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A NOVA DES ORDEM MUNDIAL 1

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ROGÉRIO H A E S B A E R T • C A R L O S W A L T E R P O R T O - G O N Ç A L V E S
ve/.es opressivos (como no caso ilr certo tipo de islamismo),
mas também pela organização de novas redes - ou novos
"lerrilórios-reile" como muil as que defendem hoje causas
ecológicas, indígenas e ile lanlos oulros grupos oprimidos
c/ou excluídos ao longo do plancla. l', a esses grupos que
dedicamos este Iraballio, pois acreditamos que it verdadei-
ra reflexão inlclecliml não pode ser paulada por fronteiras
rígidas cnire teoria e prática, "academia" e sociedade.
Como geógrafos, entendemos o território numa perspcc-
liva social que integra tanto a sua dimensão concreta, po-
lítico-econômica, mais tradicional, quanto a sua dimensão
simbólica, cultural-identitária, ou, em termos lefebvrianos,
lauto a dominação quanto a apropriação do espaço. Com
base nessa concepção inlegrailora, optamos por focalizar
a nova des-ordem mundial a partir de suas múltiplas di-
mensòes enlali/.adas (nunca separadas) em partes distin-
t a s ao longo do lexlo - econômica (Capítulo 2), política
(Capítulo í), cul tural (Capítulo - l ) c ambiental (Capítulo
r>) concluindo com uma proposta de regionali/.açào do
espaço mundial eonlemporfincoj'! mio isso sob a indispen-
sável ligação com a história (priori/ntla no Capítulo l),pois,
tal como afirmava o grógialo e anarquista Hlisee Reclus,
"a Ceogialia não é milra coisa senão a l lislória no espaço,
assim como a l listória é a CeoRiaüa no (empo1.
A constituição do sistema-mundo
moderno-colonial
homos habituados a pensar e sentir o mundo como se foss.e
natural a existência de uma determinada geografia com paí-
'.rs, fronteiras e relações. Bntrctanto, essa forma deorgani-
/ação do espaço geográfico em listados, com suas frontei-
ras territoriais nítidas e reconhecidas, está longe de ser um
produto "natural". Ao contrário, trata-se de uma invenção
histórica européia que, depois, se generalizou para o mun-
do como parte do colonialismo e do imperialismo, enfim,
como parte da constituição de um grande síStema estatal, o
"sistema-mundo moderno-colonial". A crise do fistado ter-
ritorial com que hoje nos defrontamos i m põe-nos, para ser
superada, a compreensão da constituição desse sislcma-
inundo moderno-colonial do qual ele c parte constitutiva.
Sublinhemos que nenhuma sociedade escapa da di-
mensão territorial. O território é, sempre, também abri-
go e proteção. No caso da espécie humana, o território é
abrigo e proteção em duplo sentido: simbólico e material.
l;ernando Pessoa disse certa vê/: "minha pátria é minha
língua'. De fato, por meio clc nossa língua, as. coisas mate-
riais ganham sentido, tornam-se, em mais de um sentido,
I H M . f h H i U A I M>M l' < (AIUOS WALTEB PORTO-GON CAL VÊS
| ) i i i |Mins. Nomeai i iiil.n ni- , .1.1 adalugar, cum modo de nos
.iniiiin I,H nu r, dn r-,| mi, u, i|c MM', l n riloi iali/.armos. Assim
. l , . , , . . i. que haliilíiiiios nos parece algo natural.
l MI! ici.ini". n ii li 1 1 1 1 1 um m c 1 1 1 1 1 , 1 i i i, ir ao e. em especial no
i .r.ii i Ir MMV..I i",pri ir, n n u < i I,H,.II> hislórica (|iie, COJT1O tal,
h.i/ dri i i indi-M < i s piut essos e sujei ios que prolagonizaram
•.n.i nis| i imrao,
* Assim, ioda iiquesiiiii parece residir na conformação das
Irrrilorialidadcs. As íronleiras, como limiles, trazem nelas
mesmas o fnml, seja ele diplomático ou militar. E a fronteira
c, (|Uiisuscmpre, a consagração de determinada correlação de
forcas polílifjis c, como tal, tende a esconder o/roí// (a dis-
pula) que ii engendrou, naturalizando-a. Iinlào, di/.-se c]iie o
i lo A DII a cordilheira / fa/cm a fronlcira entre os países X e
Y, rumo se fossem as cordilheiras ou os rios que fizessem as
ÍHiMirirasqiie os homens r mollirres estabeleceram para si.
'luda s» H ir i latir, ao se eonsl H nir, no mesmo movimen-
ID. ri mim 1 1 1 , 1 seu espaço. Dessa maneira, o território não
e exímio .1 soriedadr qnr o ronsl i luí . l1',lê a abriga com
soas conlrmlicoes c, pot isso, t oolem, sempre, múltiplas
lerriloiialidadrs em polennal. Km oiilras palavras, não há
lerril^iritKpie mlosejii inslilitído; eada território é, sempre,
abrigo r prolfciln paru os s i i j r i los <pie. por meio dele, se
Ia/em a si mesmos, A < rise do líslnilo terr i tor ia l nacional,
lal como (M onrebi-iMOüliole. é u ei ÍM-dos protagonistas que
se li/eram n si meninos por melo dele: a burocracia jurídica
nonnítiivndorntmdole^iln propriedade privada), os gesto-
res c iv is (rslalÍHlieoH, neÓLtrnlotí, enlrr outros) c militares,
a burmiesln nus HIIIIH illverumi furehis (comercial, industrial
e, mais iiiubluiniiiinili1, líniHieelrn), os conquistadores, as
oliuariiiilns iiiilfundlfirliiH c ou colonos i|iir o conformaram
r>
e, conlrMílIlurliiiiUMiN1, nu Hii lei los e protagonistas que se
conslíluínim raNllilIluloiiOiH/riiiMriiruir icrritóriosobahe-
gemoniu ilehln li'l'l'lliM'ltlll(liide moderno colonial.
A NOVA DES-ORDEM MUNDIAL
Até 1453-92, não se podia falar de mundo no mesmo
sentido que Falamos hoje, ale porque a idéia de que vivíamos
em um planeta, com a Forma que viríamos a chamar de um
globo, não era disseminada. Os europeus nos ensinaram a
chamar a geografia de então de "mundo conhecido", esque-
cendo de alertar-nos que era o mundo conhecida por eles,
europeus e, diga-se de passagem, por um segmento específi-
co -a nobre/.a.oeleroe uma nascenle burguesia mercantil.
Daí ser mais preciso fã lar que fa/emos parle de um mundo
de singularidades e não de regiões que pressupõem um lodo.
As contradições com que se debatia a lúiropa na sua
Idade Média ensejaram uma solução que, mais tarde, viria
se constituir na forma geográfica por excelência das socie-
dades modernas (e coloniais) --- o l'!slado terr i tor ia l (vide
t 'apítulo .-í). Como demonstrou PcrryAnderson, não houve
um caminho único desde que 1'ortugal se- consti tuiu como
o primeiro Listado territorial, ainda em pleno século XIII.
kntretanto, é possível identificar certos processos c sujeitos
íiislitumles que levaram à criação dos listados territoriais,
cuja compreensão, acreditamos, pode contribuir muito na
superação da crise com que o listado territorial se defronta
atualmente. Afinal, esta história nina, é atual.
A Europa na sua Idade Média tinha seu mapa político constituído
por uma rede inextricável de sobreposições e emaranhados em
que diferentes instâncias jurídicas se entrelaçavam e estratificavam
e onde abundavam vassalagens plurais, suseranias assimétricas e
enclaves anômalos. Neste labirinto intrincado não existia a possibi-
lidade do aparecimento de um sistema diplomático formal, uma
vez que não havia uniformidade ou paridade dos parceiros.1
A revitalização do direito romano, que esteve na base da
organização dos listados territoriais modernos, assentou-se
VorANDIillSOÍX1. l> LinliagfnstloKamloabfoltitista. Poiio^fronlamcnlo, l<)84.
p.39-40.
l
R O G É R I O H A E S O A E R T • C A R L O S W A L T E R P O R T O - G O N Ç A L V E S
iin Iciul^ noiíulos governos reais paru uma crescente centra-
li/ac;In dn |K)d(T. Assim, 11 nova conlormação territorial que
se desenhou por meio dn Esladu absolutista (oi, como disse
IVrryAiuIrrson, "uni apare-lho de dom i nação (cuidai alargado
e relorçado. deslioado ;i lixar as massas camponesas na sua
posição social tradicional, a despeito c contra a comutação
alargada das suas obrigações ... era a nova carapuça política
de uma nobre/a atenmri/ada" (ibidcm). Essa imposição, su-
blinhe-se, Ic/.-sc contra o chamado direito consuetudinário
(|iie, exatamente por ser direito dos costumes, era o direito
ilos homens c mulheres comuns, das gentes não letradas,
um direito local, não universal. Não estranhemos, pois,
quando, hoje em dia, a questão do lugar ganha novamente
senlido por meio de sujeitos sociais como os povos originá-
rios, camponeses c alrodcscendent es (quilombos, ttattéKãues,
liif li<>\)), entre outros.
K interessante observarque a instituição da servidão na
Idade Media como renda-1 rahalho (eorveia) e renda-produ-
lo(pitreeriii), n uni i mecanismo de extração de excedentes-,
ao a l ia r a cxplnnierto econômica e a cnerção político legal no
nível molecular tia aldeia, cnnlormava uma territorialidade
fragmentaria. (Inin n cninuInvaiigciuTali/ada tias prestações
em remiu dmlieiio. ,i unidade celular t lê opressão política e
econOmlni dos camponeses loi y.iavnnenle enfraquecida
e amcnciidii ile ilíssocnii,()u. ( ) poder de c lasse dos senho-
res (ei idaís, portanto, perigava com o desaparecimento gra-
dual dn ivndn-lnilmlhoe dn rei u li i produto.
Hesitlloii ilnf mu deHliii'iiiiii'iiloclii enerção polílico-Iegal,
de scnlidniiHrendeiile, puni l Mini cúpula central i/ada, mili-
Inri/jidii; ti lÍNlmln illiHoluIlhlll, Dllusii no nível da aldeia, ela
lorntNi-seeniKTiiIrildii l u II u pai i n ni n -"nacional". O resultado
foi um npnrellm r0íon,'tull] de puder real, cuja função polí-
tica permniHMili1 t'1'U M l'i'pl'ilHHnn diis massas camponesas e
plebéias mi hune d.i bl(M'iin|lllil Hot lal. ( ) s novos impostos
A NOVA DES-ORDEM MUNDIAL
criados pelos Estados absolutístas chegaram a ser denomi-
nados "renda feudal centralizada", por oposição às prestações
senhoriais, que constituíam uma "renda feudal local". Oefei-
lo final dessa reorganização do poder foi a máquina política
e a ordem jurídica tio absolutismo, cuja coordenação iria
aumentara eficácia do domínio aristocrático ao lixar DS cam-
poneses não servos em novas formas de dependência e ex-
ploração. As monarquias da Renascença Foram antes e acima
de tudo instrumentos modernizados para a manutenção da
dominação da nobre/a sobre as massas rurais, conforme nos
ensina PerryAnderson em Linhagens do Estado absotutista.
