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STUDIUM ECLESIÁSTICO DOM AQUINO CORRÊA - SEDAC BRUNO BRASIL LEANDRI SÍNTESE TEOLÓGICA Várzea Grande – MT 2016 BRUNO BRASIL LEANDRI SÍNTESE TEOLÓGICA Síntese Teológica apresentada à Faculdade Católica de Mato Grosso (SEDAC), como requisito parcial para obtenção do Certificado de Conclusão do Curso de Teologia. Orientador: Dr. Nedio Pertile Várzea Grande – MT 2016 SÍNTESE TEOLÓGICA Síntese Teológica apresentada à Banca Examinadora do Curso de Teologia da Faculdade Católica de Mato Grosso (SEDAC), para obtenção do Certificado de Conclusão do Curso de Teologia. Várzea Grande – MT, ____ de ___________________ de _______. __________________________________________ Dr. Nedio Pertile Faculdade Católica de Mato Grosso (SEDAC) Orientador _________________________________________ Prof. ___________________________________ Faculdade Católica de Mato Grosso (SEDAC) Leitor 1 _________________________________________ Prof. ___________________________________ Faculdade Católica de Mato Grosso (SEDAC) Leitor 2 Dedicatória: À Deus que me concedeu o dom da existência, à Virgem Maria e a meus pais que foram mediadores do seu amor. AGRADECIMENTOS Agradeço ao meu orientador, Dr. Nedio Pertile, que mesmo em meio a tantos compromissos assumiu comigo este trabalho; Agradeço aos meus formadores, Pe. Valdevino José de Almeida, Pe. Miguel Mallmann e Pe. Edson Sestari e os Bispos Dom Gentil Delazari e Dom Canísio Klaus que durante toda minha formação no seminário me conduziram com paciência e atenção; Agradeço a Diocese Sagrado Coração de Jesus de Sinop-MT que tem auxiliado de todas as formas para minha formação; Agradeço aos professores e toda equipe que trabalha pela Faculdade Católica de Mato Grosso – SEDAC; Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cf. Ef 1,9), mediante o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso no Espírito Santo ao Pai e se tornam participantes da natureza divina (cf. Ef 2,18; 2Pd 1,4). DEI VERBUM 2 RESUMO Neste trabalho apresenta-se uma síntese teológica dos principais tratados de teologia que são divididos em três partes. Na primeira parte a Teologia Fundamental: nela apresenta-se a Revelação de Deus ao homem que culmina na pessoa de Jesus Cristo, Palavra feita carne e na Transmissão deste amor confiado aos apóstolos e a toda a Igreja. Na segunda parte temos a Teologia Dogmática, na qual se desenvolve os tratados da Trindade, Cristologia, Pneumatologia, Eclesiologia, Mariologia, Sacramentos, Antropologia teológica e Graça e Escatologia. Estes tratados são de importância fundamental, pois através deles apresenta-se a identidade divina que nos foi revelada em Jesus Cristo, permitindo-nos o acesso ao conhecimento da Trindade, que no Espírito Santo nos cumula de graça e nos introduz nos mistérios antes escondidos. A obra de Deus para a redenção da humanidade é a Igreja, que é o seu corpo, instrumento que Deus se usa para restaurar o homem em Jesus Cristo por meio dos sacramentos e conduzi-los ao fim para o qual foram destinados desde toda a eternidade, pois o desejo de Deus é que todos se salvem (cf. 1Tm 2,4). Na terceira parte desenvolve-se a Moral em seus vários aspectos, que são a Moral fundamental, Moral Sexual e matrimonial, Bioética e Moral social, nas quais busca-se estabelecer as bases para um bom relacionamento entre os homens conforme o desígnio de Deus. Palavras-chave: teologia, encarnação, aproximação, redenção RESUMEN Este artículo presenta una síntesis teológica de los principales tratados teológicos que se dividen en tres partes. En la primera parte de la teología fundamental: se presenta la revelación de Dios al hombre, que culmina en la persona de Jesucristo, la Palabra hecha carne y la Transmisión de este amor confiado a los apóstoles y la Iglesia entera. En la segunda parte nos encontramos la Teología Dogmática, que se desarrolla en los tratados de la Trinidad, Cristología, Pneumatología, Eclesiología, Mariología, Sacramentos, Antropología teológica y gracia y la Escatología. Estos tratados son de importancia fundamental, porque a través de ellos se presenta la identidad divina revelada a nosotros en Jesucristo, que nos permite el acceso al conocimiento de la Trinidad, que en el Espíritu Santo nos llena de gracia y nos introduce en los misterios ocultos antes. La obra de Dios para la redención de la humanidad es la Iglesia que es su cuerpo, un instrumento que Dios usa para restaurar al hombre en Jesucristo a través de los sacramentos y conducirlos a la finalidad para la que han sido concebidos desde la eternidad, porque el deseo de Dios es que todos se salven (cf. 1 Tim 2,4). En la tercera parte se desarrolla la moral en sus diversos aspectos, que son la Moral fundamental, Moral sexual y el matrimonio, la Bioética y Moral social, en un intento de sentar las bases de una buena relación entre los hombres como el plan de Dios. Palabras clave: teología, encarnación, enfoque, redención LISTA DE SIGLAS AA Apostolicam Actuositatem AL Amoris Letitia cân. cânone CDSI Compêndio da Doutrina Social da Igreja CELAM Conselho Episcopal Latino-Americano cf. Confira CIC Catecismo da Igreja Católica DH Denzinger Hünermann DP Dignitas Personae DV Dei Verbum FC Familiaris Consortio GS Gaudium et Spes HV Humanae Vitae LG Lumen Gentium n. número OE Orientações educativas sobre o amor humano p. Página SH Sexualidade Humana: Verdade e Significado VS Veritatis Splendor Sumário INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 19 1 TEOLOGIA FUNDAMENTAL ............................................................................................ 21 1.1 Teologia da Revelação ......................................................................................................... 21 1.1.1 Introdução ..................................................................................................................... 21 1.1.2 A revelação na Sagrada Escritura: Antigo Testamento ........................................... 22 1.1.3 A revelação na Sagrada Escritura: Novo Testamento .............................................. 23 1.1.4 Desenvolvimentohistórico-dogmático ........................................................................ 24 1.1.4.1 Patrística ................................................................................................................ 24 1.1.4.2 Idade Média ........................................................................................................... 26 1.1.5 A revelação no Magistério da Igreja........................................................................... 27 1.1.5.1 Concílio Vaticano I ................................................................................................ 27 1.1.5.2 Concílio Vaticano II .............................................................................................. 28 1.1.6 A resposta do homem ................................................................................................... 29 1.1.6.1 A fé .......................................................................................................................... 29 1.1.6.2 Características da fé .............................................................................................. 31 1.1.6.3 A eclesialidade da fé .............................................................................................. 32 1.1.7 Conclusão ...................................................................................................................... 33 1.2 Transmissão da Revelação .................................................................................................. 35 1.2.1 Introdução ..................................................................................................................... 35 1.2.2 Critérios da transmissão da revelação........................................................................ 36 1.2.3 As fontes da revelação .................................................................................................. 37 1.2.4 A transmissão da revelação na Sagrada Escritura .................................................... 38 1.2.5 A transmissão da revelação na Igreja......................................................................... 40 2 TEOLOGIA DOGMÁTICA ................................................................................................. 43 2 TRINDADE ............................................................................................................................ 43 2.1 O Deus uno e trino no Antigo Testamento .................................................................... 43 2.1.1 Deus uno e trino revelado por Jesus de Nazaré ......................................................... 44 2.1.2 Alguns textos trinitários do Novo Testamento ........................................................... 45 2.1.3 A definição do dogma trinitário .................................................................................. 46 2.1.3.1 As heresias trinitárias ........................................................................................... 46 2.1.3.2 Os Concílios de Nicéia e Constantinopla ............................................................. 