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METODOLOGIA DA PESQUISA ETAPA 1 A CIÊNCIA E SUAS CARACTERÍSTICAS E A IMPORTÂNCIA DA PESQUISA CIENTÍFICA CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, nº 1.040, Bairro Benedito 89130-000 - INDAIAL/SC www.uniasselvi.com.br Curso Livre de Metodologia da Pesquisa Centro Universitário Leonardo da Vinci Organização Elisabeth Penzlien Tafner Autor Luis Augusto Ebert Reitor da UNIASSELVI Prof. Hermínio Kloch Pró-Reitoria de Ensino de Graduação a Distância Prof.ª Francieli Stano Torres Pró-Reitor Operacional de Ensino de Graduação a Distância Prof. Hermínio Kloch Diagramação e Capa Renan Willian Pacheco Revisão Harry Wiese 3 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA Ao final desta etapa, você será capaz de: • Compreender como foi originado o pensamento científico. • Entender que ciência é parte fundamental da construção da humanidade. • Perceber que a sociedade está estruturada através do pensamento científico. A importância da ciência para a formação profissional Esta etapa apresenta-se dividida em três tópicos para facilitar a compreensão do conteúdo. TÓPICO 1 – O SURGIMENTO DA CIÊNCIA. TÓPICO 2 – O CONCEITO DA CIÊNCIA. TÓPICO 3 – CARACTERÍSTICAS DA CIÊNCIA E DO SEU PESQUISADOR. 4 METODOLOGIA DA PESQUISA Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. INTRODUÇÃO A construção do pensamento científico remonta há pelo menos 40.000 anos com o surgimento do Homo sapiens, espécie que dá origem ao homem moderno, capaz de se comunicar com língua falada e também usufruir os recursos naturais, através de adaptações ao meio e também através da construção de utensílios primitivos que permitiam a sua sobrevivência. Talvez há quem discorde dessa afirmação, mas é preciso deixar clara esta conexão entre a evolução da consciência do homem e o pensamento científico. E é desta forma que se percebe a evolução da humanidade, principalmente em relação à utilização do meio ambiente no qual está inserida. Obviamente que isso envolve a adoção e o domínio de práticas e métodos, visando à sobrevivência, exploração e perpetuação da espécie, cuja experiência foi amadurecendo com o passar dos séculos. O psiquiatra Carl Gustav Jung (2008, p. 23) apresenta o processo de dissociação da consciência humana através da perda da “alma do mato”, fenômeno este que seria o responsável pela consciência do homem moderno e, consequentemente, do pensamento científico. A seguir serão abordados assuntos relativos ao surgimento da ciência, construção do pensamento científico, a revolução científica e de que forma esses acontecimentos moldaram e contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento da sociedade. 1 O SURGIMENTO DA CIÊNCIA Posterior ao desenvolvimento do homem moderno e seu processo de adaptação e sobrevivência na natureza, uma das primeiras pessoas a estruturar suas ações em decorrência de métodos foi o francês René Descartes, nascido em 31 de março de 1596. Assim, o surgimento da ciência e/ou pensamento científico pode ser relacionado à vida e à obra do primeiro filósofo moderno da história, que, pela primeira vez, sentiu a necessidade de verificar, analisar, sintetizar e enumerar todas as coisas a que se dispunha entender. E, desta forma, contribui de maneira significativa para as ciências naturais, a física e a matemática. O francês também é conhecido como pai da filosofia moderna e considerado um dos pensadores mais importantes da história. Muitos pesquisadores afirmam que a partir de René Descartes inaugura-se o racionalismo, oposto ao empirismo, ou seja, a ausência de métodos para se alcançar resultados. E, de certa forma, toda a sociedade moderna pôde, através da matemática, da física e da observação de fenômenos naturais, entender o seu papel no universo e como contribuiu para a perpetuação da espécie humana. Desde a utilização de tecnologias 5 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA sofisticadas para a cura de doenças degenerativas e letais, até viagens espaciais, visando à descoberta de novas galáxias e planetas. Dessa forma, fica evidente que sem a sistematização das observações, assim como a coleta de informações e observação dos diversos fenômenos, nada disso seria possível. FIGURA 1 - RENÉ DESCARTES, O CIENTISTA PIONEIRO DO MOVIMENTO CIENTÍFICO FONTE: Disponível em: <https://seuhistory.com/etiquetas/rene-descartes>. Acesso em: 12 mar. 2017. É ainda através da corrente do pensamento racionalista e do desenvolvimento do método matemático que muitos dos principais pensadores dos séculos XVI e XVII afirmam a capacidade do intelecto humano para a descoberta das verdades, fundada na convicção de que a razão constitui o instrumento fundamental para a compreensão do mundo. 1.1 O PENSAR CIÊNCIA De acordo com Pinker (1989), a evolução do homem teria produzido um cérebro capaz de realizar atividades especializadas, como já havia suposto Jung (2008), através da aquisição da consciência. Dessa forma, atividades complexas, como a matemática, a ciência e a arte, poderiam ser executadas e também aprimoradas. Pinker (1989) ainda se pergunta se tais habilidades poderiam conferir ao ser humano algum tipo de vantagem seletiva diante das outras espécies. Acredita-se que sim, pois dadas as condições morfológicas do próprio homem, ele não estaria no topo da cadeia alimentar caso não possuísse as habilidades acima mencionadas. Mas, como surgiu a ciência? Para Mithen (2002), a capacidade de pensar cientificamente se origina na mente humana a partir do momento em que três propriedades críticas aparecem e interagem, a seguir apresentadas: 6 METODOLOGIA DA PESQUISA Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. • Habilidade de gerar e testar hipóteses (uma propriedade presente não apenas em humanos, mas em outras espécies animais também); • Capacidade para desenvolver e utilizar ferramentas para resolver problemas (para os humanos primitivos essa capacidade torna-se ainda mais relevante com o uso de sistemas externos de memória, por exemplo, pinturas rupestres e entalhes em madeira, que serviam para preservar as informações); • Uso de metáforas e analogias comparativas. De acordo com Dennett (1991), esses atributos podem se restringir a um domínio apenas, mas se tornam muito mais poderosos quando ultrapassam os limites entre os domínios, como na associação de uma entidade viva com algo que é inerte, ou na geração de uma ideia sobre algo que é tangível. Ainda