As lulas camponesas que ameaçavam a ordem senhoria!
e sua territorialidade f ragmcnlária estavam subjacentes à or-
dem centralizada no Estado nascente sob a hegemonia de
uma nobre/a atemorizada. Emergiu então uma nova ordem
territorial, estatal, em contraste com o sistema medieval. Este*
moderno sistema de governo consistiu na i nsiilucional i/ação
da autoridade pública em domínios jurisdicionais mulua-
menle excludenles. Os direitos de propriedade privada e os
direitos de governo público tornam-se absolutos e distintos;
as jurisdições políticas tornarn-se exclusivas e são claramente
demarcadas por fronteiras; a mobilidade das elites dominan-
tes pelas jurisdições políticas torna-se mais lenla e acaba por
ser suspensa; a lei, a religião e os costumes tornam-se "na-
cionais", ou seja, não sujeitos a nenhuma outra autoridade
política senão a do soberano. Como disse Ualibar:
uma divisão completa {sem "omissões") e não passível de sobre-
posição do território e das populações (e, portanto, dos recursos)
do mundo entre as entidades políticas é pré-requisito para a cor-
respondência entre a forma nacional e todos os outros fenômenos
para os quais ela tende.... Para cada indivíduo, uma nação, e para
cada nação, seus "nacionais".1
HALIHAII, K. llif Niiiion 1'orni: Imiory and idfoliiKy. . v. \'í, ii-.-t, p.M7. 1990.
( l .H, l - l l lo I I A I s h M K l • l A H t m W A L T E R P O R T O - G O N Ç A L V t S
r.sliiimts, pnls, illiinli1 dr uni processo etc mudança: de
uma ordem lninLii l. i IHIIM.I lei i iloi ialiiladc fragmentária,
i um b.iM1 11.1 |iiu|ii icdiule1muln inii.il a medieval —, para
nina nm.i iri i mn i.il idade eslahil, ecul rali/ada, c|ue tem'
i nino h. r,r .1 |Hu|>i 11-d.ide |n i \ad.i, sinjMilai e incondicional
1 1 , i lena; cn i liiifjNij^ciii laliiia, -.f i /Tf/fe/r \tilti ccdii.
Assim, a gcogiali.i publica aluai se const i tu iu mediante
IMII duplo movimento articulado: um, no jronl interno, com
os l'islados territoriais modernos formando-se íi partir do con-
trole' sobre os camponeses, da propriedade privada absoluta c
incondicional e da soberania absoluta do monarca. K, nojroní
externo, mediante a conquista colonial, com a reinvenção
moderna cia escravidão para fins mercantis na América, com
o deslocamento forcado de negros e negras cia Al rica, com a
servidão, depois da quase dizimação indígena na América;
cnlim, cnin a invenção, pela modernidade, da coloníalula-
ilc. l ,is. aijiii, uma questão central constitutiva da ordem
(ciiiilradilória) mundial ensejada desde o Renascimento e
n (loluniiilísino: estamos, desde l •4S,-í-l>2, diante não só cia
eonsliluican de nm sistema MI tu u Io, mas, também, de um
si si e i n,i luiiMilii (|iic c i i n > i l i ' i ' i i u ctiluititil.
Ale l -Ti í.oque havia de coiilaloeMlreoOrienteeoOci-
dciile linha seu eixo 110que hoje chamamos Oriente Médio
e IVúxiiiii), Assim, a jornada de ('oustanlii iopla (Istambul)
pelos lureus loi M esl l imi to paru qMcns linaucislãs e grandes
eoiiiereiiiMli-sdi' (l^iinva, Mililu, Turim e Vene/.a (cjue, diga-
-sede passagem, iiiiitln iiiloeni Ihília) In iscassem novas rolas
paru ou seus negócios.
A Knrnpii, vi"* se, min eni u eeiilrodo Munido. Aliás, todo
o IcgmluqiieusciiropeilH vilui'unniilerai próprio, como a tra-
dieriodn lilosiiliii gcenn, rbcnuu l lies por nulos árabes, sobre-
tudo nlnivésdn IVnfllNlllll Ib^rlni.i-uuia jiresc-nca moura. A
obra tloArl.HlolelcH, pOITXOIIIpIu, HÓfhrgou a Paris no século
XII por melo de iiiuii Irmlltcilo vinda dclbledo, Espanha.
A NOVA D E S - O R D E M MUNDIAL
Relembremos, ainda, que Alexandria, no Egito, abrigara a
biblioteca que reunia todo o acervo da cultura helcnica.
Heiviudicar-se de tradição grega, como o fã/ o Ocidente
europeu, é reconhecer toda a rique/a de uma outra mal ri/
civili/.alória com enorme tradição, que é o Oriente.
A idéia de "Novo Mundo", bem como toda a obsessão
pelo "novo", que tanto mareará a chamada Modernidade,
o imaginário europeu ocidental desde o Renascimento e o
colonialismo, deveu-se à necessidade de afirmação l rente
ao "Mundo Antigo" - o Oriente. Os europeus vão brandir a
América como a expressai) tio Novo Mundo e. com isso,
cnntradiloriamcnlc, deixam escapar que foi essa América
mie lhes serviu não se') cie contraponto ao Oriente, mas,
sobretudo, de suporte para que se pudessem afirmar como
centro geopolítico e cultural cio mundo, l1, a rique/a em
ouro c prata saqueada de povos milenares como os qiiéchuas',
.limarás, /.apotecas, mixlecos, caribes, mapnchcs, tupis, gua-
ranis e tantos outros, organizados/subordinados ou não em
impérios, como o inea, o maía c1 oasteea, aliada à comercia-
lização c1 esc rã vi/ação para fins mercantis de vários povos
africanos, que permitirá aos europeus concentrarem lauta
rique/a e poder para se contraporem ao Oriente e se i m po-
rem ao mundo, y
Vê-se, desse modo, que o inundo moderno não é com-
preensível sem a colonial idade. Daícli/.ermos, sempre, aqui,
que vivemos um sistema-mundo moderno-colonial, e não
simplesmente um mundo moderno. Com isso, podemos
superara visão eurocêntrica de mundo sem que a substitua-
mos por uma centrada no outro polo, o colonial, e sem que
permaneçamos prisioneiros da mesma polaridade (a Europa
c... o resto), O que aqui sustentamos é que não há um polo
ativo, a Europa, e outro passivo e mera vítima da história,
que c o lado colonial. É preciso superar esta visão de um
prolagonismo exclusivo dos europeus e tomar os diferentes
ROGÉRIO H A E S B A E R T C A R L O S W A L T E R PÓ RT O - G O N Ç A L V ES
povos e lugares como eonslit ul ivos do mundo. Na verdade,
l rala-se de uma visão provinciana, posto que se acredita que
só unia província, a Huropa.é protagonista no (edu) mundo,
l', o espaco-imimlo cm sua total idade que precisa'ser
levado cm conla, para que possamos entender por que o
pensamento europeu privilegia o tempo em detrimento do
espaço. Desse modo, os europeus puderam se considerar
avançados em relação a outros povos e regiões que seriam
atrasados e, para isso, reduziram as diferentes temporali-
dades do mundo ao seu próprio tempo, ao seu relógio que,
acreditaram, seria universal.Marcaram a Terra e lentaram
impor lhe uma "ordem", ora com o meridiano de Tordesi-
Ilias, com o qual o Capa, em nome de Deus, dividiu o inun-
do i-i i Ire Portugal e lispanha ( l 493), ora com o meridiano
de (iiccnwich, (| liando a Kuropa Norte Atlântica resolveu
mau .n .1 lei ia com seu próprio meridiano, a partir de um
M 11 u n l um Ir l ,01 u l r<-s, (irccnwich ( l HK4).|
l l.i um poder marcando a ' lerra (geo l-graíia), impondo
nu mundo m n princípio, mu marco/rro, TürcIesilhaseGreen-
wli li 'i.Io .1 e\picv,ao da d i-, pula pela hegemonia no mundo
inodci no colonial. De ituciu, suh o manto da Cru/ e das
liiuincas do comerem o mundo sol) a hegemonia ibérica
de lordesllhiis c, depois, soh o manto da ciência e das
liiumcus t ia índinliid o nnimlo soh a hegemonia inglesa.
Ainhiis, enlrehinli}, CIIIM uinii liou armada dando suporte à
Igreja, iVIVvnlni ((Mi ir In) e no l >inheiio, Afinal, sem esta
tecnologia ile guerni em rvoluciln permanente não se con-
segui ri n (loinlinir lilo vnHlim li'1'l'ltnrins. Tecnologia, desde
então e cadn vê/ i na IH, é podei (vei (Cap i t u l o S).
\ Nu vcfdndr, oHtniiuiN dlniilc ilu constituição de um mun-
do coninulilurln, Afiiml, mio l iihhe n America com seus povos
e suas rlqiie/HN l lio Impui l.ml r, mm ter ia nenhum sentido
a suadomlnncflu pelou iMirnpeiiH, l1', n importânciadoqueé
dominado, doH(|llOHnutliHlllMiuloH, a m/ilo de ser da domina-
A NOVA DES-ORDEM MUNDIAL
cão; há, sempre, o primado do dominado que, potencialmen-
te, pode viver sem a dominação, ao contrário do dominador,
cuja potência é a dominação. Como não há relação que
não seja conlalo, não há dominação sem resistência, não
há dominação sem atrito. Afinal, é preciso locar no que é
dominado c o atrito está presente mesmo no alup..i, con-lato.
Há sempre, é claro, entre os dominados, mais do que
aquilo que neles vêem os dominadores. Afinal, cs povos ori-
ginários e os aírodesceiulenies seqüestrados e traficados
para a América são mais do que ouro e prata, cana, tabaco ou
algodão, assim como são mais do que mão de obra; são corpo
inteiro e exatamente por isso sempre resistiram, (r)existiram.
A forma estatal desse sisiema-mundo moderno-colonial
•.era consagrada em Westlália.em 1648. Aqui, mais uma vê/,
vê-se toda a contradição que o mundo aluai herdará, posto
que sc institui uma ordem inlerestalal num momento em
que a maior parle dos povos do mundo estava submetida a
11 ma ordem abertamente colonial. Assim, Wcstfália afirma o
soberania num momenlo em que o estatuto colonial por-
tanto, d u mais completa negação da soberania —dominava a
maior parte do mundo: a América, a África e a Ásia.
