extensão dos laços de família, mas por convenção.
			Essa forma de convenção só pode ser considerada ilegítima, pois de forma alguma se pode conceber que um povo se alienea um rei em que tudo se aproveitasse a uma só das partes: essa foi a primeira convenção e só isso já caracteriza sua ilegitimidade. Por natureza nenhum homem tem autoridade sobre seus semelhantes, portanto, foi através de alguma convenção que passou a existir a autoridade do rei. Mas por qual motivo um povo se tornaria súdito de um rei já que este “longe de prover a subsistência de seus súditos, apenas dele tira a sua [...] Afirmar que um homem se dá gratuitamente constitui uma afirmação absurda e inconcebível” (ROUSSEAU, 1973, p. 26-27). Só a convenção explica uma autoridade absoluta e uma obediência sem limites. Tudo se origina de uma convenção e uma convenção que, em lugar da liberdade natural irrestrita, instala agora uma liberdade convencional fruto de um pacto social. O efeito principal do pacto social é dar origem a uma nova “entidade”, um “corpo moral e coletivo” que não é um simples agregado de homens, mas o “corpo político”.
Esse ato de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembleia, e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político [...] Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado (ROUSSEAU, 1973, p. 33-34 – grifos do autor).
		 O pacto social que fez surgir a Sociedade civil resultou de um processo que deu origem as desigualdades sociais entre os homens que, por sua vez, surge com a instituição da propriedade privada: “O verdadeiro fundador da sociedade foi o primeiro homem que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer ‘isto é meu’, encontrou pessoas simples e humildes o suficiente para acreditá-lo” (ROUSSEAU, 1973). Rousseau exemplifica dessa forma a instituição da propriedade privada e a hipótese da desigualdade humana para o principal problema da organização política: divisão do trabalho, agricultura, metalurgia, tudo levando à descoberta da propriedade e dela à desigualdade e opressão. A propriedade determina o que é “meu” e o que é “teu” e, como há capacidades diferentes, fatalmente uns terão mais do que outros e quererão manter sua posse e transformá-la em propriedade.
		 Essa ideia aparece no Contrato quando Rousseau fala sobre o direito do primeiro ocupante. O direito do primeiro ocupante é posterior ao direito de propriedade. A instituição da propriedade, posse por parte de um (o primeiro ocupante) e aceitação pelos demais, aliada ao surgimento da agricultura e metalurgia, produziu a “grande revolução”. As desigualdades, que no estado natural eram “quase nulas” na significação de possibilidades ao homem, tornam-se políticas, e excludentes. Os “ricos” (donos de propriedades) praticam usurpações, e os “pobres” (que não tem propriedade) precisam pilhar para sobreviver.
		 Não se trata de dizer que não existam desigualdades, mas de refletir sobre o modo como elas existem. Já no Discurso sobre as origens e os fundamentos das desigualdades entre os homens, veremos que Rousseau designa um tipo de desigualdade como sendo natural ou física e o outro tipo como sendo moral ou política:
Concebo na espécie humana dois tipos de desigualdade: uma a que chamo de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença de idades, de saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral, ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e é estabelecida, ou pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios, de que gozam alguns em prejuízo de outros, como o de serem mais ricos, mais homenageados, mais poderosos ou mesmo o de se fazerem obedecer (1973, p. 48).
		 No estado natural as desigualdades não fazem nenhuma diferença, mas o surgimento da propriedade privada faz nascer um outro tipo de desigualdade que, tendo surgido como uma iniciativa unilateral, Rousseau caracterizará essa atitude como usurpação. De seu ponto de vista, a sociedade civil já continha um mal de origem - ela surgiu através da usurpação. Ocorre que este processo, de formação da sociedade civil, que se inicia com o surgimento da propriedade privada, por ter sua origem numa usurpação, desencadeará inexoravelmente uma série de problemas. Esta situação passa a ser a origem de desigualdades que tornariam a sociedade nascente atravessada por conflitos insuperáveis. “Como poderá um homem ou um povo assenhorear-se de um território imenso e privar dele todo o gênero humano, a não ser por usurpação punível, por isso que tira do resto dos homens o abrigo e os alimentos que a natureza lhes deu em comum?” (ROUSSEAU, 1973, p. 38).
		 O pacto social, na realidade, foi um pacto proposto pelos mais aquinhoados que, ao invés de restabelecer a igualdade e a liberdade naturais, perpetuaria as relações injustas então prevalecentes. Este pacto seria o reconhecimento público da desigualdade e a vitória da propriedade sobre a liberdade.
		 Por esta sociedade política se constituir numa iniciativa dos “ricos”, este pacto ou contrato de formação da sociedade política assume o caráter de um pacto dos “ricos”. Ou seja, os “ricos” vão tomar a iniciativa de sua constituição. Tratava-se, portanto, de criar um poder político que garantisse, no fundo, a propriedade daqueles que a possuíam.
		 Neste sentido, podemos dizer que para Rousseau existem dois tipos de contrato: uma factual e outro ideal. Rousseau nos apresenta dois tipos de contrato entre os indivíduos: um que teria sido forjado pelos “ricos”, aqueles que se tornaram os donos da propriedade privada (contrato factual) e um outro contrato que deveria ser firmado entre cidadãos livres e iguais (contrato ideal).
Dessa forma, Rousseau afirma que o primeiro motivo que levou os homens a perceberem a conveniência de alguma espécie de contrato foi a tentativa de legitimar o pedaço de terra de que haviam se apossado, transformando-o em propriedade. Deu-se assim um pacto entre os ricos ou proprietários, que convenceram os não proprietários de que seria vantajoso também para eles um contrato em que todos se comprometessem em respeitar e proteger os bens adquiridos por cada um dos contratantes. O que aconteceu então foi uma espécie de pacto no qual alguns tiraram proveito da ingenuidade e pretensa astúcia de outros, fazendo-os acreditar que participavam da fundação de uma sociedade legítima. Falamos em ingenuidade e pretensa astúcia porque todos que concordaram com o pacto imaginavam que um dia também poderiam ter terras (GOMES, 2006, p. 18).
