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ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

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ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
 
 
 
 Introdução
 
Vivemos um momento único no plano do direito das crianças e adolescentes. Tais pessoas ultrapassam a esfera de meros objetos de “proteção” e passam à condição de sujeitos de direito, beneficiários e destinatários imediatos da doutrina da proteção integral.
A Constituição de 1988 trouxe e coroou significativas mudanças em nosso ordenamento jurídico estabelecendo novos paradigmas. No campo político, houve necessidade de reafirmar valores caros que nos foram aniquilados durante o regime militar. No campo das relações privadas se fazia imprescindível atender aos anseios de uma sociedade mais justa e fraterna, menos patrimonialista e liberal. Movimentos europeus pós-guerra influenciaram o legislador constituinte na busca de um direito funcional, voltado mais para o social. Dentro desse contexto, o legislador constitucional não poderia deixar intocado o sistema jurídico da criança e do adolescente, restrito aos “menores” em abandono ou estado de delinqüência. E, de fato,  não o fez.
A imensa mobilização de toda a sociedade e de especialistas da área, acrescida da pressão de organismos internacionais, como o UNICEF, foi essencial para que o legislador constituinte se sensibilizasse a uma causa já reconhecida como primordial em diversos documentos internacional, como a Declaração de Genebra, de 1924, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (França, 1948); a Convenção Americana Sobre os direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969) e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras Mínimas de Beijing (Res. 40/33 da Assembleia-Geral, de 29 de novembro de 1985). A nova ordem rompeu, assim com o já consolidado modelo da situação irregular e adotou a proteção integral.
A atuação do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas  de Rua (MNMMR), resultado do 1º Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua, realizado em 1984, foi um dos movimentos mais importantes de mobilização nacional na busca de uma participação ativa de diversos segmentos da sociedade atuantes na área da infância e juventude. O objetivo a ser alcançado era uma Constituinte que garantisse e ampliasse os direitos sociais e individuais de nossas crianças e adolescentes.
Esse objetivo foi alcançado, com a aprovação da Constituição Federal de 1988, que assegurou nos artigos 227 e seguintes proteção à criança e adolescente. Objetivando regulamentar e implementar o novo sistema, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal nº 8.069/90 – de autoria do Senador Ronan e relatório da Deputada Rita Camata, suprindo uma lacuna infraconstitucional, pois a antigo Código de Menores, editado em 1979 e inspirado pela doutrina da situação irregular, havia sido praticamente sepultado pela nova ordem jurídica vigente e inúmeros dispositivos sequer foram recepcionados pela nova Carta.
Em seu lugar, implanta-se a Doutrina da Proteção Integral, com caráter de política pública. Crianças e Adolescentes deixam de ser objeto de proteção assistencial e passam a titulares de direitos subjetivos. Para assegurá-los é estabelecido um sistema de garantias de direitos, que se materializa no Município, a quem cabe estabelecer a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, por meio do Conselho Municipal de Direito da Criança e do Adolescente (CMDCA), bem como, numa co-participação com a sociedade civil, executá-la.
Trata-se de um novo modelo, democrático e participativo, no qual família, sociedade e Estado são co-partícipes do sistema de garantias que não restringe à infância e juventudes pobres, protagonistas da doutrina da situação irregular, mas sim a todas as crianças e adolescentes, pobres ou ricas, lesados em seus direitos fundamentais de pessoas em desenvolvimento.
 
1.  Âmbito de aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90
 
O artigo 2º do ECA considera criança  a pessoa com até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Por exceção e apenas nos casos expressos na lei especial, permite-se sua aplicação a pessoas entre 18 e 21 anos de idade.
Percebe-se que o artigo 2.º levou em conta o critério biológico – objetivo, igualitário e mais seguro – para a fixação do âmbito de aplicação do Estatuto. (critério cronológico absoluto: a idade,  não se indagando da eventual capacidade de discernimento para determinação da condição jurídica do pequeno)
 