Já no século XVIII, os colonos ingleses inauguram com
os Estados Unidos da América uma nova página na geografia
mundial, com sua revolução de independência (I 776), a
primeira luta de libertação nacional bem-sucedida. l.ogose
veriam envolvidos nessa cl i vage m contraditória socíoracial
que estrutura o sistema-mundo moderno-colonial desde
sempre: como Talar de liberdade cm meio à escravidão, como
justificar que alguém seja oprimido e explorado tendo como
justificativa sua cor de pele? Eis uma das maiores contradi-
ções inventadas pela modernidade-colonial que hoje vemos,
por todo lado, implodir. Nos EUA, nos informam Negri &
l larcll, chegou-se a admitir que, para efeitos eleitorais, um
negro valeria três quintos de um branco. Foi preciso muita
R O G É R I O H A E S B A E R T • C A R L O S W A L T E R P O R T O - G O N Ç A L V E S
imaginação, sen/alas, ehíhalas e pelourinhos, para impor
essa ordem.
l ,ogo depois, em 1804, o Haiti voltará a expor essa mes-
ma chaga, l', (juc a Independem'ia do l laiti, liderada por
l missa i nl l .overlure, l oi a primeira a leu l ar romper não só
eom o eolonialismo, mas, também, com a eolonialidade, na
medida em que loi obra dos próprios negros. A época, o pânico
do bailianismo lomon conta não só das eliles coloni/adoras
européias, eomo das elites criollas, que temiam uma indc-
peiidêneia radical, isto é, que se eliminassem a escravidão
c a servidão. O mil o da democracia racial, da miscigenação
e mestiçagem ei 11 ré iodas as raças bem vale uma missa!
Ao eo n t rário do l lai l í . cm iodos os demais países da
Amér ica a independência loi comandada por brancos e
seus descendentes <T/«//os, que não somavam mais de [()%
da população. Nesses países, as eliles criollas continuaram
submetendo negros e indígenas ;i escravidão e à servidão.
Aníb.il (Juijaiiu chega a di/er que aos indígenas c negros
loi ne}',adii, ale mesmo, a condição de serem explorados
como assalariados, condição que era exclusiva de brancos.
A eoloiiifilídmle do pensamento e das práticas sobreviveu
ao li n i do colonialismo, e poi meio de Ia continuamos a la/.cr
(nu enorme csloico pura sermos de "primeiro mundo", para
mostrarmos que 111)11 somos índios, lendo mais vergonha de
nos parecermos com os povos originários do que vergonha
do ei nocídio que i uni i n eles praticamos. '
A revolução por que pnssn a Kuropa Norte Ocidental,
a partir da segunda mel mie do século XVIII, pcrmitc-nos
vislumbrar o profundo si^niliemlu da revolução tecnológi-
ca que a sociedade cumpriu por em curso, sobretudo pela
nova conliguniçãn de poder na ordem mundial, pelo papel
prolagònico que nelíi pussii n desempenhar a burguesia in-
dustrial. Aliás, deverfí unos considerar com mais atenção que
a revolução Iccnulúgleii nííné evlerua as relações sociais e de
A NOVA DES-ORDEM MUNDIAL
poder. Ao contrário, ela é parte dessas relações c, por isso,
entre as muitas revoluções técnicas possíveis, temos esta e
não outra. E preciso desnaturalizar a técnica, enfim libertá-
la dessa visão cjue fala de Lima revolução tecnológica cm
i urso sem se perguntar quem põe em curso essa revolução.
A burguesia mercantil e as monarquias centralizadas
ibéricas desde, o Renascimento já haviam se apropriado
de conhecimentos vários, vindos do Kxlrcmo Oriente c tio
< )riente Próximo - a cartografia, a bússola c a pólvora. O
aparecimento, cm Sagres, das técnicas de navegação a vela
permitirá um enorme desenvolvimento í/o.s negócios c doa
negociantes, assim eomo uma ampliação da exploração dos
i ecursos naturais pelos quatro cantos do inundo por meio do
(rabalho escravo c servi l dos povos originários ou traficados
para os lugares que a burguesia européia julgava mais con-
venientes aos seus desígnios. A superioridade da artilharia
naval ibérica pelas novas aplicações dadas à pólvora —o logo
< orno arma de dominação e não mais como logos de artifí-
cio, como Ia/iam os chineses -esteve na base da conquista
a "lerro c logo" do mundo, conforme a fcl i/ expressão de
VVarrcn Dean.
Alentemos para o falo, desde então c cada vê/, mais de
enorme significação na geografia política mundial, de que as
revoluções nos meios de transportes conformam as diferen-
tes des-ordcns do mundo cpie se globaliza desde 1453-92.
\linal, a artilharia naval, com o uso da pólvora, permitia
dominar os lugares para í/es-Iocar aquilo que ali se produzia,
l .cinbrcmos que áes-Iocar é não só tirar do lugar, mas, tam-
bém, retirar dos do lugar, enfim, é retirar daqueles c daquelas
que são do lugar a rique/a que ali se produz. Se não houvesse
uma revolução nas artes da guerra, da construção dos barcos
e maior certeza nas artes de navegar, com a bússola e outros
instrumentos, não haveria como des-locar o ouro; íi praia,
o açúcar, o tabaco.
R O G É R I O H A E S 6 A E R T - C A R L O S W A L T E R P O R T O - G O N Ç A L V E S
A naturc/.a de conquista territorial, eivada de um espí-
rito de salvação mftico-religiosa patrocinada por sedentos
financistas c comerciantes preocupados com motivos menos
nobres, como a acumulação de c;ipil;tl, entrará numa nova
fase com a revolução no uso do carvão por meio da descober-
ta da máquina ;i vapor. Tralii-se daquilo que lilmar Altvatcr
viria chamar de uma segunda revolução promctciea que, tal
comoa primeira, n que domeslicara o Fogo, proporcionará
uma nova revolução nas relações (de poder) do homem so-
bre a naHire/.a, com enormes conseqüências para o devir da
bumanidade c do planeta, A geografia mundial sofrerá im-
porlanles mudanças, mantendo, cnlrelanto, sua estrutura
moderno-colonial.
:
 A enorme capacidade de irimsformação de matéria a
partir dessa segunda revoluciíodo fogo associada à sua apli-
cação aos meios de Iransporles navegação Iransoeeânica
a vapor e ferrovias proporcionará as condições técnicas de
poder se buscai1, onde csliver, o que se demanda. O capita-
lismo deve mu i l o do seu desenvolvi mcnlo aos combustíveis
fósseis-carvãoe, depois, petróleo c gás. Daí podermos falar,
com Ali vai ei', que a sociedade industrial l ai como se consti-
tuiu até aqui, sobtis rclnçoes sociais e de poder capitalistas,
é "fossilisla", Os dilemas dinnle do Protocolo de Kyoto não
são secundários ou luleralà, como veremos no Capítulo 5.
\ À medida que grandes grupos empresariais começam a se
formar na liuropíi o, depois, nos listados Unidos e no Japão,
e a oligopoli/ar os mercados, esliiviim dadas as condições
político-econômicas - de jwf/trr vcoiiôniico - para empreen-
der a fase impcrialisUi iln globnlI/.ncfloM )bscrve-se aqui um
componente político impllciulu no poder econômico: gran-
des corporações Implicam grandes negócios e, portanto,
implicam menos flexibilidade no controle das condições de
matéria e energia neccnnrirlitn íl sim reprodução,
A NOVA DES-ORDIM MUNDIAL
Desde então, não é mais a produção de artigos de alto
v, i lor econômico por unidade de peso que está em jogo. São
i-.i.mdes os volumes de matéria nas suas diferentes quali-
dades -- ferro, cobre, zinco, manganês, titânio, berilo, café,
i ,ii .111, banana, amendoim, algodão... e tudo o mais que será
demandado, esteja onde estiver. Enfim, para desgosto da tra-
dição anlropocêntrica, tão ao sabor do pensamento europeu,
j lógica da distribuição dos recursos naturais não é a mesma
lúdica dos que querem exereero domínio do mundo. Tudo
p.issa a ser removido e movido por todo o mundo, submetido
l iria lógica de produção de mercadorias, sob o comando dos
^.landes monopólios industriais financiados pelos grandes
K,MICOS, dividindo territorialmente o mundo cm áreas de
Influência entre os diversos imperialismos nacionais -o im-
perialismo inglês, o alemão, o (rances, o holandês, o belgat
ii italiano, o ianque, o japonês.
( ) Imal do século XIX c o início do século XX verão o co-
mercio internacional crescer espetacularmente. Na verdade,
i mu o imperialismo, instala-se uma verdadeira pilhagem
dr recursos naturais da Álrica, da Ásia, da América Latina
i1 do Caribe c, mais do que isso, deixa-se um séquito de
devastação e desordem ecológica c social. Até mesmo duas
Li.iKTras acabaram envolvendo a própria l Europa na desordem
generalizada que a dinâmica expansionista inerente ao ca-
pitalismo acabara impondo a todos./
l1! difícil imaginar o funcionamento desse modelo de de-
M-nvolvimento sem guerras, até porque a lógica da economia
capitalista (e não de qualquer economia, diga-se de passa-
gem) implica uma lógica de guerra permanente por conquis-
In de mercado. Depois que o capital comercial foi associado
no capital industrial c a concorrência gerou o seu contrário,
ris oligopólios, não só se disputam mercados para a venda
dr produtos, mas também para a obtenção ^e'malérias-
pi imãs (incluindo as fontes de energia), ou o controle dos
R O G É R I O H A E S B A E R T • C A R L O S W A L T E R PÓ RTO-C ONÇ AL V Ê S
lugares e regiões esl ralégicos. l1', a geografia do imperialismo
re-gcogralandoo mundo, vide o Canal de1 Sue/e o Canal do
Panamá. iNesle ú li Íi no caso, os K U A fomentarão a criação de
um l;,slad<i lerrilorml ínrmalinenie independente, subtraído
à Colômbia, para nele conslruir uma /.ona do Canal sob seu
controle ditei o ale muilo recentemente.' A Bolívia perdeu
seu acesso ao mar por uma guerra indu/ida por empresários
internacionais do salilre (|ue, assim, redesenharam o mapa
e lornarain chilenas aquelas ricas Icnas. Nos confins do
Brasil, a 1'cnovia Madcira-Manioré licou conhecida entre
os cinpresários que a conshuírain como a estrada em que
cada doriiieiile er;i uma barra de ouro; entre os operários
que nela lrahalbar.ini. como a que cm cada dormente havia
um cadáver. A mesma ordem mundial vista de dois lados
diferentes. Não tardar ia paia (pie a conquista territorial
se revelasse n.t sua geografia mundial, fa/cndo-se sentir
a guerra enlie as piójirias metrópoles e em seus próprios
lei i ilói ins, quando só enlàn passa a ser conhecida como
"guerra mu i K liai". A lecnlan, por e n volverem países ou re-
giões pei ilei ícas, as guerras eram tomadas como questões
regionais. A qucslan icrrilnrial e a geopolílica se lornam,
cnliin, decis ivas, Na verdade, ninguém mais terá pá/ en-
quanln eslii Ingira perdurar.
