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Módulo 3

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Módulo 3 – Recuperação Judicial e Extrajudicial
 
1. Considerações gerais
Desde 1945, o sistema jurídico conviveu com a Lei de Falência e Concordata (LFC), que recebeu poucas modificações. A LFC tornou-se obsoleta perante o dinamismo dos fatos econômicos e suas consequências sociais. O direito concursal envelhece prematuramente e, por isso, necessita de atualização sucessiva a curto prazo.
Quando as empresas quebram, as fazendas públicas não arrecadam, os credores não recebem e os empregados ficam desempregados, por isso, o direito reclamava uma nova sistemática concursal.
A Lei de Recuperação de Empresas (LRE) não é propriamente agente de transformação, mas um mecanismo legal de sintonia, dependendo de políticas econômicas, políticas sociais, labor doutrinário, compreensão jurisprudencial e de previsíveis alterações para compatibilizar o mundo econômico e o mundo jurídico em constante distonia.
Deve-se distinguir a crise econômica, financeira e patrimonial da empresa, embora uma desencadeia a outra.
A crise econômica é a retração considerável nos negócios desenvolvidos pela sociedade empresária (ex. se os consumidores reduzirem a aquisição de produtos ou serviços, o empresário varejista pode sofrer queda de faturamento). A crise financeira revela-se quando a sociedade empresária não tem caixa para honrar seus compromissos. É a crise de liquidez (as vendas podem estar crescendo e o faturamento satisfatório e, portanto, não existir crise econômica -, mas a sociedade empresária pode ter dificuldades de honrar suas obrigações, porque ainda não amortizou o capital investido nos produtos mais novos, está endividada em moeda estrangeira e foi surpreendida por uma crise cambial). A crise patrimonial, por sua vez, é a insolvência, isto é, a insuficiência de bens do ativo para atender à satisfação do passivo.
Em geral, determinada sociedade empresária está em crise após a manifestação das três formas pela qual se manifesta. A queda das vendas acarreta falta de liquidez e, em seguida, insolvência.
Algumas empresas, porque são tecnicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem ser encerradas. Assim, a recuperação da empresa não deve ser buscada a qualquer custo, pelo contrário, as más empresas devem falir.   
A LRE disciplina as recuperações e a falência, com nítida preferência pela primeira. Da leitura de seus dispositivos legais conclui-se que a falência só deve ser adotada em último caso.  
A LRE abre dois caminhos para o devedor: a recuperação extrajudicial, posteriormente homologada pelo juiz; e a recuperação judicial. Em ambas, é decisiva a intervenção dos credores, concordando ou discordando, revendo propostas e sugerindo alternativas. Estabelece-se com isso um processo dialético, sempre iniciado pelo devedor, mas que, em face de planos alternativos propostos pelos credores, pode acolher ou não tais propostas.
São características das recuperações: flexibilização dos procedimentos preventivos; ampliação da participação dos credores; maior amplitude nas possibilidades de acordo entre credores e devedor; manutenção do privilégio dos créditos trabalhistas e acidentários; mitigação da função jurisdicional; adoção de novos mecanismos para superação das crises empresariais; simplificação dos procedimentos; e reformulação da função administrativa.
Os objetivos da recuperação extrajudicial e judicial são iguais: saneamento da crise econômico-financeira e patrimonial, preservação da atividade econômica e dos postos de trabalho, bem como o atendimento aos interesses dos credores.
2. Recuperação Judicial:
Quem se encontra em crise econômico-financeira não pode mais pleitear o favor legal da concordata preventiva. Contudo, o agente econômico que se encontra em regime de concordata preventiva continuando observando as regras da Lei de Falências, se não optar pelo ingresso no sistema da recuperação judicial, ou seja, se possuir os requisitos necessários para tal. O § 2º do art. 192 declara que a existência de pedido de concordata anterior à Lei de Recuperação de Empresas não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor, desde que este não tenha deixado de cumprir obrigação da concordata. Os créditos submetidos a concordata devem ser inscritos, por seu valor original, na recuperação judicial, abatidas as parcelas pagas pelo concordatário.
Nos processos de falência em andamento na data da vigência da Lei de Recuperação de Empresas, não será possível a obtenção de concordata suspensiva, simplesmente porque esta não existe mais, como alternativa legal à falência. Na sistemática da Lei de Recuperação de Empresas, a recuperação judicial só é cabível em caráter preventivo da falência.
A LRE aplica-se às falências decretadas em sua vigência com base no art. 162 (convolação de concordata preventiva em falência) da atual Lei de Falências. Ex. Se o juiz decretar a falência do devedor que postulou a concordata, em face da ocorrência de impedimentos, da falta de condições para a concordata ou de inexatidão documental, a falência será regida pela LRE.
Da mesma forma, na concordata preventiva em curso com base na lei anterior, a convolação em falência por falta de pagamento de parcela da concordata (art. 175, § 8º da LF) determina a incidência da LRE. Do mesmo modo, quando na concordata preventiva, o juiz declarar a falência do devedor. Claro que nesses casos assiste ao devedor o direito de agravar de instrumento, mas sem efeito suspensivo.
O CPC e o CPP são fontes subsidiárias da LRE, o primeiro por força do art. 189, o segundo com base no art. 188, naquilo que forem compatíveis.
3. Processo da Recuperação Judicial:
O processo da recuperação judicial se divide em três fases distintas. A primeira, que pode ser chamada de fase postulatória. Ela tem início com a petição inicial de recuperação judicial e se encerra com o despacho judicial mandando processar o pedido. A segunda fase, pode ser chamada de deliberativa, após a verificação de crédito, discute-se e aprova-se um plano de reorganização. Tem início com o despacho que manda processar a recuperação judicial e se conclui com a decisão concessiva do benefício. A terceira fase é chamada de fase de execução, compreende a fiscalização do cumprimento do plano aprovado. Começa com a decisão concessiva da recuperação judicial e termina com a sentença de encerramento do processo.
 