47 2.1.3.3 Os Padres capadócios ............................................................................................ 49 2.1.3.4 A contribuição de Santo Agostinho ..................................................................... 49 2.1.4 Explicitação do dogma trinitário ................................................................................ 50 2.1.4.1 Monarquia.............................................................................................................. 50 2.1.4.2 Trindade ................................................................................................................. 50 2.1.4.3 Teologia .................................................................................................................. 50 2.1.4.4 Economia/imanência ............................................................................................. 51 2.1.4.5 Essência .................................................................................................................. 51 2.1.4.6 Pessoa e subsistência ............................................................................................. 52 2.1.4.7 Relações e Propriedades pessoais ou noções ....................................................... 52 2.1.4.8 Processão ................................................................................................................ 53 2.1.4.9 Missão ..................................................................................................................... 53 2.1.5 Conclusão ...................................................................................................................... 53 2.2 Cristologia ............................................................................................................................ 54 2.2.1 Introdução ..................................................................................................................... 54 2.2.2 Quem é Jesus? .............................................................................................................. 54 2.2.3 O Reino de Deus, centro da vida e da mensagem de Jesus ....................................... 55 2.2.4 A encarnação de Jesus ................................................................................................. 58 2.2.5 A morte de Jesus ........................................................................................................... 59 2.2.6 A ressurreição de Jesus ................................................................................................ 61 2.2.7 O dogma cristológico calcedonense............................................................................. 63 2.2.7.1 Nicéia (325)............................................................................................................. 63 2.2.7.2 Concílio de Éfeso (431) .......................................................................................... 63 2.2.7.3 O Concílio de Constantinopla I (381) e Calcedônia (451) .................................. 64 2.2.7.4 Definições cristológicas posteriores ..................................................................... 65 2.2.7.4.1 Concílio de Constantinopla II (553) .................................................................. 65 2.2.7.4.2 Concílio de Constantinopla III (681) ................................................................ 66 2.2.7.4.3 II Concílio de Nicéia (787) ................................................................................. 66 2.2.8 A Salvação em Jesus Cristo (Soteriologia) ................................................................. 67 2.2.9 Conclusão ...................................................................................................................... 67 2.3 Pneumatologia ..................................................................................................................... 69 2.3.1 Introdução ..................................................................................................................... 69 2.3.2 Fundamentos bíblicos .................................................................................................. 69 2.3.2.1 O Espírito de Deus no Antigo Testamento .......................................................... 69 2.3.2.2 O Espírito de Deus no Novo Testamento ............................................................. 72 2.3.2.2.1 Evangelhos sinóticos ........................................................................................... 72 2.3.2.2.2 Atos dos Apóstolos e acartas paulinas ..............................................................73 2.3.2.2.3 Escritos joaninos ................................................................................................. 74 2.3.3 O Espírito Santo na Tradição da Igreja ..................................................................... 75 2.3.3.1 O Espírito Santo na Igreja antiga ........................................................................ 75 2.3.3.2 A formulação e a proclamação da divindade do Espírito Santo (Concílio de Constantinopla) ................................................................................................................. 76 2.3.3.3 A contribuição de Santo Agostinho ..................................................................... 77 2.3.4 O problema do Filioque ............................................................................................... 78 2.3.5 A missão do Espírito Santo na Igreja e no mundo e na vida particular do ser humano ................................................................................................................................... 79 2.3.6 Conclusão ...................................................................................................................... 79 2.4 Eclesiologia ........................................................................................................................... 81 2.4.1 Introdução ..................................................................................................................... 81 2.4.2 Fundamentos bíblicos da Igreja .................................................................................. 81 2.4.2.1 A Igreja no Novo Testamento............................................................................... 82 2.4.3 A origem mistérico-trinitária da Igreja...................................................................... 84 2.4.4 A fundação histórica da Igreja .................................................................................... 85 2.4.5 Grandes definições da Igreja ....................................................................................... 85 2.4.6 A Igreja, “sacramento universal de salvação” ........................................................... 87 2.4.7 As “notas” da Igreja: unidade, santidade, catolicidade, apostolicidade ................. 88 2.4.8 Os membros da Igreja .................................................................................................. 90 2.4.9 Conclusão ...................................................................................................................... 92 2.5 Mariologia ............................................................................................................................ 93 2.5.1 Introdução ..................................................................................................................... 93 2.5.2 Fundamentos bíblicos .................................................................................................. 93 2.5.2.1 As prefigurações de Maria no Antigo Testamento ............................................. 93 2.5.2.2 O lugar e a função de Maria em relação a Cristo e à Igreja segundo os escritos neotestamentários .............................................................................................................. 94 2.5.3 Os dogmas marianos .................................................................................................... 96 2.5.3.1 Mãe de Deus ........................................................................................................... 96 2.5.3.2 Sempre Virgem ...................................................................................................... 97 2.5.3.3 Imaculada Conceição ............................................................................................ 97 2.5.3.4 Assunção ao Céu .................................................................................................... 98 2.5.4 O lugar de Maria na vida da Igreja ............................................................................ 99 2.5.5 Conclusão ...................................................................................................................... 99 2.6 Escatologia ......................................................................................................................... 101 2.6.1 Introdução ................................................................................................................... 101 2.6.2 Escatologia do mundo ................................................................................................ 101 2.6.2.1 Fundamentos bíblicos ......................................................................................... 