Assim rumou nmsliluicáo do moderno listado territo-
rial se liv, nu mesmo movimento cm que se consolidava o
sisU-mn-mundoiuiidiTiiu colonial num englobamenlo recí-
proco, o mesmo ven-inos com o advento cio imperialismo e o
aprofiindiiincnlntlnslsleina-mundomoderno-colonialaele
s-ubjacenlc, < JliHcivcnius u que d i/, em 1895, o milionário
inglês Cedi Hhodes:
l ) r l n, i .L, iiiiiiiln luiillill i li1 ilrvoluvtlii <l.i /.mi.i ilo C.niiil ;io P.m.im.í. acertado
nilic (Iurli-j i' Ini u i« . •• Kl'A iHiinlwtrtlriirilii, cm l - ' s - í . .1 (iil.uk do Km-mui,
|nini driMilmi ii |ill'Klili'lili' Ni.ilrnn, |-i i-nltln nu nume do comhalc no nnrcnlrjt-
hi M IIUIM u1 i M (i.m.ii i t i> ijuc ii p,ii1 i - . 1 . 1 1 1 , 1 K"vi'riiiida |'»i" alguém ilf absoluta
: , , i i i . , . . , iln IViUrtfpiim,
A NOVA DES-ORDEM MUNDIAL
Ontem estive no East-End londrino [então, um bairro operário de
londres] e assisti a uma assembléia dos sem trabalho. Ao ouvir
n.i referida reunião discursos exaltados cuja nota dominante era:
l',io! Pão!, e ao refletir, de volta para casa, sobre o que ouvira,
i nnvenci-me, mais do que nunca, da importância do imperialismo
.. listou intimamente convencido de que minha idéia representa
.1 solução do problema social: para salvar da guerra funesta os
quarenta milhões de habitantes do Reino Unido, nós, os políticos
i nloniais, devemos dominar novos territórios para neles ceifar
D excesso de população, para encontrar novos mercados onde
«linear os produtos de nossas fábricas e de nossas minas. O
império, tenho-o sempre dito, é uma questão de estômago. Se
n.io querem a guerra civil, devem converter-se em imperialistas.1
A história mostraria que Cccil Rhodes não l';v/.i;i simples-
mente bravata: até mesmo dois países na África leriam seu
imini-: Rodésia do Norte e Kodésia do Sul, aluais Zâmbia
• /.imbiíbue, respectivamente. Na verdade, o imperialismo
iniipririii um papel significativo à medida que a classe opc-
, 1 1 1 . 1 era assimilada à lógica capitalista nos países centrais do
.ipilalismo, sobretudo por meio cio íordismo (vide Capítulo
' ) Sem a revolução nas relações sociais c de poder, por meio
Li tecnologia proporcionada pela segunda revolução pro-
ririca, não haveria como des-locar lanta matéria-prima
ampliar tanto o comercio mundial, como se viu desde
segunda metade do século XIX, quando se formaram os
i .nides grupos empresariais que, cada vcx, mais, tornam-se
-, maiores protagonistas da ordem mundial contraditória
nrjada, inclusive, por meio da sua ação (vide Capítulo 2).
l Icnry Ford, com sua linha de montagem e seu Kortl T,
vará ao chão de fábrica o que disse Ceeil Rhodcs, e pro-
orcionará u emergência de uma sociedade de consumo de
ir,iclii|inr LENIN. V. Imperialismo: fase superior do capitalismo. (Mo-de Janeiro:
iniiiii. I'M7. |,.]<),>.
ROGÉRIO H A E S Í A E R T • C A R L O S W A L T E R P O R T O - G O N Ç A L V E S
massas nos países centrais, não só com a integração da classe
operária nesses países centrais , mas também com a violên-cia contra (c a resistência tios) povos na África, na Ásia, na
América Latina c no Cnribe.de onde provinha a maior parte
da matéria-prima c tia energia lôssil, atualizando o sistcma-
-mundo moderno-colonial que se iniciara em 1453-92.
Essa ordem jurídico-polfticawestfaliana se mantém con-
traditoriamente no século XX, quando se consagra a ONL
(1948) como espaço intcrestatal de concertação política
A partir daí, multiplica-se como nunca o número de novos
Estados ter r i tor ia is , sobretudo com a descolonização neo
colonial is ta na África c na Ásia e, mais tarde, com a desa
gregaçãoda antiga União Soviética. A soberania política d(
Estado que, irc/.cnlos anos anles, em W e s t f á l i a , havia se
afirmado, e, com a ONU, se reafirmado, teria que convive
com outros protagonistas cada vê/ mais fortes e poderosos
o poder econômico, sobretudo com os grandes trustes e
cartéis que, como oligopólios, operam iransnacionalmente
Não saí) pequenas as consequências da emergência
desse poder econômico como forca política. Afinal , é um
poder sobre o qual as regras democráticas muito pouco se
fa/.em sentir. Segundo Noam Chomsky, o podereconômico
tem sido o mais ré f rã t á rio em ass imi la r regras democráti-
cas. Nele cada um vale de acordo com a sua porcentagem
na participação acionár ia , princípio inaceitável no espaço
público, embora aí sejam cada vê/ maiores os efeitos deste
poder econômico privado. Tal vê/, aqui resida a verdadeira
ra/ão do que Boavcnlura de Sou/a Santos vem chamando de
democracia débil, na qual o povo, tle onde emanaria t) poder,
elege governos que, na prática, não governam, posto que se
vêem constrangidos por esse poder econômico privado, a
quem ninguém elegeu.
' Foi numa ilha do arquipélago dos Açores, ali mesmo onde
em l 793 se tomou para marco o mer id iano deTorclcsilhas,
A NOVA D E S - O R D E M MUNDIAL
, em 2003, se reuniram os primeiros-mandatários da
ra modcrno-colonialidade- Portugal e Espanha - e
• l . i srj .unda moderno-colonialidade - Inglaterra e Estados
l ' n u l o s para acertarem os detalhes da recente invasão do
1 i . n | i i r . ( ) autoproclamado mundo moderno, científico e tec-
nológico invadindo o mundo da tradição religiosa, no ea> o,
r i . u n i r a . Não poderia ser mais emblemática a escolha desse
l in ' , i i para s igni f icaro sistema-mundo moderno-colonial. A
!',i 'i 'j-.ialia, vê-se, marca a história. \
• A des-ordem econômica mundial:
a nova divisão internacional
do trabalho
'\ilimensao econômica permite visuali/ar muito bem o puno
<lr lunclo sobre o (jiial st- desdobra a atual des-ordem mun-
dul.As mudanças ocorridas na economia nas últimas déca-
il.r, podem demonstrar como o jogo de poder mundial cslá
.uhordinado aos interesses do grande capital e das grandes
• "iporaçõcs transnacionais, sem Falar nos organismos inler-
lurionais que aluam como verdadeiros gerentes da econo-
iiii.i global, em especial o capital financeiro, como o Banco
Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
Uma nova ordem mundial (ou internacional), ainda que
t-.sa definição privilegie uma estruturação no nível político,
ii|iareee intimamente articulada a uma nova divisão inter-
nacional do trabalho, q u t1 abrange a reestruturação eco-
nômica do espaço mundial. A crise que vivenciamos nas
duas ou três últimas décadas evidencia bem a profundidade
il.is mudanças de nature/.a política e econômica que levam
ii propor a formação de uma nova des-ordem mundial. Não
(ii' nata, contudo, de um movimento claramente definido,
IIDIS, lembrando as reflexões de Cramsei, "crise" pode ser
mia como um momento em que o velho ç,st'á morrendo e
M novo ainda não conseguiu nascer-ou, de outra forma, na
ROGÉRIO H A E S B A E R T . CARLOS W A L T E R P O R T O - C O N Ç A L V E S
proposição em língua chinesa, que compõe a palavra crise
(wei-ji) pela conjugação dos ideogramas que significam "pe-
rigo" c "oportunidade".
Pode-se definir uma nova ordem internacional, do ponto
de vista econômico- (ornando o cuidado para não cair nocco-
nomicismo ou no fetichismo da técnica (c das chamadas revo-j
luçõcs técnicas, como já vimos no capítulo anterior) - a parlii
das diferentes fases de reprodução/acumulação capitalista.
Ernest Mandei, um dos teóricos de fundamentação mar-
xista que melhor discutiu essa questão, afirma que
o andamento cíclico do modo de produção capitalista ocasiona]
do pela concorrência manifesta-se pela expansão e contração]
sucessivas da produção de mercadorias e, consequentemente, d;
produção de mais-valia. Corresponde a isso um movimento tídicc
adicional de expansão e contração na realização de mais-valia
na acumulação de capital (que deriva] das leis internas do mod(
de produção capitalista.1
o í|iic [orna inevitáveis suas oscilações conjunturais.
( ) que distingue as mac rol ases do capital i sino, ass
ciadas aos distintos ri tmos de acumulação e exploração]
são do poiiloilc vislíi econômico -as transformações no\
melodos de produção (as novas tecnologias), nas formas d<
apropriação fililercnles modos de intervenção do listado ní
rruMomia. [mi r.xrmplo), nos mecanismos de exploração e naj
i'(insei|uenli's lormas de organi/acãoe resistência dos trahí
Ihíidoivs. ( 'onslilui se assim tuna nova divisão intcrnacion;
do Inihllllio cuja especialidade pode nos revelar muito, es]
pecialmeiile unque se rc'lerc'aopoderde transformação daj
novas tecnologias, iis novas formas de intervenção dasgrai
dcs corporai, ní -s e ã deseonsliluicàode sujeitos coletivos p(
meio da dcscnnslriiçào da organi/ação dos trabalhadores
oulros grupos sociais.
i MANDI-L. K. Oi-ii(»Kii//% t,»,li» Sito 1'i.i.ln Aliril Ciiliiiral. I9H2, ji.75.
A NOVA D E S - O R D E M MUNDIAL
Mesmo reconhecendo a grande polêmica que envolve a
i< •"! , dos ciclos (para Mandei, "ondas") do capitalismo, fun-
il.intentada principalmente no trabalho de Kondratieíf nos
.mo-, 1920, podemos tomar como referência a periodização
ní.ns simples apresentada por L. I larris, que distingue três
C,i,n ides etapas do capitalismo: o capitalismo concorrencial,
• apiuilismo monopolista c o capitalismo monopolista de
l -.Lido (para alguns, os dois últimos constituem o chamado
ini|MTÍalismo).
( '0111 as crescentes lutas dos trabalhadores contra o ca-
jiiijl na Kuropa Ocidental e li U A, fortalecidas pelo impacto
11.1 ({evolução bolchevique de 1917 e pelo significado h isto-
i n u da greve de 1926 dos mineiros do carvão na Inglaterra,
i|iir durou mais de um ano, o liberalismo mergulha numa
l M oi i nid;] crise em 1929. Pouco a pouco, começa a se desc-
uli.ir um novo pacto entre o capital c o trabalho, pelo menos
nu1, países industrializados, lira o lordismo com sua idéia de
MIM "i apitiilismo popular". Entrávamos, pois, no capitalismo
ilc 1'lsiiitlo lordisla, que, numa interpretação não dicotômica
i'iil i < • capitalismo e "socialismo (ir)real", admite duas versões,
iim.iemqucos monopólios delem a hegemonia (Capitalismo
Monopolista de Listado) e outra, no "socialismo (ir)real", na
ijiul o listado detém a hegemonia/Capitalismo de Estado
Monopolista l nos lermos de João Bernardo, ou Capitalismo
lluMicráiicoTotal, nos termos de Cornelius Castoriadis).