Criança → pessoa até 12 (doze) anos incompletos.
Adolescente → pessoa dos 12 (doze) aos 18 (dezoito) anos incompletos
Tal distinção é de suma importância com relação à aplicação das medidas sócio-educativas (que podem implicar privação de liberdade) e, também, nos casos em que se exige autorização para viagens.
Assim, para a criança exige-se, em certos casos, a autorização para viagens internas, o que não ocorre com os adolescentes. Para estes, há a exigência somente quanto se tratar de viagem ao exterior.
As medidas sócio-educativas aplicam-se apenas aos adolescentes. Às crianças, mesmo que cometam atos infracionais graves, só serão aplicadas as medidas de proteção elencadas no art. 101 do ECA.
OBS.: Foi publicada mais uma novidade legislativa. Trata-se da Lei nº 13.257/2016.
Referida lei prevê a formulação e implementação de políticas públicas voltadas para as crianças que estão na "primeira infância". Além disso, a Lei nº 13.257/2016 altera o ECA, a CLT, a Lei nº 11.770/2008 e o Código de Processo Penal . (VER ALTERAÇÕES DA LEI Nº 13.257/16)
Assim, segundo a Lei nº 13.257/2016, considera-se  primeira infância o período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança.(artigo 2º)
 Dispõe o ECA em seus artigos 5º e 6º o seguinte:
          “Art. 5.º- Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 6.º- Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”
A norma estabelece os critérios de interpretação (fins sociais, condição peculiar da criança ou adolescente, exigências do bem comum, direitos e deveres individuais e coletivos), e, com isso, consagra o Princípio da Prevalência dos Interesses do Menor.
 
I- PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
 
O Estatuto da Criança e do Adolescente é um sistema aberto de regras e princípios. As regras nos fornecem a segurança necessária para delimitarmos a conduta. Os princípios expressam valores relevantes e fundamentais as regras, exercendo uma função de integração sistemática, são os valores fundantes da norma.
Segundo Humberto Ávila, as regras e princípios são “sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”. [1]
São quatro os princípios informadores do Direito da Criança e do Adolescente que merecem especial destaque da doutrina especializada. Os princípios da proteção integral, da prioridade absoluta, do respeito à condição peculiar da criança e do adolescente de pessoa em desenvolvimento e da participação popular, inspiram cada norma do novo direito.
 
1. Princípio da Proteção Integral
 
Mais do que um princípio do direito brasileiro a Proteção Integral é uma doutrina difundida em todo o mundo e tem inspirado as nações a consorciarem-se em pactos e convenções internacionais, que acabam por refletir no direito interno.
A doutrina da Proteção Integral preconiza o dever do Estado, da sociedade e da família de zelar pela inviolabilidade dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, deixando-os a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Desse modo, a criança eo adolescente são sujeitos desses direitos, ditos fundamentais, a que se subordinam as pessoas adultas e, notadamente, o próprio Estado, como pessoa jurídica do direito público e a sociedade.
No direito nacional, a Proteção Integral tem status de princípio, no qual busca validade toda a norma relativa ao tema da infância e da juventude, sendo a pedra fundamental deste ramo do direito e sua gênese foi a Constituição da República de 1988, precisamente no caput do artigo 227, que praticamente sintetiza a doutrina da proteção integral em uma só sentença.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal nº 8069/90, principal norma infraconstitucional que regula o Direito da Criança e do Adolescente, para que não ficasse qualquer dúvida, proclama logo no seu artigo 1º que: “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. Em seguida, após as disposições preliminares, cuida de regulamentar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes e definir os instrumentos de garantia com os quais a família, a sociedade e o Estado cumprirão sua missão constitucional.
Pode-se resumir o Estatuto da Criança e do Adolescente como uma grande ampliação do artigo 227 da Constituição da República. A lei, advinda dois anos após a Carta Magna, regulamenta e dá concretude à implantação da doutrina da proteção integral no ordenamento jurídico nacional.
 
