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bém muitos dos portos da Costa da Mina: excluía, po- rém, todos os portos do Reino de Angola por se não con* terem debaixo do reino de Guiné" . . . E acrescentava: "faz preciso que com mais alguma distinção me decla- re quais são os portos da Guiné". (5) Que era afinal es- sa Guiné, que tanto mandava escravos para a Bahia? Malte-Brun é de opinião que, originàriamenté, fos- se a Guiné a parte central da África a que os mouros chamavam Gingia ou Gineva, atribuindo a extensão do nome até ao litoral ao fato de oferecerem os mouros, Segundo Leão o Africano, para o resgate, ouro da Guiné ou negros Jolofos, que foram chamados negros da Guiné, passando, posteriormente, o nome a significar o territó- rio, que começava na margem esquerda do' rio Senegal, e que, em 1845, se prolongou até ao cabo Negro, quando aí chegou Diogo Cam. "Foi para os portugueses, diz Malte-Brun, a maior extensão que teve para o sul o nome de Guiné". (6) Sujeita a tantas transformações a Guiné mais pa- recia um território limitado por dunas movediças. Era difícil fixar-lhe o exato sentido geográfico. Foi o que levou Malte-Brun a dizer que a Guiné "pelos seus limi- tes incertos merece que o seu nome seja riscado das no- menclaturas científicas". Em relação ao tráfico, no século XVI, parece-nos que a elpressâo deve ser tomada na sua acepção mais (4) Adr. Balbi, Tratado de Geografia Universal, v. II, pag. 312, Paris, 1838. (5) Anais da Bib. Nacional, v. 31. Inventário de Do- cumentos, doe. n.° 2.538. '(6) Malte-Brun, Tratado de Geografia, v. 5. 26 LUIZ VIANFA FILHO ampla, compreendendo os territórios situados entre o Senegal e o Orange, pois "escravo da Guiné" foi o nome sob o qual, nesse século, se designaram os negros impor- tados dessa imensa região, sem distinção de raças. Fato idêntico ao da Guiné ocorre com a Costa da Mina, expressão que parece não ter saído do círculo dos nossos escritores. Fortemente vinculada a história do trafico baiano, Costa da Mina foi designação apenas usa- da pelo comércio de escravos, não tendo entrada na geo- grafia. Poucas regiões, porém, terão tido maior influên- cia no desenvolvimento da importação de escravos para a Bahia, especialmente no século XVIII, em que absor- veu a maior parte da atividade dos traficantes baianos. Para uns seria uma expressão genérica, usada no trá- fico para designar as costas banhadas pelo golfo da Gui- né. Para outros lembraria as proximidades do forte de S. Jorge da Mina. De qualquer modo a imprecisão prestava-se a equívocos. 0 próprio Pôrto-Seguro, sem- pre tão exato nas suas informações, escreveu ficar a Costa da Mina fronteira à Bahia. (7) Southey, cita- do por Borges de Barros, limita a Costa da Mina entre o rio Gabão e o cabo Monte. No "Discurso Preliminar" aparece compreendida entre o cabo Palmas e o rio Ga- bão. (8) De maior valor, porém, por se tratar de um documento contemporâneo da época em que foi mais intenso o tráfico entre a Bahia e a Costa da Mina, são os estatutos da "Companhia Geral da Guiné", tentada, na Bahia, em 1756, e que assim se expressavam: "E ' V. M. servido conceder-lhe o comércio exclusivo em to- dos os portos da Costa da Mina, que se compreende des de o cabo do Monte ou Mozurarem até o de Lopo Gon- çalves.'* (9) Estes os limites que se devem considerar para a Costa da Mina. O seu centro comercial seria Ajuda, também chamada Wydah. Deles se não podiam afastar os portugueses, sempre rigorosamente vigiados pelos holandeses. Em 1767, o capitão Francisco Antô- (7) Pôrto-Seguro, História Geral, v. I, pag. 22Í. (8) Discurso Preliminar, in Anais da Bib. Nacional, v. 27. (9) Estatutos da Companhia Geral da Guiné, in Anais da Bib. Nacional, v. 31. 