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Aula 7_GLOBALIZAÇÃO_ HAESBAERT, R Globalização e fragmentação no mundo contemporâneo

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3ª Prova – 9 abr 2013– JluizSM 3ª Prova – 9 abr 2013– JluizSM
Rogério Haesbaert
OS DILEMAS DA GLOBALIZAÇÃO – FRAGMENTAÇÃO
A afirmação que fizemos há mais de dez anos continua válida: vivemos uma época de 
grandes contradições e complexidade, em que podemos nos deparar com interpretações dia-
metralmente opostas sobre o des-ordenamento territorial e/ou a des-organização regional do 
mundo. Enquanto muitos autores alardeiam a “era da globalização”, do mundo “em rede”, ou-
tros enfatizam uma genérica “fragmentação” que marcaria o mundo desde o final da Guerra 
Fria. Dois trechos dos anos 1990, reproduzidos a seguir, constituem um exemplo dessa contro-
vérsia, mais paradoxal ainda porque se passou entre pesquisadores de uma mesma institui-
ção (a Fundação Nacional de Ciências Políticas de Paris) – enquanto o geógrafo Jacques Lévy 
enfatiza a ordem e a globalização (o mundo moderno como “sistema de sistemas”), o cientista 
político Zaki Laïdi destaca a fragmentação e a ambiguidade (o mundo pós-moderno simulta-
neamente polar e “a-polar”):
[...] a constituição de uma sociedade-mundo é provável, não porque ela seria a melhor, mas 
porque ela é a solução mais econômica para tratar os problemas mundiais. O mundo é um 
sistema de sistemas em movimento (LÉVY, 1992, p.31).
Observar o mundo como uma totalidade em movimento, por mais contraditória que ela seja, 
é identificar um momento histórico que vê o reencontro do global e do social [...]. O mundo é 
um, mas ele é circunstanciado; o que significa que ele tem um futuro [...]. A contenda [enjeux] 
do presente não é o fim da história, mas a de uma pré-história em que, seguindo as palavras 
de Kant, acaba para os homens o tempo de sua “insociável sociabilidade” (LÉVY, 1992, p.220, 
tradução nossa).
Raciocinar em termos pós-modernos é tentar refletir sobre tudo isto que, hoje, parece carac-
terizar empiricamente a ordem mundial distendida [relâché]: o transitório, o instável, o desar-
ticulado e o ambivalente. É tentar apreender o instável e recusar o unívoco. O pós-Guerra Fria 
se revelaria pós-moderno no que ele rompe com as principais características da modernidade: 
os modelos-tipo lineares e prontos (a Guerra Fria), fundados sobre a causalidade direta e pre-
visível (LAÏDI, 1992, p.30).
[...] admitir que toda explicação geralmente não é nem estável nem unívoca. [...] a realidade 
internacional é simultaneamente unipolar, multipolar e em muitos casos “a-polar”. [...] No 
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estudo das relações internacionais, a questão será menos de classificar e de simplificar que de 
interpretar o mutante e o contraditório. (LAÏDI, 1992, p.32, tradução nossa).
A exemplo desses dois autores, outras correntes antagônicas se sucederam ao longo dos 
anos 1990, a primeira década pós-divisão do mundo entre os dois grandes blocos da Guerra 
Fria. Ainda que as discussões mais difundidas tenham sido aquelas que focalizavam os pro-
cessos de globalização, sobretudo numa perspectiva econômica, outras linhas (especialmente 
aquela lançada por HUNTINGTON, 1994, 1996) enfatizavam os processos “fragmentadores”, 
como os de ordem cultural – uma nova ênfase à divisão em grandes civilizações ou, de outro 
ângulo, no âmbito das relações internacionais, uma nova ordem multipolarizada e flexível. 
Por fim, aparecem até mesmo aqueles que propõem que a nova fonte de conflitos dar-se-á 
em função das questões ambientais.1 Como é possível a existência de tantas e aparentemente 
tão contraditórias interpretações?
Podemos dizer que todo esse imbróglio teórico não é novidade dentro da história do pen-
samento, alimentando velhos dilemas como o que, já entre os antigos gregos, se desenhava 
entre os partidários de um mundo fundado pelo caos, pela “desordem”, e aqueles que o tra-
tavam primordialmente a partir de um cosmos, de uma ordem que lhe seria inerente. Sem 
entrarmos nesta questão de fundo, ontológica, percebemos que o que manifesta uma espe-
cificidade do espaço-tempo contemporâneo é o abandono de uma certa “ordem” e a difícil 
instalação de uma outra – ou, quem sabe, de uma forma mais acurada, o aprendizado do con-
vívio, agora, concomitantemente, de múltiplas des-ordens. Abordagens como a que passou 
a distinguir modernistas e pós-modernistas, universalistas e comunitaristas ou, numa outra 
leitura, mais geo-historicamente contextualizada, “euro (ou ocidentalo) cêntricos” e “pós (ou 
des)-coloniais”, manifestam com roupagem nova questões recorrentes na história humana. 
Cabe verificar em que sentido sua associação com os processos, concomitantes, aqui denomi-
nados de globalização e fragmentação, ajuda a elucidar esses dilemas.
Na verdade, o debate da globalização/fragmentação acabou muitas vezes banalizado e 
aparece eivado de ambiguidade. Abre-se, assim, um leque de interpretações que vão desde as 
mais críticas até as mais conservadoras, das mais universalistas às mais “regionalistas”, desde 
as mais economicistas até as mais culturalistas e mesmo ecologicistas – talvez como reflexo, 
no campo das ideias, de toda a incerteza e imprevisibilidade que passou a caracterizar a rea-
lidade contemporânea. É como se as duas últimas décadas tivessem configurado um dos pe-
ríodos em que a história, condensada numa multiplicidade de acontecimentos, muitos deles 
totalmente imprevisíveis, reunisse novos e velhos tempos, compondo uma nova e ainda mais 
complexa geografia do mundo.
1 Ver por exemplo relatório do Instituto Worldwatch, de Washington, que afirmava, nos anos 1990, que a base para a segurança mundial 
seria a estabilização da população, a redução das desigualdades sociais, a conservação do solo e da água e o retardamento do processo de 
aquecimento global.
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Diante dos discursos sobre a globalização, podemos distinguir pelo menos uma posição 
“oficial”, mais conservadora, muito estimulada pela mídia, e uma posição crítica, mais difun-
dida no meio acadêmico. Na primeira perspectiva, a globalização é vista, sobretudo, como 
um processo recente, fruto da “Terceira Onda” (na expressão de Alvin Toffler) ou da Terceira 
Revolução Industrial tecno-científica, fundada no livre mercado (neoliberal), na (pretensa) 
livre circulação de bens, capitais e serviços e na sociedade informacional, pós-industrial, de 
compressão do espaço-tempo. Com isso, haveria uma ampliação dos princípios da liberdade 
democrática, a afirmação de regimes multipartidários mundo afora, juntamente com uma 
economia “sem fronteiras”, com a superação das distâncias (CAIRNCROSS, 1997, 2000) e, no 
limite, o próprio “fim da geografia” (VIRILIO, 1997), pelo menos para o capital financeiro efeti-
vamente globalizado (O’BRIEN, 1992). O fim da Guerra Fria e da bipolarização que a acompa-
nhava teria afastado o perigo nuclear, e a universalização dos valores ocidentais (pelo menos 
antes do 11 de setembro de 2001) abriria as portas para uma cidadania planetarizada (como 
na sociedade-mundo proposta por Jacques Lévy).
Já numa postura mais crítica, a globalização poderia ser vista como o ápice de um processo 
cujas origens já se encontram, como analisaremos logo adiante, na própria formação do capi-
talismo, que se ampliaria tanto horizontal quanto verticalmente por toda a superfície da Terra. 
Uma característica diferenciadora fundamental, hoje, seria o domínio avassalador do capital 
financeiro e usurário, especulativo, com um montante de capital fictício (como já identificava 
Marx) nunca antes tão relevante (CHESNAIS, 1996, 2006). Para a efetivação de uma atuação 
em nível global, ao mesmo tempo como seu produto e seu condicionante, estaria o padrão 
tecnológico pautado na informatização. Em vez do utópico e nunca concretizado “livre merca-
do”, entretanto, vigoraria o domínio de grandes oligopólios e de blocos econômicos protecio-
nistas, concentrando entre seus parceiros a maior parte dos intercâmbios mundiais, deixandoà margem imensas periferias e provocando com isso uma desigualdade social provavelmente 
inédita na história – principalmente por sua proliferação tanto no chamado “Sul” quanto no 
interior do próprio “Norte” mundial – categorias, a propósito, tais como as de centro e perife-
ria, cada vez mais problemáticas.2
As raízes históricas da globalização
A globalização contemporânea é vista assim, antes de tudo, como um produto da expan-
são cada vez mais ampliada do capitalismo e da sociedade de consumo, acarretando uma 
crescente mercantilização da vida humana, que teria atingido patamares únicos na história, 
especialmente com a sua expansão pela esfera da cultura. Numa sociedade moldada pelo 
2 Para uma interessante discussão teórica de inspiração pós-colonial sobre esse entrecruzar Norte-Sul (“o Sul do Norte” e o “Norte do 
Sul”) e que questiona também certas concepções de pós-modernismo, ver Souza Santos (2004). Disponível em:<http://www.ces.
uc.pt/misc/Do_pos-moderno_ao_pos-colonial.pdf>. Para uma avaliação (sobretudo quantitativa) do aumento das desigualdades no 
interior da principal sociedade nacional hegemônica, os Estados Unidos, ver Dieguez (2008). Disponível em:<www.diplo.uol.com.br/
2008-2,a2214>.
