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www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 1 TEORIA GERAL DA SENTENÇA 1. Definição e a sentença como norma jurídica individualizada. 1.1 Definição: o Código de Processo Civil (CPC), em seus artigos 458 a 466-C, disciplina o tratamento jurídico aplicável à sentença. A propósito, adverte Fredie Didier Jr. et al que nosso texto processual civil, nos dispositivos mencionados, trata da sentença de modo genérico, como sinônimo de qualquer decisão judicial. O art. 162 do mesmo CPC, dispondo sobre os atos praticados pelo juiz, elenca a sentença, as decisões interlocutórias e os despachos. O § 1º do referido dispositivo conceitua sentença como “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas no art. 267 e 269 desta lei”. Aliás, vale lembrar que as reformas instituídas pela Lei 11.232/2005 modificaram a forma de conceituação da sentença, passando a ser indispensável verificar o conteúdo (matéria) da sentença. Nesse contexto, a sentença pode ser terminativa ou definitiva. Terminativa é a sentença que encerra o processo sem julgar o seu mérito, a exemplo da decisão que reconhece a carência do direito de ação (CPC, art. 267); definitiva, a sentença que, encerrando uma fase do processo, aprecia o mérito da controvérsia submetida ao crivo do juiz (CPC, art. 269). Doutrinariamente, Humberto Theodoro Júnior explica que a sentença “é emitida como prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação processual (processo), quando a parte ou as partes vierem a juízo, isto é, exercerem a pretensão à tutela jurídica”. Vale dizer, a sentença é a resposta do Estado à pretensão da parte (direito subjetivo à prestação jurisdicional). 1.2 A sentença como norma jurídica individualizada: diferentemente da função legislativa, que estabelece normas jurídicas de forma abstrata e geral, a jurisdicional fixa a norma jurídica individualizada que regerá o caso concreto. Isso porque a jurisdição é a atividade exercida pelo Estado diante do caso concreto deduzido pela parte em juízo. Assim, ao final do processo, o juiz deve resolver a lide à luz das alegações e provas constantes dos autos, definindo a norma jurídica aplicável ao caso julgado. Nesse contexto, Fredie Didier Jr. et al explica que “[…] o julgador cria uma norma jurídica (= norma legal conformada à norma constitucional) que vai servir de fundamento jurídico para a decisão a ser tomada na parte dispositiva do pronunciamento. É nessa parte dispositiva que se contém a norma jurídica individualizada, ou simplesmente norma individual (= definição da norma para o caso concreto; solução da crise de identificação)”. 2. Elementos da sentença. 2.1 Noções gerais: o art. 458 do CPC prescreve regras concernentes aos elementos da sentença, que são o relatório, a fundamentação ou motivação e o dispositivo ou conclusão. A confecção da sentença deve observar os três elementos em conjunto, ressalvadas as disposições legais em contrário. Assim, regra geral, as sentenças devem conter relatório, fundamentação e conclusão. 2.2 Relatório: trata-se de um histórico em que o magistrado narra todos os incidentes relevantes do processo, demonstrando que tem plena ciência de todos os atos e termos processuais sobre os quais recairá a sua decisão. Não se trata, entretanto, de elemento absoluto, havendo hipóteses nas quais não se exige relatório, a exemplo das sentenças proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95. Aliás, Fredie Didier Jr. et al lembra que “[…] a jurisprudência vem mitigando a exigência do relatório mesmo nas sentenças proferidas no procedimento comum ordinário, dispondo que a sua ausência não dá ensejo à invalidade da decisão acaso disso não resulte prejuízo para as partes.”. Outrossim, não há qualquer óbice à adoção de relatório per relationem, vale dizer, o magistrado se reportar ao relatório feito em www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 2 outra decisão do processo, desde que não haja nenhum prejuízo às partes. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça : “PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. POSSE E DOMÍNIO. RESERVA INDÍGENA DE MANGUEIRINHA/PR. ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM . POSSIBILIDADE. ARTS. 6º, 303 E 131, DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ARTS. 56, 923, 70, I E II, DO CPC. ARGUMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. […] 4. Não se configura desprovido de fundamento, tampouco omisso, o julgado que ratifica as razões de decidir adotadas na sentença, com sua transcrição no corpo do acórdão, utilizando-se da denominada fundamentação per relationem. Precedentes […]”. 2.3 Fundamentação: 2.3.1 Introdução: a fundamentação é elemento obrigatório em toda e qualquer sentença, ainda que terminativa. Cuida-se de garantia assegurada pelo art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, segundo o qual toda decisão judicial deve ser motivada, sob pena de nulidade. A fundamentação consiste na exposição dos motivos fáticos e jurídicos que embasam a conclusão do magistrado em determinado sentido, seja para acolher o pedido do autor, seja para rejeitá-lo. Exerce dupla função, endo e extraprocessual. Aquela permite que as partes controlem a decisão por meio da interposição dos recursos cabíveis, enquanto esta viabiliza o controle democrático da decisão. 2.3.2 Conteúdo: é na fundamentação que o magistrado decide as questões incidentais, bem como aprecia e resolve as questões de fato e de direito deduzidas pelas partes. É também o momento oportuno para enfrentar as questões processuais que impedem o conhecimento do mérito da lide, decretando a inadmissibilidade da demanda no dispositivo da sentença. Nessas hipóteses, o art. 459 do CPC autoriza a adoção de fundamentação sucinta, o que não significa ausência de fundamentação. A apreciação das questões processuais deve preceder ao exame do mérito. Por outro lado, apreciando o mérito da causa, o juiz valorará a prova produzida em contraditório para acolher ou rejeitar a demanda. É o momento adequado para o julgador analisar se estão presentes os elementos ensejadores da responsabilidade civil subjetiva extracontratual (conduta, culpa, nexo e dano), em uma ação indenizatória, por exemplo . Não é permitido, contudo, ao magistrado fundamentar sua decisão com base apenas nos elementos de provas produzidos pela parte autora no sentido da procedência do seu pedido sem rebater as alegações e provas trazidas aos autos pelo réu. Dessa forma, o julgador, em respeito ao princípio do contraditório, deve expor o porquê os referidos argumentos e provas não o convenceram. De resto, a motivação é o local adequado para o magistrado deliberar sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de ato normativo, suscitada pelas partes como questão prejudicial. Trata-se de controle difuso de constitucionalidade que assegura a qualquer magistrado o controle da constitucionalidade dos atos normativos e cujos efeitos são restritos ao caso concreto. 2.3.3 Motivação x coisa julgada material: nos termos do art. 469 do CPC, as questões decididas na fundamentação não são albergadas pela coisa julgada material, a qual recai apenas sobre o dispositivo da sentença. Logo, a coisa julgada material torna imutável apenas o conteúdo da norma jurídica individualizada, razão pela qual a decisão sobre a paternidade numa ação em que se pedem alimentos pode ser objeto de discussão em outro processo, por exemplo.Portanto, a coisa julgada material recai sobre o dispositivo da sentença, não sendo acobertada pelo manto da coisa julgada a resolução de questões incidentais, salvo www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 3 quando a questão for apreciada principaliter tantum ou por meio de ação declaratória incidental, conforme a regra expressa do art. 470 do CPC, in verbis: “Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide.”. 