segundo Mithen (2002), a capacidade de interligar essas três propriedades e, em particular, de explorar o uso de metáforas e analogias envolvendo elementos de diferentes domínios, se tornou possível entre 100 e 30 mil anos atrás, quando a mente humana adquiriu o que ele chamou de “fluidez cognitiva” e consciência, como também observado e relatado anteriormente por Jung (2008). Vale destacar que a ciência não surgiu de repente ou foi inventada num dado momento da história. Como condição permanente da raça humana, a ciência evoluiu ao longo do tempo. Conforme as pessoas descobriam novas formas de viver, se relacionar, de utilizar o meio ambiente à sua volta, assim como usufruir os recursos naturais através de novas ferramentas e técnicas, também desenvolviam novas maneiras de pensar e explicar os fenômenos no seu entorno, fato este que continua evoluindo até os dias de hoje. No entanto, existem alguns autores que reforçam a ideia de que o pensamento científico estivesse dissociado da condição de evolução humana, e sim, atrelado a uma entidade mística ou espiritual. Assim, a origem do pensamento científico poderia ter sido causada por um processo de gênese divina. Esse fato poderia ser evidenciado através de exemplos históricos e mesmo arqueológicos, que poderiamindicar esse fenômeno. Mas, ainda assim, coloca-se em xeque esse tipo da condição humana, visto que essa necessariamente precisa estar separada da condição do pensar cientificamente, e que até hoje sustenta religiões e credos. Ou seja, o pensar científico e o pensar amparado por crenças místicas e religiosas são duas correntes filosóficas que não podem ser misturadas, e que continuam a existir. De acordo com o cientista e sociólogo Émile Durkheim (2003), o papel da religião é o de estruturar a sociedade, e para este mesmo autor, os rituais e práticas religiosas seriam mecanismos de manifestação da solidariedade e do espírito colaborativo. Já o pesquisador Rappaport (1999) vai mais além, e identifica o rito como responsável pelo surgimento da própria linguagem, característica essencial para a evolução humana. 7 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA Ainda dentro desse mesmo contexto, alguns pensadores julgam ser necessário que a construção do conhecimento possa evoluir através da conectividade entre as duas correntes, ou seja, a religiosa e a científica. Em uma visão mais sistêmica e holística, ambos os pensamentos poderiam se conectar a ponto de favorecerem um ao outro. No entanto, esse curso quer apresentar a origem do conhecimento científico, e é isso que vamos detalhar em seguida. 1.2 A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA O período compreendido entre os séculos XVI e XVIII denomina-se de Revolução Científica, e a Ciência, que até então estava atrelada à Filosofia, separa-se desta e passa a ser um conhecimento mais estruturado e prático, principalmente atrelado a metodologias e técnicas que permitiam a um pesquisador alcançar determinado objetivo. Os principais movimentos estão atrelados ao renascimento cultural, à imprensa, à Reforma Protestante e ao hermetismo. De acordo com Tosi (1998), a partir do século XVII, quando a tradição mágica ainda fazia um impacto substancial nas camadas populares, o prestígio desta linha de pensamento, do místico, tinha declinado fortemente na classe erudita. A razão dessa mudança fundamental provocada nas mentalidades é atribuída à Revolução Científica, decorrente da obra de Copérnico, das descobertas de Galileu e Kepler e do triunfo da filosofia mecanicista. Ainda segundo a mesma autora, esse triunfo foi duplo, pois envolvia a rejeição e o descrédito das duas filosofias aceitas até então: a escolástica e a magia natural. A convicção de que o universo estava sujeito a leis naturais acabou com a crença na eficácia de fórmulas de inspiração divina. O impacto mais decisivo foi dado pela filosofia cartesiana, ao estabelecer que não existem forças ocultas, nem simpatias ou antipatias; que os fenômenos naturais podem ser explicados em termos de tamanhos, formas e velocidades de partículas. Os fenômenos ocultos ou não são reais ou têm explicação mecânica. A matéria é inerte e desprovida de sensação e consciência. A mente humana e seu poder de raciocínio não são propriedades materiais. A mente humana, considerada um presente de Deus, é imaterial e imortal. A separação do mundo do espírito do mundo da matéria foi um passo fundamental para o desenvolvimento da ciência, pois deixava intacto o poder e a autoridade da religião no primeiro, e permitia utilizar a experimentação para investigar o segundo. 8 METODOLOGIA DA PESQUISA Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. UNI A “fi losofi a cartesiana” ou “racionalismo cartesiano” é um pensamento estabelecido pelo fi lósofo René Descartes em suas obras o “Discurso do Método” (1637) e “Meditações Metafísicas” (1641), em que expressa sua preocupação com o problema do conhecimento. O ponto de partida é a busca de uma verdade primeira que não possa ser posta em dúvida, e por isso busca, através de um método, a verdade. O pensamento cartesiano pregava a utilização de um senso crítico mais elevado e uma maior atenção às necessidades humanas, ao contrário do teocentrismo da Idade Média, que pregava a atenção total aos assuntos divinos e, portanto, um senso crítico menos elevado. Este maior senso crítico exigido pelo humanismo permitiu ao homem observar mais atentamente os fenômenos naturais em vez de renegá-los à interpretação da Igreja Católica. Houve antes muitas teorias revolucionárias que diferem na intensidade com que infl uenciaram o pensamento humano. Algumas representaram profundas modifi cações na forma do homem examinar a natureza, por exemplo, a introdução de um tratamento matemático na descrição dos movimentos dos planetas, pelos babilônios e depois aperfeiçoada pelos gregos. Outras representaram microrrevoluções, como o sistema de classifi cação de seres vivos, introduzido por Aristóteles. Com esta revolução, a ciência mudou sua forma e sua função, passando a ser repensada nos moldes da nova sociedade que estava emergindo nesta época. Os objetivos do homem da ciência e da própria ciência acabaram sendo redirecionados para uma era livre das infl uências místicas da Idade Média. Lenzi e Brambila (2006) destacam o fato de ainda sermos infl uenciados por conceitos, métodos e pensamentos que hoje não são mais apropriados e adequados à