101 2.6.2.2 Fim do mundo (quiliasmo ou milenarismo) ...................................................... 102 2.6.2.3 Ressurreição dos mortos e juízo final ................................................................ 103 2.6.2.4 “Novos céus e nova terra”................................................................................... 105 2.6.3 Escatologia do indivíduo ............................................................................................ 105 2.6.3.1 Fundamentos bíblicos ......................................................................................... 105 2.6.3.2 Morte .................................................................................................................... 106 2.6.3.3 Juízo particular ................................................................................................... 107 2.6.3.4 Purgatório ............................................................................................................ 107 2.6.3.5 Inferno .................................................................................................................. 108 2.6.3.6 Céu ........................................................................................................................ 109 2.6.4 Conclusão .................................................................................................................... 110 2.7 Antropologia Teológica e Graça ...................................................................................... 111 2.7.1 Introdução ................................................................................................................... 111 2.7.2 A fé na criação do mundo cósmico............................................................................ 111 2.7.2.1 No Antigo e Novo Testamentos .......................................................................... 111 2.7.2.2 Patrística .............................................................................................................. 112 2.7.2.3 Escolástica ............................................................................................................ 113 2.7.3 A fé na criação do ser humano .................................................................................. 115 2.7.3.1 Antigo Testamento .............................................................................................. 115 2.7.3.2 Novo Testamento ................................................................................................. 116 2.7.4 O confronto entre a fé e a ciência em relação à origem do homem ....................... 116 2.7.5 A negação do plano de Deus: o pecado original ...................................................... 117 2.7.6 A justificação do homem pecador ............................................................................. 119 2.7.7 Reflexão teológica sobre a graça de Deus ................................................................. 120 2.7.7.1 A vontade salvífica universal e o dom da filiação............................................. 120 2.7.7.2 Cooperação e graça ............................................................................................. 120 2.7.8 Conclusão .................................................................................................................... 122 2.8 Sacramentologia ................................................................................................................ 123 2.8.1 Introdução ................................................................................................................... 123 2.8.2 Aspectos gerais ........................................................................................................... 123 2.8.3 Os Sacramentos da Iniciação Cristã ........................................................................ 125 2.8.3.1 Batismo ..................................................................................................................... 125 3.1.1 Fundamentos bíblicos ............................................................................................ 125 2.8.3.1.2 Desenvolvimento histórico ............................................................................... 126 2.8.3.2 Confirmação ............................................................................................................ 127 2.8.3.2.1 Fundamentos bíblicos da unção ...................................................................... 127 2.8.3.2.2 Desenvolvimento histórico ............................................................................... 128 2.8.3.2.3 As definições magisteriais ................................................................................ 129 2.8.3.3 Eucaristia ................................................................................................................. 130 2.8.3.3.1 Definição de “eucaristia” ................................................................................. 130 2.8.3.3.2 Fundamentos bíblicos da eucaristia ................................................................ 130 2.8.3.3.3 A prática e a teologia da Eucaristia nos Padres da Igreja ............................ 132 2.8.3.3.4 A presença de Cristo na eucaristia ................................................................. 133 2.8.3.3.5 A dimensão comensal e sacrifical da Eucaristia ............................................ 134 2.8.4 Os Sacramentos da Cura ........................................................................................... 135 2.8.4.1 Penitência ................................................................................................................. 135 4.1.1 O nome e a identidade do sacramento .................................................................. 135 2.8.4.1.2 Fundamentos bíblicos do sacramento da penitência ..................................... 135 2.8.4.1.3 Desenvolvimento histórico-doutrinal .............................................................. 137 2.8.4.1.4 A sacramentalidade da penitência .................................................................. 137 2.8.4.2 Unção dos Enfermos................................................................................................ 138 2.8.4.2.1 Pressupostos antropológicos ............................................................................ 138 2.8.4.2.2 Fundamentos bíblicos do sacramento da unção dos enfermos ..................... 139 2.8.4.2.3 Evolução histórica do sacramento .................................................................. 140 2.8.4.2.4 Sacramentalidade da unção dos enfermos ..................................................... 140 2.8.5 Sacramentos do Serviço ............................................................................................ 141 2.8.5.1 Ordem ....................................................................................................................... 141 2.8.5.1.1 Introdução ......................................................................................................... 141 2.8.5.1.2 Fundamentos bíblicos ...................................................................................... 141 2.8.5.1.3 A sacramentalidade da ordem......................................................................... 142 2.8.5.1.4 As condições da admissão ao sacramento da ordem ..................................... 143 2.8.5.2 Matrimônio .............................................................................................................. 143 2.8.5.2.1 Introdução ......................................................................................................... 143 2.8.5.2.2 Fundamentos bíblicos do matrimônio ............................................................ 144 2.8.5.2.3 Sacramentalidade do matrimônio ................................................................... 144 2.8.5.2.4 As características e as exigências do amor conjugal ..................................... 145 2.8.6 Conclusão .................................................................................................................... 145 3 MORAL ................................................................................................................................ 147 3.1 Moral Fundamental .......................................................................................................... 147 3.1.1 Introdução ................................................................................................................... 147 3.1.2 Fundamentação bíblica da moral cristã ................................................................... 147 3.1.3 Liberdade e responsabilidade ................................................................................... 149 3.1.4 Opção fundamental .................................................................................................... 150 3.1.5 Consciência na vida moral ......................................................................................... 151 3.1.6 Leis e normas morais ................................................................................................. 