		 Quanto ao contrato ideal: já não se trata daquele pacto entre ricos que forjava um contrato ilegítimo entre as partes. O que é sugerido, então, é que os associados formem um único corpo que defenda a cada um dos indivíduos que o formam. Esse corpo seria o soberano e sua vontade, que deve ser sempre a única visada, é a vontade geral. Trata-se agora de tornar legítima uma associação já existente.
		 O pacto social legítimo tende a desfazer as chamadas desigualdades convencionais e restabelecer a liberdade, transformando a liberdade natural em liberdade civil. Esta consiste no fato de que os cidadãos, sendo ao mesmo tempo súditos e soberanos, obedecem às leis que eles mesmos estabeleceram.
o pacto social estabelece entre os cidadãos uma tal igualdade, que eles se comprometem todos nas mesmas condições e devem todos gozar dos mesmos direitos. Igualmente, devido a natureza do pacto, todo ato de soberania, isto é, todo ato autêntico da vontade geral, obriga ou favorece igualmente todos os cidadãos (ROUSSEAU, 1973, p. 50).
Resumindo: o contrato origina a sociedade, a comunidade política, o corpo político. Os indivíduos alienam, em favor do corposocial, o seu poder, os seus bens e a sua liberdade. Mas a primeira forma de contrato não foi legítima, pois, como vimos, a origem das sociedades políticas, do primeiro contrato, foi do interesse dos ricos. Somente eles tinham do que se preocupar. Mas então, haveria algum tipo legítimo de Contrato, que possa restabelecer a liberdade e igualdade na sociedade civil, tal como a existente no estado de natureza? É preciso um tipo de contrato que estabeleça o equilíbrio entre os interesses individuais e a força da vontade geral, entre a defesa da propriedade privada e a regulação do abuso dos poderosos, entre a igualdade perante a lei e a igualdade real, como condição e funcionamento do pacto e garantia de inclusão dos mais desprotegidos. Rousseau considera justa uma sociedade política se esta garantir a paz social e a liberdade de seus associados. Isto é possível se a implantação daquela for a expressão da “vontade geral”: o que cada homem quer em comum com todos os demais não reclamando para si mais do que ele pode querer ao mesmo tempo para todos os outros. Ordem política, ordem social, ordem moral. Tudo sustentado, na sociedade legítima, pela harmônica coordenação entre o “eu” e o “nós”. E isto só é possível, segundo Rousseau, se a soberania estiver nas mãos do povo: o contrato social, para ser legítimo, deve ser fundado na democracia. Eis o que é a democracia, no entendimento de Rousseau: 1) o poder político deve estar integralmente nas mãos do povo – que é, de fato, o soberano; 2) a quem, diretamente, cabe a aprovação das leis; 3) um governo que, na execução das leis, se limita a ser ministro da vontade geral. Para uma análise mais aprofundada sobre a ideia de Democracia em Rousseau, veja o texto A Democracia em Rousseau, na seção Democracia.
 
Referências Bibliográficas
GOMES, Fernanda da Silva. Rousseau - democracia e representação. Dissertação (Mestrado em Ética e Filosofia Política). Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social; Discuros sobre a origem da desigualdade entre os homens. São Paulo, Abril Cultural, 1973. (Col. Os Pensadores).
 
Leia mais: http://www.portalconscienciapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-moderna/os-contratualistas/rousseau/
 John Locke (1632 –1704) foi um filósofo inglês considerado como precursor e ideólogo do liberalismo – “a mais ponderada e perene alma do liberalismo” (HORTA, 2004, p. 240) e o “pai espiritual do liberalismo moderno” (MONCADA, 1950, p. 203) –, além de ser considerado como o principal representante do empirismo britânico e um dos principais teóricos do contratualismo (HORTA, 2002 e 2004): teoria segundo a qual a sociedade surge a partir de um pacto, um contrato estabelecido entre os homens, que faz com que estes abandonem o estado de natureza e se organizem em sociedade. Além disso, o livre consentimento dos indivíduos para o estabelecimento da sociedade, o livre consentimento da comunidade para a formação do governo, a proteção dos direitos de propriedade pelo governo, o controle do executivo pelo legislativo e o controle do governo pela sociedade, são, para Locke, os principais fundamentos do estado civil. Embora os interesses do filósofo sejam vastos e sobre temas diversos, como Epistemologia, Ética, Política, Religião e Educação (BARACHO, 1996), considerando o tema central do nosso website vamos nos concentrar principalmente no aspecto político de seu pensamento.
			Seus dois grandes tratados sobre política constituem dois clássicos no desenvolvimento das ideias políticas da modernidade. No Primeiro Tratado sobre o Governo Civil, critica a tradição que afirmava o direito divino dos reis, já que, como contratualista, o poder dos reis deriva de um pacto e não de uma ordem sobrenatural. O Primeiro tratado é uma refutação do Patriarca , obra em que o pastor anglicano Robert Filmer defende o direito divino dos reis com base no princípio da autoridade paterna que Adão, supostamente o primeiro pai e o primeiro rei, legara à sua descendência. De acordo com essa doutrina, os monarcas modernos eram descendentes da linhagem de Adão e herdeiros legítimos da autoridade paterna dessa personagem bíblica, a quem Deus outorgara o poder real.
Locke, como Hobbes, se opõe à tese defendida por Filmer de que o poder absoluto e divino dos reis (e, portanto, seu poder político) derivaria do poder paterno. Boa parte do esforço de Locke nesse livro é mostrar que a tese do direito divino se desenvolve no âmbito das interpretações possíveis dos textos sagrados, isto é, no âmbito de uma exegese bíblica, o que torna os argumentos de Filmer irrelevantes, já que ele faz uso, para “comprovar” suas teses, de um raciocínio teleológico que carece de base científica (KRITSCH, 2010, p. 75).