2.3.4 Ausência de fundamentação: a fundamentação é regra de observância compulsória pelo magistrado, acarretando a sua ausência nulidade do ato decisório. É comum, no entanto, decisões simplistas, que somente do ponto de vista formal são fundamentadas, tais como: “presentes os pressupostos legais, defiro a tutela antecipada” ou “defiro o pedido indenizatório na forma como postulado na inicial, uma vez que amparado nas provas produzidas em juízo” ou “indefiro em razão da ausência de amparo legal do pedido”, dentre tantas outras. A motivação exige que o magistrado decline explicitamente as razões que o levaram a decidir em determinado sentido. Exemplificando, deve o magistrado expor por que estão presentes (ou ausentes) os pressupostos da tutela antecipada. A jurisprudência admite a denominada fundamentação per relationem, isto é, a decisão do magistrado que se reporta aos fundamentos expendidos em outro ato do processo (outra decisão ou mesmo um parecer do Ministério Público). Aliás, a Lei 9.099/95, em seu art. 46, in fine, consagrou legalmente hipótese de motivação per relationem no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, ao admitir que “se a sentença for confirmada pelos seus próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão”. O projeto de novo CPC, que tramita no Congresso Nacional, elenca hipóteses em que se considera sem fundamentação a sentença. Confira-se o dispositivo: “Não se considera fundamentada a decisão, sentença ou acórdão que: I – se limita a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo; II – empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”. 2.4 Dispositivo: 2.4.1 Conceito: consiste na conclusão, na resposta do Estado-juiz que acolhe ou rejeita o pedido formulado pelo autor. Cuida-se do fecho da sentença que contém a decisão da causa . Fredie Didier Jr. et al define o dispositivo como “[…] a parte da decisão em que o órgão jurisdicional estabelece um preceito, uma afirmação imperativa, concluindo a análise acerca de um (ou mias de um) pedido que lhe fora dirigido […] Sem esse comando, a decisão é inexistente.”. O dispositivo pode ser classificado em: a) Direto: especifica a prestação imposta ao vencido (ex.: “condeno o réu a pagar a quantia X ao autor”) ou b) Indireto: o juiz apenas se reporta ao pedido do autor, julgando-o procedente ou improcedente. 2.4.2 Teoria dos capítulos da sentença: uma vez que é possível a cumulação de pedidos, a sentença nesses casos será objetivamente complexa, pois o dispositivo poderá ser fracionado em capítulos. Capítulo da sentença é toda unidade autônoma contida na parte dispositiva de uma decisão judicial . A teoria dos capítulos da sentença tem implicações em diversos institutos do processo, tais como: I. Tratando-se de decisão ultra petita (que extrapola os limites do pedido), é possível o aproveitamento do capítulo da sentença inalterado pelo decisum, anulando-se apenas o capítulo em excesso; II. Na teoria geral dos recursos, o recurso será total quando impugnar todos os capítulos desfavoráveis da sentença, enquanto o recurso parcial apenas refuta um ou alguns capítulos da sentença. Assim, limita-se o efeito devolutivo (tantum devolutum quantum apelattum); III. Havendo sucumbência, o autor responderá pelas despesas processuais relativas ao www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 4 capítulo em que sucumbente, ao passo que o réu ficará responsável em relação ao capítulo em que vencido. Com base na teoria dos capítulos da sentença, desenvolveu-se a ideia de coisa julgada progressiva segundo a qual esta se forma à medida que os capítulos da sentença não são impugnados pelo recurso, transitando em julgado parcialmente. Assim, o capítulo impugnado não transita em julgado, diferentemente do capítulo não impugnado. Este regime tem especial importância no estudo da ação rescisória, sobretudo na contagem do prazo decadencial para a sua propositura. O STJ, contudo, desconsidera a coisa julgada progressiva, pois estabelece que “o prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.” (Súmula 401, STJ). Porém, no âmbito do TST o entendimento prevalente é no sentido de que “havendo recurso parcial, no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial.” (Súmula 100, II, TST). 3. Requisitos – congruência externa e interna. 3.1 Noções introdutórias: os arts. 128 e 460 do CPC dispõem acerca da congruência, esclarecendo que a decisão deve enfrentar todos os pedidos deduzidos, incluindo os denominados pedidos implícitos, a exemplo da condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios e a incidência de juros e correção monetária sobre as dívidas de valor. A congruência, no entanto, deve ser analisada não somente do ponto de vista do pedido e dos sujeitos que compõem a lide (congruência externa), mas em relação a si mesma (congruência interna). 3.2 Congruência externa: trata-se de regra que limita a atividade do magistrado, vinculando-o aos termos da demanda e aos sujeitos do litígio. Dessa forma, o magistrado, ao proferir a sentença, deve apreciar e responder a todos os pedidos deduzidos, sendo-lhe defeso julgar além ou fora do que pleiteado. A regra valoriza, igualmente, o princípio do contraditório, pois garante à parte o direito de se manifestar e influenciar a decisão judicial proferida. A congruência externa divide-se em: a) Congruência objetiva: vincula o juiz, na apreciação da lide, aos elementos objetivos da demanda (causa de pedir e pedido), é dizer, o magistrado deve decidir a lide nos limites em que proposta, nem além, nem fora, nem aquém do que pedido. A inobservância da congruência objetiva acarreta em julgamento ultra, extra ou citra petita. A decisão será ultra petita quando conceder mais do que o pedido, a exemplo da sentença que condena o réu ao pagamento de indenização por danos materiais em valor superior ao pedido na exordial. A decisão que ultrapassa os limites do pedido deve ser invalidada, mas a invalidação restringe-se à parte em que supera os limites do pedido. Entretanto, existem situações excepcionais em que é possível julgamento ultra petita: 1) pedido implícito; 2) fixação de multa coercitiva independentemente de pedido ouem valor superior ao pleiteado pelo requerente nas decisões que impõem obrigação de fazer, não fazer ou de entregar coisa; 3) nas ações de alimentos ou de oferta de alimentos, a doutrina defende a possibilidade de fixação de prestação alimentícia em valor superior ao pleiteado. Diz-se extra petita, por sua vez, a decisão que concede coisa distinta da pedida, a exemplo da decisão que condena à entrega de uma coisa determinada, quando o autor requereu a condenação ao pagamento de certa quantia. Tratando-se de error in procedendo, imprescindível a invalidação de toda a decisão, salvo em relação à sentença objetivamente complexa (teoria dos capítulos da sentença) quando o vício atingir apenas um ou alguns capítulos, sendo possível manter íntegros os demais. www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 5 Por fim, citra petita é a decisão que deixa de apreciar pedido formulado ou fundamento de fato ou de direito alegado pela parte. O magistrado, portanto, omite-se na apreciação de algum pedido formulado pela parte, que pode consistir em uma questão principal ou incidental. O defeito, contudo, pode ser sanado com a oposição de embargos de declaração. b) Congruência subjetiva: do mesmo modo, a sentença deve guardar correlação com os sujeitos da lide, não produzindo efeitos em relação a terceiros que dela não tenham participado. A sentença, igualmente, será ultra petita quando seus efeitos atingirem, além da parte da relação processual, quem dela não participou; extra petita quando atingir tão somente quem não participa do processo; citra petita quando deixar de disciplinar a situação jurídica de todas as partes envolvidas na relação processual, no polo ativo ou passivo. Verificando-se um dos referidos vícios, como na hipótese da sentença que impõe obrigação a litisconsorte passivo necessário não citado, a decisão poderá ser anulada ou integrada conforme o caso. Sendo ultra petita, basta que seja anulada a parte incongruente da decisão, retirando o capítulo referente ao sujeito que não participou do processo; sendo extra petita, deverá ser integralmente invalidada e, sobrevindo o seu trânsito em julgado, pode ser desconstituída por meio de ação rescisória; sendo, por fim, citra petita a decisão necessitará ser integrada em grau recursal para que seja acrescentado o capítulo faltante. 