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fetichismo da mercadoria, dominada pela lógica contábil em que praticamente tudo é trans-
formado em grandeza abstrata, passível de se tornar objeto de compra e venda, parece difícil 
até mesmo imaginar a manifestação de culturas ou “civilizações” com padrões efetivamente 
distintos de organização político-econômica e sociabilidade. É inerente à lógica do capital, 
bem sabemos, expandir-se tanto em profundidade, reordenando espaços já incorporados (a 
partir da reconstrução de territórios previamente existentes, ou seja, de dinâmicas intrínsecas 
de reterritorialização), quanto em extensão, incorporando constantemente novos territórios 
(ou seja, territorializando-se pela desterritorialização de grupos culturais e organizações so-
cioeconômicas distintos).
Muitos autores consideram como fase embrionária da globalização o próprio período ini-
cial de formação e afirmação do capitalismo, entre os séculos XV e XVIII. Robertson (1994), 
por exemplo, propõe a seguinte periodização para as diferentes fases do processo “denso e 
complexo” que levou à globalização:
• Fase I ou embrionária (do começo do século XV até a metade do século XVIII): marcada 
pela decadência do feudalismo, o crescimento das comunidades nacionais, o avanço 
das explorações geográficas e das conquistas territoriais, e a difusão dos conceitos de 
indivíduo e humanidade.
• Fase II ou incipiente (da metade do século XVIII até a década de 1870): fortalecimento 
de Estados unitários, formalização dos conceitos de relações internacionais e da pro-
blemática do internacionalismo, com a comunicação e a regulamentação ampliando-
se a partir da Europa para o resto do mundo.
• Fase III ou da decolagem (da década de 1870 até a metade da década de 1920): deba-
te sobre a “sociedade nacional [global] ‘correta’”, aceleração das comunicações, início 
do movimento ecumênico, implementação de hora e calendário universais, primeiro 
conflito considerado “mundial” (a Primeira Grande Guerra).
• Fase IV ou da luta-pela-hegemonia (do começo da década de 1920 até a primeira me-
tade da década de 1960): disputas e guerras em torno dos frágeis termos do processo 
de globalização estabelecido no final do período anterior, criação das Nações Unidas, 
sentimento humanitário global a partir do holocausto e da bomba atômica (evidência 
da possibilidade de destruição global).
• Fase V ou da incerteza (do início da década de 1960 até provavelmente o início dos 
anos 1990): inclusão do Terceiro Mundo nas redes do sistema industrial e intensifica-
ção da consciência global, com a difusão de várias instituições e movimentos globais, 
problemas crescentes de multi(ou trans)nacionalidade, complexificação do conceito 
de indivíduo com as questões de gênero e etnia, sistema internacional mais fluido, 
poderoso sistema de mídia global, questões ecológicas mundializadas.
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Podemos, entretanto, localizar as bases históricas mais firmes da globalização na etapa 
que Robertson identifica como de “decolagem”, entre 1870 e 1920 – ou, mais propriamente, 
até o início da Primeira Grande Guerra, em 1914. Em relação à importância da abertura eco-
nômica nesse período, autores que questionam a atual globalização econômica, como Hirst 
e Thompson (1998), chegam mesmo a afirmar que “em certos aspectos, a economia inter-
nacional atualmente é menos aberta e integrada do que o regime que prevaleceu de 1870 a 
1914” (p. 15). Esta época equivaleria aproximadamente àquela do capitalismo denominado 
de monopolista ou imperialista (LÊNIN, 1917,1979) quando, a partir do final do século XIX, 
o sistema econômico não só se expande por novas áreas como, sobretudo, impõe redivisões 
entre diferentes blocos de influência do capital financeiro, fato que fica explícito, sobretudo, 
com a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Temos assim, especialmente na primeira metade 
do século XX, uma intensificada disputa pela redivisão do mundo em termos dos centros de 
poder que sobre ele exercem influência.
Não se trata, é óbvio, de um avanço do capitalismo de forma linear e sem resistências. Se 
retrocedermos no tempo, verificaremos que, na identificação de fases ou “ondas”, o capitalis-
mo apresentou avanços e recuos em sua dinâmica competitiva, imperialista e globalizadora, 
não só pela natureza contraditória de sua reprodução como também pela interferência, mais 
ou menos intensa, dos trabalhadores (organizados em sindicatos, por exemplo) e do Estado 
(principalmente dentro do “capitalismo burocrático total” [Castoriadis, 1985] do chamado so-
cialismo [ir]real). Alternando fases de acumulação e crise, estabilidade e instabilidade (que 
não se restringem à lógica econômica, incluindo também a lógica político-militar), “liberalis-
mo” e maior intervenção do Estado, o capitalismo se reordena, sobretudo em função das cons-
tantes inovações tecnológicas, criando com elas novas “necessidades” capazes de redirecionar 
e reimpulsionar os ciclos produtivos. Este permanente avanço tecnológico é que favorecia a 
percepção de um avanço ou “progresso” cumulativo e linear, pelo menos até o agravamento 
das questões ambientais.
Podemos, entretanto, propor pelo menos alguns elementos bastante amplos que servem 
de referenciais indicativos da globalização em um sentido geral. Entre eles destacaríamos, to-
dos portadores de contradições e ambivalências,
• o princípio econômico expansionista “global” inerente à acumulação capitalista desde 
suas origens (claramente enfatizado no Manifesto Comunista de Marx e Engels) e o 
processo colonialista e/ou imperialista que o acompanhou, difundindo gradativamen-
te por todo o planeta a ideologia do consumo de grupos seletos e de massa;
• o modelo político estatal, reprodutível ao nível global como forma exclusiva (e, em 
vários sentidos, excludente) de gestão socioterritorial, a partir do sistema jurídico de 
estruturação e garantia da propriedade privada;
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• o princípio ideológico universalista da filosofia iluminista europeia (ou da chamada 
modernidade ocidental), a partir da crença na figura do indivíduo autônomo e, com 
ela, de valores e direitos universais;
• mais recentemente, o princípio da “finitude comum” da humanidade, gerado contra-
ditoriamente pelo mesmo “modelo” que dilapidou o planeta, princípio este abalizado 
por ações concretas de alto poder simbólico, como o já comentado lançamento da 
bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial.
O acirrar dessa dinâmica concomitantemente fragmentadora (mais para os “de baixo”) 
e globalizadora (mais paraos “de cima”) leva, nos anos 2000, à configuração de uma nova 
des-ordem caracterizada não mais pelo predomínio de processos socioeconômicos e/ou polí-
tico-militares, típicos do período de confronto entre dois blocos, mas também, às vezes com 
igual relevância, pela dimensão simbólico-cultural, com o fortalecimento de conflitos com 
forte (mas, obviamente, nunca exclusiva) conotação cultural, especialmente étnico-religiosa 
(HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006).
Propomos redenominar essa última fase, pois a “incerteza” – ou, talvez mais apropria-
damente, como decorrência dela, a “insegurança” –, que parece ter mesmo se acentuado na 
primeira década do século XXI, não é um traço definidor apenas daquele período, como queria 
Robertson. Ela parece inaugurar uma característica fundamental de todo um novo e mais am-
plo momento da história da globalização, a que faremos referência mais adiante.
Poderíamos, assim, redefinir a fase V, do final (e não do início) dos anos 1960 (especial-
mente com as manifestações de maio de 1968) até o início dos anos 2000 e denominá-la 
era da “insegurança” e, concomitantemente, como diriam Foucault e Deleuze, em nome do 
próprio combate a esta “insegurança”, do aumento e da sofisticação das formas de controle. 
“Insegurança”, aqui, é muito importante frisar, não carrega apenas um sentido negativo, mas 
representa ainda o potencial mais explícito da mudança. Isto também equivale a interpretar 
o período mais “seguro” que a antecedeu, obviamente, não como um período mais “positivo” 
pelo simples fato de revelar maior “segurança” – que, neste caso, associa-se igualmente com 
estabilidade, esta podendo ser conquistada às custas, por exemplo, de muita opressão (como 
foi o caso dos regimes ditatoriais latino-americanos). Aliás, é justamente esta leitura unila-
teral e maniqueísta que associa segurança com o positivo e insegurança com o negativo que 
pauta o discurso ideológico dominante. A “sociedade de (in)segurança” em que vivemos é em 
grande parte uma produção desse campo simbólico ou de representações.
Associada à produção dessa incerteza e insegurança (e, por outro lado, ao mesmo tem-
po de abertura para o novo), encontramos a gradativa dissociação dos padrões hegemônicos 
anteriores. Estes eram pautados no binarismo que se refletia na bipolaridade em nível políti-
co-ideológico (blocos capitalista e socialista) e que foi, aos poucos, dando lugar à multiplici-
dade das chamadas “políticas pós-modernas” ou “da diferença”. A afirmação do neoliberalismo 
econômico dito pós-fordista ou de acumulação flexível (altamente especulativo), deu lugar 
também à insegurança nas relações de trabalho, com a fragmentação dos movimentos sociais 
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e a precarização socioeconômica de uma massa crescente da população, colocada estrutu-
ralmente à margem por uma economia altamente tecnificada e “fictícia” (financeirizada) e 
potencializada em termos da imprevisibilidade de sua ação/de seus efeitos sobre a nova des-
-ordem em construção.