152 3.1.7 Virtudes ....................................................................................................................... 153 3.1.8 Pecado na moral ......................................................................................................... 154 3.1.9 Conclusão .................................................................................................................... 155 3.2 Moral Sexual e Matrimonial ............................................................................................ 157 3.2.1 Introdução ................................................................................................................... 157 3.2.2 Significado da sexualidade humana .......................................................................... 157 3.2.3 Exigências básicas da sexualidade ............................................................................ 158 3.2.4 Sexualidade e celibato ................................................................................................ 159 3.2.5 A dimensão amorosa e procriadora do matrimônio ............................................... 160 3.2.6 A indissolubilidade matrimonial ............................................................................... 161 3.2.7 Situações irregulares .................................................................................................. 162 3.2.8 Conclusão .................................................................................................................... 163 3.3 Bioética ...............................................................................................................................165 3.3.1 Introdução ................................................................................................................... 165 3.3.2 O surgimento da bioética ........................................................................................... 165 3.3.3 Os princípios da bioética ............................................................................................ 166 3.3.4 Alguns problemas atuais de bioética e a posição da Igreja .................................... 167 3.3.5 Conclusão .................................................................................................................... 172 3.4 Moral Social ....................................................................................................................... 174 3.4.1 Introdução ................................................................................................................... 174 3.4.2 O conceito de “pessoa humana” ................................................................................ 174 3.4.3 Os direitos e os deveres da pessoa humana .............................................................. 175 3.4.4 Os princípios da Doutrina Social da Igreja.............................................................. 176 3.4.5 O trabalho humano .................................................................................................... 177 3.4.6 A economia .................................................................................................................. 178 3.4.7 A participação na vida política ................................................................................. 179 3.4.8 A cooperação com a comunidade internacional ...................................................... 179 3.4.9 A responsabilidade pelo ambiente ............................................................................ 180 3.4.10 A promoção da Paz .................................................................................................. 181 3.4.11 Conclusão .................................................................................................................. 182 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 183 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 185 19 INTRODUÇÃO Neste trabalho de Conclusão de Curso foi realizado um resumo dos principais temas de teologia como sugere o seu nome: síntese teológica. Ele é desenvolvido em três partes: Teologia Fundamental, Teologia Dogmática e Teologia Moral, dentro dos quais estão dispostos os quatorze capítulos, a saber: Revelação, Transmissão da Revelação, Trindade, Cristologia, Pneumatologia, Eclesiologia, Mariologia, Antropologia teológica e Graça, Sacramentos, Escatologia, Moral Fundamental, Moral Sexual e Matrimonial, Bioética e Moral Social. A Teologia Fundamental apresenta os pressupostos básicos da teologia, o encontro de Deus com o homem. Este encontro realiza-se através da revelação de Deus, por puro amor à sua criatura, chegando ao extremo de se rebaixar ao seu nível para conduzi-la à participação de sua divindade por meio de seu Filho unigênito, Jesus Cristo. A esta revelação, porém, exige-se do homem a sua resposta, que se dá na fé, “pois aquele que se aproxima de Deus deve crer que ele existe...” (Hb 11,6). Uma pergunta surge espontaneamente: se Deus ama o ser humano e a ele se revelou na história, como se dá a continuidade desta revelação? Esta resposta buscamos no estudo da Transmissão da revelação, que nos demonstram o quanto o Senhor cuida de que através de sua Igreja o seu amor continue sendo testemunhado aos homens. Podemos entender a Teologia Dogmática como a identidade de Deus que se revelou e a obra de redenção realizada por suas mãos, com a colaboração dos homens que lhe assentiram pela fé e se empenharam a transmitir o seu amor. Neste sentido apresenta- se o estudo sobre a Trindade, onde, busca-se conhecer o amado do ser humano, que nunca se esgota e é fonte de felicidade das suas criaturas. Na Cristologia encontra-se o centro de nosso trabalho, pois pela Palavra feita carne Deus aproxima-se do homem e lhe revela todo seu esplendor, porém, na simplicidade que nos vem de uma criança na manjedoura. Jesus, o Cristo, vem para nos salvar, assumindo nossa natureza humana, revela-nos o Pai, nos ensina o amor, demonstra este amor morrendo na cruz, ressuscita, retorna ao Pai e de junto dele envia o Espírito Santo para renovar as criaturas e unificar a Igreja, o corpo de Cristo, impulsionando-a a transmitir a sua graça e ser um instrumento de salvação para todos os povos, conforme o desígnio de Deus. 20 A Virgem Maria, no tratado de Mariologia apresenta-se como o corolário da obra redentora, majestosa aos olhos de nossa fé, pois ela é obra perfeita da Santíssima Trindade, imagem do homem redimido que já participa da plenitude da graça. Ela deu um corpo humano à Palavra divina, para que com sua carne resgatasse a carne humana dando a ela a redenção de sua alma. Os sacramentos são estes instrumentos de salvação, pelos quais a graça de Deus se atualiza e renova o homem. Eles são concedidos gratuitamente por Deus e encontram na Eucaristia a mais bela expressão da bondade de Deus que doa o seu corpo para redimir as suas criaturas degeneradas pelo pecado. No tratado de Escatologia realizamos o estudo e o conhecimento acerca dos fins do homem e da criação. Tudo na criação tem um princípio e um fim, igualmente o ser humano não veio do nada e não se dissipará no vácuo, mas a fé nos diz que viemos de Deus e a ele retornaremos. Nele, ou seja, no Amor, seremos julgados conforme nossas ações tiverem correspondido a esse amor ou não. Tendo em vista esta responsabilidade que ressoa em nossa consciência é que nos tratados de Moral a Igreja busca agir conforme a caridade, correspondendo à sua dignidade de pessoa humana de filhos de Deus, pois na resposta da fé não estão excluídos tudo o que toca à materialidade da vida humana, seja na vida familiar, comunitária e social, pois o próprio Filho de Deus nos demonstra a necessidade de agir em conformidade com a vontade de Deus nas realidades humanas quando se encarna assumindo a corporalidade e tudo o que corresponde à humanidade em sua irredutível responsabilidade pelos dons da criação depositados em suas mãos. 21 1 TEOLOGIA FUNDAMENTAL 1.1 Teologia da Revelação 1.1.1 Introdução Revelar de origem latina re-velare significa “afastar o ‘velum’, o envoltório, o anteparo, tudo aquilo que cobre alguma coisa. ” (FEINER; LOEHRER, 1971, p.176.) No âmbito da reflexão teológica, o significado da palavra recebe sentido mais específico, referindo-se à Deus que, oculto e invisível, torna-se então manifesto através de Sua autorrevelação. O objeto de estudo da teologia da revelação é duplo, é a revelação do próprio Deus e de seu desígnio de salvação. Deus se revela no Antigo Testamento como um Deus vivo e pessoal em oposição aos ídolos. O segundo aspecto, que é a salvação, acontece em meio à libertação de Israel realizada por Deus no êxodo do Egito onde sela a aliança por meio de Moisés (cf. LATOURELLE, 1985, p. 34-35). O autor e o objeto da revelação é Deus mesmo, ele se dá a conhecer ao homem e aí se desdobra consequentemente o desígnio de salvação. Por isso “a revelação é essencialmente interpessoal. Antes que manifestação de alguma coisaé manifestação de Alguém a alguém” (LATOURELLE, 1985, p. 37-38). Na Dei Verbum, lemos que “aprouve a Deus em sua bondade e sabedoria, revelar- se a si mesmo” (DV 2). Deus, portanto, se revela à humanidade por pura bondade. Ele não precisa do homem e não deve ao homem nada, pelo contrário, tudo o que temos recebemos dele (cf. 1Cor 4,7). Sabemos que “Deus é amor” (1Jo 4,16) e é característico do amor a caridade que atua beneficiando a outrem sem necessidade dela e sem interesse. Esta é pois a razão de Deus se revelar à humanidade: seu amor e bondade infinitos. Deus se revela na criação e pela fé através de sua palavra comunicada aos profetas. Sobre a primeira assim ensina o Concílio Vaticano I quando diz que Deus pode ser conhecido pela luz natural da razão; por meio das coisas criadas pode-se chegar ao conhecimento de Deus (DH 3004). São Paulo testemunha o mesmo ao dizer que “sua realidade invisível – seu eterno poder e sua divindade – tornou-se inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas, de sorte que não têm desculpa” (Rm 1,20). Na imanência cósmica, pode-se entrever a sua causa primária, “uma vez que a criação é o que foi dito por Deus, ela é também revelação” (LATOURELLE, 1985, p. 27). Deus se revela também pela via sobrenatural, que exige a fé. E esta revelação inicia na história, pelos patriarcas e profetas no Antigo Testamento ao comunicar a sua 22 palavra e chega à plenitude na pessoa de Jesus de Nazaré que nos chegaram pela tradição dos apóstolos de forma escrita e não escrita. 