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DIREITO PENAL 2° estágio, 2017

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UNIDADE II
TEORIA GERAL DO CRIME – PARTE 1- Conceito, estrutura e elementos constitutivos do crime.
Classificação.
Considerações preliminares – Para elaborar um conceito de crime, o moderno Direito Penal não recorre a elementos morais ou sociológicos, limitando-se a construir um conceito que aponte os elementos que constituem o crime. Deste modo, analiticamente o crime é definido pela maioria dos penalistas como um fato típico, antijurídico e culpável (conceito tripartido). Saliente-se, porém, que alguns autores, a exemplo de Damásio, Mirabete e Capez, sustentam que crime é apenas fato típico e antijurídico (conceito bipartido), enquanto alguns poucos defendem que se trata de fato típico, antijurídico, culpável e punível (conceito tripartido).
O crime difere da contravenção apenas no tocante ao grau de nocividade, mas não há diferença ontológica entre ambos. A contravenção é chamada de “crime anão”, porque é sempre uma conduta típica de pequeno potencial ofensivo, uma infração menor, a exemplo da contravenção de embriaguez e desordem. Em geral, as contravenções se encontram alocadas em uma lei específica (Lei das Contravenções Penais) e são apenadas com multa ou prisão simples.
2.Estrutura do crime – Além de um conceito analítico, o crime também possui uma estrutura básica, verificável a partir da análise dos seguintes elementos:
a) Sujeito ativo – É aquele que realiza direta (autor e co-autor) ou indiretamente (partícipe) a infração. Só o ser humano pode ser sujeito ativo, em regra. Contudo, excepcionalmente a pessoa jurídica ser responsabilizada (ver arts. 173, §5° da CF e 223, §3° da CF c/c art. 3° da lei 9605/98). Ressalte-se que isso não exclui a responsabilidade da pessoa física (sistema paralelo de imputação ou teoria da dupla imputação).
b) Sujeito Passivo – Titular do bem jurídico ofendido (vítima). O sujeito passivo pode ser Mediato ou indireto (é o Estado, titular do Direito de punir) e Imediato ou direto (Titular do bem especificamente tutelado. Ex: Proprietário do carro no furto). O sujeito passivo tanto pode ser pessoa física, como o Estado (Ex: crimes contra a administração da justiça), pessoas jurídicas privadas ou o nascituro (aborto). Pode ainda haver um sujeito passivo indeterminado (crimes vagos, a exemplo do crime de poluição praticado em um rio). Os mortos e animais não podem figurar como tal.
c) Objeto do crime – É o em contra o qual o delito se dirige. Pode ser jurídico (valor protegido pela lei penal, a exemplo da vida ou honra) ou material (pessoa ou coisa que suporta a conduta delituosa). Pode haver crime apenas sem objeto material, como ocorre nos crimes de mera conduta, a exemplo do ato obsceno).
3. Classificação doutrinária dos crimes- A doutrina, visando facilitar a compreensão e o estudo dos crimes, elaborou uma classificação em que enumera as diversas modalidades de crimes, agrupando-os a partir de elementos comuns. Abaixo segue a classificação mais adotada:
a) Comuns, próprios e de mão própria – Baseia-se no sujeito ativo. Comuns são aqueles que qualquer pessoa pratica (Ex: furto). Próprios, exigem do sujeito ativo uma situação diferenciada (Ex: no peculato, exige-se que o agente seja funcionário público). Os crimes próprios, contudo, admitem co-autoria e participação. Crimes de mão própria só podem ser praticados pela pessoa indicada no tipo (Ex: falso testemunho), não admitindo co-autoria, só participação.
b) Simples, complexos – Refere-se à estrutura da conduta típica. No crime simples, há uma conduta típica única, enquanto no complexo, o tipo que é produto da junção de dois ou mais tipos penais (Ex: o roubo, art. 157 do CP, é a junção do furto com a ameaça).
c) Materiais, formais e de mera conduta – Refere-se a relação entre conduta e o resultado naturalístico, que é a modificação do mundo exterior provocado pela conduta Materiais são crimes onde o tipo traz conduta e resultado naturalístico, sendo este necessário para a consumação, a exemplo do art. 121. Crimes Formais podem ter ambos, só que a consumação ocorre independente do resultado naturalístico, que é mero exaurimento. (Ex: No art. 159 do CP, ainda que a vantagem não seja obtida, o crime estará consumado). No crime de mera conduta, o tipo descreve apenas conduta, que é suficiente para consumar (Ex: art. 233 do CP).