Os anos 2000, provavelmente evidenciando um novo período, ainda não muito claro, tra-
zem à tona com mais força a contradição da globalização em termos de suas dimensões e de 
seu alcance, aflorando com mais ênfase a dissociação entre sua efetivação material (especial-
mente em termos tecnoecológicos), seu reconhecimento no campo da cultura (com a ausência 
ou dificuldade de um consenso simbólico-cultural mais amplo) e sua necessidade (mas tam-
bém ausência) no nível jurídico-político. Trata-se de uma verdadeira encruzilhada, em que são 
gestadas novas alternativas, entrelaçando alguns dilemas básicos:
• a problemática ecológica, especialmente o aquecimento global e seus desdobramen-
tos imprevisíveis, que coloca em primeiro plano a consciência global das questões 
ambientais e, consequentemente, o questionamento do atual modelo social, espe-
cialmente em seu padrão econômico-energético e tecnológico;
• o jogo entre o revigorar de identificações culturais fragmentadoras (ou, simplesmente, 
diferenciadoras) e valores particularistas e o reconhecimento (de alguma forma visto 
como também necessário) de uma identidade global universalizadora, algo como a 
“Terra Pátria” proposta por Morin e Kern (1993);
• as disputas políticas entre Estados-nações, ainda os principais instrumentos políticos 
na construção da hegemonia, pelo estabelecimento de consensos sobre questões cuja 
amplitude de ocorrência e intensidade requerem, de fato, medidas globais, sugerindo 
até mesmo a constituição de uma cidadania mundial comum (SASSEN, 2010).
Por outro lado, trata-se também, indiscutivelmente, do período em que se manifesta, pela 
primeira vez com intensidade, o que pode ser chamado de um conjunto de movimentos con-
traglobalizadores, tendo como marco histórico o movimento zapatista e sua luta contra o neo-
liberalismo e a favor de uma espécie de socialismo na diferença. Movimentos contraglobaliza-
dores não mais no sentido de, simplesmente, contraporem-se aos processos de globalização 
(ou a uma globalização em sentido genérico e, por isto, bastante abstrata) que, pelo menos 
em termos de escala das ações (pretendidas ou necessárias), são tidas como praticamente 
irreversíveis, mas também de efetivamente proporem projetos por outras globalizações, tanto 
num sentido neoconservador (como no caso do fundamentalismo islâmico) quanto progres-
sista (como em muitas manifestações veiculadas por meio dos Fóruns Sociais Mundiais).
Ainda que cientes da necessidade de periodizações como aquela proposta por Robertson, 
não devemos confundi-la com a ideia de uma evolução linear progressiva da globalização 
(havendo sempre, portanto, a possibilidade de avanços e recuos) e muito menos com uma 
transformação geral, concomitante e uniformemente produzida em relação a suas diversas 
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dimensões (social, econômica, político-militar, cultural, ambiental). Na verdade, propomos 
estabelecer o debate sobre a globalização sempre conjugado a sua contraface, aquela que 
denominamos, incorporando sentido amplo já legitimado, de “fragmentação” – e que outros, 
mais simplificadamente, também denominam de “regionalização”.
No sentido mais geral de fragmentação aqui adotado, e como será melhor discutido mais 
adiante, não se vinculam apenas dinâmicas que se contrapõem às dinâmicas globalizadoras, 
mas também muitas que, de algum modo, a compõem, como um de seus elementos indis-
sociáveis. Alguns autores, especialmente no âmbito econômico, utilizam também o termo 
“regionalização” (ou mesmo “novos regionalismos”, quando se referem aos blocos econômi-
cos) para destacarem esta outra face da globalização. Preferimos dotá-lo de maior rigor e re-
servarmos um sentido mais estrito para este termo,3 propósito central no desdobramento da 
problemática principal abordada nos capítulos subsequentes deste trabalho.
Uma globalização da in-segurança e da “exceção”?
Hoje, sem dúvida, a incerteza ou a imprevisibilidade e o risco são aspectos fundamentais 
que moldam a chamada globalização. Em outras palavras, somos marcados pelo discurso da 
insegurança, legitimando, mais do que nunca, um outro, o da necessidade de uma “sociedade 
de controle”, profeticamente delineada por Orwell em seu clássico 1984. Como parte de uma 
sociedade da “in-segurança” ou do “des-controle” fortalece-se, também, aquela que Foucault 
denominou “sociedade biopolítica”, uma sociedade com raízes ainda nos séculos XVII-XVIII (e 
que se firma a partir do século XIX), em que o propósito fundamental é o de “fazer viver”, 
prolongando a vida e estimulando os mecanismos biotecnológicos nas mais diversas áreas ou 
evitando/retardando a morte, que inverte o princípio do poder soberano tradicional que se 
fazia em torno do “fazer morrer”, do legislar basicamente sobre a morte (FOUCAULT, 2002, p. 
294). Os grandes genocídios do último século seriamdesencadeados, paradoxalmente, tam-
bém, em nome da vida: a morte, quando estimulada, é produzida visando maximizar a vida 
ou, pelo menos, a vida “seleta” de determinado grupo – e suas características biológicas (de 
aptidão física, pureza étnica etc.), isto é, daqueles que, de fato, “mereceriam” viver.
Gradativamente, o perigo ou risco fundamental passa a ser não exatamente a reprodução 
biológica, como em conhecidas linguagens neomalthusianas, mas o próprio desaparecimento 
da vida, que é julgada assim o centro das preocupações e da “governamentalidade” do Estado. 
Substitui-se o antigo poder soberano de “fazer morrer”, de decretar a morte, pelo poder bio-
político de “fazer viver” ou, mais ainda, de não deixar morrer ou até mesmo de não promover 
a extinção da própria espécie humana. A relevância que este tema adquire no contexto atual 
está ligada à própria definição de globalização, pois uma das preocupações que primeiro se 
efetivou como questão global foi sem dúvida a problemática ecológica e as consequentes ga-
rantias de reprodução da vida (em paralelo aos riscos de sua extinção). Ela está diretamente 
3 Para uma discussão sobre o tema ver Haesbaert (2010).
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ligada ao padrão capitalista dominante, arquitetado agora, entre outros, pela produção do 
próprio risco, da (“indústria” da) insegurança e do medo.
Globalização e fragmentação, ou se quisermos, “individualização”, são dinâmicas que po-
dem ser associadas ao que Foucault denominou de biopoder e poder disciplinar. O poder dis-
ciplinar estava focado sobre a figura do homem-corpo, os mecanismos disciplinares visando 
fortalecer sua figura enquanto indivíduo, passível de permanente incorporação ao mercado 
de trabalho e aos circuitos de produção e consumo. Por outro lado, numa sociedade biopolí-
tica em que não se acredita mais nessa inserção generalizada no mundo da exploração (ou, 
numa ótica conservadora, do “progresso”) pelo trabalho, produzindo uma massa crescente de 
despossuídos, os mecanismos de segurança estão centralizados no controle do homem en-
quanto espécie, enquanto “população”4 – em que a preocupação básica pode não ser mais a 
de sua reprodução enquanto (potencial) indivíduo trabalhador, produtivo, “força de trabalho”, 
mas, sobretudo, enquanto população que, como entidade biológica, se reproduz, se expande 
e circula.
A emergência da “população” como questão no campo das ideias e como realidade em-
pírica se projeta a partir dos séculos XVII e XVIII e, sobretudo, do XIX, de forma a trabalhar 
genericamente, “globalmente”, o conjunto dos homens. A estatística – de alguma forma uma 
“ciência de Estado”, como se percebe na sua origem etimológica, especialmente a estatística 
demográfica e econômica, em seu caráter global, universalizante, tratando todos como uni-
dades de uma mesma espécie (biológica) – passa a ser um dos instrumentos fundamentais 
para o controle social.
Nossa época, juntamente com as marcas foucaultianas da “segurança” e da “biopolítica”, 
é também, assim, uma época de generalização do “controle”5 (DELEUZE, 1992), do controle, 
antes de mais nada, da circulação, dos fluxos – do capital, da informação e, sobretudo, da 
população (notadamente em suas frações subalternizadas). De forma ambígua – ou mesmo 
justificando essas expressões – é também a época em que começamos a perder o poder sobre 
a vida (e banalizamos a morte), a época em que vigora o descontrole – inclusive dos territó-
rios, com a relativa crise da soberania territorial do Estado. Nosso tempo “global-fragmen-
tado” é, assim, o tempo da indistinção do dentro e do fora, do móvel e do imóvel, no qual 
as fronteiras territoriais “de soberania” nunca foram, ao mesmo tempo, tão vulneráveis e tão 
fechadas. Os novos muros mundo afora (mapa 1) são uma evidência disso: é justamente em 
plena crise da soberania estatal (é sobretudo diante dos fluxos transnacionais que eles são 
erguidos) que as fronteiras precisam, de alguma forma, “espetacularmente” (como destaca 
BROWN, 2009), manifestar mais explicitamente sua existência. Os novos muros, ainda que 
pautados pela pouca eficácia, não se restringem às fronteiras internacionais, expandindo-se 
no nível das propriedades privadas (residências gradeadas ou muradas) e das “comunidades” 
4 População, no sentido foucaultiano, vista aqui como “uma multiplicidade de indivíduos que são e que só existem profundamente, essen-
cialmente, biologicamente ligados à materialidade no interior da qual eles existem”. (FOUCAULT, 2004b, p. 23, tradução nossa)
5 Para uma seleção bibliográfica sobre o tema do “controle” (social) na Geografia, ver Fraile (1990).
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(tanto dos condomínios fechados dos mais abnegados quanto das favelas e bairros pobres, 
como no Rio de Janeiro). A problemática (efetiva ou imaginária) da in-segurança se torna aí, 
muitas vezes, o discurso dominante.
Na afirmação de Deleuze com que abrimos nosso livro O mito da desterritorialização:
[...] o homem não é mais o homem confinado, mas o homem endividado. É verdade que o 
capitalismo manteve como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade, po-
bres demais para o endividamento, numerosos demais para o confinamento: o controle não só 
terá que enfrentar a dissipação das fronteiras, mas também a explosão dos guetos e favelas. 