3.1. Fase Postulatória
A fase postulatória do processo de recuperação compreende, via de regra, dois atos apenas: a petição inicial (com a instrução exigida por lei) e o despacho do juiz mandando processar a recuperação. Se a instrução do pedido não tiver observado a lei, o processo poderá ser arrastado pelo período solicitado para apresentação de documentos ou por determinação do juiz, para emendar a petição inicial.
O MP não participa da fase postulatória. A lei prevê que ele será intimado apenas se o juiz determinar o processamento do pedido ou decretar a falência do requerente.
1.1 Sujeito Ativo
Só tem legitimidade ativa para o processo de recuperação judicial quem é sujeito passivo do pedido de falência. A lei só defere a recuperação judicial a quem pode falir.
A recuperação judicial só tem lugar se o titular da empresa em crise o quiser. Se credores, trabalhadores, sindicatos ou órgão governamental tiverem um plano para a reorganização da atividade econômica em estado pré-falencial, não se poderá dar início ao processo de recuperação judicial se o devedor não tiver interesse ou vontade de fazê-lo.
São sujeitos ativos para o pedido de recuperação judicial o empresário individual e as sociedades empresárias. As sociedades em comum, de economia mista, cooperativa ou simples não podem pleitear a recuperação judicial porque não estão sujeitas à falência. Também estão excluídas do benefício as instituições financeiras, integrantes do sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários no mercado de capitais, corretoras de câmbio (Lei nº 6.024/74, art. 53), seguradoras (Dec-lei nº 73/66, art. 26) e as operadoras de planosprivados de assistência à saúde (Lei nº 7.565/86, art. 187).  
Para legitimar-se ao pedido de recuperação judicial não basta ser exercente de atividade econômica sujeito à falência. A sociedade empresária deve atender a mais quatro requisitos cumulativamente (art. 48 da LRE):
1) a) não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes (inciso I). A recuperação judicial só é concedida para os devedores em estado de pré-falência, não é concedida para quem já teve a falência decretada. Ainda que a sociedade empresária tenha títulos protestados ou mesmo a falência requerida, ela tem o direito de pleitear a recuperação judicial, desde que esteja em crise econômica, financeira ou patrimonial.  
 
b) exercer regularmente suas atividades há mais de 2 anos. Esse requisito diz respeito ao tempo mínimo de exploração da atividade econômica exigido. Não concede a lei à recuperação judicial aos que exploram empresa há menos de 2 anos, por presumir que a importância desta para a economia local, regional ou nacional ainda não se consolidou.
 