d) Instantâneos, permanentes e de efeitos permanentes - Refere-se ao momento da consumação. Nos instantâneos, a consumação se dá em um instante no tempo, não tendo continuidade (Ex: art. 155 do CP). Nos permanentes, a consumação se protrai no tempo (Ex: art. 148 do CP). Nos instantâneos de efeitos permanentes os efeitos persistem após a consumação (art. 121 do CP). A doutrina também fala em crimes a prazo, que são os que se consumam com a fluência de um período a exemplo da lesão grave, caracterizada pela impossibilidade de execução das atividades habituais por mais de 30 dias. (Art. 129, §1°, I do CP).
e) Unissubjetivo e plurissubjetivo – Diz respeito ao número de agentes. Unissubjetivo é aquele que pode ser praticado por um só agente, mas admite concurso e plurissubjetivo é aquele que se consuma com vários agentes, como bigamia e a rixa.
f) De subjetividade passiva única ou de dupla subjetividade passiva - Refere-se ao sujeito passivo do crime. No crime de subjetividade passiva única, há um só sujeito passivo, quanto no de dupla subjetividade passiva há duas ou mais vítimas (Ex: aborto – feto e gestante, violação de correspondência).
g) De dano e de perigo – Diz respeito à intensidade do resultado ou consequência. O crime de dano só se consuma com efetiva lesão ao bem (ex: arts. 121, 129 do CP). No crime de perigo, a consumação se dá com a mera exposição do bem a risco. Pode ser de perigo abstrato, quando não é preciso provar situação de perigo para consumar, visto que este se presume (Ex: art. 33 da lei 11.343/06), de perigo concreto, que só se consuma se ficar comprovada a criação da situação de perigo (Ex: art. 132 do CP – perigo de vida), de perigo individual, quando o risco atinge uma pessoa ou número determinado delas, ou de perigo coletivo, que atinge número indeterminado (Ex: art. 251 – explosão).
h) Unissubsistente e plurissubsistente – Refere-se ao número de atos executórios. O primeiro se consuma com único ato. Ex: crimes de injúria. Não admite tentativa. O segundo exterioriza-se por dois ou mais atos. Ex: Roubo. É possível a tentativa.
i) Comissivos, omissivos e de conduta mista. Quanto à forma como a infração é praticada, os crimes podem ser comissivos, que se consumam com um agir (art. art. 157 do CP) e omissivos, quando a consumação advém da inércia, do não agir quando era necessário fazê-lo. Os crimes omissivos se dividem em omissivos próprios, em que a omissão já vem contida no tipo, na descrição da conduta (Ex: art. 135 do CP) e omissivos impróprios (ou comissivos por omissão), em que o tipo na verdade descreve conduta positiva, uma ação, mas uma norma de extensão consegue fechar a tipicidade, o que decorre sempre da violação de um dever jurídico, que acaba por produzir o resultado. Tal norma de extensão está no art. 13, §º2 do CP). Ex: A mãe que deixa de alimentar o filho, ou o salva vidas que deixa um banhista se afogar. Os crimes omissivos impróprios sempre exigem um resultado e são praticados por pessoas específicas, que tem o dever de agir para impedir o resultado.
j) De forma livre ou forma vinculada – Diz respeito à forma de execução do crime. Nos crimes de forma livre, admite-se qualquer meio de execução, a exemplo do art. 147 do CP. Nos crimes de forma vinculada só se admite uma forma executória, como se vê no crime do art. 130 do CP.
l) Principais e acessórios – Principais são aqueles que possuem existência autônoma, como no caso do art. 213 do CP. Acessórios são os que dependem da prática de crime anterior, a exemplo do art. 180 e 349 do CP.
m) Vago – Crime em que o sujeito passivo é entidade destituída de personalidade jurídica, como a família ou sociedade. Ex: Tráfico, em que o sujeito passivo é a coletividade.
n) Multitudinário – Praticadopela multidão.
o) Habitual – Consuma-se com prática reiterada de atos que revelam um estilo de vida criminoso. Ex: exercício ilegal da medicina e curandeirismo (art. 282 do CP).
p) Crime de ação múltipla ou conteúdo variado – Traz em sua redação vários verbos que descrevem ações típicas, sendo que se o agente realizar todos, pratica apenas um crime. Ex: Tráfico (art. 33 da lei 11.343/2006).