3.3 Congruência interna: 3.3.1 Introdução: a sentença, assim como o pedido na petição inicial, precisa observar alguns requisitos intrínsecos, a saber: certeza, liquidez, clareza e coerência. 3.3.2 Certeza: nos termos do art. 460, parágrafo único, do CPC, a sentença deve ser certa, mesmo quando decida relação jurídica condicional. Afirma Fredie Didier Jr. et al que “certo é o pronunciamento do juiz quando ele expressamente certifica a existência ou inexistência de um direito afirmado pela parte, ou ainda quando expressamente certifica a inviabilidade de analisá-lo (quando falta requisito de admissibilidade do procedimento). A certeza consubstancia-se, portanto, na necessidade de que o juiz, ao analisar o pedido que lhe foi dirigido, firme um preceito, definindo a norma jurídica para o caso concreto e, com isso, retire as partes do estado de dúvida no qual se encontravam.”. O requisito da certeza, todavia, não impede que o magistrado, ao proferir sua decisão, crie uma condição de eficácia de seu pronunciamento, a exemplo da decisão que condena o beneficiário da assistência judiciária ao pagamento de custas e honorários advocatícios (o juiz certifica a existência das verbas e suspende a sua exigibilidade até que sobrevenha mudança na capacidade econômica do beneficiário). Igualmente, a eficácia da sentença pode ficar sob condição legal suspensiva, como se verifica em relação ao reexame necessário (CPC, art. 475). Destarte, é proibido ao magistrado condicionar a própria certeza da resposta estatal materializada na sentença. Nesse diapasão, não pode o magistrado, por exemplo, declarar o direito a uma indenização por danos que eventualmente venham a ser demonstrados em liquidação. 3.3.3 Liquidez: a decisão judicial que condena ao cumprimento de uma prestação deve, necessariamente, apreciar os seguintes aspectos: a) an debeatur (existência da dívida); b) o cui debeatur (a quem é devido), c) o quis debeat (quem deve); d) o quid debeatur (o que é devido) e e) o quantum debeatur (a quantidade devida). Em regra, toda decisão deve ser líquida, sendo lícito ao magistrado proferir sentença ilíquida somente quando o autor formular pedido ilíquido, consoante reza o art. 459, parágrafo único c/c art. 286, ambos do CPC. Aliás, consoante entendimento pacífico do STJ “formulado pedido certo e determinado, somente o autor tem interesse recursal em arguir o vício da sentença ilíquida” (Súmula 318). www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 6 A Lei 9.099/95, no entanto, veda a prolação de sentença ilíquida nas ações sujeitas ao procedimento sumaríssimo, ainda que o pedido seja ilíquido, nos moldes do art. 38, parágrafo único. Outrossim, é vedada a prolação de sentença ilíquida nas ações de rito sumário para a cobrança de seguro relativo aos danos causados em acidente de veículo (CPC, art. 475-A, § 3º). 3.3.4 Clareza e coerência: a sentença deve ser redigida de forma clara e direta, sem subterfúgios, não podendo o julgador se valer de expressões chulas e que dificultem a compreensão de sua conclusão. Ademais, a decisão deve espelhar uma correlação entre o relatório, fundamentação e conclusão. 4. Classificação quanto ao seu conteúdo. 4.1 Noções gerais: o tema da classificação da sentença quanto ao seu conteúdo sempre foi objeto de acirradas divergências na doutrina, tanto nacional quanto estrangeira, predominando duas correntes de pensamento, a saber: 1ª) Classificação ternária: sentenças condenatória, constitutiva e declaratória; 2ª) Classificação quinária: sentenças condenatória, constitutiva, declaratória, mandamental e executiva lato sensu. A discussão, porém, perdeu um pouco o sentido com a edição da Lei 11.232/2005, uma vez que toda sentença que condena ao dever de prestar uma obrigação de fazer, dar coisa ou pagar quantia pode ser efetivada no mesmo processo, instituindo-se o processo sincrético. 4.2 Sentença condenatória: é aquela que certifica a existência de um direito a uma prestação, que pode ser uma obrigação de fazer, dar coisa ou pagar quantia, viabilizando a realização da atividade executiva caso não cumprida espontaneamente. O direito à prestação corresponde ao direito subjetivo em sentido estrito. Uma vez não cumprida espontaneamente pelo devedor, este será considerado inadimplente e poderá ser constrangido a cumprir a obrigação de modo forçado. Porém, considerando que é vedada a autotutela, o credor deverá se valer do procedimento jurisdicional executivo que se realiza, atualmente, nos mesmos autos da ação de conhecimento. Portanto, por força da Lei 11.232/2005 a atividade jurisdicional não se exaure com a certificação do direito subjetivo, exigindo-se a sua efetivação. Por conseguinte, foi necessária a reformulação do conceito de sentença. Antes da Lei 11.232/2005, a sentença se caracterizava como o ato do juiz que encerrava o processo (certificação do direito). A nova sistemática definiu sentença a partir de seu conteúdo como sendo o ato do juiz que implica a resolução ou não do mérito da causa. Inclusive substituiu-se o termo “julgamento” por “resolução”, tudo visando realçarque a sentença não é o último ato do processo. Na verdade, ela encerra uma fase, a de conhecimento, possibilitando o início da fase executiva. 4.3 Sentença constitutiva: trata-se da decisão que certifica e efetiva direito potestativo, o qual constitui o poder jurídico conferido a alguém de submeter outrem à determinada situação jurídica. São exemplos de direito potestativo: a) direito de pedir o divórcio; b) rescindir um contrato; c) direito de arrependimento nas compras realizadas fora do estabelecimento comercial; d) rever a prestação alimentícia, entre outros. O deferimento do pedido implica na constituição de uma situação nova, a qual deve a outra parte se submeter sem direito a resistir. Por outro lado, tratando-se de direito que se efetiva no plano jurídico e não físico, a efetivação por meio de atividade executiva é dispensável, bastando a decisão por si para a efetivação do direito potestativo. Sendo assim, a decisão que decreta a nulidade de um contrato, por exemplo, é suficiente, de per si, para que a relação contratual seja extinta. 4.4 Sentença meramente declaratória: é aquela que se limita a certificar a existência ou inexistência de determinada relação jurídica. Cuida-se de decisão que tem por fim único garantir a certeza jurídica de uma relação jurídica, pressupondo a existência de www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 7 uma situação de incerteza, de dúvida sobre a relação jurídica discutida. 5. Efeitos – eficácia principal, reflexa e anexa. 5.1 Eficácia principal: trata-se dos efeitos que decorrem do conteúdo da decisão, tais como a possibilidade de adoção de providências executivas (decisões condenatórias), a situação jurídica nova (decisões constitutivas) e a certeza jurídica (decisões declaratórias), explorados com maior profundidade no tópico anterior. 5.2 Eficácia reflexa: a sentença, em determinadas circunstâncias, afeta relação jurídica estranha ao processo, a qual, no entanto, mantém um vínculo com a relação discutida em juízo. Assim, v.g., a sentença em uma ação reivindicatória repercute na relação jurídica entre o réu o terceiro adquirente do bem (CC, arts. 457 e ss.). Igualmente, a sentença de despejo, rescindindo o contrato de locação, acarreta, por conseguinte, o desfazimento da sublocação. 