3) c) não ter, há menos de 5 anos, obtido concessão de recuperação judicial. Não tem legitimidade para o pedido de recuperação judicial o devedor que a obteve há menos de 5 anos, porque sugere falta de competência para exploração da atividade econômica. Quando o requerente da recuperação judicial se tratar de microempresa ou empresa de pequeno porte, o prazo também será de 5 anos, caso tenha obtido recuperação judicial no plano especial previsto na lei falimentar.
 
4) d) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta lei. A lei considera que o controle ou a administração da empresa em crise por criminoso é indicativo de uso indevido do instituto.
 
A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.
 
Tratando-se de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente.
 
1.2 Petição inicial:
 
A lei determina que a petição inicial do pedido de recuperação judicial seja necessariamente instruída com certos elementos e documentos (art. 51 da LRE):
a) exposição das causas. Em instrumento apartado, que deverá acompanhar a petição inicial, a sociedade empresária devedora exporá as causas de seu estado de pré-insolvência, isto é, os motivos que a levaram à crise patrimonial, econômica e financeira. A lei determina que a exposição mencione as causas concretas, ou seja, as que atingem diretamente a sociedade requerente. Afirmações genéricas relativas a recessão da economia mundial, os altos juros bancários ou a redução do consumo em função do aumento do desemprego não são suficientes à exposição das causas que justificam o pedido de recuperação judicial.
               
Se as razões das dificuldades dizem respeito a má administração, para a reorganização da empresa será necessário substituí-los; se estão ligadas ao atraso tecnológico, dependerá de recursos necessários à modernização do estabelecimento empresarial; quando decorrem exclusivamente da conjuntura econômica desfavorável, a recuperação pode ocorrer com a simples prorrogação no vencimento de algumas obrigações ou corte de custos. Para cada empresa caberá adotar solução diversa em função da causa de sua crise. Entre as causas concretas mencionadas pela sociedade e o seu plano de reorganização deve existir um liame lógico e tecnicamente consistente.  
Entretanto, o juiz não adentra no mérito da exposição ao despachar o pedido de recuperação judicial. Desde que apresentado o diagnóstico, atende-se à lei. Na verdade, a veracidade e consistência das causas são condições necessárias para que os credores aprovem o plano de recuperação.  
b) A lei exige que a sociedade empresária devedora instrua sua petição inicial com os seguintes documentos: balanço patrimonial, demonstração de resultados acumulados, demonstração de resultado desde último exercício social e relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção.
A devedora deve apresentar as demonstrações contábeis dos 3 últimos exercícios (balanço patrimonial, demonstração de resultados acumulados e demonstração de resultado) e um especialmente levantado para a recuperação (Seg. Fábio Ulhoa com data de no máximo 30 dias anteriores à petição inicial).
O acesso dos credores a essas demonstrações contábeis servem de suporte à análise financeira da sociedade devedora pelos profissionais da área.
A sociedade empresária deve elaborar a relação de credores e apresentá-la na instrução do pedido de recuperação judicial. A lista deve ser nominal e abranger as obrigações pecuniárias, como também as de fazer ou de dar. Exige-se a indicação do endereço do credor e a discriminação de cada crédito em função da natureza, classificação, valor atualizado, origem, condições de vencimento e indicação do respectivo registro contábil. A data da relação de credores deve corresponder à da distribuição do pedido em juízo (ou do dia anterior, se impossível).
c) A devedora deve instruir a petição inicial com o rol completo de seus empregados, discriminando as respectivas funções. A relação deve informar os salários, indenizações e outras parcelas a que os empregados têm direito e o respectivo mês em que ocorreu o vencimento da obrigação empregatícia (competência).
 A sociedade devedora deve instruir a petição inicial de recuperação judicial com seus atos constitutivos (contrato social ou estatuto) devidamente atualizados. Deve constar também os atos societários de eleição dos administradores (ata do conselho de administração, da assembleia geral, documento apartado subscrito pelos sócios da limitada etc). 
 
e)  Apresentação da relação dos bens do sócio majoritário da sociedade limitada ou do acionista controlador da anônima e de seus administradores. A finalidade é propiciar aos credores o exame de algumas hipóteses de outorga de garantias reais ou fidejussórias pelos sócios, acionista controlador ou administradores da sociedade devedora. A mencionada relação, no entanto, pode ser substituída por declaração de exercício do direito constitucional à privacidade pelo sócio, controlador ou administrador (inviolabilidade da vida privada –art. 5º, X, da CF). 
 