			No Segundo Tratado sobre o Governo Civil, expõe sua teoria do Estado liberal e da propriedade privada. Além disso, o Segundo tratado é um ensaio sobre a origem, extensão e objetivo do governo civil onde Locke sustenta a tese de que nem a tradição nem a força, mas apenas o consentimento expresso dos governados é a única fonte do poder político legítimo. Eis como se refere ao Segundo tratado Cabral de Moncada, então catedrático da universidade de Coimbra: “clássico ensaio, espécie de cartilha do liberalismo, universalmente conhecido através de inúmeras traduções em todas as línguas” (1950, p. 204, nota de rodapé).
			Considerado um contratualista tal como o filósofo inglês Thomas Hobbes ou o francês Jean-Jacques Rousseau, Locke se distingue de ambos pois a forma como entende essa estrutura (estado de natureza, pacto, estado civil) é bem diversa de Hobbes e Rousseau.
A grande divergência entre os contratualistas é precisamente no tocante às características de tal ordem, o que os levaria a distintas posições acerca do Estado Político que, num dado momento, os cidadãos acordaram em instituir — do autoritarismo hobbesiano ao democratismo rousseauniano (HORTA, 2004, p. 246).
			Para Locke o “estado de natureza” não é caracterizado necessariamente por um “estado de guerra” hobbesiano. E embora Locke concorde quanto a possibilidade de existência de um “estado de guerra”, para Locke o estado de guerra se dá quando se usa a força contra a pessoa de outrem e não existe um superior comum a quem apelar. A ausência de uma autoridade superior, um juiz comum com autoridade, coloca todos os homens em um estado de natureza; a força sem o direito sobre a pessoa de outro, onde não há superior comum para chamar em socorro provoca um estado de guerra (LOCKE, 1994). O que caracteriza o “estado de natureza” é, portanto, a vida em comunidade mas sem uma autoridade superior que dite as normas e as regras de como os homens devem agir. Por isso não há razão para Locke dizer que o que levou os homens a necessidade de criar um acordo, um pacto entre si, foi a necessidade de garantir a sobrevivência da espécie e evitar as consequências do estado de natureza. Para Locke o contrato social surge de duas características fundamentais: a confiança e o consentimento. A partir do momento em que uma determinada comunidade sente a necessidade de administrar as relações sociais, centralizando esta administração em uma figura comum, os membros de tal comunidade chegam a um consenso (consentimento) delegando poderes a um governante que tem por obrigação garantir os direitos individuais já existentes no estado natural como a liberdade, além de assegurar segurança jurídica e o direito à propriedade privada. Essa relação estado-indivíduo para Locke deve ser baseada em uma relação de consentimento e confiança e, uma vez quebrada esta confiança por parte do governante, agindo por má-fé ou não garantindo os direitos individuais ou naturais, deve ser destituído do poder.
Assim, o ponto de partida e a verdadeira constituição de qualquer sociedade política não é nada mais que o consentimento de um número qualquer de homens livres, cuja maioria é capazde se unir e se incorporar em uma tal sociedade. Esta é a única origem possível de todos os governos legais do mundo (LOCKE, 1994, p. 141 apud HORTA, 2004, p. 250).
			O estado de natureza, relativamente pacífico, não está isento de inconvenientes, como a violação da propriedade (vida, liberdade e bens) que, na falta de lei estabelecida, de juiz imparcial e de força coercitiva para impor a execução das sentenças, coloca os indivíduos singulares em estado de guerra uns contra os outros. É a necessidade de superar esses inconvenientes que, segundo Locke, leva os homens a se unirem e estabelecerem livremente entre si o contrato social, que realiza a passagem do estado de natureza para a sociedade política ou civil. Seu objetivo precípuo é a preservação da propriedade e a proteção da comunidade tanto dos perigos internos quanto das invasões estrangeiras.
			Eis como deve ser o contrato para Locke: um pacto de consentimento em que os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar ainda mais os direitos que possuíam originalmente no estado de natureza com a instituição de um governo a fim de proteger os direitos naturais que são: o direito à vida, à liberdade e à propriedade. Estes direitos devem ser assegurados pelo Estado e quando isso acontece os cidadãos lhe devem obediência, caso contrário eles tem todo o direito de se rebelar, como o que aconteceu com a Revolução Inglesa do século XVII que pretendeu coibir os abusos do rei instaurando uma monarquia constitucional. O papel do governo restringe-se a tais garantias. Sua função é “mínima”: proteger a propriedade, defender os cidadãos de ataques externos, preservar a ordem pública e garantir que este contrato seja cumprido.
			É preciso considerar que as visões políticas do filósofo inglês se formaram no contexto da Revolução Inglesa se opondo ao regime absolutista. Por isso Locke é considerado como filósofo e teórico da “Revolução Gloriosa” de 1688, que instituiu uma monarquia constitucional (HORTA, 2004). Locke forneceu a posteriori a justificação moral, política e ideológica para a Revolução Gloriosa e para a monarquia parlamentar inglesa. Locke influenciou também a revolução norte-americana, onde a declaração de independência foi redigida e a guerra de libertação foi travada em termos de direitos naturais e de direito de resistência para fundamentar a ruptura com o sistema colonial britânico.
			Em 1688, Guilherme de Orange aportou no país à frente de um exército e, após a deposição de Jaime II, recebeu a coroa do Parlamento. “Em defesa da Liberdade, do Parlamento e da Religião Protestante” (MELLO, 1999), com este lema gravado em seu estandarte Guilherme de Orange desembarcou em solo britânico para depor o rei Jaime II e encerrar um longo e tumultuado período da história inglesa. A Revolução Gloriosa assinalou o triunfo do liberalismo político sobre o absolutismo e, com a aprovação do Bill of Rights em 1689, assegurou a supremacia legal do Parlamento sobre a realeza e instituiu na Inglaterra uma monarquia limitada. E John Locke, nas palavras de Jean-Jacques Chevalier (1986), tinha uma sede pelo antiabsolutismo: um desejo de eliminar qualquer risco de despotismo, arbitrariedade e autoridade com poderes absolutos.