2. Princípio da Prioridade Absoluta
 
Corolário da Proteção Integral, que correria o risco de ser letra morta inserta na lei brasileira, surge com a Constituição Federal o Princípio da Prioridade Absoluta e, pela primeira vez o Texto Constitucional, o legislador expressamente proclama que criança e adolescente é prioridade absoluta.
Trata-se de princípio estabelecido no caput artigo 227 da Constituição Federal, com previsão no art. 4º e no artigo 100, parágrafo único, II da Lei n. 8069/90 – ECA, estabelecendo primazia em favor das crianças e adolescentes em todas as esferas de interesse. Seja no campo judicial, extrajudicial, administrativo, social ou familiar, o interesse dessas pessoas devem prevalecer.  Não cabe indagações ou ponderações sobre o interesse a tutelar em primeiro lugar, já que a escolha é norma constitucional.
Esse princípio está inserido no 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, depois de repeti-la no caput, define no parágrafo único que a prioridade absoluta compreende:
a. primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b. procedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c. preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d. destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
 
Tais hipóteses são meramente exemplificativas, o direito da criança e do adolescente terá sempre primazia frente aos outros interesses, podendo a própria lei estabelecer outras situações de prioridade ou, no caso concreto, o juiz decide pela priorização, seguindo o mandamento constitucional.
E a prioridade deve ser assegurada por todos: família, comunidade, sociedade em geral e Poder Público.
O Estatuto do Idoso – Lei Federal nº 10.741/2003, inspirado no ECA, também proclama que os direitos do idoso são prioritários. Com isso, ao lado da criança e do adolescente, o idoso também possui a garantia do atendimento prioritário aos seus direitos fundamentais, assentando-se tal prerrogativa, na condição peculiar de fragilidade que reclama a especial proteção do Estado e da sociedade.
Forçoso reconhecer que a priorização da criança e do adolescente possui status constitucional, eis que insculpido na própria Carta da República, enquanto a garantia de prioridade do idoso está prevista tão somente em legislação infra-constitucional.
Assim, se o administrador público precisar decidir entre a construção de uma creche e de um abrigo para idosos, pois ambos são necessários, obrigatoriamente terá de optar pela construção da creche. Isso porque o princípio da prioridade para os idosos é infraconstitucional, estabelecido no artigo 3º da Lei 10.741/2003, enquanto a prioridade em favor das crianças é constitucionalmente assegurada, integrante da doutrina da proteção integral.
Todavia, o fato da prioridade do idoso verter de lei ordinária não lhe coloca em segundo plano frente as crianças e adolescentes, a todos devendo ser assegurada igualmente a prioridade, somente refletido a hierarquização na fixação da garantia no ordenamento jurídico.
 
3. Princípio do Respeito à condição Peculiar da Criança e do Adolescente como Pessoa em desenvolvimento.
 
Por que será que o Estado, a Sociedade e a Família são juridicamente compelidos a assegurar, com absoluta prioridade, a proteção integral aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes?
Que ninguém se engane, ao assegurar a prioridade aos pequenos, claramente outros interesses serão qualificados como não prioritários.
A necessidade de proteção especial e prioritária advém do fato de crianças e adolescentes devem ser tratadas como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e, portanto, que apresentam hipossuficiência frente a defesa dos seus próprios interesses, além de apresentarem interesses especiais; isso decorre da própria situação de imaturidade, revelada pela constante transformação física, moral, espiritual e social.
 Assim, por exemplo, o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento não autoriza a eternizar e alongar por muito tempo a disputa de guarda de uma criança.
 
4. Princípio da Participação Popular
 
A Constituição da República, no seu artigo 1º, parágrafo único, consagra a democracia participativa, proclamando que o poder será exercido não só através dos representantes, mas também pelo próprio povo, diretamente.
Inspirado nesse dispositivo, que assegura a democracia participativa, o artigo 227 da Magna Carta convoca a Sociedade para, ao lado do Estado e da Família, zelarem pela inviolabilidade dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Vale dizer, a participação popular deve ser assegurada quando se tratar de defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
Ao legislador infraconstitucional coube regulamentar e com isso possibilitar com efetividade, a participação da sociedade no cenário da luta pelos direitos das crianças e adolescentes, criando assim diversos instrumentos que concretizam a participação da sociedade, tais como o Conselho Tutelar, Conselhos dos Direitos, Entidades de Atendimento etc.
Como se verá, tais entes constituem formas efetivas de participação popular na discussão das questões e definição de providências destinadas a resolução dos problemas afetos a criança e a adolescentes.
 
II- DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PREVISTOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
 
Direitos humanos fundamentais podem ser definidos, segundo Alexandre de Moraes, como o conjunto de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.[2]
São direitos inatos ao ser humano, mas variáveis ao longo da história. Estão atualmente previstos em documentos internacionais e presentes no Estado democrático de Direito. O importante é realçar que tais direitos relacionam-se diretamente com a garantia de não ingerência do Estado na esfera individual e a consagração da dignidade humana, tendo um universal reconhecimento por parte da maioria dos Estados, seja em nível constitucional, infraconstitucional, seja em nível de direito consuetudinário ou mesmo por tratados e convenções internacionais.
O Brasil tem na proteção dos direitos humanos um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Ao longo do texto constitucional, principalmente em seu artigo 5º, prevê e reconhece direitos e garantias fundamentais.
No que diz respeito às crianças e adolescentes, o legislador constituinte particularizou dentre os diretos fundamentais aqueles que se mostramindispensáveis à formação do indivíduo ainda em desenvolvimento, elencado-os no caput do artigo 227. E no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/90, tais direitos estão disciplinados nos artigos 7º ao 69.
OBS.: LEMBRANDO QUE A PARTIR DA LEI Nº 13.257/2016, TAIS DIREITOS SÃO APLICÁVEIS A "PRIMEIRA INFÂNCIA". 
Abaixo, relacionamos os mais importantes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente. São eles: direito à vida e à saúde, direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, direito à convivência familiar e comunitária, direito à educação, cultura, esporte e lazer e, direito à profissionalização e proteção no trabalho.
1- Direito à Vida e à Saúde.
          O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, pois, sem vida não há que se falar nos demais direitos fundamentais.
          O artigo 5º caput da CF/88 garante “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida....”. O artigo 227, por sua vez, preceitua que é “dever da família, sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida...”. Por seu turno, o Estatuto da Criança e do Adolescente, estatui em seu artigo 7º que “a criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”
       O direito fundamental à vida deve ser entendido como o direito a um nível de vida adequado com a condição humana, ou seja, direito à alimentação, vestuário, educação, cultura, assistência médico-odontológico e demais condições vitais. Dessa forma, o Estado deverá garantir esse direito em dupla obrigação: obrigação de cuidado a toda pessoa humana que não disponha de recursos suficientes e que seja incapaz de obtê-los por seus próprios meios; e na efetivação de órgãos competentes públicos ou privados, através de permissões, concessões ou convênios, para prestação de serviços públicos adequados que pretendam prevenir, diminuir ou extinguir deficiências existentes pra um nível mínimo de vida digna da pessoa humana.
          Exemplificando de forma muito singela, se um adolescente estiver à beira da morte, deve-se buscar, minimamente, assegurar recursos para tentar mantê-lo vivo, ou se inevitável a morte precoce, que, ao menos, seja digna, com tratamento e apoio.
O Estatuto da Criança e do Adolescente conforme determina o artigo 7º,  protege a criança desde a vida intra-uterina, ainda como feto, a partir da fecundação e não apenas a partir do nascimento com vida.
A Lei nº 8.069/90 – ECA, em defesa do direito à vida e à saúde, determina várias medidas de caráter preventivo, além de políticas sociais públicas que permitam o nascimento sadio.
Assim, é  assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde, (art. 8º).   Cuida-se, ademais, sempre que necessário, do apoio alimentar à gestante é à nutriz (mulher que amamenta, ama-de-leite),  fortalecem a existência da ampla proteção à vida e à saúde que o Estatuto da Criança e do Adolescente prescreve.
A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 396, protege o direito da mulher que trabalha e a Constituição Federal, em seu artigo 5.º, incisos XLIX e L, além disso, assegura as mães submetidas à medida privativa de liberdade o direito de amamentar seus filhos, visto que isso redundará no melhor desenvolvimento físico da criança, prevenindo, até mesmo, a mortalidade infantil (art. 9º do ECA).
Ainda, temos a proteção à maternidade de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 392, que proíbe o trabalho da mulher grávida pelo prazo determinado de 120 dias (ver artigo 7.o, inciso XVIII, da Constituição Federal e artigo 71, da Lei n. 8.213/91 – Plano de Benefícios da Previdência Social).
Toda criança e adolescente têm direito a atendimento médico e odontológico obrigatório pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A comunicação de maus tratos, tipificado como crime (artigo 136 do Código Penal), à criança e ao adolescente é obrigatória. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. (art. 13, do ECA, segundo redação dada pela Lei n. 13.257/16.)
Ainda para assegurar o cumprimento de medida socieducativa, a Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que constitui o Sistema Nacional de Atendimento Socieducativo (Sinase), estabeleceu parâmetros mínimos para garantir o direito à saúde aos adolescentes em conflito com a lei, durante o cumprimento de medida.
É direito fundamental receber assistência integral à saúde (art. 49, VII, do referido diploma legal), cujas diretrizes são enumeradas pelo artigo 60.