f) Devem ser exibidos com a petição os extratos bancários que informem o saldo credor ou devedor existente nas diversas contas de depósito na data da distribuição do pedido de recuperação judicial. Também devem ser apresentados os extratos relativos a quaisquer aplicações financeiras, incluindo fundos de investimento e bolsas de valores. A finalidade é informar aos credores o montante de ativos financeiros que a sociedade devedora dispõe. 
 
g) A petição inicial deve ser instruída com  certidões de protesto expedidas pelos cartórios das comarcas onde a sociedade empresária mantém sua sede e filiais. O conteúdo das certidões não facilita, dificulta ou impede o acesso ao benefício.
 
h) Para possibilitar aos credores e aos profissionais, a completa mensuração do potencial de recuperação da devedora. Da relação é necessário que conste a estimativa atualizada dos valores objeto de demanda.
 
A escrituração mercantil da requerente
Depositada ou não em cartório, a escrituração deve ficar à disposição do juízo e do administrador judicial. Qualquer interessado, mediante autorização do juiz poderá consultá-la. Fica, portanto, suspenso o benefício do sigilo da escrituração mercantil (art. 51, §§ 1º, 2º e 3º).  
 
1.3  Despacho de processamento e seus efeitos
  
A simples distribuição do pedido de recuperação judicial produz o efeito de suspender a tramitação dos pedidos de falência ajuizados contra a sociedade requerente. Verifica-se a suspensão se a petição inicial da recuperação estiver instruídana forma da lei. A previsão legal da suspensão do pedido de falência pelos simples ajuizamento da recuperação judicial serve para a concretização de fraude.
Se a sociedade devedora não apresentar a totalidade dos documentos e elementos indispensáveis à regular instrução do pedido de recuperação judicial, ela pode apresentar o pedido incompleto e requerer ao juiz que lhe conceda prazo para a complementação. Se deferido o prazo, fica-se no aguardo das providências pela sociedade devedora.
Estando em termos a petição inicial, o juiz proferirá despacho mandando processar a recuperação judicial.
O despacho que determina o processamento da recuperação judicial não se confunde com o despacho inicial, este limita-se a determinar a autuação do processo e ou, no máximo, a emenda da petição. Enquanto o despacho de processamento reconhece a legitimidade da requerente para o pedido e a regularidade da instrução da petição inicial.
Do mesmo modo, não se confunde o despacho que determina o processamento da recuperação judicial com a decisão concessiva do benefício. Esta última será proferida, depois na conclusão da fase deliberativa, caso seja confirmada a viabilidade da empresa em crise. O despacho de processamento, por sua vez, embora produza já os efeitos de suspensão das ações e execuções contra a sociedade requerente, apenas inaugura a fase de deliberação com a constituição dos órgãos específicos da recuperação judicial.
O conteúdo e os efeitos do despacho de processamento da recuperação estão previstos na lei e são os seguintes (art. 52 da LRE): a) nomeação do administrador judicial;
b) dispensa do requerente da exibição de certidões negativas para o exercício de suas atividades econômicas, exceto no caso de contrato com o Poder Público ou para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios;
c)suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor, exceto as exceções da lei;
d) determinação à devedora de apresentação de contas demonstrativas mensais, sob pena de destituição de seus administradores;
e) ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que a requerente estiver estabelecida.       
Proferida a decisão, será feita a publicação de edital na imprensa oficial (art. 52, § 1º), contendo um resumo do pedido e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial; a relação nominal dos credores, em que se descrimine o valor atualizado e a classificação de cada crédito; advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos (art. 7º, § 1º, da lei), e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial (art. 55 da lei).
No despacho de processamento, o juiz pode determinar, a pedido dos credores, a convocação da assembleia geral de credores para a constituição do Comitê de Credores. Nada impede que o juiz convoque a assembleia ex officio.