complexidade do mundo atual. Dessa forma, ocorre uma quebra de paradigmas, necessitando-se de novas teorias e novos instrumentos que nos auxiliam na interpretação e na conceituação da vida pós-moderna. Na fi gura a seguir podem-se observar os principais eventos relacionados à revolução científi ca. 9 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA FIGURA 2 - ALGUNS DOS PRINCIPAIS EVENTOS QUE DERAM ORIGEM À REVOLUÇÃO CIENTÍFICA FONTE: Disponível em: <https://pt.slideshare.net/HCA_10I/lumininsmo-a-revoluo-cientfica-e- o-iluminismo-na-europa>. Acesso em: 20 mar. 2017. O fato é que hoje não mais vivemos sem ciência. Muitas descobertas derivaram e ainda estão sujeitas às leis pensadas na época. Ou seja, foi a forma como concebemos estar aqui hoje e perpetuando a espécie humana. E a curiosidade através de métodos científicos nos fez pensar através de caminhos que permitissem isso. Basta olharmos para a Teoria da Evolução de Darwin, que explica a sucessão das espécies de plantas e animais na Terra, baseada na seleção natural. De acordo com Gleiser (2007), essas teorias poderiam ser suposições de ideias propostas com a intenção de explicar algo, com base em princípios ou leis que são independentes daquilo que está sendo explicado. E também, vale muito a intenção do cientista. Não importa se o mesmo está fazendo ciência teórica ou experimental, o que vale é o fato do seu comprometimento de explicar da melhor forma possível determinado fenômeno natural. E dessa mesma forma que nos seres humanos, caminhamos até os dias atuais. 2 O CONCEITO DA CIÊNCIA Definido o período de revolução científica e suas principais contribuições para a humanidade, vamos entrar agora no que vem a ser ciência. Por conceito e epistemologia da palavra, ciência deriva do latim “scientia”, que significa “saber” ou, ainda, “conhecimento”. Assim, podemos entender que é um conceito que abarca diversos 10 METODOLOGIA DA PESQUISA Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. tipos de saberes, e que todo o conhecimento gerado deriva de práticas e métodos de estudo, baseados em princípios certos. Muitas vezes está relacionada a teorias científicas, que são a comprovação de hipóteses, ou seja, ideias sobre o comportamento de “algo” em determinada área do conhecimento. Mas ciência vai muito mais além. E, por isso, a ausência de preconceitos e juízos de valor é tão importante para se alcançar o resultado esperado. Normalmente a ciência falha, por tentativa e erro, e em muitos casos, aquilo que é considerado correto hoje, pode não ser amanhã. E justamente é esse o ponto que faz com que a ciênciaevolua. Pois se existem evidências que comprovam determinado fenômeno hoje, mas não mais amanhã, toda a teoria e resultados observados devem ser revistos e, se possível, deve-se propor novas ideias. Dessa forma, a ciência não é dogmática, ou seja, não tem “verdades absolutas”, como a maioria das religiões assim descreve. 2.1 CIÊNCIA E FÉ Em aparente contradição, aos olhos de muitos cientistas, fé, religião e ciência se conectam de modo interdisciplinar e buscam a compreensão sistêmica e holística do universo. Porém, ainda existem muitas barreiras a serem ultrapassadas. Se, por um lado, a ciência explica boa parte dos fenômenos naturais, e através de leis universais da física se comprova parte da origem do universo, por outro lado, muitos aspectos relacionados à sua origem e expansão continuam sem explicação, e para isso, acreditar em um Deus parece ser a única explicação. Durante muitos anos, as ciências e as religiões se confrontam em ideias numa disputa sem razão alguma. Se pensarmos nos campos em que cada uma atua, veremos que ambas podem coexistir e discursar a respeito de um mesmo assunto. A religião tem por finalidade "ligar" o ser humano a Deus, divulgando uma vontade divina. Em razão disto, a Igreja deve sempre interagir sobre os mais diversos campos da sociedade para garantir que a vontade de Deus está sendo atendida pela humanidade. A religião vem também explicar o "porquê" das coisas, dos acontecimentos e de tudo o que nos cerca. Através dela sabemos que tudo que existe na natureza procedeu de Deus, foi uma vontade divina que deu origem ao nosso planeta, aos mares, às plantas, aos animais e aos seres humanos (LENZI; BRAMBILA, 2006). De acordo com os mesmos autores, para se fazer ciência é necessário testar várias vezes a mesma hipótese até que se possa dizer se ela é verdadeira ou não. Dentro dessa perspectiva, existem muitos pesquisadores que são devotos de uma ou outra religião, porém o que ocorre com os cientistas é que em suas pesquisas eles simplesmente ignoram a existência de Deus, mas isso não significa que eles neguem a sua existência. 11 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA Os cientistas que creem em Deus sabem que os fatos se deram pela vontade de Deus, mas eles querem saber explicar determinado fenômeno. Existem ainda outras questões, quando aqueles devotos da corrente religiosa afirmam que Deus, como criador universal, poderia ser entendido como uma entidade que explicaria o porquê das coisas. Já cientistas estariam mais preocupados em saber como tudo no universo foi criado. Assim poderíamos ter a origem da Teoria do Big Bang, ou mesmo da evolução, de Charles Darwin. Dessa forma, o inconformismo entre religião e ciência deveria ter acabado há muito tempo, pois não há razões para esta disputa, sendo que ambas teriam processos de entendimento completamente distintos. Se ambos se respeitassem e ouvissem as ideias do outro, não teríamos tantas diferenças entre os próprios seres humanos. 3 CARACTERÍSTICAS DA CIÊNCIA E DO SEU PESQUISADOR No dia a dia, a vida de cientista depende muito do tipo de ciência que se deseja fazer e que se pratica. Existem aqueles que trabalham na indústria e que, portanto, usam a sua pesquisa para aprimorar processos ou produtos para a empresa que os abrigam. Isso pode ocorrer, por exemplo, com a indústria farmacêutica, que emprega biólogos e químicos, ou ainda, na indústria aeroespacial, que emprega físicos e engenheiros (GLEISER, 2007). Nesse tipo de trabalho existe muita prática experimental, e esse tipo de trabalho também é muito comum em universidades e centros de pesquisa. No entanto, nas instituições de ensino, normalmente busca-se aprofundar o conhecimento sobre determinada prática ou experimento, assim como nosso entendimento sobre o meio ambiente que nos cerca. E nas universidades vamos encontrar ainda os pesquisadores que, além de conduzirem seus experimentos práticos, dividem suas horas em sala de aula, dedicando-se ao ensino. Os mais teóricos tendem a trabalhar em suas salas, com ou sem computadores, sozinhos, ou mais comumente, em grupos de pesquisa. Discutem-se ideias, equações e gráficos, e têm como objetivos principais a validação de hipóteses, antes mesmo de testá-las em um laboratório. Os cientistas que trabalham nas universidades funcionam como um tipo de “controle de qualidade”. Isso para evitar que os cientistas experimentais percam o seu tempo com ideias que não têm a mínima chance de estarem corretas. E isso ocorre através da busca de erros matemáticos na formulação da teoria, ou ainda, por erros em programas de computadores e conceitos aplicados erroneamente. 