1.1.2 A revelação na Sagrada Escritura: Antigo Testamento As etapas da revelação vão desde a criação, a primeira humanidade, representada por Adão e Eva, prosseguindo com Noé até Abraão e sua descendência, passando por Moisés, os profetas até culminar na pessoa do Verbo que se encarna e se revela à humanidade em Jesus Cristo. Deus se revela progressivamente ao ser humano, ele conhece a sua obra e sabe que o homem cresce através de um longo caminhar em que vai tomando consciência, mesmo errando e caindo, ele vai descobrindo, na medida em que Deus o auxilia como um pai. Assim na primeira etapa da revelação Deus se dá a conhecer na criação: “Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo (cf. Jo 1,3), oferece aos homens um testemunho perene de si mesmo na criação (cf. Rm 1,19-20)” (DV 3). A Igreja ensina na Constituição Dei Verbum que Deus se manifesta a si mesmo aos nossos primeiros pais e mesmo depois da queda ele não rompe totalmente com eles, mas lhes dá a esperança da salvação que entrevemos em Gn 3,15. (Esta é a primeira etapa da revelação, a revelação cósmica). A segunda etapa da revelação vai do pecado original até Abraão. “O pecado do homem não o fez perder a vocação à visão de Deus, numa comunhão de vida” (SESBOÜÉ; TEOBALD, 2006, p. 427). Ao longo da história narrada no Gênesis podemos ver que Deus acompanha e abençoa aqueles que buscam viver na justiça e fala com todos na consciência de cada um. Neste sentido podemos recordar de Abel, Seth, Noé e mesmo Melquisedec e Agar, que mesmo não sendo do povo eleito, Deus se lhes manifestava, daí vemos que “Deus continua propondo sua graça e, por isso mesmo, algum tipo de revelação, expressões de sua vontade salvífica universal” (SESBOÜÉ; TEOBALD, 2006, p.427). Abraão é um destes homens, ao qual Deus elege para constituir o seu povo, por meio do qual serão abençoadas todas as nações da terra (cf. Gn 12,3b). O chamado de Deus a Abraão marca uma nova etapa da revelação1. Deus lhe chama para constituir um povo; através de Moisés, ensina que é o único Deus; os profetas 1 Esta é propriamente a revelação histórica: “Afora a primeira revelação narrada nos primeiros capítulos do Gênesis, a revelação histórica (para distingui-la da cósmica) começa com Abraão, Moisés e os profetas. 23 anunciam a vinda do ungido de Deus: “E assim preparou, ao longo dos séculos, o caminho para o Evangelho” (DV 3). Resume-se aí toda a economia do Antigo Testamento, dos patriarcas (Abraão, Isaac, Jacó), Moisés e os profetas. Deus escolhe o seu povo, não para privilegiá-lo com exclusividade, mas para lhe confiar uma missão. É uma história que converge para a vinda de Cristo, seu ponto mais alto. Assim se prepara imediatamente o Evangelho (SESBOÜÉ; TEOBALD, 2006, p.428). 1.1.3 A revelação na Sagrada Escritura: Novo Testamento “Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos Profetas, ‘Deus ultimamente, nestes dias, falou-nos por meio do filho’ (Hb 1,1-2) ” (DV 4). Assim nos apresenta o Concílio Vaticano II ao falar de Cristo como a plenitude da revelação. Exprime o vínculo com o Antigo Testamento, sua continuação que se desenvolve ao longo do tempo até culminar na pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus enviado. O projeto de Deus para com a humanidade foi desde toda a eternidade a comunhão de amor com o homem, sua criatura. O pecado não rompeu este projeto. Com efeito, Deus quis se comunicar com o homem e entrar em comunhão com ele assumindo sua natureza, tornando-se semelhante a ele, para senti-lo, falar-lhe e convidá-lo a seguir seus passos. O Verbo de Deus, que, no princípio, estava com Deus se tornou carne para habitar entre nós (cf. Jo 1,1.14). Jesus assume plenamente a condição humana, com exceção do pecado, para revelar o Pai em suas ações e palavras, “sinais e milagres, e especialmente por sua morte e gloriosa ressurreição” (DV 4). Jesus inicia a Nova Aliança prenunciada pelo profeta (cf. Jr 31,31ss). No Antigo Testamento, Deus sela a Aliança com o seu povo no monte Horeb, com Moisés, em meio do fogo e lhes deu a lei que deviam cumprir (cf. Dt 4, 12ss), Ele se manifestava através dos fenômenos naturais, trovões, relâmpagos e nuvens, aos quais o povo temia (cf. Ex 19, 16). O homem, mesmo sendo do povo eleito, não podia ver a Deus. Em Jesus, o homem finalmente vê a face de Deus, nele lhes é manifestado o Pai. Esta ideia é iluminada maravilhosamente comparando-se à manifestação teofânica de Deus a Moisés com a transfiguração de Jesus no monte Tabor (cf. Mt 17). Com efeito, “o Novo Testamento é Torna-se então a palavra plenamente inteligível. Dirige-se Deus ao homem, interpela-o, torna-o participante de seu desígnio, fala-lhe” (LATOURELLE, 1985, p. 28) 24 último (novissimum). É a Aliança definitiva. Até a volta (parusia) de Cristo, não haverá terceira revelação pública” (SESBOÜÉ; TEOBALD, 2006, p.430) 1.1.4 Desenvolvimento histórico-dogmático De acordo com as preocupações próprias de cada época da história e dos distintos problemas doutrinais que foram surgindo, o acento foi colocado em um ou outro aspecto, de tal maneira que, sem olvidar por completo o que já havia sido adquirido em reflexões anteriores, a compreensão do que é a revelação sofreu variadas concepções que determinaram e marcaram atitudes concretas na Igreja (CELAM, 1987, p. 85. Tradução nossa). 1.1.4.1 Patrística Na Igreja primitiva com os padres da Igreja tinha-se consciência clara de Cristo como o cume e a fonte do cristianismo em quem se encontra a plenitude da revelação. Estão persuadidos os Padres Apostólicos de que o ensinamento da Igreja é de origem divina. O objeto da fé é a palavra de Deus, o conjunto dos mandamentos e instruções dados à humanidade pelo Cristo, pelos profetas e pelos apóstolos. Para todos o Cristo é a fonte de onde jorra o cristianismo, o Mestre único; os profetas são seus discípulos espirituais; os apóstolos são os pregadores e os mensageiros de seu Evangelho; a Igreja recolhe e transmiteseu ensinamento. Inácio de Antioquia, mais que todos, vê no Cristo o todo da revelação e o todo da salvação. Nele, Verdade e Vida estão inseparavelmente unidas. Na encarnação do Filho termina e atinge seu ponto mais alto a economia da revelação. O Cristo é o conhecimento do Pai. (LATOURELLE, 1985, p. 93- 94) Os apologistas foram aqueles que diante do desafio da cultura da época buscaram dar razões de sua fé (cf. 1Pd 3,15), apresentando a fé em Cristo como a verdadeira doutrina que conduz à vida eterna. Eles adaptaram a linguagem à filosofia para usá-la como instrumento, defender a fé e comunicá-la de forma compreensível para levar todos para Cristo. Nesta linha estão São Justino, Atenágoras e Teófilo de Antioquia. Diante do gnosticismo que desviava a doutrina da revelação transmitida pelos apóstolos, Santo Ireneu afirma a presença do Verbo desde o Antigo Testamento, apresentando a unidade da revelação. A revelação não é um simples conhecimento intelectual reservado a poucos, mas um dom de amor dado a todos, que pela fé conduz à vida eterna. Ele relaciona criação e encarnação explicando aos fiéis que o Verbo que criou o homem à sua imagem é o mesmo que vem restaurar sua obra desfigurada pelo pecado através da encarnação. 