(DELEUZE, 1992, p. 224)
Poderíamos dizer que vivemos o tempo dos paradoxos e da perplexidade (DREIFUSS, 1996) 
ou, se quisermos, por fidelidade a Ulrich Beck e Giorgio Agamben, dos “riscos” e das “exceções” 
territoriais (em que esses “territórios de risco” e/ou “de exceção” podem facilmente se tornar 
a regra, principalmente diante daquilo que Klein (2008) denominou nosso “capitalismo de 
desastre”, gerenciador de catástrofes). Assim, é melhor afirmar que a designação da sociedade 
e dos processos de globalização contemporâneos, a partir dos termos “segurança”, “controle” 
e/ou “biopolítica”, na verdade deveria incorporar seu caráter profundamente contraditório e 
ambivalente e ser substituída pelos binômios “in-segurança”, “des-controle” e “bio-tanatopolí-
tica”. Por outro lado, seremos assim inteiramente coerentes, também, com a indissociabilidade 
do binômio globalização-fragmentação.
Com relação à insegurança e à perda de controle, o sociólogo alemão Ulrich Beck, em um 
livro, hoje tornado clássico, publicado ainda na década de 1980, propôs o termo “sociedade de 
risco” para definir a sociedade contemporânea:
Este conceito designa uma fase de desenvolvimento da sociedade moderna em que, atra-
vés da dinâmica de mudança a produção de riscos políticos, ecológicos e individuais escapa, 
cada vez em maior proporção, às instituições de controle e proteção da chamada sociedade 
industrial. (p. 201) [...] a sociedade de risco se origina ali onde os sistemas de normas sociais 
fracassam em relação à segurança prometida ante os perigos desencadeados pela tomada de 
decisões. (BECK, 1996, p. 206)
Com relação ao que estamos denominando de bio-tanatopolítica, por sua vez, verifica-se 
que, paralelamente a uma preocupação inédita com as diferentes formas de vida (com a “biodi-
versidade”, em sentido amplo), ocorre uma “desqualificação progressiva da morte” (FOUCAULT, 
2002, p. 294), como aquela envolvida no discurso e nas práticas de racismo. Segundo Foucault, 
o racismo é uma cesura do tipo biológico no interior desse próprio domínio, no qual a morte do 
outro significa o meu fortalecimento – não se trata apenas de garantir a segurança da “minha 
vida”, mas de evitar a proliferação da “raça ruim, da raça inferior (ou do degenerado, ou do 
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Rogério Haesbaert | 21
anormal)”, deixando assim “a vida em geral mais sadia [...] e mais pura”. (2002, p. 305) Desse 
modo, “o poder de expor uma população à morte geral é o inverso do poder de garantir a outrasua permanência em vida”. (FOUCAULT, 1985, p. 129)
Mapa 1 – Os novos muros fronteiriços
Tende a proliferar algo próximo da figura ambivalente que Agamben denominou de homo 
sacer, o homem “insacrificável e, todavia, matável” (AGAMBEN, 2002, p. 90), que “pertence ao 
Deus na forma da insacrificabilidade, e é incluído [pela “exclusão” ou banimento] na comuni-
dade na forma da matabilidade”, experimentando assim uma “dupla exclusão em que se en-
contra preso” (excluído concomitantemente do direito humano e do divino) e uma “violência à 
qual se encontra exposto” (já que, “matável”, diante dele todos os demais são “soberanos”, pois 
podem matá-lo sem que com isso cometam homicídio) (2004, p. 90),6 Condenado à “vida nua”, 
o homo sacer teria no “campo” o seu espaço ou território por excelência.
Para o autor, o “campo” é o “puro, absoluto e insuperável espaço biopolítico (e enquanto 
tal fundado unicamente sob o Estado de exceção). [...] paradigma oculto do espaço político 
da modernidade” (2002, p. 129). Em outras palavras, “o campo é o espaço que se abre quando 
o estado de exceção começa a tornar-se a regra”, quando este “cessa de ser referido a uma 
6 “Nos dois limites extremos do ordenamento, soberano e homo sacer apresentam duas figuras simétricas, que têm a mesma estrutura e 
são correlatas, no sentido de que soberano é aquele em relação ao qual todos os homens são potencialmente homines sacri e homo sacer 
é aquele em relação ao qual todos os homens agem como soberanos”. (AGAMBEN, 2002, p. 92) O “homo sacer” representaria, em outras 
palavras, “a figura originária da vida presa no bando soberano e conservaria a memória da exclusão originária através da qual se constituiu 
a dimensão política”. (2002, p. 91) Não se trata da “simples vida natural” (a “zoé”, pela distinção grega em relação à “bios”) ou da simples 
“animalização do homem”, como dizia Foucault, mas da “vida exposta à morte (a vida nua ou vida sacra)”, “elemento do poder originário” 
(p. 96). Para Agamben, o “bando” é “remetido à própria separação e, juntamente, entregue à mercê de quem o abandona, ao mesmo 
tempo excluso e incluso, dispensado e, simultaneamente, capturado” (2002, p. 116). O “bando” carrega tanto a “insígnia da soberania” 
(que o “baniu”) quanto a “expulsão da comunidade”.
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situação externa e provisória de perigo factício e tende a confundir-se com a própria norma” 
(AGAMBEN, 2002, p. 175). Assim:
[...] o campo é também o mais absoluto espaço biopolítico que jamais tenha sido realizado, 
ao qual o poder não tem diante de si senão a pura vida nua sem qualquer mediação. Por isso 
o campo é o próprio paradigma do espaço político no ponto em que a política torna-se bio-
política e o homo sacer se confunde virtualmente com o cidadão. (AGAMBEN, 2002, p. 178)
Embora seja difícil identificar essa “pura vida nua”, difundem-se, sem dúvida, “espaços” ou 
“territorializações de exceção” (HAESBAERT, 2006) – provavelmente não na escala e intensida-
de sugeridas por Agamben (2004), mas onde aparecem traços claros do que o autor identifica 
como “Estados de exceção”, nos quais leis emergenciais/excepcionais, inerentes ao próprio 
poder soberano, acabam por se tornar a regra. De territórios mais restritos como os campos 
de concentração e espaços de controle de migrantes até o próprio Estado em seu conjunto 
(no caso, por exemplo, do P.A.T.R.I.O.T. Act7 pós-11 de setembro para todo o território norte-a-
mericano), pode-se identificar uma complexa “geografia” em diferentes formas de des-orde-
namento (sempre hifenizado) que, com base no discurso da segurança biopolítica, acaba por 
percorrer praticamente todo o planeta, de alguma forma “globalizando” (em diferentes níveis) 
políticas de exceção, especialmente em relação ao que, como veremos mais adiante, pode ser 
caracterizado como “aglomerados de exclusão”.
Trata-se, sem dúvida, de um processo acompanhado por uma nova configuração do 
Estado, chamado a exercer funções diretamente relacionadas com o discurso da in-segurança, 
e que coloca em cheque a tese da fragilização ou mesmo do fim do Estado-nação – especial-
mente quando a insegurança e os riscos embutidos numa crise financeira internacional, como 
a de 2008, voltam a demandar fortes intervenções estatais. Tem-se, contraditoriamente, um 
Estado que é chamado a intervir em questões de ordem transnacional ou global, evidentes 
para muito além de sua estrita esfera territorial de soberania.
A reconfiguração do Estado sob a globalização
O papel do Estado-nação dentro do capitalismo e, num sentido mais amplo, dentro da 
modernidade ocidental globalizadora, sempre foi ambivalente. Ao suprimir antigas divisões 
regionais e de clãs e se difundir como forma padrão de organização política pelo mundo,8 
o Estado universalizou determinados instrumentos de gestão (“técnicas de governamen-
talidade”, diria Foucault) que, ao mesmo tempo que estabeleceram inúmeros direitos (de 
7 Este acrônimo significa “Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism 
Act of 2001” (“Ato de 2001 para Unir e Fortalecer a América Proporcionando Ferramentas Apropriadas Necessárias para Interceptar e 
Obstruir o Terrorismo”, em tradução nossa).
8 Uma “sociedade de nações” que, iniciada simbolicamente na Europa com o Tratado de Vestfália em 1648, só se globalizou de fato com o 
processo de descolonização nas décadas de 1950 e 1960.
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“cidadania”), especialmente no nível individual, fortaleceram os interesses do capital e, mui-
tas vezes, impuseram-lhe alguns limites, reordenando sua circulação, como ocorreu recente-
mente no gerenciamento da crise financeira pelo chamado G-20.
Assim, o domínio das “sociedades nacionais” (como enfatizou ROBERTSON, 1994), ao con-
trário de uma leitura disseminada no senso comum, é um aspecto fundamental do processo 
globalizador. Segundo Sassen (2010), não se pode esquecer que “certos componentes chave 
do global se estruturam dentro do nacional, o que produz múltiplas instâncias de desnaciona-
lização especializada” (p. 25).
Robertson define como componentes centrais da globalização as sociedades nacionais, os 
sistemas de relações internacionais e “os conceitos de indivíduo e de humanidade” (1994, p. 34, 
grifos do autor). Não se pode esquecer, contudo, que o papel ambivalente do Estado se reflete 
nitidamente hoje entre um Estado que tenta transcender os particularismos e diz promover 
os ideais modernos de cidadania e autonomia (centradas na figura do indivíduo universal) e 
outro que, pautado mais no comunitarismo referido a etnia e religião (ou no jus sanguinis), por 
exemplo, acaba por vezes promovendo a fragmentação e/ou o sectarismo.9
Não há dúvida de que as mudanças no poder focalizado na figura do Estado, a partir prin-
cipalmente da alegada crise pela qual ele estaria passsando desde pelo menos os anos 1980, 
com a instauração de um padrão de acumulação capitalista dito mais flexível e descentraliza-
do (o pós-fordismo), a chamada revolução informacional e a desregulamentação do capital 
financeiro (iniciada com a crise do acordo de Bretton Woods no final dos anos 1960 e hoje 
colocada seriamente em xeque), sem falar na paralela queda dos regimes burocráticos alta-
mente centralizados do chamado bloco socialista e, de maneira geral, na intensificação dos 
fluxos transnacionais de toda ordem, levaram a um relativo debilitamento da sua capacidade 
de controle sobre diversos fluxos através de suas fronteiras. Além disso, restringiu-se também 
seu poder direto de intervir, internamente, na configuração de regiões e territórios, sobretudo 
por intermédio do macroplanejamento territorial.