12 METODOLOGIA DA PESQUISA Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. 3.1 A CIÊNCIA NO BRASIL Diferentemente de países do primeiro mundo, no Brasil a pesquisa se faz essencialmente nas universidades. Como vimos anteriormente, os docentes pesquisadores normalmente validam e testam ideias ou hipóteses, mas não é comum o desenvolvimento de produtos ou serviços. E dentro dessa ótica, o cientista da universidade deveria se aproximar das empresas, ou ainda, a indústria deveria investir mais em inovação. Ou seja, o cientista deveria encontrar muito mais espaço de trabalho nas empresas, e não buscar somente nas escolas espaços para seguir uma carreira profi ssional. Esse cenário é completamente diferente nos países desenvolvidos, onde as indústrias mais competitivas admitem pesquisadores para pensarem novos produtos, processos e serviços. E muitas dessas ideias poderiam ter origem na universidade, já testadas como protótipos e projetos, e se desenvolverem para a produção em escala nas empresas. O Brasil ainda adota uma postura passiva e prefere esperar a aquisição das tecnologias emergentes. Em suma, não desenvolve e paga por aquilo que outros países desenvolvem. Prova disso é que em muitos casos e áreas do conhecimento, sempre fi gura atrás em rankings de inovação e desenvolvimento. Outras áreas ainda podem ser consideradas inovadoras no Brasil, como é o caso da exploração de petróleo em águas profundas, mas são exceção à regra. Em nosso país, o “ouro negro” só existe em grandes profundidades, e para que esse recurso natural pudesse ser utilizado, se fez necessário o desenvolvimento de novas tecnologias que nem mesmo outros países dispunham. Ao que parece, as autoridades brasileiras sabem qual é o caminho a seguir para tornar o país mais competitivo. Nossos cientistas estão entre os mais proeminentes, porém ainda sem o prestígio que lhes deveria ser dado. Outros seguem carreira no exterior, nas mais prestigiosas empresas e universidades. Enquanto isso, nadamos contra a maré, em total desvantagem na corrida do desenvolvimento. IMPORTANTE Universidade: doutores que não chegam às empresas e à pesquisa na indústria do Brasil A maior parte dos pesquisadores brasileiros está nas instituições de Ensino Superior – 67,5% do total em 2010 –, enquanto nas empresas a proporção é de apenas 26,2%, bastante abaixo dos índices de Estados Unidos, Coreia, Japão, China, Alemanha, França e Rússia. Essa situação, reconhece o documento Balanço das Atividades Estruturantes 2011, do MCTI, é uma das causas da dissociação entre o avanço científi co e a incorporação da inovação tecnológica à base produtiva, especialmente na indústria do Brasil. De acordo com o presidente do CNPq, Glaucius Oliva, uma pesquisa feita em 2008 com todos os doutores brasileiros formados entre 1996 e 2006 revelou que quase 80 mil deles estavam no Brasil, 97% empregados. Desse total, 80% atuavam no setor educacional. Outros 11% estavam na administração pública e menos de 5% nas empresas. Nos Estados Unidos, a proporção de doutores na indústria chega a 40%, informou Oliva. Segen Estefen, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbrade Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afi rmou durante o seminário promovido pela 13 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA CCT do Senado que, “no Brasil, os doutores não vão para as indústrias, com raras exceções, como as estatais, a Petrobras e algumas empresas do setor elétrico. As empresas privadas não criam núcleos para fazer interface com a universidade. Sem um grupo de doutores, não tem como fazer a interface”. Não é possível esperar que os menos de 50 mil cientistas que trabalham em pesquisa na indústria brasileira possam competir com os 166 mil que trabalham em empresas na Coreia do Sul e mais de 1 milhão de cientistas em empresas nos EUA, de acordo com Carlos Cruz, professor da Fapesp. “Mesmo que o Brasil tenha demonstrado alguns sucessos nessa área — como a Embraer, a Petrobras ou o agronegócio movido pela Embrapa —, falta-nos a capacidade de realizar isso repetida e continuamente”, alerta. Exigências para professores das universidades públicas do Brasil, como a dedicação exclusiva ou em tempo integral, foram consideradas por vários dos palestrantes como entraves à parceria com empresas e à participação desses pesquisadores em projetos inovadores fora do ambiente das universidades. A excessiva regulamentação, a falta de autonomia das universidades para firmar parcerias com a indústria e dispor do tempo dos professores e dos recursos completam o cenário inóspito para a pesquisa traçado pelos participantes do seminário. Glaucius Oliva cita o exemplo norte-americano: “O professor universitário nos Estados Unidos pode abrir uma empresa no seu departamento, sem que esteja violando a legislação do tempo integral e educação exclusiva. No Brasil não pode. Se abrir uma empresa, pode ser processado, porque está violando o tempo integral e você é um funcionário público”. “Nos Estados Unidos, um projeto entre uma empresa e uma universidade não passa pelo governo. Tem que ser feito dentro das linhas oficiais, mas não existe controle governamental sobre o que a indústria pode ou não fazer com a universidade. Se a Sloan Foundation, que dá muito dinheiro à pesquisa, resolve dar US$ 20 milhões para pesquisa em desenvolvimento de tecnologia de raios X espacial, por exemplo, várias universidades vão apresentar projetos para a fundação. É uma competição duríssima, completamente desligada do governo”, exemplifica o cientista Marcelo Gleiser. Eles têm carga horária de seis a 12 horas de aula por semana, devendo dedicar o restante do tempo à pesquisa. Fonte: BRASIL, 2010. Universidade: doutores que não chegam às empresas e à pesquisa na indústria do Brasil. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/inovacao/universidade- doutores-empresas-pesquisa-na-industria-do-brasil.aspx>. Acesso em: 3 abr. 2017. 3.2 FINANCIAMENTO DOS PROJETOS DE PESQUISA NO BRASIL No Brasil, algumas agências de fomento à pesquisa atuam de forma expressiva. Normalmente, essas autarquias provêm recursos para que os pesquisadores, seja na indústria, ou ainda nas universidades, possam dar continuidade a suas pesquisas. Normalmente, a cada ano, os editais são lançados, e os cientistas precisam disputar parte dos recursos disponibilizados pelo governo federal. É o caso do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), que todos os anos disponibiliza recursos para diversas modalidades de pesquisa, seja para acadêmicos ou pesquisadores seniores. O grande problema ainda é a dependência dos recursos públicos. Se houvesse maior integração entre os setores público e privado, as chances de caminharmos a passos mais largos seria maior. A dependência de aporte de recursos financeiros somente dos recursos públicos diminuiria e o desenvolvimento de produtos e processos pensados à necessidade das empresas alcançaria patamares expressivos. 14 METODOLOGIA DA PESQUISA Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. Fora o CNPQ, outras instituições financiam projetos. Não somente públicas, obviamente. Nos dias atuais é mais comum termos convênio entre empresas e universidades, para a prestação de serviços ou desenvolvimento de projetos com alguma necessidade específica, mas ainda longe do ideal. Fundações sem fins lucrativos e de diversas naturezas oportunizam a pesquisadores premiações distintas ou ainda valores significativos na busca de incentivar a pesquisa nos campos experimental e teórico. Outras autarquias públicas são as Fundações de Amparo à Pesquisa Estaduais (FAPESC, FAPESP etc.), ou ainda, a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Bolsas de pesquisa também são mais comuns entre professores-pesquisadores, e se comprovadas experiências na sua produtividade científica, recebem recursos para continuidade da pesquisa. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) também auxilia professores do Ensino Superior a realizarem seus trabalhos, seja com aporte de insumos financeiros e/ou bolsas para mestrado e doutorado. Em alguns casos essas bolsas levam o cientista para outros países, a fim de compartilhar experiências e fomentar o intercâmbio e desenvolvimento de uma área específica desses países. Em resumo, o Brasil, ainda que tenha proporcionado oportunidades aos seus pesquisadores, precisa perceber a necessidade de investir cada vez mais em pesquisa e desenvolvimento. Isso não implica necessariamente inventar a roda, mas de não depender única e exclusivamente de tecnologias importadas a um custo bem alto. Crescemos muito em nossa produção científica, ou seja, publicação de artigos em revistas científicas, mas ainda não somos referenciados por outros pesquisadores, justamente por não termos tradição nessa área. Como brasileiros, precisamos aprender a dar valor às ideias originadas em nosso país. Nas escolas e universidades precisamos entender que a pura repetição de conhecimento não leva a caminhos profundos de aprendizado. E assim, entender de uma vez por todas que nosso modelo de educação também está atrasado. Os acadêmicos e professores precisam ensinar através de projetos e em um ambiente em que o aluno seja o protagonista. Em uma era cada vez mais dependente de tecnologia, ainda caminhamos a passos muito lentos dentro de uma proposta robusta para o desenvolvimento científico e tecnológico, e muito há de ser feito. Precisamos acordar! 3.3 INÍCIO DA CARREIRA CIENTÍFICA Certamente, todo início da carreira de um cientista, não só no Brasil, começa com o seu envolvimento em projetos de pesquisa de caráter básico e experimental. E nessa frente o professor que orienta o acadêmico tem papel decisivo em estimular ou anular o futuro pesquisador. Digo isso, pois, muitas vezes, por pura vaidade, o professor- orientador apenas utiliza a “mão de obra aprendiz” para executar tarefas que ao cientista sênior já não interessam mais. 15 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA E nessa etapa da educação universitária, os professores deveriam estimular todo e qualquer candidato que se proponha a desenvolver alguma ideia, por mais absurda que pareça. Obviamente que muitos dos acadêmicos surgem com projetos que precisam ser lapidados, e torná-los exequíveis é parte do processo de entendimento de que ciência se constrói de forma contínua. É preciso entender que às vezes nossas ideias são uma pequena porção de um todo. Todo o processo de construção de um projeto de pesquisa, assim como as possibilidades de financiamento, iremos ver mais adiante. Para agora, é preciso entender que as possibilidades existem, mesmo para alunos do início da faculdade. Normalmente, esse perfil de estudante irá seguir a carreira acadêmica, e posterior à graduação inicia o seu mestrado, doutorado e pós-doutorado. Por exemplo,o CNPQ, citado anteriormente, tem um programa chamado de PIBIC, que auxilia jovens em início de carreira científica, concedendo ao professor-orientador do projeto e também ao acadêmico, bolsas de iniciação científica. Alguns estados da federação também concedem esse tipo de benefício. É o caso do Estado de Santa Catarina com o programa UNIEDU, no qual acadêmicos podem desenvolver ideias e terem descontos em suas mensalidades. Enfim, as oportunidades existem. Porém, o que se observa nas universidades é que é cada vez menor o interesse do acadêmico pesquisador. Afinal de contas, você precisa dedicar parte do seu tempo à pesquisa que se propõe. E corroborando o fato de que estamos em um tempo onde a informação já não é mais o problema, afinal de contas, está em todos os lugares, gerar novo conhecimento é a grande chave para o sucesso profissional. É preciso entender que são atividades desse caráter que irão desenvolver e diferenciar cada acadêmico em sua trajetória profissional. É esse tipo de profissional, criativo e inovador, que pensa soluções para as suas necessidades e empresas, que terá as mais ricas experiências e oportunidades. 