25 Clemente de Alexandria entre os padres gregos vê na filosofia uma preparação para receber a revelação de Cristo, assim como a Lei e os Profetas é a preparação dos judeus para o messias. Entretanto, embora ela conduza à verdade, contém falhas, pois só Cristo é a verdadeira e total verdade onde não há erro. “Dessa maneira, judeus, gregos e cristãos, a filosofia, a Lei e o Evangelho formam uma só ordem salvífica: são três disposições ou Testamentos cujo autor é o mesmo Logos” (LATOURELLE, 1985, p. 118). Orígenes contribuiu ainda mais com a doutrina da revelação ao introduzir, além da objetividade da revelação pela encarnação, a subjetividade da mesma pela ação da graça no interior do crente, tocando-o e capacitando-o para compreender o mistério: “O homem não se voltaria para Deus, se ele mesmo não lhe tocasse a alma” (ORÍGENES apud LATOURELLE, 1985, p. 125). Os padres capadócios, São Basílio, São Gregório de Nazianzo, São Gregório de Nissa e São João Crisóstomo, contribuíram com a ideia da dupla via de acesso ao conhecimento de Deus: a criação e o ensinamento da fé. Diante da heresia de Eunômio, que afirmava o esgotamento do mistério revelado de Deus, defenderam que o homem pode chegar ao conhecimento de Deus a partir do mundo visível, mas por mais que Deus se revele, ainda permanece em sua essência um mistério (LATOURELLE, 1985, p. 137). Segundo Latourelle, Tertuliano, sendo jurista é um apaixonado da verdade e que, diante do erro do paganismo e das heresias, o cristianismo se apresenta como a verdadeira religião que conduz ao conhecimento da verdade. “O único problema, pois, é saber quem possui essa verdade, quem a pode reivindicar” (1985, p. 145). Ele desenvolve para tanto o tema da transmissão da revelação. Cristo transmite como fonte de verdade a doutrina aos seus apóstolos, em quem termina a ação reveladora, esses por sua vez são os mediadores e as igrejas são depositárias da mesma e única doutrina (CELAM, 1987, p. 87). Santo Agostinho leva-nos em seus escritos a compreender que a revelação não é uma comunicação de uma verdade abstrata, mas objetiva, real que nos toca, pois insere-se na história através da economia da encarnação. Assim, Jesus anuncia o Evangelho por suas ações e palavras comunicando as verdades eternas e sobrenaturais através de sua humanidade. Cristo é sujeito e objeto da revelação, ele é ao mesmo tempo aquele por quem Deus se revela e Deus revelado, pois ele nos comunica a Palavra do Pai, mas também é a palavra do Pai. Esta palavra que foi confiada aos apóstolos nos é comunicada, a qual nós respondemos com o ato de fé. “Os apóstolos, a Igreja, a Escritura: são os elos que nos unem ao Cristo e que garantem a autenticidade da fé católica” (LATOURELLE, 1985, p. 157). 26 Nos escritos patrísticos não há um desenvolvimento sistemático do tema da revelação, mas encontramos ideias fundamentais que serão a base para um desenvolvimento posterior da teologia, especialmente no Concílio Vaticano II. 1.1.4.2 Idade Média Quanto à Idade Média, Latourelle (1985, p. 169) nos esclarece que, não é preocupação dos escolásticos do século XIII nem da teologia que os precedeu interrogar-se especialmente sobre a natureza e as propriedades da revelação cristã. Santo Tomás, por exemplo, fora de seus comentários escriturísticos onde o texto sagrado inspirava seus passos, tem apenas breves indicações quanto à revelação pelo Cristo e pelos apóstolos. O que principalmente prende a atenção é a revelação imediata dirigida aos profetas: carisma de conhecimento, entendido como uma iluminação do espírito. Falam também da revelação objetiva ou do Evangelho, sumariamente, porém. Para Santo Tomás, a revelação é base da teologia e da fé cristã. A revelação se realiza em função da salvação do homem, sendo relacionada com a vida íntima em Deus, com isto supera as capacidades humanas Deus dispõe ao homem os meios para conhecê-lo e chegar à salvação. A revelação se realiza por etapas, começando por Abraão, na era patriarcal, depois Moisés inaugurando a era profética e por fim a era cristã chegando à perfeição em Cristo (cf. CELAM, 1987). Conforme nos apresenta Latourelle, para São Boaventura, a revelação é a ação iluminadora de Deus. Ele não distingue as noções de revelação e inspiração, sendo a iluminação interior pela graça igualmente revelação. Destaca que a revelação é obra da trindade e seu aspecto de economia (1985, p. 176). 1.1.4.3 Século XX Por volta dos anos de 1950, começam os teólogos a interessar-se mais pela compreensão da revelação, tudo o que foi desenvolvido anteriormente e depois, de reflexões acerca da revelação, que serviram para a formação da Constituição Dei Verbum. O ponto que mais recebeu destaque foi o tema do encontro pessoal, já vislumbrada na patrística, e que é apresentada na Escritura (cf. CELAM, 1987). Muitos teólogos contribuíram para esse aprofundamento da revelação, como de Lubac, Daniélou, Chenu, Bouillar, Von Balthasar e também os protestantes como K. Barth, R. Bultmann e E. Brunner. Havia um movimento de retorno às fontes bíblica e patrística. 27 Rejeitavam uma compreensão puramente abstrata da revelação e focavam na teologia querigmática, sem, contudo, negar o caráter doutrinal (cf. CELAM, 1987). Teólogos como K. Rahner, H. de Lubac, J. Alfaro, R. Latourelle, R. Guardini e H. U. von Balthasar insistem na necessidade de vincular a revelação com a pessoa de Cristo, como consequência da economia da encarnação que Deus utilizou para levar à plenitude sua manifestação e seu encontro pessoal com o homem. Esta economia de encarnação se realiza na história e pela história, interpelada à luz da palavra de Deus, Deus se dirige ao homem. Este aspecto interpessoal da revelação é talvez o que mais foi desenvolvido e que foi levado à necessidade de ligar muito estreitamente a ela a fé, como resposta pessoal do homem à Deus que se revela (CELAM, 1987, p. 92-93. Tradução nossa). 1.1.5 A revelação no Magistério da Igreja 1.1.5.1 Concílio Vaticano I No segundo capítulo da Constituição Dei Filius, do Concílio Vaticano I, é exposto o que a Igreja pensa sobre a revelação. No primeiro parágrafo se esclarece que a revelação tem duas vias pelas quais o homem pode chegar ao conhecimento de Deus. A primeira é a via ascendente, natural, parte da busca do homem pela razão através da natureza para chegar a finalidadeque é Deus, porém não em sua vida íntima, mas em sua relação causal com o mundo. A segunda via é descendente, a via sobrenatural que parte de Deus que se revela dando-se a conhecer e os decretos de sua vontade (cf. LATOURELLE, 1985, p.302). No segundo parágrafo delineia-se a necessidade, a finalidade e o objeto da revelação (cf. LATOURELLE, 1985, p.304). É necessária porque “Deus, em sua infinita bondade ordenou o homem para um fim sobrenatural, isto é, para participar dos bens divinos...” (DH 3005). Aqui também já encontramos a finalidade: a participação do homem nos bens divinos. “É, pois, em última análise, a intenção salvífica de Deus que explica a necessidade da revelação das verdades de ordem sobrenatural” (LATOURELLE, 1985, p.305). O objeto, como já vimos, é Deus mesmo e os decretos eternos de sua vontade, que são as conaturais ao homem, quanto aquelas sobrenaturais ultrapassam a compreensão humana. Esta revelação está nos livros e nas Tradições não escritas, as duas fontes da Palavra de Deus. A respeito dos livros sagrados, o Concílio ressalta que estes são assim tidos porque têm o próprio Deus como autor e foram confiados à Igreja. Por isso cabe unicamente a ela a interpretação da Sagrada Escritura. 28 1.1.5.2 Concílio Vaticano II No capítulo I sobre a revelação é retomada a afirmação do Vaticano I, porém com uma formulação mais personalista, ao dizer: “Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria...” (LATOURELLE, 1985, p. 371). Fica claro nesta linha que a revelação é obra e iniciativa de Deus e não do homem. Ao propor igualmente o objeto da revelação retoma o Vaticano I, porém substituindo o verbo “decreto” pelo “mistério” ao dizer: “Dar a conhecer o mistério de sua vontade...”. “O Mistério é o plano divino que, afinal, se resume no Cristo, com suas insondáveis riquezas, seus tesouros de sabedoria e de ciência. Concretamente o Mistério é o Cristo ” (LATOURELLE, 1985, p. 372). Os homens têm acesso a Deus Pai mediante o Verbo encarnado, que no Espírito Santo se tornam participantes da natureza divina (cf. DV 2). Nesta expressão consiste o desígnio salvífico de Deus. “O desígnio divino, expresso em termos de relacionamento interpessoal, inclui os três principais mistérios do cristianismo: a Trindade, a encarnação, a graça” (LATOURELLE, 1985, p. 372). A natureza da revelação apresentada pela Dei Verbum é o diálogo que Deus estabelece com o homem, diálogo que parte do seu amor e faz com que se dirija aos homens como a amigos. A revelação de Deus se realiza por palavras e obras relacionadas entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e corroboram a doutrina e as realidades e as realidades significadas pelas palavras, enquanto as palavras declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido (DV 2) E Cristo é o mediador e plenitude de toda a revelação, nele se revela de modo pleno tanto a natureza de Deus quanto da salvação dos homens: “Dirigindo-se ao homem, ser de carne e espírito, mergulhado no tempo, Deus comunicou-se com o homem pelas vias da encarnação e da história” (LATOURELLE, 1985, p. 374). No terceiro parágrafo, intitulado de “preparação da revelação evangélica”, o Concílio apresenta primeiro duas formas de revelação que é o testemunho de si na criação pelo Verbo e a revelação sobrenatural que acontece na história aos primeiros pais. Depois indica as etapas da revelação, que começa com Abraão, os patriarcas, Moisés e os profetas preparando o caminho para o Evangelho. 