Nesse sentido, a tendência do Estado capitalista de “monopolizar os procedimentos de 
organização do espaço e do tempo que se constituem, para ele, em rede de dominaçãoe de 
poder”, destacada por Poulantzas (2000, p. 98), parece estar sendo colocada em questão. A 
própria retomada de políticas de planejamento regional ou de “ordenamento territorial”, pelo 
menos em países de grandes dimensões como o Brasil, passou a priorizar escalas mais restritas 
e, muitas vezes, concentrada em áreas bastante seletivas do território.10
Podemos dizer que muitas políticas “paraestatais” (desdobrando a própria lógica do 
Estado) demonstram, se não a “perda de poder” do Estado tradicional, pelo menos a dele-
gação ou partilha de poder a/com outras esferas/escalas, tanto acima quanto abaixo de sua 
jurisdição. Basta lembrar, “a montante”, a formação de grandes blocos supranacionais, União 
9 Para um debate mais aprofundado sobre essas distinções, que incluem a própria diferenciação entre os padrões de organização estatal-
nacional das Europas Ocidental e Centro-Oriental, ver Schnapper (1994).
10 Substituem-se, no nosso caso, as macrorregiões que recobriam o território nacional como um todo (como no caso das “superintendências 
[macro] regionais” dos anos 1950-1970) por meso e microrregiões específicas, em distintos níveis de priorização.
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Europeia à frente (sem falar na proliferação de grandes fóruns multi[ou mesmo trans]nacio-
nais) e, “a jusante”, entidades políticas mais autônomas no nível intranacional, como os “novos 
regionalismos” e/ou “localismos” em diversas áreas do planeta, alguns incentivando o diálogo 
diretamente dos níveis “regional” e/ou “local” ao global, como veremos com mais detalhe no 
debate sobre novas configurações regionais, na segunda parte deste livro.
Na análise dessa reestruturação do papel des-reterritorializador do Estado sob a globaliza-
ção, devemos considerar a distinção e o cruzamento de diversos elementos, entre eles:
a) os sujeitos em jogo e seus objetivos políticos, desde os grupos econômicos e políti-
co-militares hegemônicos em suas reestruturações conservadoras até os movimentos 
sociais de resistência em suas estratégias de transformação autonomista e reapropria-
ção/reconfiguração do Estado (como tentam construir hoje muitos grupos subalternos 
latino-americanos);
b) as escalas dessa reestruturação, seja nas relações voltadas para fora do Estado (numa 
escala inter-nacional ou global), seja para as que se constituem prioritariamente no 
seu interior;
c) os níveis de flexibilização e/ou de centralização das decisões nas mãos do aparato es-
tatal e suas repercussões diferenciadas nas esferas econômica, político-militar, cultu-
ral e/ou ambiental.
No campo econômico, parece se repetir um processo recorrente dentro do modo de produ-
ção capitalista que alterna intervenções estatais mais agudas com outras insipientes, ou, nas 
palavras de Arrighi (1996), trata-se de um jogo entre “territorialismo” (com maior intervenção 
do Estado) e “capitalismo” (em seu sentido mais estrito), reproduzido ao longo de toda a his-
tória desse modo de produção.
Mesmo, sob o domínio do neoliberalismo, tendo perdido terreno em setores-chave como 
o controle dos fluxos financeiros e de informação, o Estado volta a ser chamado a atuar, em-
bora nem sempre com sucesso, em épocas de crise, como a recente crise financeira global 
de 2008. Ele sempre dispôs de alguns mecanismos, por exemplo, para alterar taxas de juro e 
câmbio, fundamentais na atração do capital globalizado, ou para controlar algumas fontes de 
informação, como tentam fazer a China e outros países ditatoriais em relação a determinadas 
informações difundidas pela internet. Mesmo a propalada hipermobilidade global, associada 
à “deslocalização” de grandes empresas, se revela uma falácia quando nos deparamos com o 
papel do Estado no estímulo à instalação dessas empresas em determinados locais em função 
de isenções fiscais e outros benefícios indiretos, incluindo a própria garantia de infraestrutura 
e de qualificação da força de trabalho (a produção daquilo que alguns denominaram “capital 
pensante”, hoje fundamental).
Como afirmava Defarges, ainda no início dos anos 1990:
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[...] as decisões de modernização das redes telefônicas, de construção de autoestradas ou de 
aeroportos pertencem às autoridades públicas (Estados, eventualmente regiões ou comunas), 
que têm suas exigências, seus preconceitos, frequentemente suas normas. A globalização 
deve se acomodar à fragmentação do mundo em entidades políticas, mesmo se a abertura 
dos mercados públicos está na ordem do dia [...] (DEFARGES, 1993, p. 49).
Outro setor em que o Estado sempre manteve uma função e que hoje parece, relativamen-
te, fortalecer-se, é o do controle da força de trabalho – ou, pelo menos, de sua mobilidade. 
Se há um papel em relação ao qual as fronteiras, cada vez mais permeáveis no que se refere a 
outros fluxos, foram reforçadas é o do controle da mobilidade da população, sobretudo, mas 
não apenas, a população enquanto força de trabalho. Embora raras vezes com efetivo sucesso, 
o Estado, mundo afora, é chamado a exercer maior controle sobre o fluxo de imigrantes, quer 
mediante legislações altamente seletivas, quer mediante o fortalecimento do próprio controle 
físico – ou informacional – sobre suas fronteiras territoriais (ver, por exemplo, os muros fron-
teiriços no mapa 1).
É importante lembrar também que, na sua enorme heterogeneidade, o Estado, ainda que 
na forma de pequenos e frágeis territórios, muitas vezes é criado ou reconfigurado justamente 
para servir como espaço estratégico às grandes redes do capital financeiro globalizado, como 
é o caso, fundamental para estes circuitos, dos paraísos financeiros internacionais, espécies de 
“Estados de exceção” em sentido menos estrito e literal (por não incluírem claramente o sen-
tido biopolítico da “vida nua”), estimulados justamente pelo caráter de um sistema jurídico, 
no qual, literalmente, “o ilegal torna-se legal”, especialmente por seu papel na lavagem de 
dinheiro.11
Considerando ainda a grande diversidade de Estados, em níveis de poder extremamente 
diferenciados, alguns deles, mesmo num sentido econômico mais amplo, continuam exercen-
do um papel muito relevante, inclusive no setor produtivo. O caso da China é o mais emble-
mático, com empresas estatais muito poderosas e controles seletivos, inclusive territoriais, 
ainda hoje, sobre a entrada do capital estrangeiro (v. capítulo referente à China neste livro). 
O Vietnam, no Sudeste Asiático, segue modelo semelhante. No âmbito do ex-bloco soviético, 
também se destacam países de economia mais dirigida, como alguns Estados da chamada 
Ásia Central. Seguem-se outros, mesmo sem heranças “socialistas”, como alguns países árabes 
11 Crédito a Lia Machado a consideração a respeito deste elo entre “Estados de exceção” e paraísos fiscais. Geoff Cook, ex-diretor financeiro do 
banco HSBC e diretor da Jersey Finance Limited (Jersey é uma pequena ilha do Canal da Mancha com estatuto especial dentro da Common-
wealth britânica), usa o eufemismo de “território fiscalmente neutro” para definir o estatuto de seu paraíso fiscal. Há quem identifique 
até 70 “centros offshore”, como também são chamados, abrigando cerca de 11,5 trilhões de dólares de grandes magnatas internacionais. 
(MULLER-CIRAN, 2008). Para estes últimos dados o autor pautou-se em estimativas da ONG Tax Justice Network em seu relatório The price 
of offshore, Londres, 2005). Em reunião do G-20, o grupo que reúne as 19 maiores economias mundiais e a União Europeia, realizada em 
abril de 2009, para gerenciar a crise financeira global e combater a evasão fiscal, a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvol-
vimento Econômico) divulgou lista com 42 paraísos fiscais que não teriam se comprometido com um proposto acordo internacional de 
padronização tributária (Costa Rica, Malásia e Filipinas) ou se comprometido de forma parcial (entre estes constandopaíses da própria 
OCDE, como Suíça, Áustria, Bélgica e Luxemburgo, além de outros como Uruguai, Chile, Guatemala, Panamá, Brunei, Singapura, Mônaco, 
Liechtenstein, San Marino e Andorra).
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(Emirados Árabes à frente) e, mais recentemente, países da América do Sul, como Venezuela, 
Bolívia e Equador, que propuseram políticas econômicas redistributivas que incluem a rees-
tatização de grandes empresas, especialmente em setores estratégicos como o de energia. A 
crise financeira global desencadeada em 2008 veio alterar significativamente esses processos, 
retomando e generalizando, quem sabe, um novo ciclo capitalista de maior intervenção esta-
tal na economia, e que também pode manifestar a necessidade da reformulação de organiza-
ções supranacionais (como no caso da União Europeia).