Resta claro que a intenção do legislador, a par de atender o adolescente, foi também integrá-lo ao SUS, garantindo informação e acesso a todos os níveis de atenção à saúde. Seus dados serão incluídos no Sistema de Informações sobre o Atendimento Socioeducativo, medida de todo profícua na análise e formulação de políticas infantojuvenis.
Ver as alterações trazidas pela Lei n. 13.257/16. 
2- Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade
          O direito de liberdade pode ser encarado sob diversas formas. È normalmente traduzido como o direito de ir e vir. Mas não é só. A liberdade preconizada no art. 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente é mais ampla, compreendendo também a liberdade de opinião, expressão, crença e culto religioso, liberdade para brincar, praticar esportes, divertir-se, participar da vida em família, na sociedade e vida política, assim como buscar refúgio, auxilio e orientação.
          A Lei n. 12.594/2012, no artigo 49, III, elenca a liberdade de pensamento e religião dentre os direitos individuais do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa.
         No tocante a liberdade de ir e vir, que envolve também a liberdade estar e permanecer (liberdade de locomoção), não se traduz na absoluta autodeterminação de crianças e adolescentes decidirem seu destino, pois a lei ressalva as restrições. Assim, caberá aos pais, família e comunidade fiscalizar o exercício desse direito concedido pró-criança e adolescente e não em seu desfavor. Não se pode permitir que uma criança ou jovem permaneça nas ruas, afastado das escolas, dormindo em calçadas, cheirando cola, sobrevivendo de caridade ou pequenos furtos, mesmo que afirmem que estão na rua porque assim desejam.
        No tocante a liberdade de opinião e expressão a criança e adolescente têm assegurada a liberdade de pensar e formar sua opinião sobre os mais variados assuntos. Assim, por exemplo, o adolescente sempre deve manifestar-se em caso de adoção, assim, como, tanto ele como a criança, em casos referentes à guarda e ao direito de visitas. Devem ser ouvidos pelo juiz ou, então, por visitantes sociais e psicológicos, encarregados do estudo social de cada caso.
Mas a participação não se restringe à orbita familiar. È ampla e compreende a participação na vida comunitária e política, na forma da lei. Reflexo desta última é o direito de voto assegurado aos adolescentes a partir dos 16 anos. Participar, opinar, discutir sobre a vida comunitária e sobre a direção do país é mais uma etapa do desenvolvimento e crescimento pessoal dos adolescentes.
          Crença e cultos religiosos livres, também estão compreendidos no direito à liberdade. Os pais, no cumprimento do dever de educar, devem oferecer aos filhos educação formal e moral, formação religiosa. De início, os filhos absorvem à religião dos pais, pois normalmente a única que lhes foi apresentada. Quando amadurecem, já na adolescência, questionam e aprendemque a religião se expressa de várias formas e a lei lhes assegura o direito de escolher uma dessas formas como a que melhor realiza seus objetivos de vida.
          A liberdade de brincar, praticar esportes e se divertir, com respeito à sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, é liberdade de ser criança e adolescente. Os esportes e atividades lúdicas devem-se concretizar no lar, na escola, bem como em ambientes sociais públicos adequados para isso, pois são importantes para o desenvolvimento motor, físico e integração social dessas pessoas. Integram e permitem experiências que se refletem no amadurecimento paulatino da criança e do adolescente.
3- Direito ao Respeito e à Dignidade
          Respeito é o tratamento atencioso à própria consideração que se deve manter nas relações com as pessoas respeitáveis, seja pela idade, por sua condição social, pela ascendência ou grau de hierarquia em que se acham colocadas.[3]
          No artigo 17 do ECA, o legislador anota várias hipóteses em que consiste referido direito. O que se extrai da leitura desse dispositivo é que se exige de todos a ausência de ação que possa ferir, de alguma maneira, a integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente.
          Uma das manifestações mais evidentes de ofensa ao direito ao respeito consiste na prática da violência doméstica, que se manifesta sob modalidades de agressão física, sexual, psicológica ou em razão da negligência, que como é sabido, está presente em todas as classes sociais, sem distinção, e ocorre de forma intensa como resultado do abuso do poder disciplinados dos adultos, sejam eles pais, padrastos, responsáveis, que transformam a criança e adolescente em meros objetos, com consequente violação de seus direitos fundamentais, em especial o direito ao respeito como ser humano em desenvolvimento.[4]
          O direito à dignidade não é muito diferente do de respeito. Dignidade, segundo de Plácido e Silva, em Vocabulário Jurídico, editora Forense, 1987, p. 124, se traduz na qualidade moral, que possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida.
          No ECA, referido direito é tratado no artigo 18. Ressalta-se, no caso, que a incumbência de garanti-lo é de todos. Assim, todas as pessoas são convocadas para evitar que a criança e o adolescente sejam vítimas de tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
          È evidente que, em primeiro lugar, tal atribuição é dos genitores, pais, conforme o artigo 229 da CF/88: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”, e, tratando-se de obrigações decorrentes do pátrio poder, não podem ser relegadas a segundo plano nem ser delegadas. O Estado por sua vez, não pode ficar inerte ante as investidas contra os direitos da personalidade do menor, devendo, em todas as áreas, atuar para que aqueles sejam assegurados.
 