Deferido o processamento da recuperação, o devedor dela não pode mais desistir, salvo com a anuência da assembleia geral de credores (art. 52, § 4º).
Nem todas as ações e execuções promovidas contra a sociedade requerente da recuperação judicial se suspendem. Assim, continuam a tramitar: a) ações de qualquer natureza (cível ou trabalhista) que demandam quantias ilíquidas; b) reclamações trabalhistas; c) execuções fiscais, caso não concedido o parcelamento na forma da lei específica a ser editada nos termos do art. 155-A, §§ 3º e 4º, do CTN; d) execuções promovidas por credores absolutamente não sujeitos à recuperação judicial (isto é, pelos bancos titulares de crédito derivado de antecipação aos exportadores (ACC), proprietário fiduciário, arrendador mercantil ou o vendedor ou promitente vendedor de imóvel ou de bem com reserva de domínio).    
É temporária a suspensão das ações e execuções em virtude do despacho que manda processar o pedido de recuperação judicial. Cessa esse efeito quando verificado o primeiro dos seguintes fatos: a) aprovação do plano de recuperação ou b) decurso do prazo de 180 dias, contados do deferimento do processamento da recuperação (art. 6º, § 4º). Desse modo, a sociedade empresária requerente como seus credores têm todo o interesse em agilizar a tramitação do processo. Do lado da devedora, apenas se ela obtiver a votação do plano de recuperação pela Assembleia dos Credores no prazo de 180 dias conseguirá alcançar o objetivo pretendido com a medida de recuperação judicial. Do lado dos credores, se retardarem injustificadamente a apreciação do plano, expõem-se ao risco de nada receberem em razão da provável falência da requerente, decorrente do prosseguimento dos pedidos que se encontravam suspensos.
Compete à devedora requerente informar a ordem de suspensão dada no despacho de processamento da recuperação judicial aos juízes perante os quais tramitam as ações e execuções que deverão ser suspensas (art. 52, § 3º).
Na recuperação judicial:
O comitê é órgão facultativo na recuperação judicial. Sua constituição e operacionalização dependem do tamanho da atividade econômica em crise. Ele deve existir apenas quando a sociedade empresária devedora explora atividade que possa absorver as despesas com o órgão. Quem decide se o órgão deve ou não existir são os credores da sociedade em recuperação judicial, reunidos em assembleia.
A principal competência do comitê é fiscal. Cabe aos membros desse órgão fiscalizar tanto o administrador judicial como a sociedade em recuperação judicial, antes e depois de concedida esta. Para isso, os membros do comitê têm livre acesso às dependências, a escrituração e aos documentos da sociedade empresária. Sempre que constar qualquer irregularidade, o comitê, por voto da maioria dos seus membros, deve encaminhar ao juiz as providências que entender pertinentes.
Além da competência fiscal, a que presta contas mensalmente, o comitê pode eventualmente exercer outras: elaboração de plano de recuperação alternativo ao apresentado pela sociedade empresária devedora e deliberação sobre as alienações de bens do ativo permanente e os endividamentos necessários à continuação da atividade empresarial, quando determinado pelo juiz o afastamento dos administradores da empresa em crise.
Nas recuperações judiciais que não houver comitê, as atribuições desse órgão são exercidas pelo administrador judicial.  
3. 2 Fase Deliberativa:
Verificação dos Créditos
A fase de deliberação do processo de recuperação judicial inicia-se com o despacho de processamento. O principal objetivo dessa fase é a votação do plano de recuperação da sociedade empresária devedora. Para que essa votação se realize, como providência preliminar, é indispensável a verificação dos créditos.
Na falência, a verificação dos créditos é condição para a apuração do passivo a ser satisfeito na execução concursal; na recuperação judicial sua finalidade é restrita à legitimação para participar da Assembleia dos Credores e no peso proporcional de seus votos.
A verificação dos créditos na recuperação judicial é feita pelo administrador judicial e segue o mesmo procedimento estabelecido para a falência.  