0 cabo Monte é o atual Mesurado, pró- ximo a Robertsport, e nem .sempre assinalado pelos geógra- fos. (V. Bouillet, obr. cit. PI. 39 e 82). O NEGRO NA BAHIA 27 nio de Etré, depondo na Bahia, queixava-se dos flamen- gos a que não podiam fugir, pois, "os Capitães que se- guem a carreira da Gosta da Mina, para poderem tomar os portos de sua negociação, por causa das correntezas das agoas serem grandes para o sul e leste, carecem de hir tomar altura de Cabo de Palmas para dahi virem des- cahindo pela Gosta, e nesta altura do Castello da Mina, e em outros sitios, se encontram de ordinário com os navios Olandeses . . . " Apertava-se a Costa da Mina num pequeno territó rio que chegou a absorver, anualmente, levadas pelos traficantes baianos para o resgate de escravos, 300.000 arrobas de fumo refugado da Bahia. (10) O território de Angola, que até o século XVI esteve compreendido sob a designação geral de Guiné, teve em seguida, ao ser melhor explorada a sua costa pelos na- vegantes lusos, os seus limites fixados entre os cabos Lopo Gonçalves e Negro, abrangendo o Congo, Bengüe- la e Angola. "A costa da África Ocidental, diz Malte- Brun, entre o cabo Lopo Gonçalves e o cabo> Negro é chamada comumente, no comércio, sob a designação genérica de Costa de Angola". (11) Ao se iniciar, nos fins do século XVI, a maior importação de escravos de Angola, já se destacara da Guiné. Por muito tempo acreditou-se não se comunicar a costa ocidental da África com a costa oriental. No en- tanto, em 1779, D. Francisco Inocêncio de Souza Cou- tinho escrevia para Lisboa dizendo ter visto escravos se reconhecerem como irmãos e parentes, apesar de^serem uns resgatados por Moçambique e outros por Bengüela, o que o levava a suspeitar que se comunicassem as duas costas. (12) Um brasileiro, Brant Pontes, futuro Mar- quês de Barbacena, esclareceu, mais tarde, o assunto. Em 1800, da costa ocidental, escrevia ter encontrado pretos "que noticiavam ouvir das suas terras som de Artilharia e de sinos, e ver embarcações a vela, o que (10) Miguel Calmon, Memória sobre a cultura do Taba- co, Bahia, 1835. (11) Malte-Brun, obr. cit., <v. 5, pag. 662. (12) In Arquivos de Angola, n.° 3. 28 LUIZ VIANNA FILHO tudo necessariamente devia pertencer aos Brancos ha- bitantes da Costa Oriental d'Ãfrica". (13) Dessas regiões, excetuada a costa oriental, cujo co- mércio de escravos para a Bahia foi sempre insignifi- cante, foram importados os negros, que compuseram" a população preta da Bahia. Durante os três séculos em que existiu, o tráfico variou profundamente nas suas direções, ora preferindo uma, ora outra dessas regiões, embora jamais fosse exclusivo de qualquer delas. Aten- dendo a imperativos de ordem política e econômica, não só locais como africanas, e que atuaram decisiva- mente no rumo dos tumbeiros, buscaram os traficantes, negros os mais diversos dentre os dois grandes grupos bântu e sudanês. Daí se não poder admitir, em rela- ção à Bahia, como se tem pretendido, o exclusivismo de qualquer um dos dois grupos, que realmente se reveza- ram nos mapas da importação negra da Bahia, como ve- remos com o discorrer da matéria. Podemos mesmo adiantar, para a melhor sistematiaação do assunto, que o tráfico baiano se processou em quatro ciclos distintos, assim resumidos: IMPORTAÇÃO DE ESCRAVOS NA BAHIA I — Ciclo da Guiné. Sec. XVI. II — Ciclo de Angola. Sec. XVII. , III —•. Ciclo da Costa da Mina. Sec. ^ XVIII. IV — Última Fase^ A ilegalidade. Sec. XIX. São épocas diversas do comércio negro da Bahia, cada qual com os seus característicos próprios. Por elas se divide a história do tráfico baiano, um dos mais prós- peros do Brasil. A história da importação em massa de escravos negros, e em cujos braços se apoiava toda a eco- nomia nacional. Iam buscá-los homens ávidos de di- nheiro, pobres de sentimento, mas de consciência tran- qüila, pois nada mais eram do que os representantes duma época. Ser traficante foi sobretudo uma profissão rendo- sa. Apesar de informar o Conde dos Arcos que "qua- .(13) Brant Pontes, Memória sobre a oomunácação