4.Elementos constitutivos do crime: Do fato típico- A partir do conceito analítico de crime, já aqui exposto, é necessário esmiuçar cada um dos elementos do crime, para melhor compreender a sua formação. O primeiro destes elementos é o fato típico, que pode ser definido como uma conduta humana que se enquadra na descrição de um crime feita pela norma penal. Contrapõe-se ao fato atípico (Ex: pai que mantém relação com filha maior pratica ato imoral, mas atípico). O fato típico é composto por conduta, resultado naturalístico, relação de causalidade (nexo causal) e tipicidade. A conduta e a tipicidade existem em todos os crimes, mas os outros dois elementos podem ser dispensados em alguns crimes. Por exemplo, se o crime for tentado, não há resultado nem nexo de causalidade. Se o crime for formal ou de mera conduta, só precisa haver conduta e tipicidade.
CONDUTA
1.Teorias acerca da Conduta – A conduta é o primeiro elemento do fato típico. Várias teorias buscam definir sua estrutura. São elas:
a) Teoria Clássica ou causal (Liszt, Beling, Radbruch, Noronha) – Conduta é comportamento humano voluntário que produz modificações no mundo exterior (teoria do século XIX). O Direito Penal, assim como as ciências naturais, reger-se-ia pela lei da causalidade: A vontade causa a conduta e a conduta causa o resultado. A vontade não visa o resultado mas a conduta. Ex: se alguém dirigisse seu carro dentro do limite de velocidade e uma criança se soltasse da mãe, atravessando e sendo atropelada, esse alguém praticaria conduta penalmente relevante, contudo, na análise da culpabilidade (intenção) ver-se-ia que o fato é típico e antijurídico, mas não culpável (Obs: os partidários dessa corrente adotam obrigatoriamente o conceito tripartido). Portanto, a característica mais notória desta teoria é a colocação do dolo e da culpa na culpabilidade, não na conduta. Por isso mesmo, sofreu críticas pelo fato de ter separado a conduta da vontade, de modo que não há conduta dolosa ou culposa. Esse afastamento artificial e a dificuldade de analisar crimes sem resultado (tentado, mera conduta e formal) fez com que hoje tenha poucos seguidores.
b) Teoria finalista (Welzel) – Conduta é um comportamento humano consciente e voluntário dirigido a um fim. Dolo e a culpa foram deslocados para a conduta e, portanto, para o fato típico. Esta teoria foi delineada na década de 30 e foi criticada por criar uma culpabilidade vazia, mas o art. 20 de nosso CP dá sinais de ter adotado a teoria finalista, vinculando o dolo ao fato típico.
c) “Teoria cibernética (Welzel)” – Na verdade não é uma teoria, apenas Welzel utilizou posteriormente a expressão cibernética ao invés de finalidade para designar o controle da vontade, ou seja, a ação orientada pela vontade. É um desenvolvimento da teoria finalista.
d) Teoria social (Wessels e Jeschek) - Considera como penalmente relevante a conduta capaz de afetar o meio social (elemento sociológico). Se um fato é penalmente descrito na lei, mas é tolerado pela sociedade não deve ser crime. Adiciona um elemento implícito (resultado socialmente relevante). Critica-se essa teoria pela imprecisão desse elemento.
2.Formas de conduta – A conduta criminosa pode ser praticada por ação (movimento corporal externo), como se dá nos crimes de estelionato, por exemplo, ou por omissão (comportamento estático). No tocante à omissão, recomenda-se a leitura da explicação sobre crimes omissivos, no item 3, i (classificação dos crimes).
3. Notas sobre a conduta - A conduta, como elemento do fato típico, só pode ser praticada pelo ser humano (excepcionalmente pela pessoa jurídica). Somente a conduta voluntária interessa ao Direito Penal. Conduta, portanto, é um ato de vontade, dirigido a um fim, é a manifestação de vontade no mundo exterior, por meio de ação ou omissão dominada ou dominável pela vontade.