( ) Plano Marshall póVSegunda (íuerra, embora uma
in i - iiiiiva relativamente modesta em lermos de montante de
11'ei ii sós envolvidos, viria ensejar um modelo de intervenção
Mipianacional, pois no lugar de as potências imperialistas
dl'-|Mitarem entre si os mercados, o que levara às guerras,
IIIIM avam-se: (I) reconstruir e desenvolver a arrasada Liu-
iii|i.i. (2) conter a expansão soviética que avançara sobre
n l .csle europeu, (.H) apresentar-se como uma alternativa
jmliiii a contra a ascensão de grupos e partidos de esquerda
que haviam adquirido grande poder de influência a,,p«rlir
ilic. lulas de resistência ao na/ilascismo.
ROGÉRIO H A E S B A E R T • CARLOS W A L T E R PORTO-GONÇALVES
Após l 945, teremos os chamadosanos dourados do ca-
pi ta l i smo fordista, período que consagrou a denominada
sociedade de consumo de massas, expressão forçada quando
conhecemos os níveis de consumo mi África, na Ásia, na
América Latina e no Caribe! O fordismo, na verdade, como
o próprio Welfare S/íiíe que o acompanhava, não conseguiria
atravessar a l inha do Kquador.
Assim, desde f ins da Segunda Ci rande Guerra, vem sendo
geslado um novo padrão internacional de poder que se confi
gura com a importância cada vê/ maior das grandes corpora
ções empresariais transnacionais, em termos in s t i t uc iona l
num conjunto de entidades supranacionais (comoa ONU
o FMI, o BID c o Bird) e, em termos mais especificamente
econômicos, nos acordos de Bretton Woods {l 944}. Em
1971, os Estados Unidos romperam unilateralmente com o
sistema fixo de câmbio e com o padrão-ouro, um dos pilares
desses acordos.
Ainda,\em 1982, os organismos financeiros inlernacio
nais impuseram outra r u p t u r a un i l a t e r a l de contratos ao
alterarem a taxa de juros de cerca de 6% para cerca de 20%
ao ano. É importante recuperar essas informações porque
hoje, o que mais se exige nas novas propostas de regulação
é estabilidade de regras e garantias de que elas serão cum-
pridas, quando grande parte das a l u a i s dívidas dos países
do polo dominado do padrão de pode-r mundia l foi estralos-
fericamente aumentada de modo uni la tera l . Eslava aberto,
pois, o caminho para uma linanceiri/ .acão cada vcv. maior da
economia mund ia l . A part i r desse momento, o dólar passa a
ser o novo lastro que os países devem buscar, e somente um
país, os Estados Unidos, podem emi l i r essa moeda.\
Na perspectiva de autores como David Harvey e Alain
Lipict/, o fordismo, como acumulação baseada na intensifi
cação do consumo e da produtividade (via métodos "fordistas*1
de trabalho) e na regulação monopolista, centralizadora,
seria ultrapassado, ou melhor, passaria a conviver, a partir
dos anos 1980, com o chamado pós-lordismo ou capitalismo
A NOVA DES-ORDEM MUNDIAL
acumulação flexível. Reelaborando um quadro propos-
l > o r David Harvey em seu livro A condição pós-moderna
' ( ) • ! ) , no qual associa modernidade com o fordismo e
. modernidade com a acumulação flexível pós-fordista,
nos as características apontadas no Quadro l .
t . u l r o l - Modernidade fordista e pós-modernidade
flexível
. . l , m
n idade fordista
mi;is cli' escala
( | i i ia / l lomogeneidade
iciio pública
1 produtivo/universalismo
•si alai/capital monopolista/
i l i r ,
>irsaic;i de sujeitos
'OS
( In bem-estar
nercadoria-dinhciro
.In/originalidade
lo/vniiguardismo
li/íaeão/tolalização
•/negociação coletiva
. K I cm massa
i de classe
liidor especializado
in/ólica proieslanle
illio
ncão mecânica
neinnisino/
inli/acfio
Pós- modem idade flexível
Economias de escopo
Anarquia/Diversidade
Desabrigados
Capital ficlício/locidismo
Financeirizaçâ1 o/complexos
corporativos empresariais/
des-responsabilização social
d» Estado
Desconstiíuição de sujeitos
coletivos
Neoconservadorismo
Kslélica/dinheiro contábil
Reprodução/ecletismo
Administrador/comercialísmo
Descentralização/
desconstrução
Aniftcsc/cont ratos locais
Produção em pequenos lotes
Movimentos sociais, grupos
de interesse
Trabalhador flexível
Serviços/contrato temporário
Reprodução eletrônica
Neotiberalismo/
desinduslrial i/ação
• l IAÜVKY. \).A condição fás-madcme. Silo l*aulo: i.nyolii. 1492. |>,í(!4 (adaptado).
R O G É R I O H A E S B A F . f i T C A R L O S W A L T E R P O R T O - G O N Ç A L V E S
I lurvey esclarece enfaticamente que essas duas "ten-
dências" aparenicinenle dicotômicas se interpenetram no
capitalismo aluai e nmilas são as nuanças de acordo com a
região que está sendo abordada. Não resta dúvida de que se
trata de mais uma interpretação do "sistema", ou mesmo da
"sociedade-immdo", que lenta eslabelccer-se pela globa-
lização tio poder desle linal de século. Como veremos nos
próximos capítulos, embora possamos destacar sobretudo
a dimensão econômica dos chamados processos de globali-
zação, cies também envolvem questões de ordem política,
militar, cultural e ambiental.
/Apenas para complcxificar, devemos lembrar que tam-
bém há autores, ainda mais polêmicos, que, em vê/de pri-
vilegiarem a base econômica na conformação de uma nova
ordem mundial, trocam os ciclos econômicos, por exem-
plo, pelos ciclos das guerras. Segundo esses autores (em
geral c ient is tas políticos), a guerra, por meio da indústria
bélica que a sustenta, seria o grande dínamo tias inovações
tecnológicas, o estímulo maior para o surgimento de novas
tecnologias. Quincy Wrighl propôs, em 1942, a tese de que
a cada cinqüenta anos a era moderna enfrentaria um grande
conflito, mais ou monos de acordo com os períodos cíclicos
tia economia identificados (interiormente por KondratíeffJ
Segundo 1'aul Kcnncdy, em sua conhecida obra Ascensão e
queda das grandes'patências, a "nova ordem territorial" que se
estabelece a partir do (inal tle cada grande guerra refletiria a
redistribuíçãode poder (j ue ocorre nosislema internaciona
* Sem cair no retlucionísmotlo econômico ou do político
-militar, muilo menos no mecanicismo tle ciclos perfeita-]
mente estruturados (e previsíveis), é impossível ignorar o,
lato tle que a reesl ruiu ração ai uai envolve uma crise profun-j
tia na chamada "ordem econômica" internacional. Embor
os Estados Unidos permaneçam como a grande potência
econômica do planeta, v isto como Kstado-nação, em ter-
A N O V A D E S - O R D E M MUNDIAL
IIIDS individuais, a liberalização do comércio e das finan-
t,.is, aliada ao novo padrão tecnológico-aquilo que Milton
Vmios denominou de período c/ou meio lécnico-cienlífico
iiiíuiniacional-, deu forma a uma "Muidtv" ou globali/ação
> ! < > espaço planetário nunca ati les vista. Nesta nova fase,
" papel - especialmente o papel econômico - do l.stado-
luçào está sendo redirecionado, podendo-se afirmar que
M- consolidou uma"globali/.ação neoliberal".
A globalização econômica neoliberal
Ncgri & I lartll, em Inrpério, reconhecem ires aspectos
l'iiiLi;irios já presentes na própria obra tle Marx e que mar-
i .nu u caráter "deslcrriloriali/ador" (lliiitlo) e glubali/ador
inerente ao capitalismo:
• .1 liberação tle populações tle seus lerrilórios na reali/açao
t[,i acumulação primitiva, criantlo um "proletaríatlo livre'";
• ,1 unilicaçào do valor em torno tio dinheiro, seu equiva-
lente geral, referência quantitativa l rente à qual pratica-
mente tuclo passa a ser medido e avaliado;
• n estabelecimento de um conjunto tle leis"hisloricamcn-
le variáveis imanenles ao próprio luncionamenlo tio ca-
pital", como as leis tle laxas tle lucro, taxas tle exploração
e de reali/ação da mais-valia.
Ksse conjunto de características seria uma espécie de
|ne requisito para a implementação, gradativa, tia globali-
zação econômica, estendida a lodo o planeta, marcada pela
iMpliira de fronteiras, pela perda de iníluêneia dos condi-
cionamentos locais e pela expansão de uma dinâmica de
iit mutilação c concentração de capital em nível mundial.
|ii'.o, na verdatle, já era profeli/ado por Marx^riEngcls em
Mitnifesto comunista, quando afirmavam:
37
ROGÉRIO H A E S B A E R T . C A R L O S WALTEB P O R T O - G O N Ç A I V E S
Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia
invade todo o globo terrestre. Necessita estabelecer-se em toda
parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte. Pela
exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter
cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. ... As j
velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a ser j
destruídas diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja
introdução se torna uma questão vital para todas as nações civiliza-
das - indústrias que já não empregam matérias-primas nacionais,
mas sim matérias-primasvindas das regiões mais distantes, e cujos
produtos se consomem não somente no próprio país mas em todas
as partes do mundo. ... No lugar do antigo isolamento de regiões e
nações autossuficientes, desenvolvem-se um intercâmbio universal
e uma universal interdependência das nações. E isto se refere tanto
à produção material como à produção intelectual. As criações inte-
lectuais de uma nação tornam-se patrimônio comum.2
Entretanto, é claro (|iir o capitalismo não corresponde1 a
um processo unilateral c cumulativo de "globalização", como
já foi possível perceber no capítulo íinlcrior. Vários atores
interferiram iu'sl;i din;1mica e, ;issim como muii í is cie suas
características atuíüsjíl cslavam presentes nos primórdios da
expansão capitalista, out ras l :mlas foram sendo construídas
c reconstruídas ao longo do icmpo. A medida que parece
organi/.ar-se gradatiVíimeiiU' un ia espécie de "lerrilório-
-mundo" globalmente articulado, o capitalismo se reproduz
contraditória m ente c, sobrei tido, difunde a desigualdade,
apropriando-se ou mesmoprodi i / indoa diferenciação, a fim
de expandi ra lógicil mercantil que ílieé" inerente.
Entre os protagonistas mais importantes nesse jogo
contraditório da glohali /acfio está o Kslado-nação, cuja es-
tratégia econômico-lorrilorial, como sabemos, varia muito
MAllX.
p.43.
1998(1948).