5.3 Eficácia anexa: são efeitos da decisão que decorrem de previsão legal e não como consequência do conteúdo da sentença (ex lege), a exemplo da perempção, que se forma com a terceira sentença de extinção do processo por abandono unilateral e a separação de corpos, em razão da decretação do divórcio. Destaca-se, ainda, como efeito anexo, ou secundário, a hipoteca judiciária, prevista no art. 466 do CPC, segundo o qual “a sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos”. Cuida-se de importante instrumento para prevenir a fraude à execução, haja vista que se assegura ao credor a possibilidade de buscar o bem onde quer que se encontre em razão do direito de sequela inerente à hipoteca judiciária. 6. Publicação, retratação e integração. 6.1 Publicação: confeccionada a sentença, deve ser providenciada a sua publicação, momento a partir do qual será o magistrado impedido de alterá-la, consoante reza o art. 463 do CPC. Sendo proferida em audiência, será considerada publicada na própria audiência; sendo proferida em gabinete, considera-se publicada com a juntada aos autos pelo escrivão. O prazo para recurso, contudo, só passa correr com a intimação das partes por meio de publicação na imprensa oficial. 6.2 Retratação: a princípio, uma vez proferida a sentença, exaure-se a atividade do julgador que não pode se retratar do seu entendimento firmado na decisão. Entretanto, excepcionalmente autoriza-se o magistrado a se retratar diante de recurso contra o indeferimento da petição inicial (CPC, art. 296) ou do julgamento de improcedência prima facie (CPC, art. 285-A). 6.3 Integração: integrar a decisão nada mais é do que complementá-la para corrigir eventuais defeitos, omissões ou contradições. O ordenamento jurídico contempla remédio recursal específico para tanto, os embargos de declaração, espécie de recurso cabível quando houver na sentença obscuridade ou contradição, bem como na hipótese de omissão acerca de ponto sobre o qual devia pronunciar-se o magistrado. Não obstante, excepcionalmente o próprio julgador que proferiu a sentença pode alterá- la para corrigir inexatidões materiais e erros de cálculo (CPC, art. 463, inciso I). NOVO CPC Seção IV Dos Pronunciamentos do Juiz Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 8 fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. § 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º. § 3º São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte. § 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário. CAPÍTULO XIII DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA Seção I Disposições Gerais Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: I – indeferir a petição inicial; II – o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III – por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV – verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; VIII – homologar a desistência da ação; IX – em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; e X – nos demais casos prescritos neste Código. § 1º Nas hipóteses descritas nos incisos II e III, a parte será intimada pessoalmente para suprir a falta no prazo de 5 (cinco) dias. § 2º No caso do § 1º, quanto ao inciso II, as partes pagarão proporcionalmente as custas, e, quanto ao inciso III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e dos honorários de advogado. § 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado. § 4º Oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação. § 5º A desistência da ação pode ser apresentada até a sentença. § 6º Oferecida a contestação, a extinção do processo por abandono da causa pelo autor depende de requerimento do réu. § 7º Interposta a apelação em qualquer dos casos de que tratam os incisos deste artigo, o juiz terá 5 (cinco) dias para retratar-se. Art. 486. O pronunciamento judicial que não resolve o méritonão obsta a que a parte proponha de novo a ação. § 1º No caso de extinção em razão de litispendência e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito. § 2º A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado. § 3º Se o autor der causa, por 3 (três) vezes, a sentença fundada em abandono da causa, não poderá propor nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito. Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I – acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção; II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; III – homologar: a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção; b) a transação; c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese do § 1º do art. 332, a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar- se. www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 9 Art. 488. Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485. Seção II Dos Elementos e dos Efeitos da Sentença Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé. Art. 490. O juiz resolverá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes. Art. 491. Na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, salvo quando: I – não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido; II – a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença. § 1º Nos casos previstos neste artigo, seguir- se-á a apuração do valor devido por liquidação. § 2º O disposto no caput também se aplica quando o acórdão alterar a sentença. Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional. Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir. Art. 494. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I – para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração. Art. 495. A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a conversão de www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 10 prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária. § 1º A decisão produz a hipoteca judiciária: I – embora a condenação seja genérica; II – ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sentença ou esteja pendente arresto sobre bem do devedor; III – mesmo que impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo. § 2º A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário, independentemente de ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência. § 3º No prazo de até 15 (quinze) dias da data de realização da hipoteca, a parte informá-la- á ao juízo da causa, que determinará a intimação da outra parte para que tome ciência do ato. § 4º A hipoteca judiciária, uma vez constituída, implicará, para o credor hipotecário, o direito de preferência, quanto ao pagamento, em relação a outros credores, observada a prioridade no registro. § 5º Sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão que impôs o pagamento de quantia, a parte responderá, independentemente de culpa, pelos danos que a outra parte tiver sofrido em razão da constituição da garantia, devendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios autos. Parte I – TEORIA GERAL DA SENTENÇA 1. Definição e a sentença como norma jurídica individualizada. 1.1 Definição: o Código de Processo Civil (CPC), em seus artigos 458 a 466-C, disciplina o tratamento jurídico aplicável à sentença. A propósito, adverte Fredie Didier Jr. et al que nosso texto processual civil, nos dispositivos mencionados, trata da sentença de modo genérico, como sinônimo de qualquer decisão judicial. O art. 162 do mesmo CPC, dispondo sobre os atos praticados pelo juiz, elenca a sentença, as decisões interlocutórias e os despachos. O § 1º do referido dispositivo conceitua sentença como “o ato do juiz que implica alguma das situações previstas no art. 267 e 269 desta lei”. Aliás, vale lembrar que as reformas instituídas pela Lei 11.232/2005 modificaram a forma de conceituação da sentença, passando a ser indispensável verificar o conteúdo (matéria) da sentença. Nesse contexto, a sentença pode ser terminativa ou definitiva. Terminativa é a sentença que encerra o processo sem julgar o seu mérito, a exemplo da decisão que reconhece a carência do direito de ação (CPC,art. 267); definitiva, a sentença que, encerrando uma fase do processo, aprecia o mérito da controvérsia submetida ao crivo do juiz (CPC, art. 269). Doutrinariamente, Humberto Theodoro Júnior explica que a sentença “é emitida como prestação do Estado, em virtude da obrigação assumida na relação processual (processo), quando a parte ou as partes vierem a juízo, isto é, exercerem a pretensão à tutela jurídica”. Vale dizer, a sentença é a resposta do Estado à pretensão da parte (direito subjetivo à prestação jurisdicional). 