Objeção (art. 55) – Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 dias contado da publicação da relação de credores do § 2º do art. 7º da lei (relação de credores apresentada pelo administrador judicial). Havendo objeção ao plano de recuperação judicial, o juiz convocará a assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.  
Os credores que impugnarem o plano têm o ônus de demonstrar que sua materialização lhes causaria mais perdas que a outros credores, ou mesmo a outras categorias de credores.
É sempre possível que a fundamentação tenha como base a fraude no mecanismo de aprovação do plano, por exemplo, a prestação de informações falsas ou a ocultação de dados essenciais relativos à empresa em recuperação.
Impugnação (art. 8º) – No prazo de 10 dias, contado da publicação da relação de credores  apresentada pelo administrador judicial,o Comitê, qualquer credor, o devedor ou os seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência de qualquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação de crédito relacionado. A impugnação será processada nos termos dos arts. 13 a 15 da lei.               
O Plano de Recuperação Judicial
A sociedade devedora deve apresentar o Plano de Recuperação Judicial no prazo de 60 dias, contados da publicação do despacho de deferimento do processamento (art. 53 da LRE).
Depende exclusivamente do plano de recuperação a realização ou não dos objetivos associados ao instituto, ou seja, a preservação da atividade econômica e o cumprimento de sua função social.  
O plano de recuperação judicial deve indicar pormenorizada e fundamentadamente o meio ou meios pelos quais a sociedade empresária devedora deverá suportar as dificuldades que enfrenta. A consistência econômica do plano está diretamente relacionada ao adequado diagnóstico das razões da crise e de sua natureza (se econômica, financeira ou patrimonial) e à adequação dos remédios indicados para o caso.
No tocante à alteração das obrigações da beneficiária, a lei se preocupou em estabelecer 4 balizas:
1ª) Os créditos trabalhistas e acidentários vencidos na data da apresentação do pedido de recuperação judicial devem ser pagos no prazo máximo de 1 ano (art. 54). Também não poderá fixar prazo superior a 30 dias para o pagamento dos créditos estritamente salariais vencidos nos 3 meses anteriores ao pedido. O limite desse pagamento é de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador (art. 54, parágrafo único);
2ª) A lei prevê a possibilidade de parcelamento do crédito fiscal na forma autorizada pelo CTN. Esse diploma legal contempla, em seu art. 155-A e parágrafos, que uma lei específica a ser editada disporá sobre o parcelamento. Enquanto não for editada essa norma, a recuperação judicial não importará nenhuma mudança no perfil do passivo fiscal da sociedade requerente.
3ª) Se o plano prevê a alienação de bens onerados (hipotecados ou empenhados), a supressão ou substituição da garantia real depende da expressa aprovação do credor que a titulariza. Para a simples supressão ou substituição de uma garantia real, é suficiente que o plano de recuperação judicial seja aprovado. Mesmo que o titular da garantia não tenha votado em favor do plano, sua aprovação basta para a supressão ou substituição. Se, porém, for prevista a alienação do bem como meio de recuperação judicial será indispensável a concordância do credor titular da garantia real. Se vier a ser decretada a falência da sociedade devedora, a garantia real suprimida ou substituída no plano de recuperação judicial se reestabelece por completo. Entretanto, se o bem onerado for vendido, não ocorrerá o reestabelecimento da garantia. Dessa  forma, somente a alienação da coisa hipotecada ou empenhada depende da anuência expressa do titular da garantia, mas não sua mera supressão ou substituição.      
4ª) Nos créditos em moeda estrangeira, sua conversão para a moeda nacional (conversão da variação cambial como parâmetro de indexação) depende de expressa concordância do titular do crédito. Se o credor de obrigação contratada em moeda estrangeira não concordar, o plano de recuperação judicial não poderá prever sua conversão à moeda nacional por critério diverso do contratado.
Com exceção dos créditos acima mencionados, todos os demais créditos titularizados contra a sociedade requerente da recuperação judicial podem ser objeto de amplas alterações no valor, forma de pagamento, condições de cumprimento da obrigação e etc.
 