Diante disso, não se pode falar em conduta penalmente relevante nas seguintes situações:
a) atos reflexos – reação motora destituída de vontade. Ex: Lesão causada em terceiro por força de movimento brusco provocado por um choque elétrico. 
b) Coação física irresistível (via absoluta) - O coagido não tem liberdade alguma para agir. Ex: homem forte que obriga pessoa franzina a apertar o gatilho, pressionando-lhe o dedo. Ressalte-se que ela difere da coação moral irresistível, que não exclui a conduta, pois há escolha, embora viciada, o que acaba por excluir a culpabilidade.
c) Estados de inconsciência– Falta de vontade por força da inconsciência, como se dá nos casos de sonambulismo e hipnose.
RELAÇÃO DE CAUSALIDADE (NEXO CAUSAL)
1.Conceito – Relação de causalidade ou nexo de causalidade é o vínculo entre a conduta e o resultado. Só há tal requisito nos crimes materiais (que exigem a produção de resultado para a sua consumação).
2.Teorias – Diversas teorias buscam fixar a responsabilidade penal dos indivíduos a partir da definição do que é “causa” de um resultado, ou seja, do que pode efetivamente constituir relação de causalidade.
a) Equivalência dos antecedentes causais – Para essa teoria, causa é todo ato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido quando e como ocorreu.
b) Teoria da causalidade adequada – Causa é não só o antecedente necessário, mas também adequado, ou seja, idôneo, apto a produzir o resultado. Tal adequação é verificada por dados estatísticos e norteado pelo senso comum das pessoas.
c) Imputação objetiva – Teoria do início do século XX, que foi aperfeiçoada por Roxin na década de 70. Destina-se a limitar a responsabilidade penal dos agentes, criando novos elementos para que haja nexo causal entre a conduta do agente e o resultado. Um desses requisitos é o risco proibido, ou seja, para que o agente possa ser responsabilizado seria necessário não apenas uma ligação entre sua conduta e o resultado, mas que sua conduta tenha provocado um risco não aceitável, já que há riscos aceitáveis em uma sociedade complexa como a contemporânea. Ex: se alguém pretende matar outrem e lhe dá uma passagem de avião com este objetivo, vindo a aeronave a cair com a vítima, a responsabilidade penal deve ser excluída, já que o risco da viagem é permitido, aceitável. Tal teoria foi bem acolhida pela doutrina brasileira, mas não foi adotada pelo CP. de fato, Código Penal adotou como regra a teoria dos antecedentes causais (art. 13, caput). Para se identificar uma causa, usa-se o processo hipotético de eliminação, suprimindo mentalmente a causa. Ex: A mata B.
Imagine-se os seguintes fatos anteriores: 
a) Produção do revolver; 
b) aquisição deste pelo comerciante; 
c) compra pelo agente; 
d) refeição tomada antes do crime;
e) emboscada; 
f) Tiro. De todos estes, só não constitui causa a refeição.
Essa teoria sofre críticas, pois regressão ao infinito pode gerar a responsabilização de ascendentes do agente, de modo que o pai de um homicida poderia ser considerado como agente causador do crime. Para corrigir a distorção, adotou-se o conceito de causalidade psíquica, ou seja, verificação de dolo e culpa. No exemplo dado acima, nem o fabricante nem o comerciante que vendeu a arma podem ser responsabilizados, se não sabiam. Excepcionalmente, o CP adota causalidade adequada (ver §1° do art. 13 do CP).
3. Causas (ou concausas) independentes – São eventos que ocorrem paralelamente à conduta do agente e contribuem para o resultado.
3.1 Causas (ou concausas) absolutamente independentes – Não se originam da conduta do agente e produzem por si só o resultado, rompendo o nexo causal. Podem ser:
a) Preexistentes – Ex: A atira em B, atingindo-o em região vital. Mas a perícia conclui que a morte foi provocada por envenenamento provocadopor C. O envenenamento (concausa), portanto, preexiste à conduta do agente.
b) Concomitante – Ex: A atira em B no momento em que o teto cai na cabeça deste, produzindo sua morte. O desabamento (concausa) ocorre ao mesmo tempo em que a conduta do agente é praticada.
c) Superveniente – A dá veneno a B, mas antes do efeito, C atira nele.
Efeitos – O resultado ocorre independente da conduta do agente em todas as situações acima indicadas, devendo-se imputar-lhe apenas os atos praticados e não o resultado (art. 13, caput parte final), respondendo o agente, nos casos dados, por tentativa de homicídio.