 
4- Direito à convivência familiar e comunitária
 
A criança e o adolescente somente poderão desenvolver-se plenamente no seio de uma família. A família é o habitat natural do ser humano, que, como é notório, é um ser gregário. Nenhuma outra instituição, por melhor que seja, pode substituir a família na criação do ser humano.
De suma importância é o direito à convivência familiar. Tanto é assim que ela consta do artigo 227 da CF. No ECA, é tratado nos arts. 19 a 24, sob vários aspectos.
O novo Código Civil tratou de temas que são objeto de cuidado do Estatuto da Criança e do Adolescente. O ECA e o novo Código Civil seguirão convivendo, cabendo ao operador do direito harmonizar suas regras, notadamente no que diz respeito ao poder familiar e a colocação em família substituta.
Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
 A família natural, tal como conceituada no artigo 25 do ECA, é aquela compreendida pelos pais e seus filhos, mas também se apresenta como aquela formada por qualquer um deles e sua prole. Podemos observar que a lei estatutária não menciona em qualquer destes dispositivos a origem da relação jurídica dos pais, diante do princípio da isonomia filial consagrada constitucionalmente (art. 227, § 6º).    Portanto, não importa se matrimonial ou não o vínculo que une ou uniu os pais, estes e a respectiva prole constituem uma família natural ou nuclear.[5]
Com a entrada em vigor da Lei n. 12.010/2009, houve o alargamento da conceituação estatutária da expressão família natural. Reconheceu-se naquela lei a importância de uma vertente familiar, já estabelecida no Direito de Família no capítulo do parentesco (arts 1591 a 1595 do Código Civil), denominada família extensa ou ampliada.
Dispõe o ECA, no artigo 25 que:  “entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”
E no seu parágrafo único: “ Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”.
O conceito de família natural se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal; é formado por parentes próximos com os quais a criança e o adolescente conviva e mantenha vínculos de afinidade e de afetividade.
 Assim, a regra a permanência da criança e do adolescente com a sua família natural/ extensa é a regra. Na falta dos pais ou quando estes não possam garantir o direito à convivência familiar, a busca pela família extensa deve estar pautada em dois aspectos da relação: a afinidade e o afeto.
Retirar a criança ou o adolescente da família natural é medida de exceção, só podendo ser aplicada quando a lei determinar, casos em que os menores serão retirados da convivência familiar e colocados em família substituta e acolhedora, mas com finalidade provisória.
O art. 19 do ECA expressa que é absolutamente excepcional a colocação em família substituta, preferindo-se a família natural:
“ É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral ”.
A CF/88, no § 6, do artigo 227, proíbe quaisquer discriminações entre filhos. Isso significa que, depois de muito tempo, os direitos dos filhos, sejam havidos fora do casamento, sejam adotivos, foram igualados aos dos nascidos na constância do matrimônio.
A norma constitucional, foi repetida no artigo 20 do ECA, produz vários efeitos. Dentre outros, o do reconhecimento imediato e filho havido fora do casamento e o da legitimação para ingressar com ação de investigação de paternidade.
O ECA tratou do instituto do pátrio poder, hoje chamado pelo novo Código Civil ((Lei nº 12.010, de 2009)    de  Poder familiar. Vejamos o que dispõe os artigos no ECA:
“Art. 21. O  poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. 
 Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão o poder familiar.
Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.
Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislaçãocivil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.”
 