O plano de recuperação judicial deve conter (art. 53, I, II e III):
a)  detalhamento dos meios de recuperação a ser empregados (art. 50), e seu resumo;
b)  demonstração da viabilidade econômica; e
c)   laudo econômico-financeiro e de avaliação do ativo do devedor.
 
O plano deve abordar a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação e a demonstração da viabilidade econômica. Além disso, ele deve vir acompanhado de dois laudos subscritos por contador ou empresa especializada: o de avaliação patrimonial e o econômico-financeiro. O laudo de avaliação patrimonial diz respeito aos bens da sociedade devedora que compõem o ativo indicado no balanço levantado especialmente para a ocasião. Trata-se de mensuração importante na verificação da consistência das demonstrações contábeis exibidas pelo requerente da recuperação judicial. Deve abranger bens móveis, imóveis, eventuais direitos suscetíveis de apropriação contábil ou alienação (marcas, patentes e etc).
Já o laudo econômico-financeiro é relativo ao potencial de geração de negócios da empresa em crise. Trata-se de mensuração bem mais complexa que a do patrimônio e deve processar-se, basicamente, pelo modelo de fluxo de caixa descontado.
Os credores podem elaborar planos alternativos, para apresentar na objeção (se pretender discutir a viabilidade do plano da devedora) ou diretamente na Assembleia dos Credores. O Comitê, caso instalado, ou o administrador judicial também tem legitimidade para apresentar à assembleia plano alternativo de recuperação judicial. A lei não obriga, mas convém que os planos alternativos atendam aos mesmos requisitos estabelecidos para o plano da requerente, isto é, aborde os mesmos temas e indique, se houver, as críticas aos laudos.   
Cabe à Assembleia dos Credores, tendo vista o apresentado pela devedora e eventual proposta alternativa que lhe tenha sido submetida, discutir e votar o plano de recuperação. Novas propostas e sugestões de aperfeiçoamento também podem ser levantadas na própria Assembleia pelos credores presentes, cabendo ampla negociação entre os envolvidos.
A lei estabelece quórum de deliberação qualificado para a votação do plano de recuperação. A aprovação do plano de recuperação deve ocorrer em todas as classes de credores: na classe II (titulares de créditos com garantia real), III (titulars de crédito com privilégio especial, privilégio geral e titulares de créditos quirografários) e IV (titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte), o plano deverá ser aprovado por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes e, também, pela maioria simples dos credores presentes; na classe I (titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho), o plano deverá ser aprovado pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.   
Se, por exemplo, numa das classes II ou III estiverem presentes à Assembleia Manuel (cujo crédito é $ 31), Márcio ($10) e Evandro ($ 20), para que o plano de recuperação seja aprovado nessa instância, será necessária a concordância de Manuel (que sozinho titulariza a maioria dos créditos presentes da classe) e de pelo menos mais um credor, Márcio ou Evandro (para que se verifique também a maioria dos credores presentes, independentemente do valor dos seus créditos). Faltando uma ou outra condição, o plano não é aprovado nessa classe e, por conseqüência está rejeitado. 
Não participa da votação do Plano de Recuperação Judicial e não integra, por isso, o quórum de deliberação, o credor cujo direito não for por ele afetado. Se houver mais de um plano em votação, e apenas um deles alterar o direito de determinado credor, ele participa apenas da votação deste e não do outro. Essa exclusão da base de cálculo do quórum de deliberação do plano justifica-se no pressuposto da lei de que o credor não atingido pela proposta de reorganização da empresa não teria nenhum interesse no resultado da votação.
A lei fornece ao juiz uma alternativa para aprovação do plano de recuperação judicial que não obteve aprovação na forma com base no quórum qualificado de deliberação. Trata-se do plano que recebeu cumulativamente na Assembleia (art. 58, § 1º, I, II e III):
a)  voto favorável de mais da metade do total dos créditos presentes, independentementedas classes de seus titulares;
b) aprovação do plano por três das classes de credores ou, caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos uma delas; e
c)  na classe que rejeitou o plano, este tenha obtido o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores.
 
Em suma, três podem ser os resultados da votação na assembleia: 1) aprovação do plano de recuperação, por deliberação que atendeu ao quórum qualificado da lei; 2) apoio ao plano de recuperação, por deliberação que quase atendeu a esse quórum qualificado; 3) rejeição de todos os planos discutidos. No primeiro caso, o juiz limita-se a homologar a aprovação do plano pelos credores; no segundo, ele terá a discricionariedade para aprovar ou não o plano que quase alcançou o quórum qualificado; no terceiro, deve decretar a falência da sociedade requerente da recuperação judicial.    
Exercício resolvido:
Quais são as fases da recuperação judicial?
O processo da recuperação judicial se divide em três fases distintas. A primeira, que pode ser chamada de fase postulatória. Ela tem início com a petição inicial de recuperação judicial e se encerra com o despacho judicial mandando processar o pedido. A segunda fase, pode ser chamada de deliberativa, após a verificação de crédito, discute-se e aprova-se um plano de reorganização. Tem início com o despacho que manda processar a recuperação judicial e se conclui com a decisão concessiva do benefício. A terceira fase é chamada de fase de execução, compreende a fiscalização do cumprimento do plano aprovado. Começa com a decisão concessiva da recuperação judicial e termina com a sentença de encerramento do processo.

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