16 METODOLOGIA DA PESQUISA Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. LEITURA COMPLEMENTAR A ciência da fé “Como você professa sua fé?”, pergunta o médico Paulo de Tarso Lima a seus pacientes na primeira consulta. Conversar sobre isso virou rotina no setor de oncologia em um dos mais conceituados hospitais do Brasil, o Albert Einstein, em São Paulo, onde Lima é coordenador do Serviço de Medicina Integrativa. Se o doente vai à missa, ele anota na receita: aumentar a frequência aos cultos. Se deseja a visita de um padre, rabino ou pastor, o hospital manda chamar. Se quiser meditar, professores de ioga são convocados. No hospital, a fé é uma arma no tratamento de doenças graves. A Santa Casa de Porto Alegre também trabalha nesse sentido. O hospital está realizando uma pesquisa inédita, em parceria com a Universidade Duke, nos Estados Unidos, para mensurar os benefícios biológicos da fé. O objetivo é descobrir se os pacientes espiritualizados submetidos à cirurgia de ponte de safena têm menos inflamações no pós-operatório – hipótese já levantada por outros estudos. “Existe um marcador de inflamação que parece apresentar menores níveis em religiosos”, explica o cardiologista Mauro Pontes, coordenador do Centro de Pesquisa do Hospital São Francisco, um dos sete hospitais do complexo Santa Casa da capital gaúcha. Hoje, as principais faculdades de medicina americanas dedicam uma disciplina exclusiva ao assunto. E, na última década, uma série de estudos mostrou que os benefícios da fé à saúde têm embasamento científico. Devotos vivem mais e são mais felizes que a média da população. Após o diagnóstico de uma doença, apresentam níveis menores de estresse e menos inflamações. “O paciente com fé tem mais recursos internos para lidar com a doença”, diz Paulo Lima. Fé tem uma participação especial no que médicos e terapeutas chamam de coping: a capacidade humana de superar adversidades. “Não posso prescrever bem-estar, mas posso estimular que o paciente vá em busca de serenidade para encarar um momento difícil”, explica o médico. É por isso que mais profissionais têm defendido essa relação. “Atender às necessidades espirituais tem de ser, sim, tarefa do médico”, defende o cirurgião cardíaco Fernando Lucchese, que está escrevendo o livro A Revolução Espiritual com o psiquiatra americano Harold Koenig, autoridade no assunto. Há um século, o canadense William Osler, ícone da medicina moderna, já defendia isso. Em 1910, ele escreveu um artigo cheio de floreios elogiosos às crenças das pessoas: “a fé despeja uma inesgotável torrente de energia”. A designer Juliana Lammel, 33 anos, vivenciou isso. Em 2005, cansada de tantas operações sem sucesso para corrigir um estreitamento no ureter, canal que liga os rins à bexiga, ela resolveu fazer uma cirurgia espiritual, mesmo sem ter nenhuma ligação com 17 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA o espiritismo. “Para mim, era sinônimo de filme de fantasma”, lembra. Ela topou – e sem ceticismo. Para ter resultado, Juliana teria de acreditar piamente, já que o tratamento espírita exige fé do paciente. Uma vez por semana, por um mês, na mesma hora, ela deitava na própria cama por 30 minutos, ao mesmo tempo em que o grupo espírita fazia a concentração. Ela em São Paulo, eles no Rio de Janeiro. No fim, Juliana voltou ao médico com novos exames. Ele viu os resultados e não conseguia explicar por que os componentes alterados do rim tinham voltado a níveis quase normais. Juliana foi operada mesmo assim, mas o procedimento foi bem menos agressivo do que o previsto, graças, segundo ela, à cirurgia espiritual. O episódio mudou a forma como a designer lida com a fé. “Antes, me forçava a acreditar em algo. Depois disso, passei a acreditar de verdade”. Vantagens no dia a dia Uma das maiores pesquisas feitas até hoje, divulgada em 2009, revisou 42 estudos sobre o papel da espiritualidade na saúde, que envolveram mais de 126 mil pessoas. O resultado mostrou que quem frequenta cultos religiosos pelo menos uma vez por semana tem 29% mais chances de aumentar seus anos de vida em relação àqueles que não frequentam. Não é intervenção divina. Não é feitiçaria. É comportamento. Os entrevistados que são religiosos apresentaram um comprometimento maior com a própria saúde. Iam mais ao dentista, tomavam direitinho remédios prescritos, bebiam e fumavam menos. A pesquisa confirmou ainda os dados de um estudo populacional feito em 2001 pelo Centro Nacional de Adição e Abuso de Drogas dos EUA: adultos que não consideram religião importante em suas vidas consomem muito mais álcool e drogas do que os que acham os credos relevantes. É a versão real dos Simpsons e seus exageros estereotipados. Homer faz pouco de qualquer fé, é obeso e alcoólatra. Já seu vizinho, o carola Ned Flanders, é regrado, tem saúde perfeita e corpo sarado. Andar na linha é mais comum entre os crentes, e a razão está no poder de autocontrole, dizem os cientistas. É o que defende o psicólogo Michael McCullough. Professor da Universidade de Miami e parceiro de Harold Koenig em pesquisas sobre espiritualidade, ele diz que a fé facilita a árdua tarefa de adiar recompensas, algo fundamental para muita coisa, de fazer dieta a estudar para concursos. A fé também tem uma relação íntima com a felicidade. Um estudo feito na Europa mostrou que pessoas espiritualizadas se dizem mais satisfeitas do que aquelas que não se consideram como tal. Parte disso se explica na natureza de ateus e céticos em geral. Quem não acredita em nada pode ter mais propensão ao pessimismo porque faz uma leitura objetiva da vida, sem crer em algo divino que mude as coisas. Por outro lado, a certeza da existência de uma recompensa divina muda a vida das pessoas. E não é questão somente de otimismo. Tem algo pragmático aí. 18 METODOLOGIA DA PESQUISA Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. Religiões estimulam algo essencial para o ser humano: o espírito de comunidade. Devotos normalmente não estão sozinhos, o que ajuda nos problemas da vida. Para Andrew Clark, um dos autores desse estudo europeu e professor da Escola de Economia de Paris, as religiões ajudam as pessoas a superar choques ou a pelo menos não se desesperar tanto com os tropeços da vida. Por exemplo, segundo a pesquisa, a queda no indicador de bem-estar foi menor entre os desempregados religiosos do que entre os não religiosos. “A religião oferece ‘proteção’ contra o desemprego”, diz Clark. Na hora do aperto, há sempre alguém para estender a mão. Outra pesquisa, feita pela Universidade de