5- Direito à Educação, cultura, esporte e lazer
 
          A educação é um dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, devendo ser assegurado pelo Poder Público, encarregado de fornecer as condições necessárias para sua efetivação.
          No ECA, esse direito vem assegurado no artigo 53:
 
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes....”
O artigo 54, § 1.º, do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo da criança e do adolescente. É um direito que pode ser exigido judicialmente por ação civil pública ou por ação particular.
Nesse contexto, do direito à educação, a criança e o adolescente têm direito a escola próxima à residência, ou seja, a escola deve ser acessível. O Estado tem o dever de assegurar o ensino fundamental (primeiro grau). O não oferecimento desse ensino acarreta a responsabilidade pessoal da autoridade competente (artigo 54, § 2.º).
Segundo dispõe o artigo 55, “os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.  É também um direito que pode ser exigido judicialmente.
Os dirigentes dos estabelecimentos de ensino, além de comunicar maus-tratos envolvendo seus alunos, têm obrigação de comunicar ao Conselho Tutelar evasão escolar (saída injustificada da criança e do adolescente da escola), reiteração de faltas injustificadas e elevados níveis de repetência, para que este possa tomar as medidas cabíveis. (art. 56 e incisos do ECA).
No que se refere ao direito à cultura, ao esporte e ao lazer, o artigo 59 do ECA, determina que cabe aos municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude.
 
6- Direito à profissionalização e proteção no trabalho
 
A profissionalização integra o processo de formação do adolescente e, por isso, lhe é assegurada.
A CF/88, mantendo a tradição brasileira, fixada a idade mínima de trabalho para o adolescente em 14 anos de idade, salvo a condição de aprendiz. A Emenda Constitucional n. 20/98, alterou o inciso XXXIII do artigo 7º restringindo o trabalho adolescente a partir dos 16 anos, salvo a condição de aprendiz a partir de 14 anos.
Além de limitação etária, é também proibido o trabalho noturno (entre 22 e 5 horas), perigoso, insalubre ou penoso, realizado em locais prejudiciais à sua formação e desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.
Os artigos 60 a 69 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõem sobre o direito à profissionalização e à proteção do trabalho.
O artigo 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre o trabalho de aprendiz, dizendo que o aprendiz não pode :
? trabalhar durante a noite, estipulando ser trabalho noturno aquele realizado das 22 horas  às 5  horas;
? trabalhar em local insalubre ou penoso; 
? trabalhar em local impróprio para sua formação;
? trabalhar em horários e locais que não permitam sua freqüência na escola.
O contrato de aprendizagem é definido no artigo 428 da CLT como : “contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurarão maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz a executar com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.
Trata-se de um contrato especial de trabalho com duração máxima de 2 anos sobre o qual incidirão direitos trabalhistas. Assim, é obrigatória sua anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social.
O artigo 68 permite o chamado “trabalho educativo”, que é aquele realizado em programas sociais. É uma atividade de trabalho pedagógico. A finalidade desse trabalho educativo é preparar o adolescente para o mercado de trabalho.
O menor tem direito à profissionalização, desde que observados sempre o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a sua capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.
 
[1] Humberto Ávila. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4ª edição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 2.

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