Por outro lado, num sentido amplo, as dinâmicas de privatização e de retração dos espaços 
públicos que acompanharam esse momento da globalização alcançaram não apenas a seara 
econômica, mas também a esfera de mais típica prerrogativa do Estado: o setor militar, lócus 
do pretenso exercício do “monopólio da violência legítima”. Aí o Estado também perde poder 
em termos de controle territorial, não só ao ter de admitir (e às vezes até estimular, ainda que 
indiretamente) a proliferação interna de territórios de segurança privada (que pode, inclusive, 
acarretar a apropriação de espaços públicos) como a difusão, externa, de grupos privados que 
lutam não mais diretamente em nome de um Estado, mas em função de empresas às quais en-
contram-se subordinados e que vendem seus serviços no mercado de conflitos e de violência 
globais. Surgem daí, também, muitas figuras “híbridas”, como no caso das milícias.
Paralelamente a esses Estados “economicamente mínimos” (e, portanto, a favor da des-
-reterritorialização do/pelo mercado), articula-se assim um movimento de transformação na 
esfera político-militar, especialmente aquele envolvendo a chamada problemática da segu-
rança que, como já destacamos, tanto tem dominado o discurso recente, pós 11 de setembro 
de 2001 e a emergência do chamado megaterrorismo globalizado.
Uma nova – ou nem tão nova – manifestação do poder nessas sociedades, como vimos, é 
aquela denominada por Foucault de biopoder que, embora longe de se restringir à figura do 
Estado, também é profundamente incorporada por este, reestruturando assim o seu papel. 
Se antes o aparelho estatal estava preocupado em reconhecer e alimentar processos “disci-
plinadores”, capazes de manter, por exemplo, instituições de reclusão dos “anormais”, com a 
intenção de posteriormente resgatá-los à sociedade (intuito pelo qual teoricamente se estru-
turou o sistema prisional), hoje ele se mobiliza a fim de conter a “massa” ou as “populações” 
(nos termos de Foucault) estruturalmente excluídas dos direitos de cidadania e motivo de 
preocupação, sobretudo, por sua reprodução biológica e difusão de “insegurança” (inclusive 
via proliferação de epidemias).
Passa-se, segundo Foucault, da preocupação com o “homem-corpo” para o “homem-vi-
vo”, o “homem espécie”.12 Aí, podemos dizer, desenham-se duas grandes preocupações com 
as quais o Estado também pode recompor seu papel: a preocupação com os problemas do 
12 Segundo Foucault, “a disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens na medida em que essa multiplicidade pode e deve redundar em 
corpos individuais que devem ser vigiados, treinados, utilizados, eventualmente punidos. [...] a nova tecnologia [...] se dirige à multiplici-
dade dos homens, não na medida em que eles se resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa global, 
afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença etc. [...] 
uma ‘biopolítica’ da espécie humana”. (2002, p. 289)
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“meio”,13 da própria “natureza” em sentido amplo, e a preocupação com a circulação, com os 
fluxos, como já destacamos. Segundo Foucault, num texto premonitório escrito ainda no final 
dos anos 1970:
[...] desta vez o soberano não é mais aquele que exerce seu poder sobre um território a partir 
de uma localização geográfica de sua soberania política; o soberano é alguma coisa que tem 
a ver com uma natureza ou, antes, à interferência, ao intrincar-se perpétuo de um meio geo-
gráfico, climático, físico com a espécie humana, na medida em que ela tem um corpo e uma 
alma, uma existência física [e] moral; e o soberano será aquele que terá de exercer seu poder 
neste ponto de articulação em que a natureza, no sentido de elementos físicos, vem interferir 
com a natureza no sentido da natureza da espécie humana [...].” (FOUCAULT, 2004b, p. 24, 
tradução nossa)
Daí a ambígua posição do Estado quanto às suas fronteiras – por exemplo, cada vez (pelo 
menos até a crise de 2008) mais abertas para o capital financeiro e a maior parte das mercadorias 
e cada vez mais (tentativamente, pelo menos) fechadas para os fluxos de pessoas. Também em 
relação às questões ambientais, as políticas estatais podem atuar de forma ambivalente: obriga-
das a “abrir” seu território para atacar problemáticas ecológicas de maior magnitude, mais fluidas 
e globais, e a “fechar” territórios internamente a fim de criar áreas de preservação, muitas vezes 
formalmente intocáveis.
É nesse contexto de biopoder que emerge com força aquilo que, como já destacamos, 
Agamben (2002) irá denominar “estados de exceção”, quando o Estado, especialmente em prol 
da “segurança”, impõe leis de exceção como regra, o ilegal como legal, em nome de uma pretensa 
situação permanente de ameaça ou de “catástrofe” (inclusive ambiental). Difundem-se, assim, 
mundo afora, políticas de exceção, não apenas em parcelas específicas do território nacional mas 
no próprio Estado como um todo, decretando-se “estados de emergência”, “estados de sítio” ou 
legitimando-se a exceção via alegados “atos patrióticos”, como o decretado por Bush, nos Estados 
Unidos, em 2001. Pode-se estender este debate, também, para a ampliação dos setores e redes 
informais da economia, fundamentais, hoje, para a estruturação capitalista – de tal forma que 
acabam se confundindo e/ou retroalimentando os setores formais, um pouco como ocorre com 
os paraísos fiscais para a fração financeirizada do capital. Inclui-se aqui, é claro, toda a economia 
“de exceção” que envolve circuitos como o do narcotráfico.
Internamente ao território nacional criam-se “zonas especiais”, que podem ser mais estrita-
mente econômicas – como as zonas econômicas especiais ou zonas francas, hoje popularizadas 
no mundo inteiro, onde grande parte da legislação “normal” do país é colocada entre parênte-
ses, ou mais diretamente jurídico-políticas –, como os campos de refugiados e de controle de 
13 Termo utilizado por Foucault para definir a espacialidade predominante nas “sociedades de segurança” ou biopolíticas, nas quais a ques-
tão básica se torna o controle dos fluxos, da circulação – ou seja, “meio” é o espaço em que se dá a circulação (e que, no nosso ponto de 
vista, pode se confundir parcialmente, hoje, com a ideia de rede).
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imigrantes. Estas últimas, como já ressaltamos, configuram “campos”, espécies de território-lim-
bo em que vigoram processos de “exclusão includente”, ao mesmo tempo de exclusão – no senti-
do de que os migrantes são impedidos de entrar e usufruir dos direitos de cidadania nacionais – e 
de inclusão – na medida em que continuam dentro do “território nacional”, ainda que sob regras 
de exceção.
Esses processos, na verdade, mais do que um simplista refortalecimento do papel do Estado, 
estão inseridos em:
[...] uma lógica contraditória e ambivalente, na medida em que, se por um lado parece revelar seu 
fortalecimento,com o recurso frequente a “Estados de exceção”, por outro pode estar justamente re-
velando seu ocaso, no “desespero” de tentativas de controle que buscam, de certa forma, “controlar o 
incontrolável” (HAESBAERT, 2006, p. 33).
Não podemos esquecer também que é justamente no âmbito da organização política que a glo-
balização é considerada como tendo sua menor vitalidade, no sentido de que, mesmo após a criação 
da ONU, faltam novas entidades ou fóruns políticos globais efetivamente capazes de se sobrepor aos 
Estados-nações como instâncias de poder. Por enquanto, apenas a União Europeia parece configurar 
uma espécie de “supra-Estado”, ainda assim sem pretensão explícita de representar um poder global 
e enfrentando profunda crise nos últimos anos (v. capítulo específico neste livro). Neste sentido, po-
demos afirmar que o papel do Estado-nação continua firme, nem que seja simplesmente “por falta”, 
isto é, pela ausência ou debilidade de outras entidades políticas de gestão em níveis mais amplos. Ou, 
como defende Sassen (2010), por seu papel decisivo na “preparação” das condições para a efetivação 
das dinâmicas globalizadoras, especialmente no que se refere aos circuitos do capital financeiro.
Não devemos, contudo, confundir “organização política” global frágil com “debilitação do poder”, 
pois este se manifesta de diversas outras formas e não apenas na tradicional forma do poder político 
estatal. Assim, segundo Marcuse (2000), por exemplo, uma das marcas da globalização, ao lado dos 
avanços tecnológicos, é a concentração global do poder econômico, uma de suas formas mais organiza-
das e eficazes. Para o autor:
A importância da ação do Estado em permitir o funcionamento do sistema capitalista do mundo in-
dustrializado aumentou, não diminuiu, à medida em que este sistema se expande internacionalmen-
te. Se os Estados não controlam o movimento de capital ou de bens, não é porque eles não podem 
mas porque não o farão – trata-se de uma abdicação do poder estatal, não uma falta desse poder. A 
verdadeira importância concedida pelos interesses dos negócios internacionais aos acordos de tarifas 
da OMC, ao reforço governamental dos direitos contratuais e à proteção dos interesses de proprie-
dade intelectual atestam a continuidade, se não o crescimento, da importância do estado nacional. 
(MARCUSE, 2000, p. 3, grifo nosso).
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Na verdade, trata-se de uma espécie de conluio Estado nacional-empresa global, dificilmente 
redutível a uma lógica mais simples.14 Desse modo, devemos reconhecer que, se existe algum “poder 
global”, ele se refere à articulação de entidades que se organizam geograficamente muito mais por 
meio de lógicas reticulares do que zonais ou em área, corporações transnacionais à frente, mas que 
em hipótese alguma podem prescindir desse ordenamento territorial mais zonal capitaneado pelo 
Estado. O Estado abdica de poderes que de alguma forma delega às grandes empresas, ao mesmo 
tempo que a elas fica subordinado.15
Não podemos deixar de enfatizar, também, aqui, a força praticamente global da própria articu-
lação daqueles poderes ditos paralelos, parcialmente, pelo menos, à margem do controle estatal (na 
maioria das vezes com vinculações veladas ou mesmo intimamente atrelados [e confundidos] à figu-
ra do Estado), como muitos circuitos econômicos ilegais (e que acabam também, de alguma forma, 
militarizando-se), tráficos de toda ordem, de drogas, de armas, de pessoas, de animais ou mesmo de 
órgãos, todos eles de crescente importância na (i)lógica econômica do mundo contemporâneo.