29 No quarto parágrafo, o Concílio cita o início da carta aos Hebreus afirmando que Cristo é o ponto mais alto da revelação: “Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado ‘homem aos homens’, ‘fala’ portanto ‘as palavras de Deus’ (Jo 3,34) ”. O paralelo entre a Palavra e as palavras que ela pronuncia mediante a carne, evidencia de modo impressionante que o Filho de Deus realmente se fez homem e usou sem subterfúgios os meios de expressão da natureza humana (LATOURELLE, 1985, p. 381). Resumidamente, Deus falou aos homens antigamente através de mediadores humanos falhos e limitados que transmitiam partes da revelação, mas ultimamente revelou- se plenamente em Jesus Cristo, seu Filho, o mediador supremo, em quem fez com os homens uma aliança perfeita que jamais passará. (cf. MARÍN, 2015, p. 46). 1.1.6 A resposta do homem 1.1.6.1 A fé O Deus que se revela requer a resposta do homem, que é a fé. No Catecismo da Igreja Católica lemos que “antes de mais, a fé é uma adesão pessoal do homem a Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade revelada por Deus” (§150). Marín (2015, p. 99) distingue dois sentidos relativos ao sujeito da fé: sujeito pessoal e psíquico. São sujeitos pessoais da fé os que possuem o hábito ou virtude sobrenatural da fé. São eles todos os justos do mundo, que possuem a graça santificante, tendo ou não o batismo2, e as almas do purgatório que ainda não possuem a visão beatífica. No sentido psíquico a virtude sobrenatural da fé reside no entendimento do crente, assim, crer é um ato do entendimento, porém a vontade intervém de maneira decisiva de tal modo que não seria possível um ato de fé sobrenatural sem ela. Torna-se assim essencial para a fé, por isso fica dito que, embora a fé resida formalmente no entendimento, é certo que a vontade também intervém, e de maneira decisiva, no ato de fé. Porque, em se tratando de verdades cuja evidência intrínseca se nos escapa (ainda que tenhamos dela certeza firmíssima, enquanto reveladas por Deus, que não pode enganar-se nem enganar-nos), é preciso que a vontade ordene o entendimento a crer, apesar da falta de visão. O que não seria necessário, nem sequer possível, se o 2 “É sabido que se pode possuir a graça mesmo sem ter recebido o sacramento do batismo, mas não sem o desejo (ao menos implícito) dele” (MARÍN, 2015, p. 99). 30 entendimento percebesse diretamente a evidência intrínseca das verdades que a fé propõe, já que então não teria outro remédio senão inclinar-se ante a verdade evidente, mesmo sem que a vontade lho tivesse ordenado (MARÍN, 2015, p.102). O Concílio Vaticano I, sobre o objeto da fé no ato de crer, ensina que, deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo o que está contido na palavra de Deus escrita ou transmitida, e que pela Igreja, quer em declaração solene, quer pelo Magistério ordinário e universal, nos é proposto a ser crido como revelado por Deus (DH 3011) Quando o Concílio diz que são todas as coisas contidas na palavra de Deus escrita ou transmitida pela Tradição apresenta-nos as duas fontes da divina revelação: “a Sagrada Escritura, transmitida por escrito, e a Tradição Católica, transmitida por escrito ou oralmente de geração em geração” (MARÍN, 2015, p.68). E este conteúdo nos é proposto pela Igreja de duas maneiras: em declaração solene, “quando o papa define ex cathedra algum dogma de fé ou quando um concílio ecumênico presidido e aprovado pelo papa o declara expressamente” (MARÍN, 2015, p. 69); ou pelo Magistério ordinário e universal onde o papa e todos os bispos da Igreja ensinam uma determinada doutrina. Na Bíblia, a fé é definida na carta aos Hebreus da seguinte forma: “[...] a garantia dos bens que se esperam, a prova das realidades que não se veem” (Hb 11,1). É assim que dentre outros exemplos da Sagrada Escritura no Antigo Testamento, Abraão é tomado por São Paulo como exemplo desta fé que teve em Deus ao partir para o encontro das suas promessas, “esperando contra toda esperança,creu e tornou-se assim pai de muitos povos, conforme lhe fora dito: Tal será sua descendência” (Rm 4,18). A Virgem Maria é maior exemplo de fé: A Virgem Maria realiza, do modo mais perfeito, a “obediência da fé”. Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazidos pelo anjo Gabriel, acreditando que “a Deus nada é impossível” (Lc 1, 37) e dando o seu assentimento: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Isabel saudou-a: “Feliz aquela que acreditou no cumprimento de quanto lhe foi dito da parte do Senhor” (Lc 1, 45). É em virtude desta fé que todas as gerações a hão-de proclamar bem-aventurada (CIC 148) Os padres da Igreja também o atestam ao dizer que “o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria, e o que Eva amarrara pela sua incredulidade Maria soltou pela sua fé” (SANTO IRENEU, Adv. Haer. III, 22.4). 31 A fé também foi definida no Magistério da Igreja; no Concílio Vaticano I ficou bem expressa nestas palavras: Visto que o homem depende inteiramente de Deus como seu criador e senhor, e que a razão incriada está inteiramente sujeita à verdade incriada, somos obrigados a prestar, pela fé, a Deus que revela, plena adesão do intelecto e da vontade. Esta fé, porém, que é o início da salvação humana, a Igreja a professa como virtude sobrenatural, pela qual, sob a inspiração de Deus e com a ajuda da graça, cremos ser verdade o que ele revela, não devido à verdade intrínseca das coisas conhecidas pela luz natural da razão, mas em virtude da autoridade do próprio Deus revelante, o qual não pode enganar-se nem enganar. Pois, segundo o testemunho do Apóstolo, “a fé é a substância das coisas que se esperam, argumento do que não se vê” (Hb 11,1). (DH 3008) Ao dizer que a fé é uma virtude sobrenatural, quer dizer que é uma virtude infusa por Deus em nosso entendimento, sem a qual seria impossível crer com as faculdades racionais. Da mesma maneira a graça, como dom, auxilia o homem interiormente, pois, já que ultrapassa a ordem natural, necessita do auxílio divino. Cremos porque não vemos, limitando-nos a acreditar pela autoridade de Deus nas verdades que ele revela, não pela razão, porque se assim fosse perderia a característica de fé (cf. MARÍN, 2015, p. 28-29). No concílio Vaticano II, retomando alguns pontos do anterior, também temos uma rica definição da fé: A Deus que revela é devida a “obediência da fé”; por ela, entrega-se o homem todo, livremente, a Deus, oferecendo “a Deus revelador o obséquio pleno da inteligência e da vontade” e prestando voluntário assentimento à sua Revelação. Para prestar esta fé, é necessária a graça divina que se antecipa e continua a ajudar, e o auxílio interior do Espírito Santo, auxílio requerido para mover e converter a Deus os corações, abrir os olhos da alma, e dar “a todos a suavidade, no assentimento e na adesão à verdade”. Para entendermos cada vez mais profundamente a Revelação, o Espírito Santo aperfeiçoa sem cessar a fé mediante os seus dons (DV 5) Retomando a mesma definição do Concílio Vaticano I, ele acrescenta o auxílio da graça que antecipa e continua a ajudar no ato de fé, e também acrescenta e acentua o auxílio do Espírito Santo no interior que aperfeiçoa a fé do crente pelos seus dons. 1.1.6.2 Características da fé Segundo a teologia católica, baseada nos dados da revelação, a fé é definida como ato e como hábito. Baseando-se em Santo Tomás, Marín define a fé como ato, explicando que é “o assentimento sobrenatural pelo qual a mente, sob o império da vontade e a 32 influência da graça, adere-se firmemente às verdades reveladas pela autoridade de Deus revelante” (2015, p.31). A fé é certo gênero de conhecimento por ser um ato do entendimento, mas diferente, enquanto se distingue do conhecimento científico, do sentido religioso, da certeza histórica, da opinião e da visão beatífica. A fé, porém, não é um ato somente do entendimento, mas de toda a alma, envolve a vontade que sob o influxo da graça de Deus move-a para que aceite a sua vontade. As verdades reveladas são o objeto material da fé, e a autoridade é o objeto formal, que é o motivo pelo qual aceitamos essas verdades (2015, p.31-33). Da mesma forma define a fé como hábito sendo “uma virtude sobrenatural e teológica que dispõe a mente para assentir firmemente às verdades reveladas por Deus, pela autoridade do próprio Deus revelante” (2015, p.33). Ela é uma virtude porque é permanente, distinguindo-se do ato de fé que é transitório; é sobrenatural por que supera a natureza humana que precisa do auxílio da graça divina; teológica por ter como objeto direto o próprio Deus (2015, p. 33-34). Acrescentemos ainda o que o Catecismo da Igreja Católica nos propõe como características da fé: é “uma graça” porque é dada por Deus como auxílio divino que ajuda a crer; é também um “ato humano” porque não viola e não anula a liberdade e a inteligência do homem, a fé um ato autenticamente humano, por isso prestamos fé também às pessoas; “fé e razão” não se contrapõem, embora a fé se sustente unicamente na autoridade de Deus que revela a inteligência tem diante de si inúmeros sinais que comprovam esta revelação; “a fé é necessária” para obter a salvação, para receber a justificação e entrar na vida eterna devemos dar esse passo fundamental em direção daquele que pode nos salvar; “a fé é o início da vida eterna” porque ela nos faz comtemplar mesmo que de modo imperfeito as realidades que gozaremos na visão beatífica, “agora meu conhecimento é limitado, mas depois, conhecerei como sou conhecido” (1Cor 13,12b) (cf. CIC 153-165). 