3.2 Causas (ou concausas) relativamente independentes – O resultado é provocado pela interação entre a conduta do agente e a causa independente.
a) Preexistente – Ex: A atira em B e acerta de raspão. Em virtude de diabete (causa anterior) o ferimento acaba por produzir morte. A conduta e a concausa interagiram para produzir o resultado.
b) Concomitante – Ex: A aponta arma para B que assustado, corre para via pública sendo atingido por disparo no instante em que é atropelado e morre.
Efeitos: Em tais casos o agente responde pelo resultado, pois sem a conduta tal resultado não teria ocorrido como e quando ocorreu (art. 13 do CP).
c) Superveniente –Aqui aplica a regra do §1° do art. 13, na segunda hipótese apontada. Tais causas podem ser divididas em: 
---Supervenientes que por si só não produzem o resultado (adota o art. 13 e o agente responde pelo resultado. Ex: A atira em B para matar e acerta na perna. Conduzido para hospital e por imperícia médica ou infecção hospitalar, a vítima morre; Aqui o agente responde pelo homicídio consumado, pois sua conduta contribuiu para um resultado previsível, dados os riscos hospitalares) 
---Supervenientes que por si só produzem o resultado – Neste caso se aplica o art. 13, §1° (teoria da causalidade adequada), só sendo causa aquilo que é idôneo a provocar o resultado. Ex: atingido por tiro, vítima é levada para hospital e lá há um incêndio, ou ela morre na capotagem do carro. Em ambos os casos, a expressão por si só se refere a causas que estão fora da linha de desdobramento causal, ou sejam, que romperam o nexo e causalidade e produziram o resultado. Nestes casos, o agente só responde pelos atos praticados (tentativa de homicídio).
TIPICIDADE
1.Conceito – É o juízo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o modelo descrito pelo tipo penal. Tipicidade, portanto, é a adequação do fato à norma, não se confundindo com tipo penal, que é o modelo de conduta descrito na norma penal (descrição do crime feita na norma). Ressalte-se que o conceito tradicional de tipicidade, acima exposto, vem sendo ampliando pela doutrina e jurisprudência, que têm entendido que a verificação da tipicidade não pode se limitar ao aspecto formal, devendo-se verificar ainda a tipicidade material, que afere a importância da violação ao bem jurídico no caso concreto, evitando a punição de delitos de bagatela pela aplicação do princípio da insignificância. Portanto, se a conduta se adequa a um tipo penal determinado, mas não gera dano efetivo ao bem jurídico protegido, entende-se que não se justifica a mobilização do aparelho estatal para punir tal conduta. A jurisprudência vem aplicando de forma reiterada o princípio da insignificância, notadamente o STF.
2. Adequação típica– É o enquadramento da conduta individual na descrição genérica da norma. Pode ser de subordinação direta ou imediata (sem interposição de outra norma, a não ser a norma incriminadora. Ex: Subtrair uma bolsa mediante violência se enquadra diretamente no tipo do art. 157) e por subordinação indireta ou mediata (Conduta não se enquadra prontamente na norma incriminadora, necessitando de norma de interposição, a exemplo dos arts. 14, II, 13, §2° e 29, todos do CP.
3. Elementos do tipo – O tipo penal é composto por três espécies de elementos: objetivos (aferíveis objetivamente, a exemplo de indicação de tempo, lugar e modo de execução), subjetivos (que indicam uma intencionalidade do agente, a exemplo da finalidade de obter resgate no crime de sequestro) e normativos (que exigem interpretação de ordem jurídica ou cultural, a exemplo das expressões decoro, ato obsceno, etc). No que se refere à estrutura, o tipo penal, como já mencionado anteriormente, possui sujeito ativo (quem pratica a conduta), sujeito passivo (aquele sobre o qual incide a conduta), núcleo (verbo da conduta), objeto jurídico (bem juridicamente protegido) e objeto material.
4. Tipo doloso - Dolo é vontade livre e consciente de realizar conduta descrita no tipo ou de aceitar a produção do resultado (elemento intelectual e elemento volitivo).
4.1 - Espécies de dolo – O dolo pode ser direto, quando o agente quer efetivamente praticar a conduta a fim de obter o resultado. Na sua forma indireta, o dolo se divide em eventual, quando o agente assume o risco de produzir o resultado, não o desejando diretamente, mas sendo-lhe indiferente e alternativo, quando o agente deseja um ou outro resultado (Ex: o agente deseja golpear a vítima, tencionando lesioná-la ou matá-la).