1.2 A sentença como norma jurídica individualizada: diferentemente da função legislativa, que estabelece normas jurídicas de forma abstrata e geral, a jurisdicional fixa a norma jurídica individualizada que regerá o caso concreto. Isso porque a jurisdição é a atividade exercida pelo Estado diante do caso concreto deduzido pela parte em juízo. Assim, ao final do processo, o juiz deve resolver a lide à luz das alegações e provas constantes dos autos, definindo a norma jurídica aplicável ao caso julgado. Nesse contexto, Fredie Didier Jr. et al explica que “[…] o julgador cria uma norma jurídica (= norma legal conformada à norma constitucional) que vai servir de fundamento jurídico para a decisão a ser tomada na parte dispositiva do pronunciamento. É nessa parte dispositiva que se contém a norma jurídica individualizada, ou simplesmente norma individual (= definição da norma para o caso concreto; solução da crise de identificação)”. www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 11 2. Elementos da sentença. 2.1 Noções gerais: o art. 458 do CPC prescreve regras concernentes aos elementos da sentença, que são o relatório, a fundamentação ou motivação e o dispositivo ou conclusão. A confecção da sentença deve observar os três elementos em conjunto, ressalvadas as disposições legais em contrário. Assim, regra geral, as sentenças devem conter relatório, fundamentação e conclusão. 2.2 Relatório: trata-se de um histórico em que o magistrado narra todos os incidentes relevantes do processo, demonstrando que tem plena ciência de todos os atos e termos processuais sobre os quais recairá a sua decisão. Não se trata, entretanto, de elemento absoluto, havendo hipóteses nas quais não se exige relatório, a exemplo das sentenças proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, nos termos do art. 38 da Lei 9.099/95. Aliás, Fredie Didier Jr. et al lembra que “[…] a jurisprudência vem mitigando a exigência do relatório mesmo nas sentenças proferidas no procedimento comum ordinário, dispondo que a sua ausência não dá ensejo à invalidade da decisão acaso disso não resulte prejuízo para as partes.”. Outrossim, não há qualquer óbice à adoção de relatório per relationem, vale dizer, o magistrado se reportar ao relatório feito em outra decisão do processo, desde que não haja nenhum prejuízo às partes. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça : “PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. POSSE E DOMÍNIO. RESERVA INDÍGENA DE MANGUEIRINHA/PR. ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM . POSSIBILIDADE. ARTS. 6º, 303 E 131, DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ARTS. 56, 923, 70, I E II, DO CPC. ARGUMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. […] 4. Não se configura desprovido de fundamento, tampouco omisso, o julgado que ratifica as razões de decidir adotadas na sentença, com sua transcrição no corpo do acórdão, utilizando-se da denominada fundamentação per relationem. Precedentes […]”. 2.3 Fundamentação: 2.3.1 Introdução: a fundamentação é elemento obrigatório em toda e qualquer sentença, ainda que terminativa. Cuida-se de garantia assegurada pelo art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, segundo o qual toda decisão judicial deve ser motivada, sob pena de nulidade. A fundamentação consiste na exposição dos motivos fáticos e jurídicos que embasam a conclusão do magistrado em determinado sentido, seja para acolher o pedido do autor, seja para rejeitá-lo. Exerce dupla função, endo e extraprocessual. Aquela permite que as partes controlem a decisão por meio da interposição dos recursos cabíveis, enquanto esta viabiliza o controle democrático da decisão. 2.3.2 Conteúdo: é na fundamentação que o magistrado decide as questões incidentais, bem como aprecia e resolve as questões de fato e de direito deduzidas pelas partes. É também o momento oportuno para enfrentar as questões processuais que impedem o conhecimento do mérito da lide, decretando a inadmissibilidade da demanda no dispositivo da sentença. Nessas hipóteses, o art. 459 do CPC autoriza a adoção de fundamentação sucinta, o que não significa ausência de fundamentação. A apreciação das questões processuais deve preceder ao exame do mérito. Por outro lado, apreciando o mérito da causa, o juiz valorará a prova produzida em contraditório para acolher ou rejeitar a demanda. É o momento adequado para o julgador analisar se estão presentes os elementos ensejadores da responsabilidade civil subjetiva extracontratual (conduta, culpa, nexo e dano), em uma ação indenizatória, por exemplo . www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 12 Não é permitido, contudo, ao magistrado fundamentar sua decisão com base apenas nos elementos de provas produzidos pela parte autora no sentido da procedência do seu pedido sem rebater as alegações e provas trazidas aos autos pelo réu. Dessa forma, o julgador, em respeito ao princípio do contraditório, deve expor o porquê os referidos argumentos e provas não o convenceram. De resto, a motivação é o local adequado para o magistrado deliberar sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de ato normativo, suscitada pelas partes como questão prejudicial. Trata-se de controle difuso de constitucionalidade que assegura a qualquer magistrado o controle da constitucionalidade dos atos normativos e cujos efeitos são restritos ao caso concreto. 2.3.3 Motivação x coisa julgada material: nos termos do art. 469 do CPC, as questões decididas na fundamentação não são albergadas pela coisa julgada material, a qual recai apenas sobre o dispositivo da sentença. Logo, a coisa julgada material torna imutável apenas o conteúdo da norma jurídica individualizada, razão pela qual a decisão sobre a paternidade numa ação em que se pedem alimentos pode ser objeto de discussão em outro processo, por exemplo. Portanto, a coisa julgada material recai sobre o dispositivo da sentença, não sendo acobertada pelo manto da coisa julgada a resolução de questões incidentais, salvo quando a questão for apreciada principaliter tantum ou por meio de ação declaratória incidental, conforme a regra expressa do art. 470 do CPC, in verbis: “Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide.”. 2.3.4 Ausência de fundamentação: a fundamentação é regra de observância compulsória pelo magistrado, acarretando a sua ausência nulidade do ato decisório. É comum, no entanto, decisões simplistas, que somente do ponto de vista formal são fundamentadas, tais como: “presentes os pressupostos legais, defiro a tutela antecipada” ou “defiro o pedido indenizatório na forma como postulado na inicial, uma vez que amparado nas provas produzidas em juízo” ou “indefiro em razão da ausência de amparo legal do pedido”, dentre tantasoutras. A motivação exige que o magistrado decline explicitamente as razões que o levaram a decidir em determinado sentido. Exemplificando, deve o magistrado expor por que estão presentes (ou ausentes) os pressupostos da tutela antecipada. A jurisprudência admite a denominada fundamentação per relationem, isto é, a decisão do magistrado que se reporta aos fundamentos expendidos em outro ato do processo (outra decisão ou mesmo um parecer do Ministério Público). Aliás, a Lei 9.099/95, em seu art. 46, in fine, consagrou legalmente hipótese de motivação per relationem no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, ao admitir que “se a sentença for confirmada pelos seus próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão”. O projeto de novo CPC, que tramita no Congresso Nacional, elenca hipóteses em que se considera sem fundamentação a sentença. Confira-se o dispositivo: “Não se considera fundamentada a decisão, sentença ou acórdão que: I – se limita a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo; II – empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”. 