A face econômica da globalização
Apesar de toda essa força dos circuitos globalizados da economia e suas articulações, in-
clusive, via instituições também globais, não podemos esquecer que, a partir da associação 
entre Estado e capital, forma-se de longa data aquilo que Michel Beaud (1992) denomina 
“economias nacionais capitalistas”. Apesar de sua propensão a libertar-se dessas formações 
sociais, o capitalismo acabou por fixar em alguns Estados os seus territórios-base, especial-
mente a fim de organizar – e dominar – seus mercados consumidores. Mesmo as empresas 
transnacionais, símbolos da globalização, muitas vezes competem entre si alegando razões 
nacionalistas – como foi muito evidente (e, em parte, ainda é) no caso de países como o Japão 
e a Coreia do Sul.
Muitos autores entendem que, até aproximadamente os anos 1960, o capitalismo em-
preendeu um gradativo (embora muito complexo) processo de internacionalização da econo-
mia, tornado ainda mais inter-nacional com a estreita conexão entre Estado e grande capital 
monopolista, a partir das políticas de inspiração keynesiana pós-Grande Depressão, nos anos 
14 Não esquecendo, neste caso, que, como enfatiza Sassen (2010), “empresa global” não existe como pessoa jurídica, tendo ainda que se 
atrelar a jurisdições nacionais. Nem mesmo existe a figura jurídica de uma empresa europeia, lembra a autora. Contudo, os Estados 
nacionais se esforçam cada vez mais para “desnacionalizar em parte seus marcos jurídicos e institucionais de tal modo que a empresa 
estrangeira possa operar em seus territórios como se fosse global”. Além disso, como já foi ressaltado, “os próprios Estados criaram de 
forma coletiva uma rede de espaços desnacionalizados que se inserem no mais profundo de seus territórios”. (SASSEN, 2010, p. 13-14)
15 Forrester (1997) já afirmava, às vezes de forma exagerada (utilizando inclusive a expressão “fora de qualquer território”), a imposição da 
“potência privada”, alheia às disposições do controle político territorial estatal clássico. Para a autora: “Essas redes econômicas privadas, 
transnacionais, dominam cada vez mais os poderes estatais; muito longe de ser controladas por eles, são elas que os controlam e formam, 
em suma, uma espécie de nação que, fora de qualquer território, de qualquer instituição governamental, comanda cada vez mais as 
instituições dos diversos países, suas políticas, geralmente por meio de organizações consideráveis, como o Banco Mundial, o FMI ou a 
OCDE”. (FORRESTER, 1997, p. 30)
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30 | Os dilemas da globalização – fragmentação
1930. Aí, o Estado-nação desempenhava um papel muito relevante,16 e suas fronteiras podiam 
representar alguns importantes constrangimentos à expansão e/ou à fluidez do capital e das 
grandes corporações internacionais. Consideramos importante, assim, distinguir os termos 
internacionalização e globalização. Como afirma Dicken (apud ORTIZ, 1994):
Embora sejam usados muitas vezes como sendo intercambiáveis, internacionalização e globa-
lização não são termos sinônimos. Internacionalização se refere simplesmente ao aumento da 
extensão geográfica das atividades econômicas através das fronteiras nacionais; isso não é um 
fenômeno novo. A globalização da atividade econômica é qualitativamente diferente. Ela é 
uma forma mais avançada, e complexa, da internacionalização, implicando um certo grau de 
integração funcional entre as atividades econômicas dispersas (ORTIZ, 1994, p. 16).
No sentido com que usualmente é considerada nos nossos dias, a globalização só começa 
efetivamente a tomar vulto a partir dos anos 1960 e, especialmente, nos anos 1970. A déca-
da de 1970 seria decisiva, pois com a hegemonia do capital financeiro ou de financiamento, 
altamente especulativo, cada vez mais autônomo em relação ao setor produtivo da economia 
e em relação às lógicas de reprodução das formações nacionais, consolida-se um “capitalismo 
mundial” (MICHALET, 1976,1983), no qual as empresas multi(ou trans)nacionais, integrando 
capital de financiamento e capital industrial, acabam adquirindo tamanho poder que são ca-
pazes de influenciar decisivamente a ação do Estado. As cifras de negócios de muitas empresas 
transnacionais tornam-se superiores à da maior parte dos Estados-nações pelo mundo.
Beaud (1992) denomina esse conjunto multifacetadoque reúne economias nacionais 
e economia-mundo de “sistema nacional/mundial hierarquizado – SNMH”, cuja dinâmica é 
“múltipla, diversificada, muitas vezes desconexa e contraditória” (p. 78), e que deve sempre 
ser analisado tanto numa perspectiva histórica quanto nas diferentes escalas geográficas em 
que se manifesta, tendo em vista que a economia mundial “é local/regional/internacional/
multinacional; é capitalista mas também estatal/mercantil/tributária/comunitária e domés-
tica” (p. 78).
Uma rede não só industrial (com a industrialização firmando-se em alguns países peri-
féricos, denominados depois por Wallerstein de “semiperiféricos”) mas, sobretudo, financei-
ra expande-se pelo mundo, acompanhada nos anos 1970 por um violento processo de en-
dividamento que atingiu não só o chamado Terceiro Mundo capitalista mas também o dito 
Segundo Mundo ou “Socialista”. A mobilidade do capital gera uma globalização financeira que 
“é facilitada pela técnica: introdução do computador, desmaterialização dos títulos, máquinas 
de transferência automática, redes de transmissão de dados, pontos eletrônicos de compra e 
venda, difusão de cartões de crédito” (DEFARGES, 1993, p. 46).
16 É importante lembrar que o ápice desse processo, o “Estado de bem-estar social”, não foi apenas resultado de uma estratégia moldada 
numa aliança intra-burguesa (representantes do Estado e capitalistas) mas também da pressão e da organização da sociedade civil, dos 
trabalhadores.
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Chesnais entende por “acumulação financeira” um processo que, com raízes nos Estados 
Unidos dos anos 1950 e na Europa dos anos 1960, passou a dominar a economia mundial 
especialmente a partir dos anos 1980, caracterizado pela:
[...] centralização em instituições especializadas [sobretudo não-bancárias, como fundos de pen-
são, sociedades de seguro] de lucros industriais não reinvestidos e de rendas não consumidas, que 
têm por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em ativos financeiros – divisas, obrigações 
e ações – mantendo-os fora da produção de bens e serviços. (CHESNAIS, 2006, p. 37)
Nos anos 1980, vários fatores se conjugaram para consolidar essa mundialização financeira, 
especialmente o que Chesnais (citando BOURGUINAT) identifica como “os três D”: “a desregu-
lamentação ou liberalização monetária e financeira, a descompartimentalização dos mercados 
financeiros nacionais e a desintermediação, a saber, a abertura das operações de empréstimos, 
antes reservadas aos bancos, a todo tipo de investidor institucional”. (2006, p. 46)
Trata-se de um processo que, apesar de efetivamente mais nítido na esfera do capital fi-
nanceiro, acabou sendo generalizado como globalização. O novo padrão tecnológico pautado 
na informática valorizou ainda mais o “capital pensante” dos países centrais e acelerou bru-
talmente os fluxos de informação e de capitais, ao mesmo tempo que acentuou as desigual-
dades, com a exclusão das periferias, já mergulhadas na crise do endividamento externo que 
as atrelou definitivamente ao circuito financeiro mundial e concedeu a organismos interna-
cionais como FMI, Organização Mundial do Comércio (antigo GATT) e Banco Mundial poderes 
nunca antes imaginados.17 Os fluxos financeiros e comerciais incrementaram-se entre os cen-
tros do sistema econômico (para muitos agora “tripolar”, dividido entre Estados Unidos, União 
Europeia e China-Japão, mas na prática ainda altamente influenciados pelos Estados Unidos e 
pelo dólar) e as antigas vantagens comparativas das periferias, como força de trabalho barata 
e matérias-primas, tornaram-se bem menos relevantes.
Tal como ocorre em relação ao debate sobre a pós-modernidade, também em relação ao 
tema da globalização econômica muitos autores o associam, direta ou indiretamente, a pro-
cessos ditos de “desterritorialização” (HAESBAERT, 2004a).18 Assim, seria sobretudo por meio 
das relações econômicas, capitalistas e, mais enfaticamente, no campo financeiro e nas ativi-
dades mais diretamente ligadas ao “ciberespaço”, que se dariam os principais mecanismos de 
destruição de barreiras ou de fixações territoriais definidoras, desde uma perspectiva geográ-
fica, da chamada globalização econômica.
Podemos identificar pelo menos três perspectivas da desterritorialização sob o ponto de 
vista econômico:
17 A liberalização e desregulamentação dos sistemas financeiros de países periféricos endividados foram feitas, é sabido, “sob a direção do 
FMI e do Banco Mundial e sob a pressão política dos Estados Unidos” (CHESNAIS, 2006, p. 47).