			Analisando a possibilidade de um “estado de guerra” no contexto das Revoluções Inglesas Antônio Silva afirma:
No momento em que o governante deixa de cumprir as funções para as quais fora incumbido e passa a usar o poder de forma discricionária, esse se torna um poder ilegítimo e, portanto, entra em estado de guerra com os contratantes que o instituíra, sendo legítimo derrocá-lo. Portanto, o poder instituído na Inglaterra era legítimo em seu nascedouro, mas deixou de sê-lo no momento em que deixou de cumprir as funções para as quais fora constituído, portanto, entrara em estado de guerra com o povo inglês, cabendo ao próprio povo derrubar tal governo (SILVA, 2011, p. 132).
			Para John Locke toda vez que o soberano invadisse ou violasse os direitos naturais, rompendo com o contrato social, caberia a resistência dos indivíduos que teriam a liberdade de entrar em estado de guerra contra o poder instituído a fim de derrubá-lo derrocá-lo e instaurar um governo justo em seu lugar. É o que podemos chamar de “direito de resistência” ou “direito de rebelião”.
A tese contratualista lockeana parte do princípio de que o poder e, conseqüentemente, a legitimidade desse advém e repousa no consentimento mútuo dos pactuantes, cabendo única e exclusivamente a esses decidir sobre quem e como devem governar. Ora, para Locke, tanto o governante quanto a forma de governo estariam submetidos ao jugo dos membros do pacto, cabendo a esses se insurgirem contra os governantes que deixassem de cumprir as funções para as quais fora designado, ou seja, garantir os direitos naturais. No momento em que o governante deixa de garantir os direitos naturais, colocando em risco a condição de igualdade e liberdade entre os indivíduos, esses retornam ao estado de guerra contra o governante, dissolvendo o Estado e proclamando um novo estado de natureza do qual poderia nascer um novo contrato político (SILVA, 2011, p. 131).
			E Kritsch (2010, p. 83) assim se expressa sobre o “direito de rebelião”: “O autor discute o direito de rebelião em face de todas as possibilidades de violação do pacto. Em qualquer dos casos, a rebelião só se justifica pela preservação dos objetivos que levam os homens a viver em sociedade”.
			Além disso, um estado de guerra imposto ao povo pelo governo configura a dissolução do estado civil e o retorno ao estado de natureza, caracterizado pela inexistência de um juiz e onde os impasses só podem ser decididos pela força. Para evitar este estado, Locke defende o “direito de resistência”: Locke reconhece a doutrina da legitimidade da resistência contra o exercício ilegal do poder, reconhecendo ao povo, quando este não tem outro recurso ou a quem apelar para sua proteção, o direito de recorrer a força para a deposição do governo rebelde. O direito do povo à resistência é legítimo tanto para defender-se da opressão de um governo tirânico como para libertar-se do domínio de uma nação estrangeira.
			Os Dois tratados de Locke, escritos provavelmente em 1679-80, só foram publicados na Inglaterra em 1690, após o triunfo da Revolução Gloriosa. John Locke, como opositor dos Stuart, se encontrava refugiado na Holanda e retornou à Inglaterra somente após o triunfo da Revolução Gloriosa. O século XVII foi marcado pelo antagonismo entre a Coroa e o Parlamento, controlados, respectivamente, pela dinastia Stuart, defensora do absolutismo, contra a burguesia ascendente, partidária do liberalismo. Segundo Jean-Jacques Chevalier, John Locke retornou à Inglaterra no mesmo navio que a nova Mary, esposa de Guilherme de Orange: “A princesa Mary [...] tem por passageiro em seu navio, o Izabella, um cavalheiro afável, médico e filósofo, chamado John Locke — que as circunstâncias levaram a desempenhar um papel ativo como conselheiro político” (1983, p. 29 apud HORTA, 2004, p. 243).
 
O direito a propriedade
			Como vimos mais acima no estado de natureza existe a possibilidade de violação da propriedade (vida, liberdade e bens) por falta de uma lei estabelecida e de um juiz imparcial, o que pode ou não acarretar um estado de guerra uns contra os outros. Um pacto social é estabelecido então, a partir da necessidade de superar esses inconvenientes levando os homens a se unirem e estabelecerem livremente entre si um contrato social, que realiza a passagem do estado de natureza para a sociedade política ou civil. Um dos principais objetivos do contrato é, por conseguinte, a preservação e garantia do direito a propriedade.
			Para Locke, a propriedade já existe no estado de natureza e, sendo uma instituição anterior à sociedade, é um direito natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado. Além disso, o direito à propriedade é um direito que deve ser assegurado pelo governo instituído através do contrato social.
			O homemera naturalmente livre e proprietário de sua pessoa e de seu trabalho. Como a terra fora dada por Deus em comum a todos os homens, ao incorporar seu trabalho à matéria bruta que se encontrava em estado natural o homem tornava-a sua propriedade privada, estabelecendo sobre ela um direito próprio do qual estavam excluídos todos os outros homens. O trabalho era, pois, na concepção de Locke, o fundamento originário da propriedade: “o trabalho é responsável pela maior parte do valor das coisas de que desfrutamos neste mundo” (LOCKE, 1994, p. 107 apud HORTA, 2004, p. 245). E ao situar o trabalho humano como algo que dá valor às coisas, Locke revela seu interesse em economia a partir da ideia do “princípio do valor do trabalho” que será tematizado nos séculos seguintes (WOLKMER, 2003). Já Luiz Pinto (2007, p. 56) destaca a influência do protestantismo na visão do trabalho em John Locke:
Mantendo a influência do protestantismo em suas concepções, Locke coloca como elemento para a posse da propriedade – e direito sobre a mesma – o trabalho. Embora ele não demonstre concretamente como uns detêm a posse e outros não, a justificativa para o fenômeno dar-se-ia pelo fato de que uns trabalharam para possuir a propriedade e outros não.