A NOVA D E S - O R D E M MUNDIAL
i i < i l un j io tia história. A interferência periódica do Estado é
'.ei 1 1 pré imia "faca de dois gumes" na consolidação da globa-
l i ' , n . , iu capitalista, pela contradição que lhe é inerente entre
.M d ' lesa tle interesses públicos e de interesses privados, que
« "M|iiga abertura c fechamento de f romeiras, "estatismo" e
hl i r i . i l i / .acão econômica.
\ulorcs mais ccticos, como Hirsl & Thompson em sua
u l . i . i \tfl(>h(i!izaçào em questão, questionam a passagein de
i i i i i . i e ro i iomminle r -nac iona l , regida pelos grandes Estados,
| i , n , i uma economia globali/ada. Para eles, grandes potên-
i H' , , em especial os Estados Unidos, con t inuam como "o
n i aval is ta possível do sistema de livre comércio m u n -
d i a l " e, desse modo, a aberlura tios mercados globais de-
pende da política definida pelos norte-americanos. O dólar
l m t i a ria a ser, portanto, "o in termediár io do comércio
11 H 11 K l ia l". No confronto entre uma economia inler-nacional
< • i nu. i economia mundial ou globali/ada, que para eles ainda
imn -,e manifes tou em sentido estrito:
" oposto de uma economia globalizada não é uma economia
vnli.ida para dentro, mas um mercado mundial aberto, baseado
11.r. rwções comerciais e regulado, em maior ou menor grau, pelas
imlílicas públicas dos Estados-nação e pelas agências supranacio-
nais. Uma economia assim tem existido de uma forma ou de outra
<lr»,d<> os anos 1870, e continua a reemergir, apesar de grandes
i imiralempos, sendo o mais sério a crise dos anos 30. A questão
r i |tm isso não deveria ser confundido com uma economia global.3
Não ohslante alguns excessos de generalização nas inter-
pi ei ações de Hirsl & Thompson, a máxima de que "o capital
Hilu I C M I pálria" deve ser relativix.ada. Embora nunca lenha
iie colocado como um verdadeiro empecilho à realização da
lacào em escala mundia l , o Estado sempre atuou cm
. \\H1\OMPSQN, G. A globalização em questão. Pclrópolis:/Voües, i 'J98.
R O G É R I O H A E S B A E R T • CARLOS W A L T E R P O R T O - G O N Ç A L V E S
sucessivos "ciclos"de interferência, a fim de regulara dinâmi-
ca dos mercados, cm geral como um parceiro e/ou uma "escala
de gestão" indispensável na organização dos fluxos comerciais
e financeiros, para não di/er dos transportes e comunicações,
que proporcionam as condições gerais de produção necessá-
rias à maior acumulação de capilais e extração de excedentes
(mais-valia), fundamentais para a reprodução da burguesia
(lucro) e dos gestores (impostos). (3 discurso da "deslerritoria-
li/ação"e, consequentemente, de uma globali/ação irrestrita
num mundo efetivamente "sem fronteiras" vincula-se hoje,
em grande parte, aos argumentos políticos daqueles que
defendem o chamado projeto neoliberal.
Como vimos no capítulo anterior, um dos principais pro-
tagonistas da gradativa globalização do capitalismo durante
o chamado período imperialista foi o Estado-nação, espe-
cialmente aquele capa/ de assegurar as condições básicas
para a expansão constante do comércio e das finanças mun-
diais. Durante o domínio do chamado listado do bem-estar
social ou Estado-previdância (nos países centrais capita-
listas), a partir da Segunda Cirande Guerra, o Estado atua
também como um agente redistribui dor de renda, capa/de
assegurar não apenas n ampliação do mercado de consumo
pela elevação (relativa) dos salários, mas também alguns
benefícios sociais pelos quais há muito vinham lutando os
trabalhadores organizados.
As mudanças na esfera da produção devem ser conside-
radas sempre, portanto, dentro de uma dialética complexa,
que inclui interesses dos grandes capita listas e suas empresas,
interesses do Estado e interesses dos movimentos da socieda-
de civil organizada. O Estado, como espécie de intermediário
capa/de "pender a balança" para um ou outro lado, aparece
como o principal responsável pelas políticas "reguladoras'
dos conflitos e-nlre o capital e o trabalho. Assim, em perío-
dos de crise do emprego, por exemplo, ele pode intervir
como uma válvula de escape ao fornecer empregos na eslera
A NOVA D E S - O R D E M MUNDIAL
| n i U H a ou redistribuir renda, a fim de manter o mínimo de
lições pá rã a .sobrevivência dos mais desfavorecidos.
l niivianto, nesta fase de globali/ação neoliberal, o Es-
i.ii In \ ;ii gradativa mente perdendo força e deixando muito
IN. liberdade para que as "forças do mercado" comande m
,i i i niiomia. A reprodução capitalista como uma sucessão
i Ir l.r.rs de expansão ou crescimento e crise, como já vimos,
l p * M Ir lambem ser associada às diferentes formas de atuação
iln l /.lado junto aos atores econômicos e à sociedade civil.
< ' rronomislu lieinaldo Gonçalves"1 considera a atual
|i|n|i.ili/ação econômica como um jogo de poder em que
Inlri lerem como agentes fundamentais a grande empresa
li.niMiacional, instituições, como o l-M l e o Banco Mun-
illiil, r o listado. LÜla resultaria da ocorrência simultânea dos
cs processos:
ntoextraordinário dos (luxos internacionais de bens,
•,ri\ iços e capital;
• .iiimcnlo da concorrência internacional;
• inlndcpendência crescente entre agentes econômicos
nacionais.
,\ globalização econômica se desdobra em quatro formas
mi dimensões: a comercial, a produtiva, a tecnológica e aí O
liiunrcira. Políticas neoliberais e de desregulamenlaçào
inundo alora nas décadas de l 980 e 1990 foram decisivas
MM consolidação desse processo, aliadas a um novo padrão
In n o lógico que permitiu a enorme aceleração das trocas
ilc produtos, capital c informações, além de ler facilitado a
(iiupria circulação de pessoas.
( > que vemos hoje no chamado capitalismo globalizado
Mrnlihcral cie acumulação flexível é uma fase muito mais
i iiinplexa, na qual não coincidem, por exemplo, crescimento
1'ruiiômico e expansão do emprego. Os altos níveis lecno-
ri l.nNÇAI.VKS. It, O nó econômico. Ilio de Janeiro; Silo 1'nulu: Itccnrd, 2(>0í
ROGÉRIO H A E S B A E R T • CARLOS WAITER P O R T O - C O N Ç A L V E S A NOVA DES-ORDEM MUNDIAL
lógicos envolvidos no processo de produção, a mobilidade]
das empresas, do capital c da produção, inédita na história,]
e este "recuo" do Estado mesmo em épocas de crise, fa/.em]
que tenhamos aquilo que Milton Santos considerou como urrf
período definido pela própria crise, e não a crise comomerj
transição.
A divisão territorial do trabalho
e as novas desigualdades
O espaço mundia l também se modilica profundamente,]
não apenas r e f l e t i n d o a d inâmica em curso, mas também!
interfer indono sentido de acelerar ou de retardar esses pro-i
ecssos. Antigas divisões territoriais do trabalho adquirem]
outra conformação, muito mais complexa, inicialmente, a]
consideração dos diferentes setores da economia - primário,
secundário e terciário, por exemplo —parecia suficiente para
definir o papel das regiões e mesmo dos países, na medida em i
que, num mundo moderno-colonial bem menos globalizado,]
ou globalizado em outros moldes, parecia haver uma distr ibui- i
cão mais clara de papéis, principalmente no que se refere à di-
visão entre os detentores do capi ta l financeiro, da tecnologia
e da produção industr ia l e os fornecedores de matéria-prima]
c produtos alimcnlarcs para o consumo das regiões hcgemô-1
nicas. Embora essa "divisão" seja questionável (vide o caso]
dos engenhos de açúcar incorporando as tecnologias mais]
avançadas da época), essa foi a interpretação dominante.
A especialização por setor econômico, entretanto, não de-
sapareceu. Determinados países, principalmente no contexto]
africano, permanecem como basicamente exportadores de
produtos primários. Cabe ressaltar que, no caso de recur-
sos estratégicos como o petróleo (especialmente depois dal
chamada "crise" de 1973, que para os países da Opep re-3
presentou o contrário), a extrema dependência de um único]
produto primário não explica as condições socioeconômicas]
ilr-.srs países. Não fã?, muito sentido colocarmos na mesma
•il l i niçào, pelo fato de basearem suas economias em produtos
l - i Hi lár ios" , listados como os Emirados Árabes Unidos, ex-
Ircinnmente dependentes do petróleo, produto estratégico
r fu lo i r / i ido no mercado mundia l , e Kslados como Uganda,
H i i i l c liH% das exportações provêm do café, commoctity de
v i i l m desprestigiado no mercado internacional.
( 'mi l a rápida expansão da índustriaii/ação para r.lguns
[ i t i l M - s periféricos (alguns denominados depois "semiperiíé-
i l t o-,"), principalmente a partir dos anos 1950, houve uma
i nmplexiíicação muito maior dos espaços produtivos. Dessa
l n i m . 1 , , 1 nova divisão internacional do trabalho passou a ser
IlHHcmlil não estr i tamente nos setores da economia por tipo
de |>mdulo , mas nos níveis tecnológicos de produção, nas
lomiiistle gestão e nas relações de trabalho dominantes, o que
l i i r l i i i, é claro, o valor dos salários pagos aos trabalhadores.
( Ü icn io s como exemplo a exploração de madeira (ativi-
ilmlr "primária") em países pobres do interior africano e no
I h l n i o r d e um país como a Suécia. O nível de tecnologia
e n v o l v i d o no processo produtivo, bem como as relações de
11 i i l m 1110 dominantes, ou seja, o nível de exploração da força
ilr i i í i b a l b o , são totalmente diferentes nesses dois países,
> " J . . n , i executem a mesma atividade. Uma das espccifici-
f ludcs mais importantes que promove a integração de mui tas
refines madeireiras do interior do Congo à economia global
$ ii sua força de trabalho mui to barata, enquanto em áreas
lio i n t e r i o r da Suécia um dos fatores preponderantes é o
l l l l n nível tecnológico incorporado no processo de produção.
|K interessante ressaltar ainda que cada momento históri-
t'n valori/a diferentes "recursos naturais" c, portanto, distintas
regiões ílo planeta. Produtos que envolvem fontes de ener-
i - i i como vimos para o caso do petróleo, costumam ser mais
vnlori/ados. Hoje, por exemplo, o valor adquirido por áreas
( | l i c dispõem de grande biodiversidade está ligado à asccn-
Hf loda biotecnologia no mercado globalizado. Novas fontes
ROGÉRIO H A E S B A E F t T C A R L O S WALTER P O R T O - G O N Ç A L V E S A NOVA D E S - O R D E M MUNDIAL
de energia, como o vento, a lu/ do sol e as marés, tendcn
também u fortalecer a importância de determinadas áreas.-
i - -^-
; Podemos afirmar que, hoje, a divisão territorial/inter-
nacional do trabalho, pautada nos níveis tecnológicos da]
produção e nos correspondentes níveis de qualificação (<
de exploração) da força de trabalho, permite diferenciar
espaço mundial identificando:
• espaços que detêm o domínio do capital financeiro e doí
investimentos na produção e/ou o controle das lecnolo-j
gias mais avançadas e da difusão de informações, com a]
correspondente oferta de mão de obra altamente qualifi-l
cada, como ocorre nos chamados países centrais capita-^]
listas e, dentro deles, nas grandes "cidades globais";
•; espaços com cerlu independência financeira, em que pre-j
dominam atividades econômicas com níveis intermediários)
de tecnologia e mão de obra mais ou menos qualificada;
• espaços com grande dependência do capital financeiro]
internacional, em que a produção é de baixo nível lec-j
nológicoou está voltada basicamente para a simples re-l
produção de tecnologias externas, como indústrias dei
montagem de produtos, exigindo força de trabalho pouco]
qualificada e com altos níveis de exploração.