1.1.6.3 A eclesialidade da fé Quando no Credo dizemos “creio” – que nós rezamos nas celebrações dominicais e que expressam o fundamento da nossa fé – estamos pessoalmente professando a fé da Igreja, mas também estamos professando em Igreja, com a nossa “mãe”, que nos ensina a dizer “creio”. Neste sentido nos diz o Catecismo que 33 a salvação vem só de Deus. Mas porque é através da Igreja que recebemos a vida da fé, a Igreja é nossa Mãe. “Cremos que a Igreja é como que a mãe do nosso novo nascimento, mas não cremos na Igreja como se ela fosse a autora da nossa salvação”. É porque é nossa Mãe, é também a educadora da nossa fé (CIC 169). E, segundo Libânio (2000, p.253), nós só cremos “na Igreja” de modo indireto, por que cremos em Deus, mas como dentro de seu projeto está incluído a mediação, ele associou a Igreja, neste sentido cremos nela enquanto é parte deste mistério salvífico. Assim a Igreja tem o serviço dado por Deus de ser para os fiéis, Mestra da fé. “Tal como uma mãe ensina os seus filhos a falar e, dessa forma, a compreender e a comunicar, a Igreja, nossa Mãe, ensina-nos a linguagem da fé, para nos introduzir na inteligência e na vida da fé” (CIC 171). É importante destacar que a fé é vivida dentro da realidade eclesial, na sua liturgia, na vivência prática cotidiana com a comunidade, na participação dos sacramentos. Para viver a fé cristã, o fiel é introduzido na comunidade da Igreja e aí a desenvolve. Não se trata, pois, simplesmente de realizar a dimensão de sociabilidade, mas de cumprir uma vontade de Cristo. Evidentemente ela não se impõe como algo extrínseco à nossa natureza concreta, mas vem realizá-la em profundidade (LIBÂNIO, 2000, p. 254). Portanto, quem quer que seja, tenha a pretensão de que tenha uma fé autêntica e se ponha a criticar e desafiar a fé da Igreja colocando sua opinião como certa e verdadeira, sem uma vivência da fé no interior da Igreja, está enganado ao pensar que tem a fé da Igreja. Ao sair desse círculo de fé, mesmo tendoacesso ao “depósito da fé” em sua objetividade escrita, visibilizada nos sinais externos, não se tem garantia de viver da fé da Igreja. Por isso, crer implica necessariamente esses dois momentos, de acolhida da Tradição, mas dentro do espaço hermenêutico vital da comunidade (LIBÂNIO, 2000, p. 252). 1.1.7 Conclusão Neste capítulo pudemos ver brevemente como Deus vai em busca do homem para comunicar-lhe o seu amor. Isto nos revela a Sagrada Escritura, a qual nos diz que tudo foi criado por Deus, e o ser humano é sua obra magnífica com a qual coroa toda a criação. Ela nos revela ainda mais, abre-nos o conhecimento de que sua obra criadora é uma extensão de seu amor a nós, por pura bondade de sua graça, que deseja cumular-nos de sua experiência que plenifica na comunhão de amor. Mesmo com a desordem do pecado Deus não abandona sua criatura, o seu desígnio de comunhão plena com os homens não é rompido com o pecado, mas torna-se ainda mais uma chance de demonstrar com maior 34 largueza esse amor abundante de seu coração divino. Em resposta ao pecado, Deus envia o seu Filho, em quem nós conhecemos a plenitude do amor do Pai, e no seu Espírito Santo somos renovados e transformados para também transmitir a mesma graça. Veremos a seguir como este amor que através da graça é transmitido de geração em geração, à Igreja e desta para a humanidade. 35 1.2 Transmissão da Revelação 1.2.1 Introdução A resposta à pergunta sobre o que é a tradição vem-nos com mais facilidade através de outra pergunta fundamental: Uma vez que a revelação, a redenção e a salvação, têm em vista não somente os homens que então viviam, mas também todo o resto da humanidade, surge logo a pergunta: de que maneira o restante da humanidade poderá participar do dom de que gozam os que se encontram com Jesus de Nazaré? Se considerarmos os que nunca chegaram a ouvir a mensagem da salvação, a resposta àquela pergunta será a seguinte: compartilham dela mediante a tradição, a transmissão daquilo que Jesus de Nazaré disse, realizou, comunicou e revelou (LOEHRER; FEINER, 1971, p. 7. Grifo nosso). A tradição, portanto, é a transmissão da revelação que Deus comunicou aos apóstolos; o conhecimento de Deus e tudo o que era necessário para a salvação foi a eles confiado para que comunicassem para o bem de todos. “De graça recebestes, de graça dai” (Mt 10, 8b); disse Jesus quando enviou seus apóstolos para a missão. Na Constituição Dei Verbum, do Concílio Vaticano II, se encontra uma definição muito clara de como se deu esta transmissão, com efeito está assim expresso: [...] Cristo Senhor, em quem se consuma toda a Revelação do Deus Altíssimo (cf. 2Cor 1,20;3,16;4,6), mandou aos apóstolos que o Evangelho, objeto da nossa promessa outrora feita pelos profetas que ele veio cumprir, e que promulgou pessoalmente, eles o pregassem a todos, como fonte de toda a verdade salutar e de toda a regra moral, e assim lhes comunicassem os dons divinos (DV, 7). E essa tradição é transmitida de duas maneiras como nos explica o CIC: a) oralmente, “pelos Apóstolos, que, na sua pregação oral, exemplos e instituições, transmitiram aquilo que tinham recebido dos lábios, trato e obras de Cristo, e o que tinham aprendido por inspiração do Espírito Santo”, e b) por escrito, “por aqueles apóstolos e varões apostólicos que, sob a inspiração do mesmo Espírito Santo, escreveram a mensagem da salvação” (76). Em relação aos meios usados para transmitirem a revelação, diz a Dei Verbum que “[...] a Igreja, em doutrina, vida e culto, perpetua e transmite a todas as gerações tudo aquilo que ela própria é e tudo quanto ela acredita” (8). A pregação apostólica desempenha um papel importante nesta transmissão e que se exprime de modo especial nos livros inspirados. 36 1.2.2 Critérios da transmissão da revelação Na Igreja, na sua liturgia e oração, na sua vida ativa, em sua fé, temos a necessidade premente de saber, o que é realmente necessário crer, por onde devemos caminhar, por quais critérios devemos nos basear para termos segurança em nossa missão? Esta é uma questão que as pessoas se preocupam e se interessam, pois se sentem mais seguras quando sabem que estão na via certa, guiados pelos seus pastores na senda da salvação, sem se preocupar com questões fúteis que só nos fazem perder tempo e forças. Não obstante várias propostas, o Concílio não quis precisar mais a tradição dogmática para a distinguir das muitas outras tradições que existem na Igreja. Procuram os teólogos perscrutar esta difícil noção, distinguindo a “Traditio divina” e a “traditio ecclesiastica”. Evidentemente, só a tradição divina é fonte dogmática, ao passo que todas as que têm origem humana, quer remontem aos mesmos apóstolos enquanto organizadores da Igreja (trad. mere Apostolica), quer remontem aos chefes posteriores da mesma (trad. ecclesiastica), não servem para o fim, por maior que seja sua importância para a disciplina, o culto, a liturgia e o direito eclesiástico. Tradição divina é a que remonta ou à “boca de Cristo” (trad. dominica) ou às “comunicações do Espírito Santo” feitas aos apóstolos depois da Ascensão do Senhor (trad. divino-apostólica). De modo que, com o nome de tradição dogmática compreendemos as verdades reveladas que os apóstolos receberam de Cristo ou do Espírito santo e que a Igreja de então transmitiu sem alterações (BARTMANN, 1964, p. 50). Na Igreja podemos distinguir a Tradição das tradições, que são aspectos particulares que nasceram no decorrer do tempo nas Igrejas locais. À luz da grande Tradição estas podem ser mantidas, modificadas e até abandonadas conforme o Catecismo (83). Porém, como podemos distinguir a Tradição das tradições particulares ou até mesmo de não tradições? Sobre este ponto Ruiz Arenas (1995, p. 183) coloca alguns critérios para podermos fazer este discernimento. a) O magistério: a Dei Verbum nos diz que “o múnus de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição, só foi confiado ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo” (10). A ele, portanto, devemos confiar que interprete o que é Tradição divina ou o que é tradição eclesiástica e qual é sua necessidade ou sua superfluidade na atualidade, num diálogo com a comunidade local. b) Antiguidade: este critério foi usado pelo Concílio de Trento para distinguir as tradições daquelas que devem ser recebidas e veneradas “como provenientes da boca de Cristo ou 37 ditadas pelo Espírito Santo e conservadas na Igreja católica por sucessão contínua” (DH 1501). São Vicente de Lerins contribuiu para este discernimento, além do critério da antiguidade (antiquitas = semper), acrescenta os critérios da universalidade (universitas = ubique) e do consentimento geral (consenso = ab omnibus), ou seja, “uma verdade, acerca da qual todos os fiéis em todos os tempos e em todos os lugares estão de acordo, é uma doutrina verdadeiramente católica” (BARTMANN, 1964, p. 57). Contudo, esta regra não está completamente esclarecida, pois não diz se estes critérios têm valor juntos ou separadamente, ela necessita que o magistério decida se todos os elementos se encontram em um caso determinado (1964, p. 57). c) Sensus fidei: O Espírito Santo está presente em todos os membros da Igreja e lhes garante um esclarecimento interior a respeito das coisas espirituais. “Para discernir as tradições através do ‘sensus fidei’ é necessário que se examinem a fé e a prática da Igreja toda desde o
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