 			A defesa do trabalho como fundamento originário da propriedade que pode ser interpretada por muitos como uma defesa do capitalismo e de um liberalismo sem limites deve ser vista com ressalvas, pois o filósofo fala claramente no Segundo tratado como o homem deve utilizar o seu trabalho sem retirar com isso vantagens para sua existência, evitando todo e qualquer desperdício pois “Tudo o que excede a este limite é mais que a sua parte e pertence aos outros. Deus não criou nada para que os homens desperdiçassem ou destruíssem” (LOCKE, 1994, p. 100 apud HORTA, 2004, p. 246) e a regra de propriedade estabelecida por Locke afirma que “[...] cada homem deve ter tanto quanto pode utilizar [...]” (id., ibidem, p. 246) e foi a instituição do dinheiro que, a partir de um acordo tático entre os homens, estabeleceu um valor para que o homem introduzisse posses maiores e o direito a elas.
			Foi o aparecimento do dinheiro que alterou a situação entre propriedade e trabalho. Com o dinheiro surgiu o comércio e também uma nova forma de aquisição da propriedade, que, além do trabalho, poderia ser adquirida pela compra. O uso da moeda levou, finalmente, à concentração da riqueza e à distribuição desigual dos bens entre os homens. Esse foi, para Locke, grosso modo, o processo que determinou a passagem da propriedade limitada, baseada no trabalho, à propriedade ilimitada, fundada na acumulação possibilitada pelo advento do dinheiro.
 
Economia Política
			O debate em torno do direito à propriedade, do valor do trabalho, do comércio, do dinheiro, da moeda e do valor da moeda (ouro e prata) colocam John Locke como um dos precursores da Economia Política, no sentido de que as formulações levadas à cabo pelo filósofo inglês confere um caráter particular à relação entre política e economia, embora seja necessário salientar que a Economia enquanto ciência ainda não existia.
Em matéria de economia, em um campo do saber que avançava à luz do desenvolvimento comercial e manufatureuo, Locke fez também algumas incursões. Assessorando a Coroa Inglesa como Secretário do Councü for Trade and Plantations, Locke veio tomar contato com as principais questões econômicas que caracteiizavam os debates em sua época. Versando sobre temas de imediato interesse prático, a atenção de Locke concentrou-se, principalmente, nas questões concernentes ao comércio intemacional, à desvalorização da moeda e à fixação de um limite para a taxa de juros (GUIMARÃES, 1995, p. 155-156).
			Se nós levarmos em consideração que o surgimento da Economia enquanto ciência está de alguma forma ligado aos princípios do liberalismo, então temos pelo menos uma forte razão para incluir John Locke neste debate, embora Locke não advogue que o princípio da liberdade individual seja aplicado à economia, como o fez claramente Adam Smith. Mas o liberalismo foi um dos responsáveis para que as questões econômicas pudessem de alguma forma estar relacionadas com a política, dando origem à economia política clássica. E como afirma Luiz Pinto: “O individualismo característico do liberalismo econômico encontra suas raízes no protestantismo calvinista, o que Locke aplicou a sua teoria política” (2007, p. 48).
Leia mais: http://www.portalconscienciapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-moderna/os-contratualistas/locke/
 O Filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679) faz parte de uma tradição que reúne tanto o humanismo renascentista passando pelo realismo político de Maquiavel quanto dos teóricos da lei natural (jusnaturalismo) que procuram justificar a origem das leis civis e do poder político (STRAUSS, 1963; SKINNER, 1996). No que diz respeito a este último aspecto Hobbes é considerado um contratualista, ou seja, é um daqueles filósofos que afirmaram na modernidade que a origem do Estado e/ou da sociedade está em um contrato social (MATTEUCCI, 1998; OAKESHOTT, 1992; POLIN, 1953): “[...] os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem organização – que somente surgiriam depois de um pacto firmado por eles, estabelecendo as regras de convívio social e de subordinação política” (RIBEIRO, 2001, p. 53). Contratualismo “[...] é a doutrina que abarca as teorias políticas que situam a origem da sociedade e a fundamentação do poder político [...] em um pacto social, também chamado contrato, dando o termo contratualismo” (VILALON, 2011, p. 49). Tal pacto representa um acordo entre os indivíduos de uma mesma localidade geográfica e que farão parte do mesmo corpo político.
			Além disso, as teorias do homem e do Estado, formuladas por Hobbes (seja no Leviatã ou em Do Cidadão[1]) inserem-se num processo histórico bastante definido: o conflito entre o poder real e o poder do Parlamento, na Inglaterra do século XVII. Em 1689, as forças liberais (inspiradas nas idéias de John Locke) que predominavam no Parlamento inglês derrotaram o absolutismo real. Na introdução de sua obra mais conhecida, Leviatã (1997) (Hobbes usa a figura bíblica do Leviatã: um monstro marinho que representa um animal monstruoso mas que de certa forma defende os peixes menores de serem engolidos pelos mais fortes. Simbolicamente esta seria a figura que representa o Estado, o poder do Estado absoluto, simbolizado com inúmeras cabeças e empunhando os símbolos dos dois poderes: civil e religioso) Hobbes estabelece alguns pontos principais que pretende trabalhar em sua obra: Como e através de que convenções é feito o Corpo Político? Quais são os direitos e o justo poder ou autoridade de um soberano? O que o preserva e/ou desagrega?
			Para o filósofo inglês, a resposta a estas perguntas pressupõem uma análise da própria natureza humana, sendo que o mesmo acredita que o homem não é sociável por natureza. A situação dos homens deixados a si próprios é de anarquia, insegurança, medo. Predominam interesses egoístas e o homem se torna um lobo para o próprio homem (homo homini lupus). O homem em seu estado de natureza (um estágio anterior a vida em sociedade como veremos mais adiante) é agressivo. O estado natural em que o homem se encontra é o estado de “guerra de todos contra todos”. O homem, movido por suas paixões e desejos não hesita em matar e destruir seu semelhante.