Ê evidente que há ouiras combinações possíveis. No Bra-j
sil, por exemplo, conjugam-se alta dependência do capital
financeiro internacional (elevada dívida externa, elevadas
taxas de juros para atrair capital especulativo) c níveis lecno-j
lógicos de produção que, conforme o setor, envolvem desde
a produção dependente de mão de obra extremamente ba-j
rata (ou mesmo escrava), ale a que incorpora níveis bastante]
sofisticados de tecnologia (como a indústria aeronáutica).
Num país com as dimensões e a complexidade do Brasil, oi
mais justo é analisar nfio simplesmente a sua participação]
na divisão internacional do trabalho, mas também as espe-j
ciíicidades de sua divisão inter-regional do trabalho.
/ Nrsla nova divisão internacional do t rabalho, comandada
pcln informação, pela biotecnologia e pelo capital financeiro,
flui'H invos espaços são fundamentais: pelo lado da tecnologia,
1 1 - i il ms sofisticados de pesquisa (os chamados tecnopolos),
ni|iti/c<i de pensar c/ou de produ/jr inovações tecnológicas
i 1 1 Ir qualificar permanentemente a força de trabalho; pelo
tiidn tln capilal financeiro, distritos financeiros sofistica-
i li r. i Ir grsião no interior das principais "cidades globais", e
"IIIIIIIIMIS financeiros" (ditos offshore) em pontos estralégi-
i lih (geralmente rnini-Estados em posições estratégicas do
L|lnlm), a litn de "lavarem" o dinheiro obtido em operações
liceus, cada vcx mais frequentes.yl)eve-se acrescentar ainda
II irlrvància da produção e do controle da informação em
iicnlidu mais estrito como fator de distinção entre espaços
c periféricos. Assim/o poder também se defines .
<|uem controla a informação, distinguindo os que a
i M i n li i/i-i 11 e Iransmiíem (quatro grandes companhias sedía-^
Jili. nos KUA e na liuropa são responsáveis pela quase lola-
llllmlr (Lis nolíciasem circulação) e aqueles que se tornam
«linplcs "terminais" receptores. Algo semelhante acontece,
lllllllns ve/.es, com a produção cultural e, em conseqüência,
1'innns valores e os hábitos culturais populares globalizadoSj
''Innos, então, a grande importância adquirida pelocha-
llliiilu "capilal pensante", que gera inclusive novas lormas
lli1 exploração, não só na conhecida forma da "luga de cére-
lirnti", mas também pela contratação, a baixos salários, de
pl'Nquisadores trabalhando nos seus países de origem, como
lirnnleceii com a Europa Oriental, reccm-saída do regime
Vuinuiiisla", nos anos 1990J Fundações norte-americanas
lINlifruíram dessa oferta de alta qualificação (dependendo
ll()N selores da economia) a salários baixos, e passaram a
(luminar pesquisas com a garantia de apropriação de todos
(IN 1'i'sullados alcançados.] ••',
Não obstante a importância crescente dos fluxos finan-
ceiros, comerciais e de informações, em um mundo econo-
R O G É R I O H A E S B A E R T • C A R L O S W A L T E R P O R T O - C O N Ç A L V E S
micamente cada vez mais globalizado, é fundamental reco-
nhecer a permanência dos Estados-nacões, não só em razão
de seu poderpolftico-militar (na medida em que nenhuma
outra instituição tomou até aqui o seu lugar), como mostra-j
remos no próximo capítulo, mas também por sua função de
estabelecer regras para a entrada cie capitais (fixando taxas
de câmbio e juros, por exemplo), de produtos (definindo
alianças em termos de blocos econômicos preferenciais) e,
especialmente, de força de trabalho.
Assim, apesar da crescente globalização e tia dificuldade
de identificar a "nacionalidade" da produção de uma em-
presa transnacíonal, a análise econômica paulada nas bases
territoriais dos Estados não perdeu importância, ainda mais
se considerarmos que a maioria dos dados econômicos ainda
ê fornecida referente às economias nacionais. Uma análise da.
participação das chamadas "grandes potências" nos últimos;
quarenta anos na economia mundial evidencia algumas das i
profundas transformações efetivadas. Destaca-se, de saída,
a queda brutal de economias, como a soviética, e a ascensão
de outras, especialmente a do Japão e a da China. Os Estados
Unidos, que decaem um pouco em percentual nos anos 1980,
recuperam-se c atingem hoje 38% do produto mundial.
Como já afirmávamos ein 1991:
A crescente globalização econômica e essa aparente direção rumo a.
um mundo economicamente tripolar [marcado pela tríade EUA-União
Europeia-Leste Asiático].... não impedem que se manifestem tam-
bém "n" outros indicadores representativos mais de desordem que,
ao invés de promoverem uma nova ordenação político-econômica,;
atuam - positiva ou negativamente - para a fragmentação, a insta-
bilidade e/ou a diferenciação. Não é à toa que um dos movimentos
rnais marcantes da década de [19)80, o pós-modernísmo, reconhece
na singularização e na heterogeneidade a marca da "nova era".5
l IAESBAER'1, H. A (deslordcm mnntli.il. o& novos bloi-os de puder c <i sentido da t-rise,
'letra Livre, n-9. S3o Paulo: Associação dos (IcÓRrnfos Hrasílcirose Marco ATO. 1991.
A NOVA D E S - O R D E M MUNDIAL
l .v.;i "nova era" pode também ser considerada a era das
ili",il'.ii;ildades. li m 1998, os 20% mais ricos do planeta
ilc-l li.nn ile 86% do produto mundial, e os 20% mais
pnlui".. dr apenas 1%. Enquanto isso, a diferença de renda
, • . n i r t l c íO para l, cm (960, para 60 para l.em 1990,e
l p.n.i l cm 1997.
l \plu a esse aumento das desigualdades a proliferação
iln ilrsnnprego (segundo a OIT, são 188 milhões ôn. dc-
MMMpir^ados em 2003 — ou seja, 6,2% da força de trabalho
MI 1 1 , 1 h. do subemprego, dos circuitos ilegais da econo-
inl.i l m suma, da prccarização das relações de trabalho e a
i i iM'.c<|Mri i ie "marginalização"ou "exclusão" de um número
i i CM mie de pessoas, sem lugar no mapa da globalização,
'H'|IH mnnmassa política de manobra, seja como trabalhado-
ii". MU ,iic mesmo, cm situações mais extremas, como consu-
l M te li n cs. liasta verificar que 22% da população mundial, ou
>ir|.i. l. í bilhão de pessoas, vivem com menos de um dólar
pi D i li. i, considerado o limiar da pobreza absoluta.
N,i verdade, dialelicamente falando, o simples Fato de
rviii iiüissa de "excluídos" não lerque, de alguma forma, ser
"li mi ilida" pelo restante da sociedade ou mesmo de nãocon-
i iii i ei COMI esta ou Ira parcela em busca de melhores condi-
I,MC'. t Ir vida, torna-se uma (.Ias garantias da manutenção do
'i l ',1 ei n.i, bastando para isso que seja mantida "sob controle"
c D i < > ofereça nenhuma forma de resistência.
/\ lc mesmo entidades como a Organização Intcrnacio-
ii i í do Trabalho reconhecem que a globalização acirrou as
ilfiifHialdades, aumentando a distância entre ricos e po-
liu-,. Abertura de mercados e novos acordos comerciais não
HIIMIIIIíiiim a redistribuição da riqueza, mas a sua concen-
Ihicao. Apenas alguns países, justamente onde não foram
H|ili(mios os programas ortodoxos de abertura de mercados,
l DIMM a China, a índia e a Coréia do Sul, conseguiram dimi-
iii i n ü miséria; no caso da China, porém, houve acentuado
ROGÉRIO H A E S B A E H T - C A R L O S W A L T E f t P O R T O - G O N C A L V E S
crescimento das desigualdades entre ricos e pobres. O di-
retor da OIT, J u a n Somavía, afirmou que a falta de trabalho
decente pode-se lornar o "principal risco para a segurança
internacional".
Recente estudo do Instituto Worldwalch, dos listados
Unidos, utilizando uma categoria um tanto questionável de
consumidores globais, revela que, mesmo com o aumento
brutal do consumo, que passou dos 4,8 trilhões de dólares
em 1960 para 20 trilhões em 2000, dos cerca de 6,3 bilhões
cie habitantes do planeta, apenas 1,7 bilhão é considerado
parte efetiva dessa sociedade de consumo. Países como o
Brasil têm apenas 33% de sua população considerada "mer-
cado consumidor". Mesmo com todo o avanço econômico,
na China são apenas 19% e na índia, ainda menos, 12%, Em
contrapartida, nos listados Unidos são 84%, na Alemanha,
92% c no Japão, 95%. Os Estados Unidos, com menos de 5%
da população, consomem 25%- do carvão, 26% do petróleo
e 27% do gás natural do planeta./Os países centrais - EUA,
Japão, Europa Ocidental, Canadá e Austrália -, com cerca
de 15% da população mundial, gastam 6 l % do alumínio,
59% do cobre e 49% de todo o aço consumido. Tamanha
desigualdade sociocconômica tem também sérios redexos
na ecologia do planeta] como veremos no Capítulo 5.
Outro indicadorsocioeconômico que reflete bem o nívt
de desigualdade planetário é o que se refere às condições
de habitação, mediante o percentual de população favelada.
Segundo pesquisa reali/ada pela ONU, 32% da população
mundial, ou seja, praticamente um terço, vive em favelas.
Enquanto na Europa apenas 6,2% da populaçãoé favelada,
na América Latina s;io .-i l ,9%- (127 milhões de pessoas) e
na África Siihsaariana são 7 l ,9% (l 66 milhões). Na outra
ponta do espectro de consumo, a Internet, apontada como
instrumento decisivo do novo padrão tecnológico, atingia
em 1997 mais de 90%, dos 20%. mais ricos do mundo, contra
apenas 0,2%. dos 20% mais pobres.