Importante lembrar que quando o tipo penal não se refere a dolo ou culpa de maneira expressa, já se sabe que o crime admite a modalidade dolosa (o dolo está implícito na descrição da conduta). A modalidade culposa, ao contrário, não se pode presumir. Só há responsabilização por culpa nos crimes que expressamente prevejam a modalidade culposa. A título de exemplo, não existe furto culposo, dada a não previsão de tal modalidade (art. 155 do CP).
5. Tipo culposo – É aquele em que o agente atua com negligência (desleixo, descuido), imprudência (açodamento, temeridade) ou imperícia (falha profissional). Na culpa, o resultado é previsível pelo homem médio (pessoa comum, dotada de bom senso mediano), não sendo necessariamente previsto pelo agente.
5.1 Elementos do tipo culposo – São eles:
a) Inobservância de um dever objetivo de cuidado – Tal inobservância pode decorrer da violação a uma regra de experiência (cuidados cotidianos, ditados pelo bom senso), a uma regra jurídica (a exemplo das regras de trânsito, como o uso da sinaleira) ou a uma regra profissional (técnica inerente a certas atividades).
b) Previsibilidade – Para a maioria da doutrina, tal previsibilidade é objetiva, ou seja, deve-se verificar se uma pessoa comum seria capaz de prever o resultado.
c) Resultado naturalístico involuntário – Alteração do mundo exterior provocada pela conduta, mas não desejada pelo agente.
d) Nexo causal – Relação entre a conduta culposa e o resultado.
e) Tipicidade – Previsão expressa da modalidade culposa no tipo penal.
5.2 Espécies de culpa – A doutrina faz a seguinte classificação em relação à culpa:
a) Culpa inconsciente – Forma mais comum de culpa. Dá-se quando o agente pratica a conduta negligente, imperita ou imprudente por não conseguir prever o resultado, que no entanto é previsível objetivamente.
b) Culpa consciente – Neste caso, o resultado é previsível objetivamente e foi previsto pelo agente, entretanto este, confiante que poderá evitá-lo, pratica a conduta culposa. Ex: jovem, atrasado para importante entrevista de emprego, conduz seu carro em velocidade acima do permitido, vindo a bater em outro veículo, lesionando seu condutor. O jovem confiava em sua habilidade para não produzir o acidente e para chegar a tempo ao trabalho.
A diferença entre culpa consciente e dolo eventual é que nesta modalidade o agente, embora não queira diretamente o resultado, assume o risco de produzi-lo, aceitando que ele ocorra, posto que o resultado lhe é indiferente. Na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas não o aceita, achando que pode evitá-lo.
c) Culpa própria – é a culpa comum, ou seja, a culpa inconsciente. A doutrina trata desta modalidade apenas para contrapô-la à culpa imprópria, a seguir explicada.
d) Culpa imprópria - Ocorre quando o agente valora mal uma situação ou os meios a utilizar, incorrendo em erro, culposamente, pela falta de cautela nessa avaliação(erro indesculpável). Está prevista no art. 20, §1°, última parte do CP. Exemplo do pai que, de maneira imprudente e sem maiores cautelas, atira no filho durante a noite, achando tratar-se de um ladrão. Em regra não pode haver tentativa de crime culposo, exceto neste caso de culpa imprópria.
6. Tipo Preterdoloso – Modalidade de crime qualificado pelo resultado em que o agente atua com dolo no antecedente, ou seja, na conduta, e culpa no consequente, ou seja, no resultado. Ex: art. 129, §3° do CP.
TIPICIDADE – PARTE II
1. Do iter criminis (caminho do crime) – Todo crime percorre um caminho, que começa na cogitação (fase interna, psicológica). Em seguida, tem-se os atos preparatórios (exteriorização de atos que articulam a empreitada criminosa, a exemplo da observação da rotina da vítima no crime de sequestro), atos executórios (quando se começa a executar o núcleo do tipo), consumação (quando todos os elementos do tipo se verificam efetivamente. Ex: a vítima morre – art. 121 do CP) e exaurimento (atos posteriores à consumação e que são indiferentes penais).
Em regra, os atos preparatórios e a cogitação são impuníveis, mas há exceções, a exemplo do crime do art. 288 do CP. De todo modo, em geral, o agente só pode ser punido a partir da prática dos atos executórios.