2.4 Dispositivo: 2.4.1 Conceito: consiste na conclusão, na resposta do Estado-juiz que acolhe ou rejeita o pedido formulado pelo autor. Cuida-se do fecho da sentença que contém a decisão da causa . Fredie Didier Jr. et al define o dispositivo como “[…] a parte da decisão em que o órgão jurisdicional estabelece um www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 13 preceito, uma afirmação imperativa, concluindo a análise acerca de um (ou mias de um) pedido que lhe fora dirigido […] Sem esse comando, a decisão é inexistente.”. O dispositivo pode ser classificado em: a) Direto: especifica a prestação imposta ao vencido (ex.: “condeno o réu a pagar a quantia X ao autor”) ou b) Indireto: o juiz apenas se reporta ao pedido do autor, julgando-o procedente ou improcedente. 2.4.2 Teoria dos capítulos da sentença: uma vez que é possível a cumulação de pedidos, a sentença nesses casos será objetivamente complexa, pois o dispositivo poderá ser fracionado em capítulos. Capítulo da sentença é toda unidade autônoma contida na parte dispositiva de uma decisão judicial . A teoria dos capítulos da sentença tem implicações em diversos institutos do processo, tais como: I. Tratando-se de decisão ultra petita (que extrapola os limites do pedido), é possível o aproveitamento do capítulo da sentença inalterado pelo decisum, anulando-se apenas o capítulo em excesso; II. Na teoria geral dos recursos, o recurso será total quando impugnar todos os capítulos desfavoráveis da sentença, enquanto o recurso parcial apenas refuta um ou alguns capítulos da sentença. Assim, limita-se o efeito devolutivo (tantum devolutum quantum apelattum); III. Havendo sucumbência, o autor responderá pelas despesas processuais relativas ao capítulo em que sucumbente, ao passo que o réu ficará responsável em relação ao capítulo em que vencido. Com base na teoria dos capítulos da sentença, desenvolveu-se a ideia de coisa julgada progressiva segundo a qual esta se forma à medida que os capítulos da sentença não são impugnados pelo recurso, transitando em julgado parcialmente. Assim, o capítulo impugnado não transita em julgado, diferentemente do capítulo não impugnado. Este regime tem especial importância no estudo da ação rescisória, sobretudo na contagem do prazo decadencial para a sua propositura. O STJ, contudo, desconsidera a coisa julgada progressiva, pois estabelece que “o prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.” (Súmula 401, STJ). Porém, no âmbito do TST o entendimento prevalente é no sentido de que “havendo recurso parcial, no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial.” (Súmula 100, II, TST). 3. Requisitos – congruência externa e interna. 3.1 Noções introdutórias: os arts. 128 e 460 do CPC dispõem acerca da congruência, esclarecendo que a decisão deve enfrentar todos os pedidos deduzidos, incluindo os denominados pedidos implícitos, a exemplo da condenação ao pagamento de custas e honorários advocatícios e a incidência de juros e correção monetária sobre as dívidas de valor. A congruência, no entanto, deve ser analisada não somente do ponto de vista do pedido e dos sujeitos que compõem a lide (congruência externa), mas em relação a si mesma (congruência interna). 3.2 Congruência externa: trata-se de regra que limita a atividade do magistrado, vinculando-o aos termos da demanda e aos sujeitos do litígio. Dessa forma, o magistrado, ao proferir a sentença, deve apreciar e responder a todos os pedidos deduzidos, sendo-lhe defeso julgar além ou fora do que pleiteado. A regra valoriza, igualmente, o princípio do contraditório, pois garante à parte o direito de se manifestar e influenciar a decisão judicial proferida. A congruência externa divide-se em: a) Congruência objetiva: vincula o juiz, na apreciação da lide, aos elementos objetivos da demanda (causa de pedir e pedido), é dizer, o magistrado deve decidir a lide nos limites em que proposta, nem além, nem fora, nem aquém do que pedido. A inobservância www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 14 da congruência objetiva acarreta em julgamento ultra, extra ou citra petita. A decisão será ultra petita quando conceder mais do que o pedido, a exemplo da sentença que condena o réu ao pagamento de indenização por danos materiais em valor superior ao pedido na exordial. A decisão que ultrapassa os limites do pedido deve ser invalidada, mas a invalidação restringe-se à parte em que supera os limites do pedido. Entretanto, existem situações excepcionais em que é possível julgamento ultra petita: 1) pedido implícito; 2) fixação de multa coercitiva independentemente de pedido ou em valor superior ao pleiteado pelo requerente nas decisões que impõem obrigação de fazer, não fazer ou de entregar coisa; 3) nas ações de alimentos ou de oferta de alimentos, a doutrina defende a possibilidade de fixação de prestação alimentícia em valor superior ao pleiteado. Diz-se extra petita, por sua vez, a decisão que concede coisa distinta da pedida, a exemplo da decisão que condena à entrega de uma coisa determinada, quando o autor requereu a condenação ao pagamento de certa quantia. Tratando-se de error in procedendo, imprescindível a invalidação de toda a decisão, salvo em relação à sentença objetivamente complexa (teoria dos capítulos da sentença) quando o vício atingir apenas um ou alguns capítulos, sendo possível manter íntegros os demais. Por fim, citra petita é a decisão que deixa de apreciar pedido formulado ou fundamento de fato ou de direito alegado pela parte. O magistrado, portanto, omite-se na apreciação de algum pedido formulado pela parte, que pode consistir em uma questão principal ou incidental. O defeito, contudo, podeser sanado com a oposição de embargos de declaração. b) Congruência subjetiva: do mesmo modo, a sentença deve guardar correlação com os sujeitos da lide, não produzindo efeitos em relação a terceiros que dela não tenham participado. A sentença, igualmente, será ultra petita quando seus efeitos atingirem, além da parte da relação processual, quem dela não participou; extra petita quando atingir tão somente quem não participa do processo; citra petita quando deixar de disciplinar a situação jurídica de todas as partes envolvidas na relação processual, no polo ativo ou passivo. Verificando-se um dos referidos vícios, como na hipótese da sentença que impõe obrigação a litisconsorte passivo necessário não citado, a decisão poderá ser anulada ou integrada conforme o caso. Sendo ultra petita, basta que seja anulada a parte incongruente da decisão, retirando o capítulo referente ao sujeito que não participou do processo; sendo extra petita, deverá ser integralmente invalidada e, sobrevindo o seu trânsito em julgado, pode ser desconstituída por meio de ação rescisória; sendo, por fim, citra petita a decisão necessitará ser integrada em grau recursal para que seja acrescentado o capítulo faltante. 3.3 Congruência interna: 3.3.1 Introdução: a sentença, assim como o pedido na petição inicial, precisa observar alguns requisitos intrínsecos, a saber: certeza, liquidez, clareza e coerência. 3.3.2 Certeza: nos termos do art. 460, parágrafo único, do CPC, a sentença deve ser certa, mesmo quando decida relação jurídica condicional. Afirma Fredie Didier Jr. et al que “certo é o pronunciamento do juiz quando ele expressamente certifica a existência ou inexistência de um direito afirmado pela parte, ou ainda quando expressamente certifica a inviabilidade de analisá-lo (quando falta requisito de admissibilidade do procedimento). A certeza consubstancia-se, portanto, na necessidade de que o juiz, ao analisar o pedido que lhe foi dirigido, firme um preceito, definindo a norma jurídica para o caso concreto e, com isso, retire as partes do estado de dúvida no qual se encontravam.”