Michigan, EUA, comparou duas formas de amparo recebidas por idosos: o oferecidopelas igrejas e o proporcionado por serviços sociais estatais. A discrepância a favor do suporte religioso foi tão significativa que o autor do estudo, o gerontologista Neal Krause, acredita haver algo de único nesse tipo de apoio. Até mesmo os ateus são beneficiados pelo espírito solidário oferecido pelas instituições religiosas. Um estudo feito por Clark investigou o efeito da religiosidade dos outros sobre o bem-estar de uma comunidade. A descoberta foi intrigante. As pessoas sem religião de regiões de maioria ateia são menos felizes do que aquelas sem religião de áreas onde a maior parte da população professa uma fé. “Isso não é nada bom para os ateus: eles parecem menos felizes e também fazem os outros menos felizes”, concluiu Clark. A explicação para isso pode estar na compaixão incentivada pelas religiões. A escritora e ex-freira inglesa Karen Armstrong, autora de mais de 20 livros sobre o tema, acredita que o princípio da compaixão está no centro de todas as tradições religiosas. É ela que nos leva a pensar no próximo e a fazer de tudo para aliviar o sofrimento e as angústias dele. Antônio Gilberto Lehnen, 78 anos de catolicismo ativo, sentiu os efeitos dessa rede de apoio após enfrentar duas cirurgias que quase lhe custaram a vida. Aos 67 anos, ele teve de passar por um transplante cardíaco. Na lista de espera por um novo coração, sem saber ao certo se aguentaria, sua atitude era de gratidão. “Lembro de ele me dizer, com toda a tranquilidade: ‘Planeja tudo aqui que o papai do céu está cuidando de mim’. Era uma atitude confiante”, lembra o cirurgião Fernando Lucchese, que fez a operação. Antônio é grato até hoje. “Não sei quem foi o doador, mas não deixo nem um dia de rezar por ele e pela felicidade da sua família”, diz. Na Antiguidade, as religiões eram essenciais para unir uma comunidade. “Nas sociedades primitivas, a religião sempre exigiu tanto esforço (de união) que não pode ser encarada só como um acidente evolutivo”, diz Nicholas Wade, autor de The Faith Instinct (“O instinto da fé”, sem edição no Brasil). Essa união foi questão de sobrevivência por milênios. É o que afirma Karen Armstrong em Os 12 Passos para uma Vida de Compaixão. Organizado em pequenos grupos, o homem primitivo precisava partilhar os parcos recursos a mão. Muito antes do surgimento das grandes religiões, altruísmo e generosidade já eram características primordiais a um bom líder tribal. 19 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA A genética também ajuda a explicar a origem da fé. O geneticista americano Dean Hamer causou rebuliço no meio científico em 2004 ao anunciar a descoberta dos genes da fé – ou, como ele preferiu chamar, o gene de Deus. Batizado de VMAT2, trata- se de um conjunto de genes que ativam substâncias químicas que dão significado às nossas experiências. Eles atuam no cérebro regulando a ação dos neurotransmissores dopamina, ligada ao humor, e serotonina, relacionada ao prazer. Durante a meditação, por exemplo, esses neurotransmissores alteram o estado de consciência. “Somos programados geneticamente para ter experiências místicas. Elas levam as pessoas para algo novo, ouvem Deus falar com elas”, explica Hamer. O pesquisador aplicou um questionário para medir o grau de espiritualidade em um grupo de 1.001 voluntários. Desenvolvido pelo psiquiatra Robert Cloninger, da Universidade de Washington, o levantamento trazia perguntas ligadas a crenças e rituais. Hamer avaliou os genes dos voluntários e percebeu que as diferenças nas respostas estavam relacionadas com as variações no gene de Deus. Essas variações explicariam por que algumas pessoas são mais espiritualizadas que outras. Dá para visualizar isso, literalmente. Exames de neuroimagem mostram a atividade de crenças espirituais no cérebro. O time de cientistas liderado por Andrew Newberg, professor da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, e autor do livro How God Changes Your Brain (“como Deus muda o seu cérebro”, sem edição no Brasil), demonstrou que Deus é parte da nossa consciência: quanto mais pensamos nele, mais nossos circuitos neurais são alterados. No primeiro de seus estudos a respeito, Newberg avaliou o impacto da fé ao analisar imagens cerebrais de freiras rezando e budistas meditando. Ele detectou aumento de atividade em áreas relacionadas às emoções e ao comportamento e redução na zona que dá senso de quem somos. A diminuição de trabalho nessa região específica, segundo Newberg, representa a possibilidade de atingir com a meditação um estado em que se perde a noção de individualidade, espaço e tempo. “Você se torna um único ser com Deus ou com o Universo”, escreveu. É o mesmo efeito descrito por Hamer. A ciência não pode provar que Deus existe, mas consegue medir os efeitos da crença no divino nas pessoas. Seria possível, então, transformar esses efeitos da fé em um botão no cérebro, que poderíamos ativar quando quiséssemos? O canadense Michael Persinger quis provar que sim ao criar o “capacete de Deus”. Trata-se de um aparelho que estimula uma área específica do cérebro, onde nascem pensamentos místicos e espirituais. Persinger queria saber se dava para simular a sensação de uma prece intensa ou da meditação apenas estimulando essa região cerebral. Ele recrutou voluntários religiosos e não religiosos para o teste. Depois de ficarem uma hora com o capacete, quatro de cada cinco pacientes relataram sentir um estado de transe, com uma sensação de deslocamento para fora do corpo. A maioria dessas pessoas tinha uma predisposição à fé, mas, mesmo assim, 20 METODOLOGIA DA PESQUISA Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. o aparelho conseguiu simular experiências religiosas em laboratório. Ou seja, com ele não é preciso rezar para sentir os mesmos efeitos benéficos descritos na reportagem. Da mesma forma que não é preciso seguir uma religião para ter esses benefícios. Como trabalhar sua fé Que fique claro, fé e religião são coisas diferentes. A religião é uma maneira institucionalizada para se praticar a fé, por meio de regras específicas e dogmas. Já a fé é algo pessoal, ligado à espiritualidade, à busca para compreender as respostas a grandes questões sobre a vida, o universo e tudo mais. Isso pode ou não levar a rituais religiosos. Você pode buscar essas respostas pulando sete ondinhas, acendendo velas, consultando o horóscopo da Susan