A NOVA D Ê S - O R D E M MUNDIAL
V-MIII, ;iprsar de toda a pretensa homogeneização pro-
t i l . i jirlns processos de globalização (a ser questionada
', |iii)i'inuliimcnte no Capítulo 4), notadamente pela
illlir..i" il.i ei-0110111 ia de mercado em esferas inéditas da
>,i« i. d.n li < • dii espaço mundial, c apesar de lodaacomplc-
, . l .. t, |iiomovida pela circulação de pessoas, mercadorias
i mi .Kors tanto do centro para a periferia quanto da pc-
iih n,i i M.. i o centro, ainda é possível delimitar com clareza
i mu In- . rspaços relativamente à margem das benesses cia
|i|.ili,ili/.ii..jnc outros extrema mente privilegiados. O Mapa
l llir.n.i bem essas desigualdades que, apesar de se mulli-
|il i< i i i < ni linje em escalas cada vê/ mais restritas, como os
j'ii|iíiMi'.ilr l (idas as grandes cidades, podem ser apreendidas
ii CM ' l phmctária.
l .v.r mapa mostra o "deslocamento" para o norte, com a
i i hrdn socialismo real, da linha fictícia de separação entre o
i l ,iilu Norte economicamente mais rico c o Sul economi-
i iHiirnir mais pobre. Apesar de extremamente problemática,
piihtdm.dmentc, essa linha aparece fisicamente cada vê/
IMill-i mlida em alguns pontos específicos, como a fronteira
ml H1 n México e os Estados Unidos, o estrei to de Cibrallar
(r n 1 1 mil ri rã Espanha-Marrocos nos enclaves de Ceuta e
Mrlill.il.a fronteira entre Grécia e Turquia, entre os Países
llilllli n-, r a líússia, entre as duas Coréias ou entre Israel
C ii l',ilrslina. Cada um desses casos evidencia, se não a
i (iir.liurào física de um muro (caso de trechos da fronteira
MesU o Estados Unidos, de Ceuta, das Coréias e de Israel),
n i uiHinle cada vc/ mais intensificado do fluxo de pessoas
l' nu i r.n h irias (caso dos países hál ticos e da Carecia). Num
ditando mundo "sem fronteiras", comoveremos no próximo
nijiiluln, a liberdade de fluicle/ para o capital e as infor-
Itliiçnrs não são acompanhadas pela liberdade de dcsloca-nii nin para as pessoas, especialmente a massa crescente
ilr ilcspossuídos, sem dúvida o "perigo" mais sério ria nova
llcn ii idcin mundial.
-19
'
R O G É R I O HAESBAERT • CARLOS W A L T E R PORTO-GONÇAIVES
A des-ordem política mundial:
os novos espaços do poder
Os Estados-nações e os grandes
blocos internacionais
iii vimos no capítulo anterior, o Estado-nação tem tido
ni|M'l ambivalente na constituição da nova dcs-ordcm
ilml. l'ara alguns autores, ele está envolvido em um rápí-
||fl|ih>i rsso de fragili/açãoque irá culminar com a sua exlin-
Kflll, j nc; i pá/, de gerir a nova organi/ação social e geográfica
Jilfikil IVíigmcntacla. Para outros, trata-se de uma entidade
Ijlll1, imiis do que perder poder, está reeslruturando-sc sob
IÍ(lvm> Imscs, adquirindo distintas funções dentro da nova
||tHI|ii»lflic;i mundial, pautada pela "sociedade de controle"
(III, ninio preferimos, da "segurança" - o novo discurso a
||l|lllJiiiiirn reforço de poder de muitos Estados.
Nilo podemos esquecer que os Estados, além de consli-
(HfriMii uma "invenção" moderna, definitivamente conso-
Htlllflns a partir dos acordos de Westfália, cm 1648, só se
Hlllvmali/aram efetivamente a partir cia Segunda Grande
(llMMTii, com a descolonização da África c da Ásia. E novos
lÍNliuIns eonlinuam a surgir. Apesar de subsistirem poucas
JflttNlIlHcnu- diminutas colônias (no sentido político), prin-
R O G É R I O H A E S B A E R T . C A R L O S W A L T E R PÓ R T O - G O N Ç A L V Ê S
cipalmentc em mãos da Inglaterra, dos Estados Unidos
da França, muitos são os movimentos recentes pela indej
pendência, tentando redivitlir países, desde o Quebec cai
nadense me o Tibete chinês, passando pelos separalismoS
espanhóis, russos, indianos e alricanos.
Mesmo as empresas transnacionais, símbolos máximoá
da globali/ação, competem entre si alegando ra/õcs nacioj
nalislíis. C) caso japonês c o mais destacado - nas palavras dí
um ex-presidenlc tia Fiat italiana, "nada pode ser mais japo]
nêse menos 'global' do que uma «rã n de companhia japonês^
... Os tomadores de decisão são japoneses, os acionistas ...,,
pesquisa e o desenvolvimento ... assim como a mentalidadí
de 'conquistadores' são japoneses". Os novos intelectuais
que operam a pari i r da mídia lambem cumprem um papel
central nesse aspecto, como observamos no recente episódit
da nacionali/açào do gás c tio petróleo pelo governo de Kvéj
Mora lê s na Bolívia, quando comentaristas iradicionatment^
fervorosos defensores da des-ordein ncoliberal se mostrarai
defensores da Peirobras, com um discurso nacionalista d$
qual, normalmente, são ardorosos críticos.
De qualquer forma, devemos admitir que estão ocoi
rendo mudanças muito importantes em relação ao papel dj
Estado. Como já vimos, finda a fase tio capitalismo domim
da pelo Estado do bem-estar social, pelo menos nos paísel
centrais europeus, instaurou-se um período dominado pclí
chamatlo capitalismo neoliberal em que o Estado loi insladj
a "encolher", em detrimento tio crescente poder das grande
corporações (ransnacionais.
Algumas hipóteses podem ser levantadas para cxplicí
esta perda de poder do Estado nacional c o lortalecimei
Io das empresas transnacionais. () primeiro é sem diívu
o movimento de privatização alimentado pelas proposta]
neoliberais, que envolveu não só a privatização de emprt
sãs cslaUiis nos países capi tal istas, mas também a próprij
A NOVA DES-ORDEM MUNDIAL
illici 11M. i dos países do chamado bloco socialista, seja pela
l|iird<i pura e simples dos regimes estata is centralizados,
• > i « |'i'h "abertura st-letiva", como no caso do vaslo iner-
"i iiiln (mi. mino denominam seus mentores, "socialismo de
MI* n MI In") chinês. Pelo menos no caso da Hússia c, de modo
in i i \c l . ido, na China, ocorreu também a metamorfose d .
i'iii|in •.,!•. estatais em megaempresas capitalistas, como no
t UM) >\» -.rior gás-pelrolílero russo. Em um sentido mai.;
. ,l . . l .'.lado capital islã perdeu poder não apenas sobre o
MI' l MI Industrial e comercial, mas também sobre o setor de
ni'H h, o1, c na área de pesquisa e inovação tecnológica.
:\ IIMI.I-, empresas transnacionais passaram a desempe-
llllill |u|iris i|iie antes cabiam ao Estado, inclusive em par-
i ei In'i ii.i i nação de infraestruluras básicas como rede de
ipi K l cs e água e saneamento. Segundo Strange,1 muilos
-, ilc interesses saíram tia alçada do listado e pas-
itiH .1 i.er geridos pelas próprias empresas. Ale mesmo
lii milinlr liscal e a taxação tle lucros tias empresas l oram
iliiuiisiiilns, la/endotjue a autonomia empresaria! atingisse
jiilhiin nunca antes alcançados, sem lalar na sua Força
jiillii i .indaros circuitos financeiros, decisivos na defini-
l,tlii dii', novos arranjos políticos nacionais.
SrjMindo ( Üovanni Arrighi,2 o "crescimento explosivo
i ln» rinpirs.is transnacionais", t|iie alcançaram o número
|||M . .. ;idc 10 mil nos anos lc)8():
i nh,|f r | t > consolidar o exclusívismo territorial dos Estados como
"niMliiM-iiies de poder", ... tornou-se o mais importante fator
i ,.i| ri,. ,i minara essência desse exclusivismo. Por volta de 1970,
i|Hiinilo (omeçou a crise da hegemonia norte-arnericana, tal
l iiinn mi .irnada na ordem mundial da Guerra Fria, as empresas
( H l IIANtíl . S Itie rei real itf líie Simc: (lit- ilirfusion nf \mwvt in llic world cco-
i- ... l ',iiiiliiul)',i-: t:;iiiil>rídgc! Univtrrsily Press, ialJ(i.
Mil. (i OlaagosdcnloXX. Rio de Janeiro: Cmiini|)oim>. Silo Paul^i IMiior.i
I.1'!1, l''1"- |>.7-t.
ROGÉRIO H A E S B A E R T C A R L O S W A L T E R PORTO-CONÇ A L V Ê S
multinacionais haviam evoluído para um sistema de produçãt
intercâmbio e acumulação, em escala mundial, que não estav]
sujeito a nenhuma autoridade estatal e tinha o poder de submí
ter a suas próprias "leis" todo e qualquer membro do sistemj
ínterestatal, inclusive os Estados Unidos.... Esse sistema de livrí
iniciativa - livre, bem entendido, das restrições impostas pelj
exdusivismo territorial dos Estados aos processos de acumulaçàí
de capital em escala mundial - foi o resultado mais característici
da hegemonia norte-americana. Ela marcou um novo momentj
decisivo no processo de expansão e superação do Sistema d
Westíália, e é bem possível que tenha dado início à decadênci
do moderno sistema Ínterestatal como locus primário do sistem
mundial, {grifo nosso)
Para além cias empresas transnacionaís na sua ligaçãí
com os setores produtivo e especulativo da economia, é mun
to imporlanle reconhecer que ale mesmo algumas funçõe
tidas como essencialmente "estatais", como a do "monopólij
da violência legítima", passaram a ser exercidas por entidí
dês privadas. A terceirização da segurança pública e dos cora
flitos armados, por exemplo, coma contratação de milícia!
e seguranças privados, é hoje uma realidade cada vê/ mai
comum. O desmantelamento de parte do aparato bélico
- m i l i t a r das grandes potências com o fim da Guerra Fria lê
vou muitos militares desempregados a formarem empresa
de segurança paramilitar. A contratação dessas empresa,
pelo Estado permite seu aparente descompromisso coi
muitas ações bélicas e, sobretudo, f ac i l i t a o ocultament]
dos verdadeiros custos das operações militares.
Além disso, ao mesmo tempo em que o Estado delcg;
poderes, "foge" ou aparece de modo excludente cm termo
de sua esfera básica de gestão: o próprio território e o pia
nejamento terr i torial , com áreas cada vez maiores perma
necendo completamente à margem de qualquer atua
efetiva. Esse "vazio de poder" (do Estado legitimado) dí
lugar à emergência de outros circuitos de poder, como o
A NOVA D E S - O R D E M MUNDIAL
niganizado, seja o narcotráfico, o contrabando ou o
( M l M i i l M MI i internacional, sejam os "esquadrões da morte"
M I I N f i i n p n s paramili lares que defendem p a rã legalmente a
i l l i l r i i i \ i c . rnU 1 .
Podemos par t i r da constatação de que a soberania

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