. O requisito da certeza, todavia, não impede que o magistrado, ao proferir sua decisão, crie uma condição de eficácia de seu pronunciamento, a exemplo da decisão que condena o beneficiário da assistência judiciária ao pagamento de custas e honorários advocatícios (o juiz certifica a existência das verbas e suspende a sua exigibilidade até que sobrevenha mudança na capacidade econômica do beneficiário). www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 15 Igualmente, a eficácia da sentença pode ficar sob condição legal suspensiva, como se verifica em relação ao reexame necessário (CPC, art. 475). Destarte, é proibido ao magistrado condicionar a própria certeza da resposta estatal materializada na sentença. Nesse diapasão, não pode o magistrado, por exemplo, declarar o direito a uma indenização por danos que eventualmente venham a ser demonstrados em liquidação. 3.3.3 Liquidez: a decisão judicial que condena ao cumprimento de uma prestação deve, necessariamente, apreciar os seguintes aspectos: a) an debeatur (existência da dívida); b) o cui debeatur (a quem é devido), c) o quis debeat (quem deve); d) o quid debeatur (o que é devido) e e) o quantum debeatur (a quantidade devida). Em regra, toda decisão deve ser líquida, sendo lícito ao magistrado proferir sentença ilíquida somente quando o autor formular pedido ilíquido, consoante reza o art. 459, parágrafo único c/c art. 286, ambos do CPC. Aliás, consoante entendimento pacífico do STJ “formulado pedido certo e determinado, somente o autor tem interesse recursal em arguir o vício da sentença ilíquida” (Súmula 318). A Lei 9.099/95, no entanto, veda a prolação de sentença ilíquida nas ações sujeitas ao procedimento sumaríssimo, ainda que o pedido seja ilíquido, nos moldes do art. 38, parágrafo único. Outrossim, é vedada a prolação de sentença ilíquida nas ações de rito sumário para a cobrança de seguro relativo aos danos causados em acidente de veículo (CPC, art. 475-A, § 3º). 3.3.4 Clareza e coerência: a sentença deve ser redigida de forma clara e direta, sem subterfúgios, não podendo o julgador se valer de expressões chulas e que dificultem a compreensão de sua conclusão. Ademais, a decisão deve espelhar uma correlação entre o relatório, fundamentação e conclusão. 4. Classificação quanto ao seu conteúdo. 4.1 Noções gerais: o tema da classificação da sentença quanto ao seu conteúdo sempre foi objeto de acirradas divergências na doutrina, tanto nacional quanto estrangeira, predominando duas correntes de pensamento, a saber: 1ª) Classificação ternária: sentenças condenatória, constitutiva e declaratória; 2ª) Classificação quinária: sentenças condenatória, constitutiva, declaratória, mandamental e executiva lato sensu. A discussão, porém, perdeu um pouco o sentido com a edição da Lei 11.232/2005, uma vez que toda sentença que condena ao dever de prestar uma obrigação de fazer, dar coisa ou pagar quantia pode ser efetivada no mesmo processo, instituindo-se o processo sincrético. 4.2 Sentença condenatória: é aquela que certifica a existência de um direito a uma prestação, que pode ser uma obrigação de fazer, dar coisa ou pagar quantia, viabilizando a realização da atividade executiva caso não cumprida espontaneamente. O direito à prestação corresponde ao direito subjetivo em sentido estrito. Uma vez não cumprida espontaneamente pelo devedor, este será considerado inadimplente e poderá ser constrangido a cumprir a obrigação de modo forçado. Porém, considerando que é vedada a autotutela, o credor deverá se valer do procedimento jurisdicional executivo que se realiza, atualmente, nos mesmos autos da ação de conhecimento. Portanto, por força da Lei 11.232/2005 a atividade jurisdicional não se exaure com a certificação do direito subjetivo, exigindo-se a sua efetivação. Por conseguinte, foi necessária a reformulação do conceito de sentença. Antes da Lei 11.232/2005, a sentença se caracterizava como o ato do juiz que encerrava o processo (certificação do direito). A nova sistemática definiu sentença a partir de seu conteúdo como sendo o ato do juiz que implica a resolução ou não do mérito da causa. Inclusive substituiu-se o termo “julgamento” por “resolução”, tudo visando realçar que a sentença não é o último ato do processo. Na verdade, ela encerra uma fase, a de conhecimento, possibilitando o início da fase executiva. 4.3 Sentença constitutiva: trata-se da decisão que certifica e efetiva direito potestativo, o www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 16 qual constitui o poder jurídico conferido a alguém de submeter outrem à determinada situação jurídica. São exemplos de direito potestativo: a) direito de pedir o divórcio; b) rescindir um contrato; c) direito de arrependimento nas compras realizadas fora do estabelecimento comercial; d) rever a prestação alimentícia, entre outros. O deferimento do pedido implica na constituição de uma situação nova, a qual deve a outra parte se submeter sem direito a resistir. Por outro lado, tratando-se de direito que se efetiva no plano jurídico e não físico, a efetivação por meio de atividade executiva é dispensável, bastando a decisão por si para a efetivação do direito potestativo. Sendo assim, a decisão que decreta a nulidade de um contrato, por exemplo, é suficiente, de per si, para que a relação contratual seja extinta. 4.4 Sentençameramente declaratória: é aquela que se limita a certificar a existência ou inexistência de determinada relação jurídica. Cuida-se de decisão que tem por fim único garantir a certeza jurídica de uma relação jurídica, pressupondo a existência de uma situação de incerteza, de dúvida sobre a relação jurídica discutida. 5. Efeitos – eficácia principal, reflexa e anexa. 5.1 Eficácia principal: trata-se dos efeitos que decorrem do conteúdo da decisão, tais como a possibilidade de adoção de providências executivas (decisões condenatórias), a situação jurídica nova (decisões constitutivas) e a certeza jurídica (decisões declaratórias), explorados com maior profundidade no tópico anterior. 5.2 Eficácia reflexa: a sentença, em determinadas circunstâncias, afeta relação jurídica estranha ao processo, a qual, no entanto, mantém um vínculo com a relação discutida em juízo. Assim, v.g., a sentença em uma ação reivindicatória repercute na relação jurídica entre o réu o terceiro adquirente do bem (CC, arts. 457 e ss.). Igualmente, a sentença de despejo, rescindindo o contrato de locação, acarreta, por conseguinte, o desfazimento da sublocação. 5.3 Eficácia anexa: são efeitos da decisão que decorrem de previsão legal e não como consequência do conteúdo da sentença (ex lege), a exemplo da perempção, que se forma com a terceira sentença de extinção do processo por abandono unilateral e a separação de corpos, em razão da decretação do divórcio. Destaca-se, ainda, como efeito anexo, ou secundário, a hipoteca judiciária, prevista no art. 466 do CPC, segundo o qual “a sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos”. Cuida-se de importante instrumento para prevenir a fraude à execução, haja vista que se assegura ao credor a possibilidade de buscar o bem onde quer que se encontre em razão do direito de sequela inerente à hipoteca judiciária. 6. Publicação, retratação e integração. 6.1 Publicação: confeccionada a sentença, deve ser providenciada a sua publicação, momento a partir do qual será o magistrado impedido de alterá-la, consoante reza o art. 463 do CPC. Sendo proferida em audiência, será considerada publicada na própria audiência; sendo proferida em gabinete, considera-se publicada com a juntada aos autos pelo escrivão. O prazo para recurso, contudo, só passa correr com a intimação das partes por meio de publicação na imprensa oficial. 6.2 Retratação: a princípio, uma vez proferida a sentença, exaure-se a atividade do julgador que não pode se retratar do seu entendimento firmado na decisão. Entretanto, excepcionalmente autoriza-se o magistrado a se retratar diante de recurso contra o indeferimento da petição inicial (CPC, art. 296) ou do julgamento de improcedência prima facie (CPC, art. 285-A). 