18 Tomaremos como base neste item, a partir de agora, algumas reflexões trabalhadas em Haesbaert e Ramos (2004b).
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32 | Os dilemas da globalização – fragmentação
• Num sentido mais amplo, a desterritorialização é vista praticamente como sinônimo 
de globalização econômica ou, pelo menos, como um de seus vetores ou caracterís-
ticas fundamentais, na medida em que ocorre a formação de um mercado mundial 
com fluxos comerciais, financeiros e de informações pretensamente independentes de 
bases territoriais bem definidas, como as dos Estados nações;
• Numa interpretação um pouco mais restrita, a ênfase é dada a um dos momentos 
do processo de globalização – ou ao mais típico –, aquele do chamado capitalismo 
pós-fordista ou de acumulação flexível, flexibilidade esta que seria responsável pelo 
enfraquecimento das bases territoriais ou, mais amplamente, espaciais, na estrutu-
ração geral da economia, em especial na lógica locacional das empresas e no âmbito 
das relações de trabalho (precarização dos vínculos entre trabalhador e empresa, por 
exemplo); daí também a proposta simplista de desterritorialização como sinônimo 
de “deslocalização”, enfatizando o caráter “multilocacional” das empresas, como se 
elas fossem cada vez mais autônomas em relação às condições locais/territoriais de 
instalação;
• Num sentido ainda mais restrito, desterritorialização seria um processo vinculado no-
tadamente a um setor específico da economia globalizada, o setor financeiro, no qual 
a tecnologia informacional tornaria mais evidentes tanto a imaterialidade quanto a 
instantaneidade (e a superação do entrave distância) nas transações, permitindo as-
sim a circulação de capital (especialmente o especulativo) em “tempo real”.19
Provavelmente, o primeiro grande autor que deu ênfase clara à fundamentação econô-
mica do processo, concomitantemente globalizador e desterritorializador, foi Karl Marx. Em 
seu discurso, a não explicitação do termo “desterritorialização” não impede a profunda análise 
das formas com que o modo de produção capitalista “desterritorializa” os modos de produção 
preexistentes para reterritorializar segundo sua própria dinâmica. A expropriação do campesi-
nato, transformado em trabalhador “livre” em meio a fenômenos como a apropriação privada 
da terra e a concentração fundiária e, no outro extremo da pirâmide social, a velocidade com 
que os estratos mais privilegiados da burguesia destroem e reconstroem o espaço social, sob 
o famoso dito de que “tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado”, 
seriam as referências mais marcantes do movimento de des-re-territorialização capitalista.
Negri e Hardt (2001, p. 348) reconhecem três aspectos primários já presentes no próprio 
Marx e que marcam o caráter “desterritorializante e imanente” [e globalizador] do capitalismo:
• liberação de populações de seus territórios na realização da acumulação primitiva, 
criando um “proletariado ‘livre’”;
19 Poderíamos inserir aqui, também, aqueles setores da economia (serviços, especialmente) estruturados cada vez mais em torno do chama-
do teletrabalho, que pode até mesmo prescindir da própria sede física da empresa (a este respeito, ver FERREIRA, 2003).
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• unificação do valor em torno do dinheiro, seuequivalente geral, referência quantitati-
va diante da qual praticamente tudo passa a ser avaliado;
• estabelecimento de um conjunto de leis “historicamente variáveis imanentes ao pró-
prio funcionamento do capital”, como as leis de taxas de lucro, taxas de exploração e 
de realização da mais-valia.
Esses teriam sido como que pré-requisitos para o gradativo processo de globalização que 
pretende-se definir, antes de tudo, pela ruptura de fronteiras, de limites e condicionamentos 
locais, pela expansão de uma dinâmica de concentração e acumulação de capital em nível 
mundial, numa integração e num cosmopolitismo generalizados. Como profetizavam Marx 
e Engels:
Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo ter-
restre. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda 
parte. Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à 
produção e ao consumo em todos os países. [...] As velhas indústrias nacionais foram des-
truídas e continuam a ser destruídas diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja 
introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas – indústrias que já 
não empregam matérias-primas nacionais, mas sim matérias-primas vindas das regiões mais 
distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio país mas em todas as partes 
do mundo. [...] No lugar do antigo isolamento de regiões e nações auto-suficientes, desen-
volvem-se um intercâmbio universal e uma universal interdependência das nações. E isto se 
refere tanto à produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma 
nação tornam-se patrimônio comum. (MARX; ENGELS, 1848, 1998, p. 43)
Entretanto, mesmo com toda a sua vocação global, tão bem retratada nesse trecho do 
Manifesto Comunista, o capitalismo não alimenta apenas uma dinâmica desterritorializadora, 
reafirmando a tese de Deleuze e Guattari (1972) de que todo processo de desterritorialização 
está sempre vinculado a uma dinâmica de reterritorialização. Fica evidente que, ao criar a nova 
“interdependência” e ao conectar, econômica e culturalmente, as regiões mais longínquas, 
está-se estruturando uma nova organização territorial, uma espécie de território-mundo glo-
balmente articulado. E este território-mundo tem como um elemento comum um sistema de 
códigos e signos igualmente criados, em grande parte, no bojo da reprodução capialista.
Podemos dizer que o capitalismo já nasce virtualmente global, ou seja, sem uma base ter-
ritorial restrita, bem definida, mas que, para realizar efetivamente sua vocação globalizadora, 
recorre a diferentes estratégias territoriais, especialmente aquela que faz apelo, ocasional ou 
permanentemente, ao ordenamento geográfico estatal. Como já ressaltamos, a interferência 
“cíclica” do Estado, sempre como uma faca de dois gumes, na contradição que lhe é inerente 
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entre a defesa de interesses públicos e interesses privados, atua no mínimo como um impor-
tante complicador nesse jogo entre abertura e (relativo) fechamento de fronteiras.
Hirst e Thompson (1998), já aqui citados, questionaram a passagem de uma economia 
inter-nacional para uma economia globalizada. Para eles, grandes potências, em especial os 
Estados Unidos, continuam como “avalistas” no “sistema de livre comércio mundial”, com a 
abertura dos mercados globais ainda dependente da política americana, e o dólar continuan-
do a ser “o intermediário do comércio mundial” (p. 33). No confronto entre uma economia 
inter-nacional e uma economia globalizada, que para eles ainda não se manifestou em sentido 
estrito, os autores afirmam:
[...] o oposto de uma economia globalizada não é uma economia voltada para dentro, mas 
um mercado mundial aberto, baseado nas nações comerciais e regulado, em maior ou menor 
grau, pelas políticas públicas dos Estados-nação e pelas agências supranacionais. Uma econo-
mia assim tem existido de uma forma ou de outra desde os anos 1870, e continua a reemergir, 
apesar de grandes contratempos, sendo o mais sério a crise dos anos 30. A questão é que isso 
não deveria ser confundido com uma economia global. (p. 36)
Assim, apesar de alguns exageros de generalização nas interpretações de Hirst e Thompson, 
a máxima de que “o capital não tem pátria” deve ser relativizada. Embora, mesmo com seu 
papel redistributivo, nunca tenha se colocado como um verdadeiro empecilho à realização da 
acumulação em escala mundial, o Estado sempre atuou, em sucessivos ciclos de interferência, 
a fim de regular a dinâmica dos mercados, em geral como um parceiro e/ou uma “escala de 
gestão” indispensável ao bom desempenho dos fluxos comerciais e financeiros. O discurso de 
uma globalização irrestrita num mundo efetivamente “sem fronteiras” ou “desterritorializado” 
vincula-se hoje, em grande parte, aos argumentos políticos daqueles que defendem o chama-
do projeto neoliberal.
Nas últimas décadas começaram a se anunciar também outros tipos de respostas do ca-
pitalismo organizado em defesa de seus interesses maiores e em reação a acontecimentos 
no seio da globalização econômica. Uma destas respostas foi a chamada reestruturação pro-
dutiva. A retomada da acumulação capitalista vai se dar por meio de uma reestruturação em 
suas bases produtivas que passam por uma restauração dos mecanismos de comando e uma 
reestruturação do poder.
O modo de produção capitalista irá tomar como fios condutores para sua reestruturação e 
manutenção de poder a “integração das economias mundiais”, que se convencionou chamar de 
globalização, e a “reestruturação das componentes de produção”, que vão incluir a força de tra-
balho e o processo produtivo. Ambos passam a se inserir em uma informatização e automação 
crescentes. Podemos perceber então, especialmente no período pré-crise de 2008, a íntima 
relação entre fenômenos como a emergência do neoliberalismo, o processo de reestruturação 
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da produção industrial e do trabalho, a mundialização da economia e a internacionalização 
dos fluxos promovidos pelo capitalismo.
Políticas neoliberais visando teoricamente ampliar a competição via desregulamentação 
(que afirmava reduzir as limitações à concorrência) e flexibilização da produção (estimulada 
também pela facilidade crescente dos deslocamentos de pessoas, produtos e informações) 
substituíram em muitas áreas o antigo modelo fordista de industrialização, pautado na produ-
ção em massa, no intervencionismo estatal e numa hierarquização mais rígida das estruturas 
produtivas.
O denominado modelo pós-fordista ou de capitalismo flexível debilitou a organização dos 
trabalhadores via estimulação dos empregos temporários e da terceirização (com a difusão 
dos sistemas de subcontratação, por exemplo). Dentro dessa mesma lógica de maior fluidez 
do capital e do incremento do lucro e da especulação, aumenta brutalmente a destruição am-
biental e surgem problemáticas também efetivamente globais, como o aquecimento provo-
cado pelo efeito estufa, a destruição da camada de ozônio e o fenômeno das chuvas ácidas, 
além da rápida difusão de velhas e novas epidemias como a cólera e a AIDS, a SARS, a gripe 
aviária e a gripe suína.
A chamada Terceira Revolução Industrial teria produzido um “meio técnico-científico” 
(SANTOS, 1985) e um “ciberespaço” pautado em relações ditas em tempo real por meio de 
infovias, interligando instantaneamente os diferentes espaços do planeta e revolucionando 
as relações espaço-tempo (o que levou SANTOS (1994) a acrescentar o qualificativo “informa-
cional” ao “meio técnico-científico”). Cria-se então um novo conjunto de redes informacio-
nais, entre as quais a internet, a world wide web, é o exemplo mais expressivo, desigualmente 
distribuído ao redor do planeta. Começa assim a ser forjada, ao lado de uma globalização

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