2. Da tentativa e da consumação – O crime tentado é punido com a mesma pena do crime consumado, reduzida de 1/3 a 2/3 (art. 14, II do CP). O crime é tentado quando, embora iniciados os atos executórios, estes não chegam à consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente. O critério que o juiz utiliza para saber o quanto reduz da pena na tentativa é o da verificação da proximidade da consumação.
2.1 Espécies de tentativas – Segundo a doutrina, a tentativa pode ser:
a) Perfeita – Foram esgotados todos os meios executórios postos à disposição do agente, mas o crime não se consumou. Ex: o agente descarrega toda a munição da arma, mas a vítima sobrevive.
b) Imperfeita – Antes de utilizar todos os meios executórios, o agente é impedido de continuar na ação por circunstâncias alheias à sua vontade.
c) Branca – O bem juridicamente protegido não chega a ser atingido. Ex: o agente erra todos os tiros.
d) Cruenta – O bem é atingido, mas o crime não se consuma. Ex: vítima recebe disparo no tórax, mas sobrevive.
2.2 Crimes que não admitem a tentativa - Crimes culposos (exceto na culpa imprópria), preterdolosos, omissivos próprios, habituais, unissubsistentes, crimes em que a tentativa é equiparada à consumação (Ex: art. 352 do CP)
3. Arrependimento eficaz, desistência voluntária e arrependimento posterior – Ao iniciar a fase de execução, o agente poderá conseguir chegar à fase seguinte, consumando o crime, ou poderá não consumá-lo por circunstâncias alheias à sua vontade (crime tentado). Contudo, poderá ocorrer ainda que ele, por vontade própria volte atrás, evitando a consumação do crime (art. 15 do CP) ou que, após consumá-lo, possa, em algumas circunstâncias, reparar o dano causado (art. 16 do CP).
3.1. Desistência voluntária
Na desistência voluntária o agente interrompe por deliberação própria a execução do crime, impedindo, desse modo, a sua consumação. Ocorre antes de o agente esgotar os atos de execução, sendo, neste ponto, semelhante à tentativa imperfeita (art. 15, primeira parte).
3.2 Arrependimento eficaz
Neste caso, o agente executa o crime até o último ato, esgotando-os, mas logo após se arrepende, impedindo o resultado. Assemelha-se à tentativa perfeita (art. 15, segunda parte). A desistência ou o arrependimento não precisa ser espontâneo, mas deve ser voluntário. Mesmo se a desistência for sugerida por terceiros, subsistirão seus efeitos. Nestes casos, a lei premia o agente e exclui a aplicação da pena por tentativa, ou seja, o agente responderá somente pelos atos até então praticados (Ex: agente entrou na casa para furtar, pegou objetos, mas quando ia sair desistiu e devolveu tudo. Não responde por tentativa de furto, no máximo por violação de domicílio).
3.3 Arrependimento posterior
Nos termos do artigo 16 do Código Penal, “Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.”
4. Crime impossível
Ocorre quando a consumação é impossível pela ineficácia absoluta do meio ou impropriedade absoluta do objeto, resultando na atipicidade do fato.
a) Ineficácia Absoluta do Meio -O meio empregado jamais poderia levar à consumação do crime. A ineficácia do meio deve ser absoluta (exemplo: uma arma de brinquedo usada para matar ou ferir alguém). Deve-se lembrar, entretanto, que um determinado meio pode ser ineficaz para um crime, mas eficaz para outro (exemplo: num crime de roubo, uma arma totalmente inapta a produzir disparos pode ser utilizada para intimidar a vítima).
4.2. Impropriedade Absoluta do Objeto -A pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta jamais poderia ser alvo do crime (exemplo: atirar em alguém que já está morto; crime de transmissão de doença venérea praticado contra quem já tem a doença).
4.3 Delito putativo por erro de tipo - O crime impossível pela absoluta impropriedade do objeto é também chamado delito putativo por erro de tipo, pois se trata de um crime imaginário; o agente quer cometer um crime, mas devido ao desconhecimento da situação de fato, comete um irrelevante penal (exemplo: mulher pensa que está grávida e ingere substância abortiva). Não se confunde com o erro de tipo, pois neste o agente não sabe, devido a um erro de apreciação da realidade, que está cometendo um crime (exemplo: agente mantém relação sexual com menor de idade, imaginando, pela sua compleição física, que ela é maior).