Ao descrever o homem em seu estado natural, o autor do Leviatã aponta a igualdade entre todos como característica básica. Falamos então de uma igualdade de direitos. Esses direitos não têm limites: todos indistintamente têm direito a tudo que lhes aprouver. Não existindo um poder comum que garanta a preservação das posses, a única garantia de que algo vai continuar em poder daquele que o tomou para si é o uso da força e do ataque como formas de defesa. Qualquer bem existente na natureza pertence a todos que o queiram. É comum, por sua vez, que dois ou mais indivíduos se interessem pela mesma coisa. Éa partir desse direito, quando dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos que surgem as atitudes que irão levá-los à condição de guerra no estado de natureza. A guerra de todos contra todos se refere a essa condição (GOMES, 2006, p. 13).
			Vejamos agora para entender melhor o que vem a ser um tal estado de natureza e como a vida em sociedade surge a partir da necessidade de se constituir um acordo entre os homens levando em consideração as condições de vida humana no estado natural.
 
Do Estado de Natureza ao Estado social
			O estado de natureza é o modo de ser característico do homem antes de seu ingresso no estado social. Para Hobbes os homens não são altruístas por natureza, mas egoístas. Os homens são, por natureza, desejosos de poder. Com isso, o estado natural exige uma saída. “A concepção que Hobbes tem do estado de natureza distancia-o da maior parte dos filósofos políticos, que acreditam haver no homem uma disposição natural para viver em sociedade. Na obra Sobre o Cidadão Hobbes argumenta contra Aristóteles, para quem o homem é um animal social” (João Paulo Martins. In: HOBBES, 1997, p. 13 e 14). A concepção tradicional aristotélica, de uma política fundamentada na ideia de que o homem é apto para viver em sociedade é objeto central da crítica hobbesiana. “La filosofía política tradicional fracasó, según Hobbes, porque partía del fundamento falso de la disponibilidad innata del hombre para la vida social” (RODAS, 2010, p. 18). O ponto de partida de Hobbes será definido, portanto, por meio de alguns elementos básicos que incluem a ideia de que o homem não é sociável por natureza sendo um ser absolutamente egoísta buscando sempre os meios mais adequados para a realização de seus fins. A filosofia política hobbesiana parte de uma consideração realista da natureza e só a partir desta consideração, “[...] es decir, del egoísmo y la maldad, dará el conocimiento correcto a partir del cual pueda fundamentarse y construirse el Estado” (RODAS, 2010, p. 18).
			Para Hobbes os indivíduos ingressam na vida social somente quando a preservação da vida esta ameaçada e, nesse caso, os homens são levados a estabelecer contratos entre si, o pacto social. Pois a vida só se torna viável dentro de uma sociedade civil. Por natureza os homens não poderiam viver em paz e diante do grau de insegurança em que nos colocou a própria natureza é preciso se defender contra a violência dos demais.
En el Leviatán, el motivo de la generación del mundo civil está enraizado en la conformación natural del hombre mismo. Por esto, la fundamentación contractual del Estado es precedida por una doctrina de la naturaleza humana, en la cual Hobbes define al hombre natural como un sistema mecánico de materia en movimento (RODAS, 2010, p. 20).
			Todos os autores contratualistas admitem, antes da formação da Sociedade, a existência de um “estado de natureza”, embora com diferenças na forma como cada um explica as características humanas nesse estado e há, inclusive, aqueles que, apesar de descreverem um “estado de natureza”, admitem que ele possa nunca ter vindo a existir, mas que era preciso fazer essa construção para entender a formação da sociedade civil. A principal característica do “estado de natureza” e com a qual todos os contratualistas concordam é a ausência de uma organização social.
			Já tecemos algumas considerações. sobre como são os homens naturalmente para Hobbes. Vejamos um pouco mais.
A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que um deles possa com base nela reclamar algum benefício a que outro não possa igualmente aspirar. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo (HOBBES, 2003, cap. XIII, p. 106).
			Essa passagem é utilizada por Renato Janine Ribeiro (2001) para justificar a ideia hobbesiana de que se, no estado de natureza, eu não sei o que os outros homens desejam, é preciso pressupor com uma certa razoabilidade que existe sempre a possibilidade de um ataque, já que não existe um poder do Estado controlando ou reprimindo. Entregues a si mesmos o conflito de uns contra os outros é a atitude mais racional que se pode adotar. E se dois homens desejarem a mesma coisa, ao mesmo tempo, sendo impossível a ambos gozá-la simultaneamente, é forçoso que se vejam como inimigos. E disto decorre que
se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar cômodo, espera-se que provavelmente outros venham preparados com forças conjugadas, para o desapossar e privar, não apenas do fruto do seu trabalho, mas também da sua vida ou da sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficará no mesmo perigo em relação aos outros. E por causa desta desconfiança de uns em relação aos outros nenhuma maneira de se garantir é tão razoável como a antecipação, isto é, pela força ou pela astúcia subjugar as pessoas de todos os homens que puder, durante o tempo necessário rio para chegar ao momento em que não veja nenhum outro poder suficientemente grande o ameaçar (HOBBES, 2003, cap. XIII, p. 107-108).
			O medo é o grande vilão dessa história. O medo, sobretudo de morte violenta, faz com que o mais seguro a se fazer seja atacar antes de ser atacado. Como não há no estado de natureza um poder comum que mantenha o respeito entre todos, sempre existirá alguém querendo tirar do outro algum objeto de desejo que esteja em suas mãos, inclusive a própria vida.
			A ameaça constante, mesmo que não concretizada, caracteriza a condição de guerra que, segundo o filósofo inglês, é típica da condição natural da humanidade. Outra característica de igual importância é a inexistência de um poder comum capaz de manter a paz. Não há nesse estado um poder comum ou leis que proíbam as paixões, acabando com a discórdia. Não pode haver, consequentemente, desobediência ou crime. Não existe bem ou mal, nem noção de justiça ou injustiça. “Para essa situação de discórdia, que é a condição de guerra, Hobbes cita três causas principais: a competição, que visa ao lucro; a desconfiança, que visa a segurança; e a glória, para a qual se procura uma melhor reputação” (GOMES, 2006, p, 14). Ou nas próprias palavras de Hobbes:
De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a desconfiança; e terceiro, a glória.