6.3 Integração: integrar a decisão nada mais é do que complementá-la para corrigir eventuais defeitos, omissões ou contradições. O ordenamento jurídico contempla remédio www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 17 recursal específico para tanto, os embargos de declaração, espécie de recurso cabível quando houver na sentença obscuridade ou contradição, bem como na hipótese de omissão acerca de ponto sobre o qual devia pronunciar-se o magistrado. Não obstante, excepcionalmente o próprio julgador que proferiu a sentença pode alterá- la para corrigir inexatidões materiais e erros de cálculo (CPC, art. 463, inciso I). NOVO CPC Seção IV Dos Pronunciamentos do Juiz Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. § 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º. § 3º São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte. § 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário. CAPÍTULO XIII DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA Seção I Disposições Gerais Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: I – indeferir a petição inicial; II – o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III – por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV – verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V – reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; VI – verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; VIII – homologar a desistência da ação; IX – em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; e X – nos demais casos prescritos neste Código. § 1º Nas hipóteses descritas nos incisos II e III, a parte será intimada pessoalmente para suprir a falta no prazo de 5 (cinco) dias. § 2º No caso do § 1º, quanto ao inciso II, as partes pagarão proporcionalmente as custas, e, quanto ao inciso III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e dos honorários de advogado. § 3º O juiz conhecerá de ofício da matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não ocorrer o trânsito em julgado. § 4º Oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação. § 5º A desistência da ação pode ser apresentada até a sentença. § 6º Oferecida a contestação, a extinção do processo por abandono da causa pelo autor depende de requerimento do réu. § 7º Interposta a apelação em qualquer dos casos de que tratam os incisos deste artigo, o juiz terá 5 (cinco) dias para retratar-se. Art. 486. O pronunciamento judicial que não resolve o mérito não obsta a que a parte proponha de novo a ação. § 1º No caso de extinção em razão de litispendência e nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do art. 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito. § 2º A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado. www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 18 § 3º Se o autor der causa, por 3 (três) vezes, a sentença fundada em abandono da causa, não poderá propor nova ação contra o réu com o mesmo objeto, ficando-lhe ressalvada, entretanto, a possibilidade de alegar em defesa o seu direito. Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I – acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção; II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; III – homologar: a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção; b) a transação; c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese do § 1º do art. 332, a prescriçãoe a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar- se. Art. 488. Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485. Seção II Dos Elementos e dos Efeitos da Sentença Art. 489. São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão. § 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé. Art. 490. O juiz resolverá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes. Art. 491. Na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, salvo quando: I – não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido; II – a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença. § 1º Nos casos previstos neste artigo, seguir- se-á a apuração do valor devido por liquidação. § 2º O disposto no caput também se aplica quando o acórdão alterar a sentença. www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 19 Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional. Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir. Art. 494. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I – para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração. Art. 495. A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária. § 1º A decisão produz a hipoteca judiciária: I – embora a condenação seja genérica; II – ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sentença ou esteja pendente arresto sobre bem do devedor; III – mesmo que impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo. § 2º A hipoteca judiciária poderá ser realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário, independentemente de ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de demonstração de urgência. § 3º No prazo de até 15 (quinze) dias da data de realização da hipoteca, a parte informá-la- á ao juízo da causa, que determinará a intimação da outra parte para que tome ciência do ato. § 4º A hipoteca judiciária, uma vez constituída, implicará, para o credor hipotecário, o direito de preferência, quanto ao pagamento, em relação a outros credores, observada a prioridade no registro. § 5º Sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão que impôs o pagamento de quantia, a parte responderá, independentemente de culpa, pelos danos que a outra parte tiver sofrido em razão da constituição da garantia, devendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios autos. PROCESSO DE EXECUÇÃO Noções gerais Princípios da versão original do CPC/1973 foram cedendo, gradativamente, a outros (autonomia entre conhecimento/execução já cedia às sentenças mandamentais das possessórias e alimentos, sendo que hoje é possível a realização de atos executivos no curso de qualquer ação de conhecimento condenatória, vide 273, p. 3°, e 461 e 461-A nas ações de obrigação de fazer/não fazer, entregar coisa, sem contar a possibilidade de execução da sentença que condena ao pagamento de quantia em dinheiro no mesmo procedimento, vide 475-J) e houve abandono da unicidade procedimental Nulla executio sine titulo, anteriormente baseado somente na taxatividade legal, pois exigia como suficiente que o exeqüente ostentasse título executivo, mas, atualmente, não faz tal exigência, vide a possibilidade de execução antecipada dos efeitos da tutela Tipicidade/atipicidade, vide 461, p. 5°, vez que não delimita as espécies de medidas executivas a serem manejadas pelo juiz e nem o modo de realização destas mesmas medidas) Divisão entre 3 grupos : a) extrajudicial – livro II, 566/795 (embora trate da execução dos títulos extrajudiciais, traz, em seu bojo, de forma exaustiva, os atos destinados à obtenção de quantia em dinheiro, recebimento de coisa e cumprimento de obrigações de fazer/não fazer) b) cumprimento de sentença condenatória e de outros títulos executivos judiciais que não podem ser executados ex officio – 475-J e seguintes www.cers.com.br ATUALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL Novo Código de Processo Civil Mauricio Cunha 20 c) execução em que a própria sentença é executiva – 461 e 461-A Aumento da importância do papel do juiz com relação à validade e à adequação das medidas executivas (bens impenhoráveis, reavaliação dos bens penhorados, nulidade da arrematação por preço vil, fixação de multa coercitiva), a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade, este inserido entre os princípios da máxima efetividade e da menor restrição possível. BACENJUD, RENAJUD E INFOJUD Espécies de meios executivos sob uma perspectiva ampla: DIRETA (mesmo contra a vontade do executado, verdadeira sub-rogação, que pode se dar por desapossamento, transformação ou expropriação) ou INDIRETA (por coação patrimonial, como a fixação de multa
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