5. ERRO DE TIPO
5.1. Conceito
É o desconhecimento ou falsa percepção de uma situação de fato, havendo desarmonia entre o que o agente observa e o que de fato ocorre. Está previsto no art. 20 do CP. Pode ser essencial, quando incide sobre elementares ou circunstâncias essenciais, impedindo o agente de saber que está cometendo um crime, ou acidental, que incide sobre um dado secundário, irrelevante, não impedindo o agente de saber que pratica um crime.
No caso do erro essencial, se ele for inevitável (invencível, escusável), ou seja, se qualquer pessoa poderia incidir no erro, exclui-se a culpa, e o agente não responde por nada. Se o erro for evitável (vencível ou inescusável), o agente responderá pela modalidade culposa, se houver previsão legal desta. Ex: Agente atira contra um arbusto, imaginando tratar-se de um animal feroz, vindo a acertar um vizinho. Se pelas circunstâncias do caso concreto se verifica que qualquer um agiria daquela forma, exclui-se o dolo e a culpa. Se se verifica que o agente poderia ter tido um pouco mais de cautela, poderá responder pelo crime culposo.
O art. 20§1º trata das descriminantes putativas, que ocorre quando o agente, levado a erro pelas circunstâncias do caso concreto, pensa que está agindo em face de uma causa excludente da ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito), quando na realidade está incidindo em erro de avaliação dos fatos. A regra é a mesma do erro de tipo, excluindo a responsabilidade penal sempre que inevitável e, portanto, afastando o dolo ou a culpa. Ex: policial observa um sujeito sacando um objeto do bolso, semelhante a uma arma, e reage, disparando contra ele, por se imaginar em legítima defesa. Posteriormente, verifica que o sujeito apenas estava pegando um celular.
O erro de tipo acidental pode incidir sobre o objeto (ex: agente rouba um carregamento de açúcar, imaginando que se trata de um carregamento de açúcar), sobre a pessoa (agente dispara contra João, achando que se tratava de Pedro, seu sósia. Neste caso, aplica-se a regra do art. 20, § 3.º, segunda parte) e erro sobre o nexo causal ou aberratio causae (Ex: caso Isabela Nardoni, quando a criança foi atirada da janela do prédio para simularuma queda, imaginando-se que ela já tinha sido morta após o estrangulamento).
6. DO RESULTADO 
O último dos elementos do fato típico é o resultado. Todo crime produz um resultado jurídico, mas nem todo crime produz resultado naturalístico (modificação no mundo exterior), visto que tal apenas se verifica nos crimes materiais.
EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO
1. (OAB/CESPE 2006.III) Considere-se que, depois de esgotar todos os meios disponíveis para chegar à consumação da infração penal, o agente arrependa-se e atue em sentido contrário, evitando a produção do resultado inicialmente por ele pretendido. Nessa hipótese, configura-se:
a) arrependimento eficaz.
b) desistência voluntária.
c) crime impossível.
d) arrependimento posterior.
2. (OAB/CESPE 2006.2) Se, durante os atos de execução do crime, mas sem esgotar todo o processo executivo do delito, o agente desiste, voluntariamente, de nele prosseguir, ocorre:
a) arrependimento eficaz.
b) desistência voluntária.
c) arrependimento posterior.
d) tentativa perfeita
3. (X Exame de Ordem Unificado – FGV) João, com intenção de matar, efetua vários disparos de arma de fogo contra Antônio, seu desafeto. Ferido, Antônio é internado em um hospital, no qual vem a falecer, não em razão dos ferimentos, mas queimado em um incêndio que destrói a enfermaria em que se encontrava. Assinale a alternativa que indica o crime pelo qual João será responsabilizado.
a) Homicídio consumado.
b) Homicídio tentado.
c) Lesão corporal.
d) Lesão corporal seguida de morte
4) Imagine que João confunda seu aparelho celular com o de seu colega Pedro e, descuidadamente, leve para sua casa o aparelho de Pedro. Ao perceber o equívoco, João imediatamente comunica-se com Pedro, informa o ocorrido e devolve o aparelho sem qualquer dano. Nesse caso, João:
a) cometeu crime de furto, mas não será punido por conta da desistência voluntária.
b) Não cometeu crime nenhum.
c) Cometeu crime de apropriação indébita, mas não será punido em vista do instituto da desistência voluntária.
d) Cometeu crime de furto, mas não será punido por conta do arrependimento eficaz.
Respostas:
1. A
2. B
3. B
4. B

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