A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurança; e a terceira, a reputação. Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens; os segundos, para defenderemnos; e os terceiros, por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma opinião diferente, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido às suas pessoas, quer indiretamente aos seus parentes, amigos, nação, profissão ou ao seu nome (HOBBES, 2003, cap. XIII, p. 108).
			Ao analisar a natureza humana, Hobbes entende que o homem é movido por suas paixões; que a sua vontade resulta apenas da soma dessas paixões e a liberdade nada mais é do que a ausência de impedimento para a ação. É esse constante estado de insegurança e medo, bem como o desejo de paz, que leva os homens a estabelecerem um pacto e fundar um Estado social, abdicando de seus direitos em favor de um soberano cuja autoridade terá um poder absoluto, encarregado de prescrever leis, julgar, recompensar, punir, escolher seus conselheiros, de fazer a guerra e a paz, enfim.
			Com a finalidade de cuidar da própria conservação e de ter uma vida mais satisfeita, o Estado é então instituído. Eis o que é o pacto nas palavras de Hobbes: “Autorizo e transfiro o meu direito de me governar amim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante todas as suas ações” (HOBBES, 2003, cap. XVII, p. 147 – grifo no original). O pacto através do qual se dá a instituição do Estado consiste na submissão de cada um a um representante, para o qual será transmitido o direito ao uso da força para proteção dos representados. Daí aparece a ideia do soberano representante em Hobbes.
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			O contrato social descrito no Leviatã se encontra diretamente ligado à ideia de representação. A essência do Estado está na pessoa do representante, que é o soberano. Quando há voluntariamente esse acordo entre os indivíduos de se submeterem a um homem, ou a uma assembleia de homens, dá-se a instituição do Estado. É a partir desse consentimento geral, motivado e preservado pela busca de segurança (por medo da morte), que derivam os direitos dos soberanos. A autoridade concedida ao representante contém em si o maior poder do Estado. O poder do representante não encontra poder maior que o que lhe foi concedido, nem mesmo na união daqueles que lhe concederam. Assim é possível em Hobbes o uso da expressão soberano representante, pois ele tudo pode.
			Através do contrato os homens transferem o direito de governar a si mesmo ao soberano que passa agora a representar todos os indivíduos contratantes. O acordo traz implícita a ideia da renúncia deste direito feita por cada um dos indivíduos e aqui temos a teoria da representação como eixo da filosofia política hobbesiana e o capítulo XVI de O Leviatã expressa o conceito de representação como base da legitimação política. O fundamento do pacto político está em que cada um dos indivíduos acordam em instituir a “pessoa civil” do Estado como autoridade representativa. “Así, La renuncia de los hombres a gobernarse a sí mismos produce, mediante la actuación representativa, el Estado, que posee el gran poder sobre la tierra y que actúa y piensa por los hombres” (RODAS, 2010, p. 27). É um contrato de indivíduos, feito entre uns e outros, que delega poderes a um soberano representante de suas vontades.
			Não existe nenhuma garantia, no estado de natureza, que serão respeitadas as liberdades individuais e, por conseguinte, a ordem e a paz. Basta a mera suspeita de que o outro não respeitará a minha liberdade para que haja desconfiança e desconforto. Cada um se torna rival e adversário cuja consequência última será a guerra com a imposição de um sobre outro (LYRA, 2006; VILALON, 2011). É preciso resolver essa situação através de um poder comum, situado acima dos indivíduos, com direito e força suficiente para impor o cumprimento da ordem, segurança e paz. “Dessa maneira, a sociedade civil só surge com o Estado: é a saída do homem do Estado de Natureza. Para que o homem possa voltar a ter a segurança fundamental para usufruir do seu próprio labor, sem temer a sua própria sobrevivência” (FARIAS, 2013, p. 151).
O Estado, de acordo com Hobbes é instituído quando uma multidão de homens concorda e pactua que qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representá-los (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor como contra ele, deverão autorizar todos os seus atos (do homem ou assembléia de homens), tal como se fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos do restante dos homens (DIAS, 2008, p. 69).
			É no momento mesmo em que é firmado o pacto social que surge, por assim dizer, o direito. O contrato social, “[...] em que se transfere autoridade, força e poder a um ou a vários homens que representarão a vontade da comunidade, coincide com o momento de criação do direito propriamente dito” (MARUYAMA, 2009, p. 54). E é no cap. XVI da obra Leviatã que Hobbes traz a sua fundamentação jurídica do pacto social, ou seja, o nexo entre direito e política. Em sua condição natural não existem leis civis, comunidade política, poder comum e muito mesmo direitos civis. O único direito existente no estado de natureza é o direito individual que surge como elemento perturbador e ao qual é preciso renunciar, mas uma renúncia que não implica abandono do direito, mas no reconhecimento do mesmo direito aos outros. Sob esta perspectiva do direito, o pacto representar a transferência dos direitos naturais que o soberano recebe dos indivíduos contratantes. Mas só os direitos individuais são naturais. O direito do soberano é obra e artifício da razão, resultado do pacto e a ele cabe instaurar o direito civil.
O direito de natureza, liberdade natural do homem, pode, então, ser legitimamente limitado pelas leis da comunidade política. A finalidade da lei é essa restrição, sem a qual, de certo modo, não haveria paz. No Capítulo 26, sobre a lei civil, no Leviatã, Hobbes é enfático: a lei foi trazida ao mundo para limitar a liberdade natural dos indivíduos (MARUYAMA, 2009, p. 57).