Miller, pregando faixas de Santo Expedito ou investigando quilos de livros de física quântica. Cada um tem seu jeito próprio. Vale até ficar louco de cogumelo. Foi o que Roland Griffiths, professor da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, propôs. Sua equipe deu a 36 voluntários cápsulas com altas doses de psilocibina, substância presente em cogumelos alucinógenos. O grupo deitou em sofás com olhos vendados ao som de música clássica. Depois de uma sessão de seis horas, passado o efeito, a maioria relatou ter experimentado uma forte conexão com os outros, um sentimento de união, amor e paz. Até aí, parecia papo de doidão. Mas o professor voltou a falar com os voluntários um ano depois. Eles disseram que se sentiam diferentes. A experiência os tornou pessoas melhores, o que foi confirmado pelas famílias deles. “Se a psilocibina pode causar sensações místicas idênticas àquelas que ocorrem naturalmente, isso prova que esse tipo de experiência é biologicamente normal”, disse Griffiths no fórum de palestras TED. Mais que isso: talvez, drogas alucinógenas tenham benefícios. Mesmo sem cogumelos alucinógenos ou um capacete de Deus, é possível atingir artificialmente as benesses da fé. Cientistas garantem que basta ter uma forte crença em algo – e nem precisa ser uma divindade ou força superior. Pode ser qualquer coisa realmente importante para a pessoa. “Se para os crentes é Deus, para os ateus pode ser família ou amigos”, diz Michael Shermer,diretor da Sociedade Cética e autor do livro The Believing Brain (“o cérebro crente”, sem edição no Brasil). “Teoricamente, um ateu pode ter uma poderosa experiência mística”, endossa Andrew Newberg. O pai do gene de Deus, Dean Hamer, segue a mesma linha. “Algumas das pessoas mais espiritualizadas que conheço não acreditam em divindade nenhuma”, escreveu no trabalho em que relatou a descoberta genética. Outra grande autoridade no assunto, o psicólogo Kenneth Pargament, do Instituto de Espiritualidade e Saúde do Centro Médico do Texas, sugere cultivar a espiritualidade exercitando o que ele chama de santificação ateísta. Significa dar a algo importante da vida um status sagrado, mesmo sem acreditar em Deus. A foto do seu filho quando bebê pode ser muito mais sagrada para você que a imagem de Santo Antônio, por exemplo. 21 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA Não se trata de banalizar a sacralização, mas o contrário: exercitar a fé dessa forma é uma postura antibanalização da vida, qualquer aspecto pode assumir um caráter divino. E esse hábito de sacralizar aspectos do cotidiano é capaz até de alterar nosso comportamento, segundo uma pesquisa que acompanhou recém-casados. Os casais que consideravam o casamento e o sexo sagrados estavam mais felizes – e transavam mais! No trabalho é a mesma história. Outro estudo, realizado no ano passado, avaliou 200 mães de família que haviam acabado de concluir uma pós-graduação. Apesar da dupla jornada, aquelas que encaravam a carreira como parte de algo maior (e não só a fonte de renda para pagar as contas do mês) se disseram muito mais felizes profissionalmente – e menos cansadas. Em tese, portanto, é possível usufruir de benefícios semelhantes aos proporcionados pelas crenças divinas apenas focando as energias naquilo que faz bem a você. O psicólogo Elisha Goldstein, autor do best-seller The Now Effect (“o efeito ‘agora'”, sem edição no Brasil), desenvolveu um método que consiste em cultivar momentos sagrados. Primeiro, você escolhe objetos que trazem boas lembranças. Valem fotos de infância, o relógio do avô, uma carta de amor, o primeiro gibi. Todos os dias, preste atenção a esse amuleto por no mínimo cinco minutos. Deixe que os pensamentos invadam sua mente. Relaxe. Após três semanas, avalie suas emoções. Segundo Goldstein, os voluntários que participaram do experimento relataram sentimentos de gratidão, humildade e empatia. Isso porque eles se reconectaram àquilo que realmente importa. Consequentemente, se sentiram menos ansiosos e pessimistas e mais dispostos a ajudar quem precisa. Isso sem ter de orar ou meditar seguindo preceitos religiosos. Esses benefícios dependem da intensidade da crença. Quem vai à igreja e fica jogando Candy Crush Saga no celular dificilmente vai usufruir das vantagens da fé. Newberg resolveu passar isso a limpo e pediu a um grupo de ateus que pensassem em Deus. Nenhuma mudança significativa ocorreu. Para eles, não fazia o menor sentido. Então, o melhor é se engajar em atividades em que você realmente acredita. Se seu negócio não é integrar uma igreja, o psicólogo Michael McCullough lembra que algumas ONGs têm regras de conduta e convivência semelhantes, reproduzindo os mesmos mecanismos das religiões que incentivam compaixão, autocontrole, senso de comunidade e comportamento ético. Da mesma forma que é possível ter os benefícios da fé mesmo sem religião, há ocasiões em que ela faz mal – e nem precisamos entrar no mérito das guerras religiosas. Atribuir a Deus poder milagroso pode levar pacientes a abandonar tratamentos. Há também um outro componente preocupante. Em algumas pessoas, ocorre o que os especialistas chamam de conflito religioso, sentimento que leva a acreditar que a doença ou os sofrimentos são punição divina. Nesses casos, a religião tem um efeito desastroso. 22 METODOLOGIA DA PESQUISA Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. Um estudo publicado na revista científica americana Archives of Internal Medicine mostrou que esse conflito está associado a depressão, ansiedade e maior índice de mortalidade. Se fosse bom, fé cega não teria esse nome. Fonte: REVISTA SUPERINTERESSANTE, 2015. A Ciência da Fé. Disponível em: <http:// super.abril.com.br/ciencia/a-ciencia-da-fe/>. Acesso em: 3 abr. 2017. 23 Copyright © UNIASSELVI 2017. Todos os direitos reservados. METODOLOGIA DA PESQUISA REFERÊNCIAS GLEISER, M. Cartas a um jovem cientista: o universo, a vida e outras paixões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. JUNG, C. J. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. DENNETT, D. Consciousness Explained. 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Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu 10: 369-397. 1998. Centro Universitário Leonardo da Vinci Rodovia BR 470, km 71, n° 1.040, Bairro Benedito Caixa postal n° 191 - CEP: 89.130-000 - lndaial-SC Home-page: www.uniasselvi.com.br
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