 
Absolutismo Não Teológico
			Mas por que Hobbes prefere a Monarquia se ele inclui a possibilidade de que uma assembleia de homens, e não apenas um só, possa ter o direito de representá-los? Segundo Danilo Marcondes (2002), as assembleias tendem a reviver o conflito por causa das disputas entre facções e partidos e por isso uma monarquia seria preferível. Eis a razão pela qual Hobbes defendeu a monarquia contra Cromwell, durante a guerra civil inglesa e, por isso, “[...] teve sua obra censurada, indo exilar-se na França, período em que teve contato com Mersenne e Descartes. Após a restauração da monarquia, retornou à Inglaterra e recuperou o seu prestígio” (MARCONDES, 2002, p. 198).
			Hobbes dá preferência à monarquia absolutista baseado no princípio de que o poder, para ser eficaz, deve ser exercido de forma absoluta, e não baseado nas teorias tradicionais do direito divino dos reis (é o que podemos chamar de absolutismo não teológico). Este poder absoluto é o resultado da transferência dos direitos dos indivíduos ao soberano através de um pacto social, mas esse poder absoluto só pode ser considerado legítimo enquanto assegura a paz civil e não para a realização da vontade pessoal do soberano
Para o autor do Leviatã, o contrato é estabelecido unicamente entre os membros do grupo que, entre si, concordam em renunciar a seu direito a tudo para entregá-lo a um soberano encarregado de promover a paz. Um tal soberano não precisaria dar satisfação de sua gestão, sendo responsável apenas perante Deus ‘sob pena de morte eterna’. Não submetido a nenhuma lei, o soberano absoluto é a própria fonte legisladora. A obediência a ele deve ser total, a não ser que ele se torne impotente para assegurar paz durável e prosperidade (João Paulo Martins. In: HOBBES, 1997, p. 15).
			Não basta a instituição de um Estado, é preciso um Estado forte, armado inclusive, para forçar os homens ao respeito.
 
Política e Religião
			O absolutismo hobbesiano de tipo não teológico, isto é, em que o poder do soberano não é um direito que lhe é atribuído por uma certa autoridade divina, mas o resultado de uma acordo criado e estabelecido entre os homens, promove uma rígida distinção entre poder temporal e poder espiritual. Uma análise sobre o processo de secularização no Leviatã de Hobbes é feita por Pedro Castelo Branco e, apesar de Hobbes afirmar que “quando estes dois poderes se opõem um ao outro, o Estado só pode estar em grande perigo de guerra civil ou de dissolução” (apud BRANCO, 2004, p. 27), a verdade é que Hobbes quer explicar o Direito e o Estado sem fazer referência a um poder transcendente e espiritual, o que rompe com qualquer possibilidade de ideia de fundar o poder em um plano teológico-metafísico (REALE, 1965). O Estado é produto da vontade humana e não de leis atemporais. O Estado espiritual, apregoado pela Igreja, seria o mesmo que o Reino de Cristo do qual ele mesmo afirmou não ser deste mundo. Entre os homens só pode existir o poder temporal. “[...]Hobbes, como bom agnóstico, não nega em nenhuma passagem do Leviatã a existência de um poder espiritual. Seu esforço é no sentido de suprimir a usurpação da jurisdição secular por parte de autoridades eclesiásticas” (BRANCO, 2004, p. 27). O poder espiritual existe, mas sua jurisdição reside em um mundo que ainda está por vir. Com isso Hobbes pretende invalidar o argumento religioso de que o poder civil está sujeito ao poder espiritual sendo este o detentor do direito de mando sobre todos os príncipes.
			Mas ao mesmo tempo em que Hobbes usa as passagens da Bíblia para criticar tal argumento religioso, ele também usa a autoridade das Escrituras em favor de suas próprias teorias (STRAUSS, 1979). Com efeito
[...] é destas Escrituras que vou extrair os princípios de meu discurso, a respeito dos direitos dos que são na terra os supremos governantes dos Estados cristãos, e dos deveres dos súditos cristãos para com seus soberanos. E com esse fim vou falar no capítulo seguinte dos livros, autores, alcance e autoridade da Bíblia (HOBBES, 2003, cap. XXXII, p. 318).
			O objetivo de Hobbes é claro: dar cabo à disputa política entre o Estado e a Igreja, submetendo a Igreja ao poder do Estado, mas sem negar a importância da Igreja ou mesmo a existência do poder espiritual. Fato que é compreensível se levarmos em consideração que estamos tratando de uma época em que o poder da Igreja procurava influenciar de alguma forma o poder do Estado. Não raro a autoridade do poder da Igreja procurava determinar como deveria ser conduzido o poder do Estado.
Profetas, bispos, papas, monges, pastores derivavam seu poder, direitos e funções da imediata autoridade de Deus, o que constituía uma ameaça à unidade e segurança do Estado, uma vez que não deviam obediência ao soberano civil [...] A fim de enfrentá-los o autor separa o que é de César, isto é, a esfera temporal, política, da esfera espiritual, religiosa, cuja jurisdição é de Deus, e pertence a outro mundo (BRANCO, 2004, p. 29).
			Além disso é preciso considerar que no corpus da teoria filosófica hobbesiana existe uma base teológica da ideia de direito natural. Mas um pressuposto teológico que não altera a origem do poder temporal estabelecido com o pacto social. Hobbes pensa a política e o direito em termos contratuais.
 
Considerações Finais
			Por tudo o que vimos até aqui podemos entender como a filosofia política é o estudo do “corpo social” e o poder soberano em Hobbes existe para impedir as consequências do estado de natureza (impedir que os homens se destruam uns aos outros), permitindo, com isso, a coexistência entre os homens. Para delegar este poder a um soberano é preciso que os indivíduos cedam uma parte de seus direitos e o transfiram a um soberano por meio de um contrato ou pacto social através do qual se institui e se organiza a sociedade civil e se evita a “guerra de todos contra todos”. Através deste pacto os indivíduos elegem um representante de seus interesses dotado de poder absoluto.
			Esse contrato se torna necessário porque o homem deseja sobreviver. Esse desejo de sobrevivência é uma lei natural e é em nome dela que os homens estabelecem um contrato, cujo poder deve ser exercido por um soberano que pode ser uma assembleia ou parlamento, ou um rei.
 
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